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Fatores associados à qualidade de vida em pacientes com hanseníase

RESUMO

Objetivo

Avaliar a qualidade de vida e seus fatores associados em pacientes com hanseníase.

Métodos

Estudo transversal com 63 indivíduos com diagnóstico de hanseníase acompanhados em um serviço de atendimento especializado da região sudeste de Mato Grosso. Para avaliação da qualidade de vida, aplicou-se o questionário World Health Organization Quality of Life Bref . Utilizou-se regressão linear simples e múltipla para avaliar a associação entre varáveis sociodemográficas e os domínios de qualidade de vida.

Resultados

A maior média de qualidade de vida foi observada no domínio psicológico (16,28±2,30) e a menor, no domínio ambiente (13,86±2,21). As mulheres, indivíduos sem companheiro e aqueles que possuíam casa própria apresentaram menores médias de qualidade de vida no domínio psicológico. Os indivíduos que não receberam visita de Agentes Comunitários de Saúde apresentaram menores médias de qualidade de vida no domínio ambiente. Após análise multivariada, verificou-se que melhor qualidade de vida esteve associada à autodeclaração de cor branca no domínio ambiente, e pior qualidade de vida foi associada à menor escolaridade no domínio físico.

Conclusão

Este estudo evidenciou a influência dos fatores socioedemográficos sobre a qualidade de vida de pacientes com hanseníase, indicando a necessidade de realização de uma assistência em saúde de maneira integral, compreendendo os determinantes sociais da saúde.

Hanseníase; Qualidade de vida; Fatores epidemiológicos; Saúde Pública; Epidemiologia

ABSTRACT

Objective

To evaluate quality of life and associated factors in patients with leprosy.

Methods

A cross-sectional study with 63 people diagnosed as leprosy, seen at a reference service for the disease in the southeastern region of Mato Grosso, Brazil. The questionnaire World Health Organization Quality of Life Bref was used to evaluate quality of life. Simple and multiple linear regressions evaluated the association between sociodemographic variables and quality of life domains.

Results

The highest mean of quality of life was observed in the psychological domain (16.28±2.30), and the lowest in the environmental domain (13.86±2.21). Females, individuals with no partners, and people who owned their own house had the lowest quality of life means within the psychological domain. People who did not receive visits by Community Health Workers had the lowest means in quality of life within the environmental domain. Multivariate analysis revealed that the best quality of life was associated to self-reported white skin color within the environmental domain, and the worst quality of life was associated to less schooling within the physical domain.

Conclusion

This study showed the influence of sociodemographic factors on the quality of life of patients with leprosy, and indicated the need for comprehensive health care, considering the social determinants of health.

Leprosy; Quality of life; Epidemiologic factors; Public Health; Epidemiology

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, de notificação compulsória, que tem como agente etiológico o bacilo Mycobacterium leprae. ( 11. Marzliak ML. Hanseníase: o controle da doença e desafios atuais. BEPA, Bol Epidemiol Paul. 2019;16(182):37-44. )Caracterizada como uma doença crônica e milenar, é considerada ainda um grave problema de saúde pública na atualidade, com mais de 200 mil novos casos registrados anualmente em todo o mundo, sendo o Brasil o país com segundo maior número de casos: 25.218 novos casos no ano de 2016.( 22. Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégia Global para Hansníase 2016-2020: acelereção rumo a um mundo sem hanseníase. Guia para monitoramento e avaliação. Nova Deli: OMS; 2017 [citado 2020 dez 8]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254907/9789290225881-por.pdf?sequence=8&isAllowed=y
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)

Mato Grosso é o estado brasileiro que ocupa o primeiro lugar em coeficiente de detecção da hanseníase. Em 2016, foram registrados 2.681 casos novos, somando 80,16/100 mil habitantes. No município de Rondonópolis (MT), em 2016, foram notificados 102 casos novos, resultando em 45,88/100mil habitantes, sendo o município e o estado caracterizados como regiões hiperendêmicas para a doença.( 33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico. Hanseníase. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2019 dez 10]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018-004-Hanseniase-publicacao.pdf
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, 44. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Hanseníase – Mato Grosso. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2018 [citado 2018 Maio 20]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dhdat.exe?hanseniase/hantfmt.def
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)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a qualidade de vida (QV) é definida como “a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valor nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.( 55. The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med. 1995;41(10):1403-9. )Sua compreensão perpassou a concepção de sinônimo de saúde e bem-estar, tendo envolvimento com saúde, educação, transporte, moradia, trabalho e participação nas decisões que lhes dizem respeito.( 66. Almeida MA, Gutierrez GL, Marques R. Qualidade de vida: definição, conceitos e interfaces com outras áreas de pesquisa. São Paulo: EACH/USP; 2012 [citado 2020 dez 8]. Disponível em: http://each.uspnet.usp.br/edicoes-each/qualidade_vida.pdf
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)

