Resumos
O objetivo deste estudo foi verificar a compatibilidade reprodutiva entre algumas populações de Euseius citrifolius Denmark & Muma, para comprovação de que pertencem a uma mesma espécie. Os exemplares coletados em campo foram identificados como E. citrifolius com base em caracteres morfológicos. As populações foram coletadas de Bauhinia sp. em Arroio do Meio - RS, Coffea arabica L. em Campinas - SP e Terminalia catappa L. em Petrolina - PE. Cruzamentos e retrocruzamentos foram realizados para avaliar a reprodução destes ácaros durante um período de dez dias. Os níveis de oviposição nos cruzamentos homogâmicos foram maiores que nos cruzamentos heterogâmicos. Observou-se incompatibilidade reprodutiva parcial nos cruzamentos heterogâmicos envolvendo fêmeas de Petrolina; elas não produziram descendentes quando retrocruzadas com indivíduos das populações parentais. Essa incompatibilidade aparente pode ter-se devido às características intrínsecas representadas por diferenças no genoma das populações. As populações estudadas pertencem, pois, à uma mesma espécie, e o fluxo gênico pode ocorrer entre as populações de Petrolina e Arroio do Meio e de Campinas e Petrolina. Estudos para detecção de Wolbachia e de caracterização molecular dessas populações poderão fornecer informações que auxiliem no entendimento das incompatibilidades.
Controle biológico; ácaro; fitoseídeo; predador
The objective of this study was to verify the reproductive compatibility between populations of Euseius citrifolius Denmark & Muma, to ascertain that they belonged to the same species. The individuals collected in the field were identified as E. citrifolius based on morphological characters. Populations were collected from Bauhinia sp. in Arroio do Meio - RS, Coffea arabica L. in Campinas - SP and Terminalia catappa L. in Petrolina - PE, Brazil. Homogamic and heterogamic crosses and backcrosses were conducted to evaluate reproduction for a period of 10 days. Oviposition rates in homogamic crosses were generally higher than in heterogamic crosses. Partial incompatibility was observed in heterogamic crosses involving females from Petrolina; they did not produce offspring when backcrossed with males of parental populations. This apparent incompatibility can be due to intrinsic characteristics represented by difference in genomic population. So, the populations studied belong to the same species, and the gene flow can occur between populations from Petrolina and Arroio do Meio, as well as between populations from Campinas and Petrolina. Study for detection of Wolbachia and molecular characterization of this populations may be a good tool for the understanding of incompatibility results.
Biological control; mite; phytoseiid; predator
ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS
Compatibilidade Reprodutiva Entre Populações de Euseius citrifolius Denmark & Muma (Acari: Phytoseiidae)
ALOYSÉIA C.S. NORONHA1 E GILBERTO J. MORAES2
1Embrapa Mandioca e Fruticultura, C. postal 007, 44380-000, Cruz das Almas, BA
2Pesquisador do CNPq, Depto. Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, ESALQ/USP, C. postal 9
13418-900, Piracicaba, SP
Reproductive Compatibility Between Populations of Euseius citrifolius Denmark & Muma
(Acari: Phytoseiidae)
ABSTRACT - The objective of this study was to verify the reproductive compatibility between populations of Euseius citrifolius Denmark & Muma, to ascertain that they belonged to the same species. The individuals collected in the field were identified as E. citrifolius based on morphological characters. Populations were collected from Bauhinia sp. in Arroio do Meio - RS, Coffea arabica L. in Campinas - SP and Terminalia catappa L. in Petrolina - PE, Brazil. Homogamic and heterogamic crosses and backcrosses were conducted to evaluate reproduction for a period of 10 days. Oviposition rates in homogamic crosses were generally higher than in heterogamic crosses. Partial incompatibility was observed in heterogamic crosses involving females from Petrolina; they did not produce offspring when backcrossed with males of parental populations. This apparent incompatibility can be due to intrinsic characteristics represented by difference in genomic population. So, the populations studied belong to the same species, and the gene flow can occur between populations from Petrolina and Arroio do Meio, as well as between populations from Campinas and Petrolina. Study for detection of Wolbachia and molecular characterization of this populations may be a good tool for the understanding of incompatibility results.
