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Construção geométrica da órbita de Marte pelo método de Kepler

Geometric construction of the Mars’s orbit by the method of Kepler

Resumos

Neste trabalho apresentamos o método de construção da órbita marciana em torno do Sol sugerida por Kepler, em 1605, a partir das medidas observacionais de posição deste planeta disponíveis na época. Mostramos que esta construção não é uma das tarefas mais simples e que a realização desse exercício se revela um bom instrumento didático ao colocar em evidência a dificuldade de escolher uma elipse de baixíssima excentricidade, no lugar de uma circunferência, como a curva que descreve as órbitas planetárias em torno do Sol.

órbita de Marte; método de Kepler


In this work we present the construction method of the martian orbit around the sun as suggested by Kepler in 1605, from the observational measurements of the position of this planet were available at that time. We show that this construction is not a simple task, and that exercise is a good teaching tool to make clear the difficulty of choosing an ellipse with very low eccentricity, instead of a circle, as the curve that describes the orbits of the planets around the sun.

orbit of Mars; Kepler’s method


1. Introdução

O estudo dos astros é um dos temas abordados pela Física que mais atrai a atenção dos alunos. Entretanto, este estudo limita-se, normalmente, a uma apresentação rápida das três leis de Kepler e da lei da gravitação universal de Newton. A primeira lei de Kepler, publicada em 1609 no seu Astronomia Nova [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ], nos diz que o movimento de translação dos planetas em torno do Sol é descrito por órbitas elípticas de baixíssima excentricidade com o Sol ocupando um dos focos. Contudo, apesar de sermos informados por Wilson [ 2C. Wilson, Sci. Am. 226, 92 (1972). ] que Kepler explorou vários ajustes das medidas observacionais coletadas por Tycho Brahe e seus assistentes, antes de chegar à conclusão que a elipse é superior à circunferência para a descrição dessas trajetórias, quase nada é discutido sobre como Kepler teria chegado a este resultado.

Outro ponto pouco explorado pela literatura contemporânea para o Ensino de Física é o fato de Kepler não ter sido acreditado pelos seus pares de imediato. Como afirma Cohen [ 3I.B. Cohen, J. Hist. Med. Allied Sci. XVII, 72 (1962). ], mesmo setenta anos após a publicação das leis de Kepler, Giovanni Domenico Cassini, Astrônomo Real Francês, ainda se esforça na tentativa de propor uma curva diferente para representar o movimento dos astros em suas órbitas. As Refs. [ 4J. Sivardiere, Eur. J. Phys. 15, 62 (1994). , 5B Morgado and V. Soares, Eur. J. Phys. 35, 025009 (2014). ] exploram este tema.

No presente trabalho, revisamos um exercício didático proposto por Gingerich [ 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ], onde é apresentado um resumo do método de Kepler para a construção geométrica da órbita de Marte, a partir das observações das posições deste planeta ao longo da sua trajetória em torno do Sol, então disponíveis em sua época. No exercício, o autor apresenta como tarefa a construção da órbita marciana utilizando-se de uma tabela dessas posições, obtidas na Ref. [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ], e de alguns acessórios: um transferidor, lápis, esquadros, compasso e papel. Esse exercício manual permite estabelecer geometricamente a órbita de Marte e põe em evidência a baixa excentricidade desta trajetória.

A revisão desta construção geométrica feita por Kepler é importante porque ela revela a dificuldade em se estabelecer a elipse como a melhor curva para a descrição das trajetórias planetárias, em contraste com a simplicidade ilusória com que esta conclusão é apresentada em salas de aula. Canalle [ 7J.B.G. Canalle, Física na Escola 4 (2), 12 (2003). ] nos chama a atenção para a pouca ênfase dada no ensino das órbitas planetárias em relação à baixíssima excentricidade destas curvas.

No exercício originalmente proposto na Ref. [ 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ], com papel e lápis, após a determinação dos pontos focais a partir dos dados observacionais da posição de Marte em relação ao Sol, como orientado pelo método de Kepler, a elipse é traçada empregando-se o método do jardineiro: fixamos duas hastes verticais nos pontos focais (com o auxílio, por exemplo, de dois alfinetes), atamos as extremidades de uma linha a cada uma das hastes e, com o lápis encostado à linha sempre esticada, traçamos a elipse no papel. O comprimento do fio deve, obviamente, ser igual a soma das distâncias entre as hastes e qualquer uma das posições marcianas determinadas inicialmente.