A hanseníase é capaz de impactar negativamente na QV dos indivíduos. Em geral, a doença traz muito desconforto físico e dores pelo corpo, impedindo o indivíduo de trabalhar e realizar tarefas diárias, impondo limitações às suas atividades e diminuição das atividades de lazer.( 77. Viana LS, Aguiar MI, Vasconcelos PF, Aquino DM. Aspecto físico e as repercussões na qualidade de vida e autonomia de idosos afetados por hanseníase. Enferm Glob. 2017;46(1):349-61. )

O preconceito e os estigmas impostos pela sociedade, devido às alterações dermatológicas e às deficiências físicas, contribuem para o surgimento de sentimentos, como baixa autoestima, vergonha, rejeição e isolamento no meio familiar, social, acadêmico e profissional. Além desses fatores, o tratamento prolongado e seus efeitos adversos também contribuem negativamente para a QV dos pacientes com hanseníase.( 22. Organização Mundial da Saúde (OMS). Estratégia Global para Hansníase 2016-2020: acelereção rumo a um mundo sem hanseníase. Guia para monitoramento e avaliação. Nova Deli: OMS; 2017 [citado 2020 dez 8]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/254907/9789290225881-por.pdf?sequence=8&isAllowed=y
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, 88. Auquier P, Simeoni MC, Mendizabal H. Approches théoriques et méthodologiques de la qualité de vie liée à la santé. Revue Prevenir. 1997; 33:77-86. )

A QV no campo da saúde tem um valor atribuído à vida com base nas deteriorações funcionais, percepções e condições sociais induzidas por doenças, agravos e tratamentos, e seu estudo e avaliação têm intuito de humanizar a assistência.( 99. Benedicto CB, Marques TT, Milano AP, Galan NG, Nardi ST, Duerksen F, et al. Avaliação da qualidade de vida, grau de incapacidade e do desenho da figura humana em pacientes com neuropatias na hanseníase. Acta Fisiatr. 2017;24(3):120-6. )Nesse contexto, uma melhor compreensão acerca da QV dos indivíduos com hanseníase pode contribuir para a ampliação do cuidado de forma integral, bem como no desenvolvimento de intervenções que possam proporcionar melhoria no serviço prestado a essa população.

OBJETIVO

Avaliar a qualidade de vida e seus fatores associados em pacientes com hanseníase.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo de delineamento transversal e abordagem quantitativa. Foram incluídos na pesquisa todos os pacientes com diagnóstico de hanseníase, com idade igual ou superior a 18 anos, que compareceram ao Serviço de Atendimento Especializado (SAE) Abel Christian Rodrigues de Melo, da cidade de Rondonópolis (MT), no mês de setembro de 2019. Houve três recusas, totalizando 63 pacientes.

Os dados sociodemográficos foram coletados por meio de um questionário estruturado, previamente testado. Foi utilizado o questionário World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-BREF)( 1010. Development of the Word Health Organization WHOQOL-BREF quality of life assesment. The WHOQOL Group. Psychol Med. 1998;28(3):551-8. )em sua versão em português, disponível em https://www.ufrgs.br/qualidep/qualidade-de-vida/projeto-whoqol-bref/50-whoqol-bref. Esse questionário é validado pela OMS e composto por 26 itens, sendo dois de autoavaliação de saúde e 24 referentes a quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.

A variável dependente foi QV, e as variáveis independentes foram idade, sexo, cor autodeclarada, escolaridade, renda, situação conjugal, casa própria, número de cômodos da casa, número de pessoas que moram na mesma casa, filiação a plano de saúde, saneamento básico, utilização dos serviços da Estratégia Saúde da Família (ESF) e visita domiciliária de Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

Os dados referentes ao questionário WHOQOL-BREF foram analisados inicialmente no programa Excel, conforme descrito por Pedroso et al., utilizando a plataforma disponível em http://www.brunopedroso.com.br/whoqol-bref.html.( 1111. Pedroso B, Pilatti LA, Gutierrez GL, Picinin CT. Cálculo dos escores e estatística descritiva do WHOQOL-bref através do Microsoft Excel. Rev Bras Qual Vida. 2010;2(1):31-6. )Nas questões do WHOQOL-BREF, as médias mais altas sugerem melhor percepção de QV.