KEY WORDS: Biological control, mite, phytoseiid, predator
RESUMO - O objetivo deste estudo foi verificar a compatibilidade reprodutiva entre algumas populações de Euseius citrifolius Denmark & Muma, para comprovação de que pertencem a uma mesma espécie. Os exemplares coletados em campo foram identificados como E. citrifolius com base em caracteres morfológicos. As populações foram coletadas de Bauhinia sp. em Arroio do Meio - RS, Coffea arabica L. em Campinas - SP e Terminalia catappa L. em Petrolina - PE. Cruzamentos e retrocruzamentos foram realizados para avaliar a reprodução destes ácaros durante um período de dez dias. Os níveis de oviposição nos cruzamentos homogâmicos foram maiores que nos cruzamentos heterogâmicos. Observou-se incompatibilidade reprodutiva parcial nos cruzamentos heterogâmicos envolvendo fêmeas de Petrolina; elas não produziram descendentes quando retrocruzadas com indivíduos das populações parentais. Essa incompatibilidade aparente pode ter-se devido às características intrínsecas representadas por diferenças no genoma das populações. As populações estudadas pertencem, pois, à uma mesma espécie, e o fluxo gênico pode ocorrer entre as populações de Petrolina e Arroio do Meio e de Campinas e Petrolina. Estudos para detecção de Wolbachia e de caracterização molecular dessas populações poderão fornecer informações que auxiliem no entendimento das incompatibilidades.
PALAVRAS-CHAVE: Controle biológico, ácaro, fitoseídeo, predador
Ácaros da família Phytoseiidae constituem um grupo eficiente de predadores de ácaros fitófagos (McMurtry et al. 1970, McMurtry 1982). Esses predadores vêm sendo empregados no controle biológico de ácaros pragas importantes em vários cultivos em condições de campo e de casa-de-vegetação, com vários relatos de sucessos (McMurtry 1982, International Institute of Tropical Agriculture 1995, Bellotti et al. 1999, Marshall et al. 2001).
A correta identificação dos agentes de controle biológico a serem introduzidos em uma nova área é fundamental, já que identificações imprecisas podem resultar em insucessos (Moraes 1987). A identificação de fitoseídeos é normalmente feita com base em considerações morfológicas com medições de estruturas consideradas importantes para a separação de espécies, porém os caracteres morfológicos nem sempre são suficientes para a separação de espécies muito semelhantes (Moraes & McMurtry 1983). Moraes (1987) citou que estudos de variações morfológicas entre e dentro de populações de predadores fitoseídeos mostram consideráveis variações dentro de populações de acordo com a distribuição geográfica, estação e planta hospedeira. Para o esclarecimento de certas dúvidas, freqüentemente consideram-se aspectos ecológicos e biológicos (McMurtry 1980, Congdon & McMurtry 1985, Moraes 1987). Estudos de cruzamentos e, mais recentemente, de caracterização molecular têm sido realizados com populações de ácaros em complemento à caracterização morfológica (Navajas et al. 1999, Navajas & Fenton 2000).
Vários trabalhos de cruzamentos para o estudo da compatibilidade reprodutiva têm sido realizados entre populações provenientes de diferentes hospedeiros e/ou áreas geográficas, com constatação de incompatibilidade reprodutiva em alguns estudos (Croft 1970, Hoying & Croft 1977, McMurtry 1980 e Abou-Setta et al. 1991). Essa incompatibilidade pode ter causas exógenas, e estar relacionada com a presença de microrganismos simbiontes como bactérias do gênero Wolbachia, presentes no sistema reprodutivo causando efeitos em seus hospedeiros (Hoy & Cave 1988, Breeuwer & Jacobs 1996, Werren 1997, van der Geest et al. 2000). Alguns estudos relatam a ocorrência de mortalidade do embrião e razão sexual em favor de machos quando de cruzamentos entre populações dos ácaros fitófagos Tetranychus neocaledonicus André, Amphitetranychus quercivorus (Ehara & Goth), Panonychus ulmi (Koch) e P. mori Yokoyama, e do fitoseídeo Galendromus occidentalis (Nesbitt) sugerindo a possibilidade de incompatibilidade devido à ocorrência de microrganismos (Hoy & Cave 1988, Breeuwer & Jacobs 1996, Johanowicz & Hoy 1999). É possível que a incompatibilidade reprodutiva entre populações e colônias de fitoseídeos, citada em vários estudos, seja conseqüência de diferenças genéticas entre seus simbiontes (Hoy 1985).