A tarefa proposta é simples, mas a sua realização manual é de uma facilidade aparente. Devido à pequena excentricidade da elipse a ser construída, a colocação das hastes e a manutenção da linha esticada na realização do traçado é de difícil execução manual sobre papeis de formato tradicional. Para contornar este problema, decidimos pelo emprego de um programa computacional nas construções geométricas. Os diferentes programas disponíveis atualmente permitem ao estudante a realização do exercício proposto com precisão suficiente para que o experimentador construa geometricamente a elipse imaginada e permitem também que este mesmo estudante perceba que esta elipse é visualmente indistinguível de uma circunferência [ 7J.B.G. Canalle, Física na Escola 4 (2), 12 (2003). ].

Para a discussão do método de Kepler para a construção da trajetória de Marte, organizamos o presente trabalho da seguinte maneira: na segunda seção deste artigo revisamos o método de Kepler para determinar as posições de Marte em relação ao Sol, a partir das posições de Marte em relação a Terra e da Terra em relação ao Sol, como descrita em [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). , 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ]; em seguida, reproduzimos este método utilizando o programa gratuito Geogebra® [ 9Geogebra. Acesso em Fevereiro de 2014. Disponível em http://www.geogebra.org/cms/.
http://www.geogebra.org/cms/...
], que permite a realização computacional de cálculos geométricos e a construção de gráficos; na seção seguinte, lembramos como podemos construir geometricamente uma elipse, conhecendo-se os seus pontos focais e o seu eixo maior, como descrito por Lockwood [ 8E.H. Lockwood, Book of Curves (Cambridge University Press, Londres, 1961). ]; por fim, realizamos a construção da trajetória elíptica marciana, ajustada às posições obtidas anteriormente.

2. As posições de Marte

O método de Kepler emprega as técnicas de localização dos corpos celestes desenvolvidas pelos astrônomos da Antiguidade e descritas nos trabalhos de Ptolomeu. Neste modelo, a Terra está fixa, no centro do Universo: cada um dos planetas move-se sobre um círculo (o epiciclo) e o centro do epiciclo também descreve ao redor da Terra, com velocidade constante, um grande circulo (o deferente); as estrelas compõem a abóbada celeste, a esfera mais externa, e giram em torno da Terra a cada 24 horas; o Sol, por sua vez, também descreve uma trajetória circular própria, a eclíptica, sobre a sua esfera celestial particular, em um período de rotação de aproximadamente 365 dias; temos ainda que o epiciclo e o deferente que compõe o movimento de cada um dos planetas estão contidos no mesmo plano da eclíptica. Ver, por exemplo, Bakulin [ 1010 P. Bakulin, E. Kononovich and V. Moroz, Curso de Astronomia General (Mir, Moscou, 1992). ].

Temos também que: a projeção do equador terrestre sobre as esferas celestes define o equador celestial; os signos do zodíaco sobre a abóbada celeste revelam as diferentes posições do Sol ao longo da eclíptica, e estas posições solares, por sua vez, definem as estações do ano. Os quatro pontos cardeais deste grande círculo descrito pelo Sol indicam as datas limite para as estações: o solstício de inverno, o equinócio da primavera, o solstício de verão e o equinócio de outono.

O equador celestial está inclinado em relação à eclíptica e o Sol, ao passar do hemisfério sul para o hemisfério norte terrestre, parece estar situado exatamente na interseção desses dois grandes círculos. Este ponto cardeal particular é denominado ponto vernal e corresponde à entrada do Sol no signo de Aries (representado pelo símbolo dos chifres do Carneiro ♈) sobre a esfera celeste. Este evento assinala o começo da primavera no hemisfério norte e do outono no hemisfério sul; nesta data, ocorre o equinócio vernal: a duração do dia é igual a duração da noite sobre toda a Terra. O ponto vernal define então um vetor fixo no espaço que passa pelo centro da Terra e está orientado para um ponto particular da esfera celestial.

Assim, ao longo do seu movimento sobre a eclíptica, as longitudes geocêntricas do Sol variam praticamente a uma taxa de 1º por dia (360º/365 dias) e, deste modo, para a localização do Sol sobre a eclíptica, é suficiente a determinação da sua longitude neste sistema de referência. Esta medida é realizada a partir da contagem do número de dias decorridos desde a passagem do Sol pelo ponto vernal até a data da observação. Como as trajetórias descritas pelos planetas, sobre os seus respectivos círculos, estão contidas essencialmente no plano da eclíptica, podemos então também empregar o método das longitudes geocêntricas para determinar as posições planetárias sobre suas respectiva trajetórias.