As variáveis que apresentaram p<0,20 na análise univariada foram inseridas no modelo de regressão linear múltipla. O nível de significância adotado foi de p≤0,05. Para as análises estatísticas, foram utilizados os programas Excel do Office 365 e o IBM (SPSS) 26.0 for Windows.

Durante a pesquisa, foram seguidos os preceitos éticos de acordo com a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, para pesquisa com seres humanos.( 1212. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº 466 de 12 dezembro de 2012 que trata de pesquisas em seres humanos e atualiza a resolução 196. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012 Dez 12 [citado 2020 Fev 22]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res 0466_12_12_2012.html
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)Este estudo fez parte da pesquisa intitulada Hanseníase: Análise dos Casos e da Gestão do Programa em um Município Hiperendêmico e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), parecer 3.036.673 e CAAE: 97441618.2.0000.8088. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A média de idade dos pesquisados foi de 51,74 anos. A maioria dos participantes era homem (63,50%; n=40), com idade de 30 a 50 anos (44,40%; n=28), autodeclarou-se de cor parda (58,70%; n=37), tinha companheiro (62,90%; n=39), possuía renda maior que dois salários mínimos (54,0%, n=34), estudou até 8 anos (69,80%; n=44), possuía rede de esgoto (60,30%; n=38), não possuía casa própria (75,80%; n=47), tinha mais que quatro cômodos na casa (43,50%; n=27), três ou mais pessoas moravam em sua residência (55,60%; n=35), recebia visita domiciliária do ACS (60,30%; n=38), utilizava a ESF (84,10%; n=53) e não era filiada a plano de saúde (81,0%; n=51).

A figura 1 apresenta as médias dos escores dos domínios de QV do WHOQOL-BREF da população estudada. A pontuação média do WHOQOL-BREF na QV geral foi 14,80±1,89. A maior média foi observada no domínio psicológico (16,28±2,30) e a menor, no domínio ambiente (13,86±2,21).

Figura 1
Medidas de centralidade e dispersão dos escores dos domínios de qualidade de vida do World Health Organization Quality of Life Bref de indivíduos com hanseníase acompanhados em um serviço de referência

As mulheres (p=0,036), os indivíduos sem companheiro (p=0,016) e aqueles que possuíam casa própria (p=0,033) demonstraram menores valores de QV no domínio psicológico ( Tabelas 1 e 2 ).

Tabela 1
Distribuição dos escores médios da qualidade de vida geral e em cada domínio do World Health Organization Quality of Life Bref para os pacientes com hanseníase atendidos por um serviço de referência, de acordo com suas características intraindividuais
Tabela 2
Distribuição dos escores médios da qualidade de vida geral e em cada domínio do World Health Organization Quality of Life Bref para os pacientes com hanseníase atendidos por um serviço de referência, de acordo com suas características socioeconômicas

Os indivíduos com menor renda apresentaram menor média nos escores de QV geral (p=0,011) e no domínio físico (p=0,009) ( Tabela 2 ).

Os pacientes que não recebem visita de ACS evidenciaram pior QV no domínio ambiente (p=0,040) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Distribuição dos escores médios da qualidade de vida geral e em cada domínio do World Health Organization Quality of Life Bref para os pacientes com hanseníase atendidos por um serviço de referência, de acordo com suas características de acesso à saúde

Os resultados da regressão multivariada estão representados na tabela 4 . Após a análise ajustada, as variáveis que permaneceram associadas à QV foram escolaridade e cor autodeclarada. Menor escolaridade foi associada à menor QV em relação ao domínio físico, e ser branco foi associado à uma melhor QV no domínio ambiente.

Tabela 4
Análise multivariada dos escores médios da qualidade de vida geral e em cada domínio do World Health Organization Quality of Life Bref para os pacientes com hanseníase atendidos por um serviço de referência

DISCUSSÃO

A hanseníase como doença que vem atingindo intensas proporções no mundo todo pode afetar o indivíduo em diversas dimensões e trazer impactos sobre sua QV.

Neste estudo, a maioria dos participantes era de homens, autodeclarou-se de cor parda, residia com companheiro, possuía renda familiar maior ou igual a dois salários mínimos e referia até 8 anos de estudo. Esses dados corroboram pesquisas anteriores, que indicam que homens, pessoas com condições socioeconômicas precárias, aqueles com baixo nível de instrução e indivíduos com baixa renda apresentam maior risco de adquirir a doença.( 1313. San Juan AL. Autoconceito e qualidade de vida em pacientes atingidos pela hanseníase com úlcera [tese]. Bauru: Instituto Lauro de Souza Lima; 2011. 91f. [citado 2020 mar 02]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1082406
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14. Dias RS. Avaliação da S (+)- cetamina no tratamento da dor neuropática e qualidade de vida em portadores de hanseníase [tese]. Rio de Janeiro: Faculdade de Ciências Médicas. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2013. 116f [citado 2020 fev 22]. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/ripsa/resource/pt/lil-712808
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15. Govindharaj P, Srinivasan S, Darlong J. Quality of life of people affected with leprosy disability living in purulia, west bengal. Indian J Dermatol. 2018; 63(6):459-64.
- 1616. Tsutsumi A, Izutsu T, Islam AM, Maksuda AN, Kato H, Wakai S. The quality of life, mental health, and perceived stigma of leprosy patients in Bangladesh. Soc Sci Med. 2007;64(12):2443-53. )