Euseius citrifolius Denmark & Muma tem sido relatado no Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, sobre uma diversidade de plantas (Moraes & McMurtry 1983, Feres & Moraes 1998, Ferla & Moraes 1998, Gondim Junior & Moraes 2001). Essas identificações foram sempre baseadas em avaliações morfológicas, tendo-se mencionado, em algumas destas publicações variações morfológicas entre distintas populações (Feres & Moraes 1998, Gondim Junior & Moraes 2001). As pequenas variações morfológicas associadas às diferentes plantas hospedeiras poderiam corresponder à existência de populações morfologicamente semelhantes ou idênticas, mas biologicamente distintas.
Noronha (2002), não constatou diferenças expressivas nas dimensões das estruturas utilizadas na caracterização morfológica entre populações de E. citrifolius. Este trabalho foi realizado para verificar a compatibilidade reprodutiva entre populações identificadas como E. citrifolius coletadas em diferentes plantas hospedeiras em regiões distantes do País para a comprovação de que pertencem à mesma espécie.
Material e Métodos
Colônias de E. citrifolius foram estabelecidas a partir de espécimes coletados de Bauhinia sp. em Arroio do Meio - RS (R), Coffea arabica L. em Campinas - SP (S) e Terminalia catappa L. em Petrolina - PE (P). As colônias foram mantidas em câmaras climatizadas, a 25 ± 1oC, 70 ± 5% de umidade relativa e 12h de fotofase. Cada unidade de criação constou de uma bandeja plástica (20x15x5cm), no interior da qual havia uma folha de feijão-de-porco (Canavalia ensiformis DC.) colocada sobre um pedaço de espuma de náilon com a superfície abaxial para cima. As bordas da folha foram cobertas com tiras de algodão hidrófilo, que também tocavam a espuma subjacente. Para evitar a fuga dos ácaros e a dessecação das folhas, a espuma foi umedecida diariamente com água destilada. Cada bandeja foi coberta com uma placa de vidro, deixando-se uma abertura para a aeração, colocando-se um pedaço de papelão sobre a placa de vidro para reduzir a luminosidade. Os ácaros foram transferidos para novas folhas a cada 30 dias. Foram alimentados com pólen de taboa (Typha angustifolia L.), adicionado em dias alternados, coletado no máximo 60 dias antes da utilização e mantido a aproximadamente 10 oC.
Para o início dos testes de cruzamentos, aproximadamente 100 fêmeas de cada população foram transferidas para unidades semelhantes às descritas anteriormente, sendo adicionado pólen de taboa como alimento, coletado e mantido nas mesmas condições já citadas anteriormente. Após 12h da transferência dos ácaros, os ovos depositados foram retirados com auxílio de um pincel, sob microscópio estereoscópico, e transferidos para outras unidades, semelhantes às usadas para as colônias de manutenção. Após quatro dias, as protoninfas e deutoninfas resultantes foram individualizadas em unidades de criação constituídas de um recipiente transparente de acrílico (2,5 cm de diâmetro x 1,3 cm de altura), no interior do qual foi colocado um disco de papel de filtro umedecido com água destilada, e sobre este, um disco de folha de feijão-de-porco, com a superfície abaxial voltada para cima. Para evitar a fuga dos ácaros, os recipientes foram vedados com uma película transparente de polivinilcloreto (Majipackâ). Os ácaros foram alimentados em dias alternados com pólen de taboa.