Deste modo, podemos estabelecer a orientação angular de qualquer planeta em relação ao Sol, conforme o segmento de reta definido pelo Sol e pelo ponto vernal (denominada longitude heliocêntrica), conhecendo-se a longitude geocêntrica do planeta considerado e a longitude heliocêntrica da Terra em uma determinada data. Para converter a longitude geocêntrica do Sol para a longitude heliocêntrica da Terra, devemos observar que, visto da Terra, o Sol se move de forma a descrever ângulos entre 0º e 180º. Ao colocarmos o referencial no Sol, a Terra agora se move entre 180º e 360º. Desta forma, ao convertemos a longitude geocêntrica para heliocêntrica, devemos adicionar 180º às observações feitas para a longitude geocêntrica solar entre o equinócio vernal e o equinócio de outono e, após o equinócio de outono, devemos subtrair 180º das observações.

Entretanto, somente com a determinação dessas duas longitudes em uma única data não é possível determinar a distância do planeta em relação ao Sol porque as longitudes nos fornecem somente as respectivas orientações angulares. Para determinarmos a distância do planeta em relação ao Sol precisamos conhecer estas longitudes em um intervalo de tempo correspondente a um período de revolução do planeta em torno do Sol. Portanto, para estabelecermos as posições de Marte em torno do Sol, precisamos das observações da longitude heliocêntrica da Terra e da longitude geocêntrica de Marte, obtidas em um intervalo de 687 dias, o ano marciano. A Tabela 1 apresenta estes valores para cinco conjuntos de medições, publicadas em [ 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ].

Tabela 1
Longitudes heliocêntricas da Terra e as longitudes geocêntricas de Marte para uma determinada data.

Essas medidas foram comparadas com o trabalho original de Kepler [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ] e encontramos três diferenças. A primeira é referente aos capítulos onde encontramos essas informações: Gingerich referencia os capítulos 26 à 28 e 52; porém, as informações necessárias para essa construção estão nos capítulos 26 à 28 e 42 do Astronomia Nova [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ]. A segunda divergência é o ano da observação do dia 6 de agosto, quando Marte está na longitude 323º 26’; Gingerich data esta medida em 1583 e Kepler indica o ano de 1593. A terceira é a medida da longitude geocêntrica de Marte para o dia 19 de setembro 1591; Gingerich nos fornece um ângulo igual a 284º 18’, porém a medida em Kepler é traduzida como 284º 02’, estas correções se encontram na página 206 do Astronomia Nova [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ]. Para fins didáticos essa variação angular não é significativa. No presente trabalho usamos as informações de Gingerich [ 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ], corrigidas pelos valores originais descritos por Kepler [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). ], como apresentado na Tabela 1.

Para determinarmos a posição de Marte em relação ao Sol segundo o método de Kepler, consideramos que: (i) a órbita da Terra é uma circunferência centrada no Sol e de raio unitário; (ii) as órbitas pertencem exatamente ao mesmo plano; e (iii), o ano marciano tem 687 dias exatos. Como veremos, estas aproximações não afetam significativamente o resultado da trajetória procurada.

O processo de construção começa com uma circunferência centrada no Sol, de raio unitário, que representa a órbita da Terra em torno do Sol. Na horizontal traçamos uma reta que representa a direção quando a longitude for nula: a direção do ponto vernal representado pelo simbolo ♈. Para o próximo passo utilizamos a longitude da Terra em relação ao Sol no dia 17 de fevereiro de 1585 e determinamos a posição do nosso planeta sobre sua órbita neste dia, como ilustrado na Fig. 1a. Mudamos então de referencial, traçamos retas paralelas ao referencial anterior, porém, agora, com a origem na Terra. Consideramos o ponto vernal ainda na horizontal, uma vez que a distância entre o Sol e as estrelas de referência na esfera celeste é infinitamente maior do que a distância Terra-Sol. A partir deste novo referencial traçamos a direção de Marte para o mesmo dia, como representado na Fig. 1b.

Figura 1
(a) Posição da Terra no dia 17/02/1585 com longitude heliocêntrica igual a 159∘23’; (b) Direção de Marte no dia 17/02/1585 com longitude geocêntrica (θ♂) igual a 135∘12’; (c) Determinação da posição de Marte em relação ao Sol, a partir de posições da Terra em relação ao Sol em 17/02/1585 e 05/01/1587, datas cuja diferença corresponde a 687 dias. Esta segunda data possui longitude heliocêntrica da Terra igual a 115∘21’ e longitude geocêntrica de Marte igual a 182∘08’; e (d) As cinco posições, em torno do Sol, de Marte ao longo de sua órbita nas datas descritas na Tabela 1.