Evidenciamos, na presente pesquisa, que o domínio do WHOQOL-BREF com a menor média foi o domínio ambiente. Esse domínio refere-se às facetas de proteção, como disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e sociais, oportunidade de adquirir novas informações e habilidades.( 1717. Gordia AP, Quadros, TM, Campos W. Variáveis sociodemográficas como determinantes do domínio meio ambiente da qualidade de vida de adolescentes. Cien Saude Colet. 2009;14(6):2261-8. )Esses fatores podem interferir no processo de autocuidado e no sucesso terapêutico da hanseníase. Nesse sentido, é importante que os parâmetros ambientais sejam levados em consideração para adoção das estratégias de promoção da saúde nesse grupo populacional.

De modo semelhante, pesquisa com pacientes com hanseníase acompanhados em centros de referência especializados em Sergipe (AL) também descreve que o domínio ambiente apresentou os menores escores no WHOQOL-BREF.( 1818. Santos VS, Oliveira LS, Castro FD, Gois-Santos VT, Lemos LM, Ribeiro MC, et al. Functional activity limitation and quality of life of leprosy cases in an endemic area in Northeastern Brazil. PLoS Negl Trop Dis. 2015;9(7):e0003900. )Um estudo realizado com pacientes de grupos de apoio ao autocuidado em hanseníase de Recife (PE) e Região Metropolitana verificou menores escores de QV para os domínio ambiente e físico, ambos com mesma média.( 1919. D’Azevedo SS, Santos DC, Alves MG, Sousa NM, Arruda GA, Lima MC. Qualidade de vida de pessoas afetadas pela hanseníase inseridas em grupos de apoio ao autocuidado. Cogitare Enferm. 2019;24:e64266. )No entanto, estudos prévios observaram que o domínio físico apresentou as menores médias de QV em populações de indivíduos com hanseníase.( 1616. Tsutsumi A, Izutsu T, Islam AM, Maksuda AN, Kato H, Wakai S. The quality of life, mental health, and perceived stigma of leprosy patients in Bangladesh. Soc Sci Med. 2007;64(12):2443-53. , 2020. Leite IF, Arruda AJ, Vasconcelos DI, Santana SC, Chianca KS. A qualidade de vida de pacientes com hanseníase crônica. Rev Enferm UFPE On line. 2015;9(6):8165-71. )

Apesar do WHOQOL-BREF permitir a comparação de seus resultados entre diferentes populações, há de se levar em consideração que a noção de QV sofre influências pessoais relacionadas à capacidade individual de lidar com determinadas situações. Esse fato, somado a fatores ambientais, sociais e culturais locais, poderá influenciar nos resultados do teste, quando realizado em diferentes localidades.( 2121. Pereira RJ, Cotta RM, Franceschini SC, Ribeiro RC, Sampaio RF, Priore SE, et al. The influence of sociosanitary conditions on the quality of life of the elderly in a municipality in the Southeast of Brazil. Cien Saude Colet. 2011;16(6):2907-17. )

Na presente pesquisa, os fatores que se mantiveram associados à QV na regressão múltipla foram cor autodeclarada e escolaridade. Brouwers et al., demonstraram que manter uma família, satisfação com a saúde, limitações para realização das atividades, e tipo de casa foram fatores significativamente relacionados à uma pior QV em pacientes com hanseníase do Nepal.( 2222. Brouwers C, Brakel WH, Cornielje H, Pokhrel P, Dhakal KP, Banstola N. Quality of life, perceived stigma, activity and participation of people with leprosy related disabilities in South-East Nepal. Disability, CBR Inclusive Development. 2011;22(1):16-34. )Tsutsumi et al., verificaram que os fatores que potencialmente contribuem para pior QV em pacientes com hanseníase foram a presença de estigma percebido, menos anos de estudo, presença de deformidades e uma renda anual menor.( 1616. Tsutsumi A, Izutsu T, Islam AM, Maksuda AN, Kato H, Wakai S. The quality of life, mental health, and perceived stigma of leprosy patients in Bangladesh. Soc Sci Med. 2007;64(12):2443-53. )