Após a emergência dos adultos, dez fêmeas virgens de cada população foram isoladas em unidades de criação para verificar se fêmeas não acasaladas ovipositariam. Paralelamente, foram formados pelo menos dez casais homogâmicos e dez casais heterogâmicos, correspondentes às possíveis combinações das populações, com exceção das populações de Arroio do Meio e Campinas que não foram cruzadas entre si. Em todos os casos, o macho de cada casal foi sempre retirado da colônia de manutenção correspondente. Quando da morte de um macho, este era substituído por outro proveniente da mesma colônia.
Os casais foram mantidos por dez dias, sendo os ovos obtidos agrupados e transferidos diariamente para novas unidades de criação semelhantes às citadas anteriormente, oferecendo-se pólen de taboa como alimento em dias alternados. Após quatro dias, as ninfas obtidas desses ovos foram isoladas em unidades de criação até a emergência dos adultos para determinação da razão sexual e utilização nos retrocruzamentos. O número de casais para cada retrocruzamento variou em função do número de machos e fêmeas obtidos. Os indivíduos obtidos dos retrocruzamentos foram mantidos de forma semelhante à descrita para os indivíduos obtidos dos cruzamentos, até atingirem a fase adulta, para determinação do sexo. Nos cálculos de oviposição, foram considerados somente os casais para os quais as fêmeas sobreviveram no mínimo quatro dias. Nos cruzamentos em que parte das fêmeas não ovipositaram, estas foram montadas em meio de Hoyer após o período de avaliação e observadas em microscópio para a verificação da presença de endospermatóforos no interior de suas espermatecas. O trabalho foi realizado em câmaras climatizadas, a 25 ± 1oC, 70 ± 5% de umidade relativa e 12h de fotofase.
Resultados
Fêmeas virgens das diferentes populações não ovipositaram durante o período de observação. Nos cruzamentos e retrocruzamentos homogâmicos, 100% das fêmeas ovipositaram, e a oviposição média diária variou de 1,0 a 1,5 ovos e de 0,8 a 1,9 ovos respectivamente (Tabela 1). A proporção média de fêmeas variou de 29,4% a 54,1% nos cruzamentos e de 31,4% a 55,0%, nos retrocruzamentos.
Observou-se oviposição nos cruzamentos e retrocruzamentos envolvendo as populações R e P (Tabela 2). No cruzamento de fêmeas R com machos P, 27,3% das fêmeas ovipositaram. As fêmeas que não ovipositaram apresentavam endospermatóforos nas espermatecas, indicando a ocorrência de transferência de esperma. Nesse cruzamento, a oviposição média diária foi muito inferior aos cruzamentos homogâmicos das populações P e R, como resultado do reduzido número de fêmeas que ovipositaram. Devido ao reduzido número de descendentes fêmeas não foi realizado o retrocruzamento (RP)xR. No cruzamento inverso, 100% das fêmeas ovipositaram, e a oviposição média diária foi próxima à obtida nos cruzamentos homogâmicos.
Nos retrocruzamentos (PR)xP e (PR)xR, 16,7% e 20,0% das fêmeas ovipositaram, respectivamente. Entretanto, os poucos ovos obtidos eram deformados e inviáveis. Aparentemente as fêmeas (PR), resultantes do cruzamento de fêmeas P e machos R, eram estéreis já que no cruzamento de duas fêmeas (PR) com machos (PR) os ovos se apresentaram deformados e inviáveis. No retrocruzamento (RP)xP, 71,4% das fêmeas ovipositaram e 23,5% dos ovos eram viáveis.
Observou-se oviposição nos cruzamentos e retrocruzamentos com as populações P e S (Tabela 3). Nos cruzamentos envolvendo fêmeas P e machos S e vice-versa, 76,0% e 53,3% das fêmeas, respectivamente, ovipositaram. As fêmeas que não ovipositaram apresentavam endospermatóforos nas espermatecas. A oviposição média diária foi de 0,6 e 0,5 ovos por fêmea, respectivamente, inferior às respectivas médias dos cruzamentos homogâmicos. No retrocruzamento (PS)xP apenas uma das oito fêmeas testadas ovipositou, produzindo dois ovos, ambos deformados e inviáveis. No retrocruzamento (PS)xS, uma das cinco fêmeas testadas ovipositou, produzindo um ovo deformado e inviável. Uma fêmea (PS) cruzada com um macho (PS) não ovipositou, embora endospermatóforos pudessem ser vistos em suas espermatecas.