Repetimos os processos anteriores para as outras longitudes da Tabela 1. Como 687 dias correspondem ao período orbital de Marte, isso quer dizer que ele estará na mesma posição em relação ao Sol, porém não em relação a Terra, uma vez que este número não é um múltiplo exato do período orbital da Terra. Com isso o ponto onde as duas retas se interceptarem será a posição de Marte no sistema heliocêntrico. A Fig. 1c representa esta determinação. Por fim, repetimos o processo para os demais pares de observações da Tabela 1 e construímos as cinco posições de Marte sobre sua órbita em torno do Sol, como indicado na Fig. 1d.

3. Construção geométrica da elipse

Agora deixamos de lado as posições que acabamos de determinar para explorarmos a maneira de construirmos geometricamente uma elipse [ 8E.H. Lockwood, Book of Curves (Cambridge University Press, Londres, 1961). ]. Empregaremos o seguinte método, ilustrado na Fig. 2. Para qualquer inclinação das retas f1Q e f2Q' inscrevemos o paralelogramo R'Q'QR na circunferência de diâmetro A'A = 2a. Prolongamos o segmento R'Q' até o ponto H' de maneira que os segmentos f2'Q' e Q'H' sejam iguais. Traçarmos o segmento H'H paralelo e igual ao segmento f2f1 . Construímos o segmento H'Pf1 tal que ele seja a diagonal do paralelogramo f1H'Hf2. Observamos que os triângulos ∆PQ'H' e ∆PQ'f 2 são congruentes e os segmentos H'P e f2P são iguais. Podemos concluir, então, que a soma dos segmentos f2P e f1P é igual ao segmento f1H'. Finalmente, observamos que Q'H' f 1 R também define um paralelogramo e, deste modo, podemos concluir que f1H' = RQ' = 2a. Portanto, a soma das distâncias dos pontos focais ao ponto P é igual a 2a. Qualquer ponto P assim determinado pertencerá a elipse de semi-eixo maior a, confirmando o método do jardineiro.

Figura 2
Construção geométrica de um ponto P pertencente uma elipse, dada as suas distâncias focais, o apocentro e o pericentro.

Portanto, para a construção da elipse, a partir das medidas de Kepler, precisamos dos focos f 1 e f 2 da elipse procurada e de seu ponto central O. Este ponto se encontra sobre o eixo maior da elipse, AA', e é definido pela média aritmética das posições do pericentro, A, e do apocentro A' em relação ao foco f 1. Desenhamos uma circunferência centrada em O e de raio igual ao semi-eixo maior, como ilustrado na Fig. 3a. Em seguida, traçamos duas retas paralelas, onde cada uma delas passa por um dos focos, que interceptam a circunferência de raio igual ao semi-eixo maior nos pontos Q e Q'. O próximo passo é traçar a reta contendo o segmento QQ' como representado pela Fig. 3b. Esta reta será tangente a elipse que buscamos e, dessa forma, se traçarmos retas paralelas que passam pelos focos mas apresentam diferentes inclinações, determinamos diferentes pontos Q e Q'. Por consequência, ao utilizarmos inclinações variando de 0º a 360º teremos o envelope da elipse procurada e assim determinamos esta elipse, como indicado na Fig. 3c. Ressaltamos que este método possui uma indeterminação para o apocentro e pericentro da elipse, uma vez que os pontos Q eQ' se sobrepõe nesta posição, mas esta indeterminação não invalida o método.

Figura 3
a) Circunferência centrada em O e de raio igual ao semi-eixo maior. Os focos ƒ1 e ƒ2 foram escolhidos de forma a colocar em evidência o método de construção da elipse. Os pontos A e A′ representam o periastro e o apoastro em relação ao foco ƒ1; (b) Reta contendo QQ' tangente a elipse procurada; (c) Ao girarmos os segmentos ƒ2Q' e ƒ1Q em 360º definimos o envelope completo da elipse. Observe que, neste exemplo, a excentricidade da elipse e=Oƒ1R≈0,5, onde R é o raio da circunferência de referência.