Após análise multivariada, verificou-se que a melhor QV esteve associada à autodeclaração de cor branca no domínio ambiente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a população preta ou parda se apresenta em desvantagem em questões como mercado de trabalho, rendimento médio mensal, saneamento básico, acesso à Internet, anos de estudo e segurança pública.( 2323. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica. Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2019 [citado 2020 Maio 9]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf
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)Essas questões são englobadas no domínio ambiente, podendo justificar o fato de os pacientes brancos apresentarem melhor QV. Esse resultado reforça a necessidade de adoção de políticas públicas que busquem reduzir as desigualdades sociais, garantindo melhores condições de vida a todas às parcelas da população.

Menor escolaridade foi um fator associado negativamente à QV no domínio físico, e resultado semelhante foi verificado em pacientes com hanseníase atendidos em um hospital de Bangladesh.( 1616. Tsutsumi A, Izutsu T, Islam AM, Maksuda AN, Kato H, Wakai S. The quality of life, mental health, and perceived stigma of leprosy patients in Bangladesh. Soc Sci Med. 2007;64(12):2443-53. )Leite et al., analisaram a QV de indivíduos com hanseníase nos municípios de Bayeux (PA) e de Natal (RN). Os autores verificaram que as menores médias de QV total e do domínio de relações sociais foram observadas em indivíduos com menos estudo.( 2020. Leite IF, Arruda AJ, Vasconcelos DI, Santana SC, Chianca KS. A qualidade de vida de pacientes com hanseníase crônica. Rev Enferm UFPE On line. 2015;9(6):8165-71. )

O domínio físico do WHOQOL-BREF visa avaliar até que ponto energia e fadiga, dor e desconforto, sono e repouso são afetados.( 1616. Tsutsumi A, Izutsu T, Islam AM, Maksuda AN, Kato H, Wakai S. The quality of life, mental health, and perceived stigma of leprosy patients in Bangladesh. Soc Sci Med. 2007;64(12):2443-53. )Uma baixa escolaridade pode acarretar dificuldades no entendimento das orientações realizadas pela ESF, assim como no seguimento terapêutico.( 2121. Pereira RJ, Cotta RM, Franceschini SC, Ribeiro RC, Sampaio RF, Priore SE, et al. The influence of sociosanitary conditions on the quality of life of the elderly in a municipality in the Southeast of Brazil. Cien Saude Colet. 2011;16(6):2907-17. )Nesse contexto, os indivíduos com menor escolaridade poderão apresentar mais dificuldades de autocuidado, o que poderá impactar em sua QV. Esse dado é um importante indicador a ser observado pelos gestores e profissionais no planejamento das ações de saúde, de modo a se refinar o olhar e a propor estratégias direcionadas aos pacientes menos escolarizados.( 2121. Pereira RJ, Cotta RM, Franceschini SC, Ribeiro RC, Sampaio RF, Priore SE, et al. The influence of sociosanitary conditions on the quality of life of the elderly in a municipality in the Southeast of Brazil. Cien Saude Colet. 2011;16(6):2907-17. )

Atualmente, existem poucos estudos brasileiros que avaliam os fatores associados à QV de pacientes com hanseníase, demonstrando a importância de ampliação de estudos que abordem esse tema. Quanto às limitações deste estudo, pode-se citar o método de coleta de dados, em que as informações são autorrelatadas, tanto no que se refere aos dados sociodemográficos quanto ao WHOQOL-BREF, o que pode estar sujeito a viés de memória. O WHOQOL-BREF, porém, é um instrumento validado e amplamente utilizado. Outra limitação, refere-se a amostra estuda, que envolveu um pequeno grupo de pacientes acompanhados por um serviço de referência, sem uma amostragem dos pacientes do município. Devem ser realizados estudos futuros mais abrangentes.

CONCLUSÃO

Indivíduos com hanseníase acompanhados por um serviço de referência apresentaram baixos escores de qualidade de vida. As percepções de pior qualidade de vida foram observadas entre as mulheres, os indivíduos de baixa escolaridade, da cor parda ou preta, sem companheiro, que não possuíam casa própria e que não recebiam visita de Agentes Comunitários de Saúde. Os resultados indicaram o impacto dos fatores sociodemográficos sobre a qualidade de vida, reforçando a necessidade de realização de uma assistência em saúde de maneira integral, compreendendo os determinantes sociais da saúde dessa população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2020
  • Aceito
    15 Dez 2020
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