Nos demais retrocruzamentos, acima de 69% das fêmeas ovipositaram com exceção do retrocruzamento Sx(PS), em que apenas 22,2% das fêmeas ovipositaram. Nos retrocruzamentos Px(PS) e Sx(SP) a oviposição média diária foi de 1,0 e 0,8 ovos por fêmea, respectivamente. A oviposição média resultante do cruzamento Px(PS) foi semelhante à obtida no cruzamento homogâmico PxP. A oviposição média do retrocruzamento Sx(SP) foi reduzida em comparação à obtida no cruzamento homogâmico SxS.
Discussão
A necessidade da presença do macho para a ocorrência de oviposição de populações de E. citrifolius obtida neste trabalho, sugere a possível necessidade de fecundação dos óvulos para que ocorra a oviposição, já que fêmeas isoladas dos machos não produziram ovos. Resultados semelhantes para essa mesma espécie haviam sido obtidos por Moraes & McMurtry (1981), assim como para outras espécies de fitoseídeos (Croft 1970, McMurtry et al. 1976, McMurtry 1980). Isto significa que os resultados de cruzamentos em laboratório podem ser utilizados para inferir a ocorrência de acasalamento nos casos em que oviposição tenha sido verificada.
Os níveis de oviposição de E. citrifolius neste trabalho foram inferiores ao verificado por Furtado (1997), de 1,7 ovos por fêmea por dia, para uma população de Jaguariúna-SP alimentada com pólen de taboa. Jaguariúna é um município vizinho de Campinas, de onde foi coletada uma das populações utilizadas no presente estudo. Moraes & McMurtry (1981) observaram, para a mesma espécie, oviposição média diária variando de 0,8 a 2,5 ovos por fêmea para valores definidos de temperaturas variando de 15oC a 30oC, tendo como alimento uma combinação de ovos de Tetranychus pacificus McGregor (Acari, Tetranychidae) e pólen de Malephora crocea (Jacq.). Esses autores trabalharam com populações identificadas como E. citrifolius procedentes do estado de São Paulo.
Os resultados deste trabalho mostram a possibilidade de fluxo gênico direto entre as populações de Arroio do Meio e Petrolina, e Campinas e Petrolina, indicando que para cada uma dessas combinações as populações pertencem a uma mesma espécie. Deduz-se também a possibilidade de fluxo gênico entre as populações de Arroio do Meio e Campinas, já que os cruzamentos RxP e SxP, e vice-versa produziram progênie, inclusive parcialmente constituída por fêmeas. Essa dedução é corroborada por resultados preliminares obtidos no cruzamento RxS e nos retrocruzamentos Rx(RS) e (RS)xS, nos quais se verificou a produção de progênie constituída de fêmeas e machos.
Estudos conduzidos com três espécies de Phytoseiidae demonstraram que a reprodução destes se dá através de um processo conhecido como pseudo-arrenotoquia ou parahaploidia (Hoy 1979). Por esse processo, os machos são haplóides em decorrência da eliminação de um conjunto de cromossomos durante o desenvolvimento do embrião, e as fêmeas são diplóides. Como o conjunto de cromossomos eliminados é de origem paterna, assume-se que os machos apresentam material genético materno. Na verdade esse aspecto continua sendo pesquisado; algumas evidências sugerem contribuição genética paterna na produção de machos haplóides no processo de pseudo-arrenotoquia. Duas possibilidades são propostas para tanto. A primeira seria a incorporação do material genético paterno no embrião antes da eliminação do conjunto de cromossomos nos ovos que irão dar origem a machos, e a segunda seria que a perda do genoma paternal não é absoluta (Perrot-Minnot & Navajas 1995). O estudo conduzido por Perrot-Minnot et al. (2000) sugere que o material genético paternal presente nos descendentes machos da geração F1 de Neoseiulus californicus (McGregor) não é transmitido através do esperma para os descendentes de retrocruzamentos de fêmeas parentais com machos da geração F1.
Assumindo o padrão de reprodução por pseudo-arrenotoquia, a produção de progênie nos retrocruzamentos envolvendo os machos (RP), (PR), (PS) e (SP) e fêmeas das respectivas gerações maternas era esperada, a julgar pelos resultados dos cruzamentos RxP, PxR, PxS e SxP, respectivamente. Por outro lado, esperava-se também que a oviposição média diária no retrocruzamento Sx(SP) fosse semelhante à do cruzamento SxS, o que não ocorreu, sem uma causa aparente.
A compatibilidade reprodutiva entre as populações estudadas é entretanto apenas parcial, tendo em vista que alguns retrocruzamentos não produziram descendentes viáveis. Os resultados verificados nos retrocruzamentos envolvendo fêmeas (PR) e (PS) sugerem a esterilidade destas. Esta incompatibilidade seria classificada como um mecanismo pós-transferência de esperma, caracterizado por uma esterilidade híbrida, que corresponde à incapacidade dos híbridos de produzirem um número normal de gametas viáveis (Mayr 1977).
A incompatibilidade reprodutiva entre diferentes populações nem sempre é devida às suas características intrínsecas. Um fator extrínseco que tem sido comumente citado refere-se a uma bactéria intracelular encontrada em artrópodes e nematóide, pertencente ao gênero Wolbachia. Esta bactéria já foi reportada em espécies de tetraniquídeos e fitoseídeos (van der Geest et al. 2000, Werren 1997). Werren (1997) citou que a bactéria pode induzir incompatibilidade citoplasmática, unidirecional ou bidirecional. Aparentemente, nenhuma das formas se aplica diretamente aos resultados encontrados neste estudo, já que a incompatibilidade unidirecional tem sido observada quando o esperma de machos infectados fertiliza óvulos não infectados, com o cruzamento recíproco (machos não infectados e fêmeas infectadas) demonstrando compatibilidade. A incompatibilidade bidirecional ocorre quando machos e fêmeas apresentam diferentes populações de Wolbachia, mutuamente incompatíveis. Se somente a população R estivesse infectada por Wolbachia, considerando-se a reduzida oviposição média diária obtida no cruzamento RxP, seria esperada a incompatibilidade no cruzamento PxR e no retrocruzamento Px(RP), o que não ocorreu neste estudo. Outras infecções presentes em ácaros causadas por bactérias e relatadas na literatura são descritas como microrganismos intracelulares, localizados freqüentemente em tecidos reprodutivos, mas sem conhecimento sobre seus efeitos na reprodução (van der Geest et al. 2000).
A aparente incompatibilidade reprodutiva nos retrocruzamentos envolvendo fêmeas híbridas cujas mães eram de Petrolina e machos das populações parentais pode ter-se devido às diferenças no genoma das populações, em função da distância geográfica entre elas e a conseqüente ausência de troca gênica entre essas populações na natureza. Entretanto, isto nem sempre tem sido observado. McMurtry et al. (1976) verificaram compatibilidade reprodutiva entre populações de Amblyseius potentillae (Garman) originárias de macieira na Holanda e de citros na Itália. O mesmo foi verificado por Braun et al. (1993) entre populações de Neoseiulus anonymus (Chant & Baker) de Palmira, na Colômbia e de Recife, no Brasil.
Conclui-se que as populações identificadas como E. citrifolius pertencem à mesma espécie, uma vez que o fluxo gênico ocorre entre as populações de Campinas e Petrolina, e de Arroio do Meio e Pretolina. A incompatibilidade reprodutiva em alguns retrocruzamentos provavelmente não se deve à ação da bactéria simbionte Wolbachia. Estudos para detecção de Wolbachia e de caracterização molecular dessas populações poderão fornecer informações que auxiliem no entendimento das incompatibilidades.
Literatura Citada
Received 24/12/01. Accepted 30/09/02.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Fev 2003 -
Data do Fascículo
Out 2002
Histórico
-
Aceito
30 Set 2002 -
Recebido
24 Dez 2001