4. Elipse de Kepler

Na segunda seção deste trabalho estabelecemos as posições de Marte em torno do Sol e, na terceira seção, apresentamos o procedimento para a construção geométrica de uma elipse. Para o passo seguinte é interessante determinarmos um melhor referencial para construirmos a elipse que se adapte aos pontos da trajetória de Marte.

Kepler [ 1J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979). , 6O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983). ] observa que as posições M 1 e M 2 são, aproximadamente, o afélio e o periélio de Marte. Dessa forma, o ponto médio destas duas posições é aproximadamente o centro, O, da elipse que iremos construir, como observado na Fig. 4a. O eixo maior desta elipse será o segmento de reta sobre o qual repousam o centro, O, e o Sol. Consequentemente o eixo menor está sobre o segmento de reta perpendicular ao eixo maior, com interseção em O. A Fig. 4b ilustra a construção desses eixos.

Figura 4
(a) Segmento de reta M1M2 onde o ponto médio é o centro O da elipse procurada. Observe a posição do Sol fora do centro O; (b) Eixos de referência; (c) Circunferência auxiliar de raio igual ao semi-eixo maior utilizado na construção da elipse de Kepler para a órbita de Marte; e (d) Elipse de Kepler.

O próximo passo é construir geometricamente a elipse, como descrito na seção anterior: Utilizamos o Sol como um dos focos, o ponto O como centro e os eixos que acabamos de descrever. Repetimos então o procedimento da seção anterior construindo uma circunferência auxiliar centrada em O e de raio igual ao semi-eixo maior. Observe que esta circunferência também contém as posições de Marte, porém o centro está no vazio e o Sol não está em uma posição privilegiada, como representado pela Fig. 4c. Determinamos, por fim, os pontos Q e Q' e as retas tangentes que permitem construir a elipse desejada. A Fig. 4d mostra a elipse de Kepler para a órbita de Marte. É interessante anotarmos o valor da distância focal, c, desta curva, o valor do semi-eixo maior, a, e do semi-eixo menor, b, e, assim, calcularmos a excentricidade, e, da órbita de Marte através da razão

A Tabela 2 compara os valores obtidos a partir de nossa análise geométrica e aqueles indicados no Planetary Fact Sheet [ 1111 NASA Planetary Fact Sheet. Acesso em Maio de 2014. Disponível em http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/.
http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fac...
] fornecido pela NASA. As incertezas das medidas observadas estão na última casa decimal fornecida pelo programa, com exceção da excentricidade, que foi calculada usando a equação (2), e onde σ representa a incerteza de cada grandeza:

Tabela 2
Comparação entre os parâmetros observados em nossa construção com os parâmetros encontrados em [ 1111 NASA Planetary Fact Sheet. Acesso em Maio de 2014. Disponível em http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/.
http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fac...
]

5. Considerações finais

Neste trabalho chamamos a atenção para a construção das posições de Marte em sua órbita tendo apenas a longitude heliocêntrica da Terra e a longitude geocêntrica de Marte para diferentes pares de observações separadas de 687 dias. Mostramos que essa construção não é trivial e produz resultados muito próximos daqueles empregados atualmente. É interessante a exploração geométrica da elipse no ensino das leis de Kepler porque esta construção envolve somente geometria plana elementar e nenhum cálculo mais sofisticado é exigido. Ressaltamos, por fim, a dificuldade em afirmar que a órbita dos planetas é uma elipse uma vez que a diferença entre o eixo maior e o menor é muito pequena. Porém, como podemos observar da Fig. 4c, se a trajetória fosse uma circunferência, o Sol não estaria em uma posição privilegiada. Ao escolher a elipse, o Sol passa a ocupar um dos focos e, deste modo, Kepler destaca a importância do Sol no movimento planetário.

Esta dificuldade em distinguir com clareza a melhor curva que representa as órbitas explica o fato de Kepler não ter sido acreditado por seus pares de imediato. Entre 1610 e 1675 outros grandes pesquisadores da época buscaram novas curvas para representar as órbitas planetárias. Em [ 5B Morgado and V. Soares, Eur. J. Phys. 35, 025009 (2014). ] exploramos esse momento histórico e mostramos que existe uma pequena diferença entre a elipse, a circunferência e a oval de Cassini quando estas curvas possuem uma pequena excentricidade, e isso impossibilitaria uma decisão definitiva dada a precisão das medidas da época. Somente com Newton, e a lei da gravitação universal, a elipse é eleita a curva que representa as órbitas dos planetas em torno do Sol.

Apresentamos, assim, uma estratégia didática que pode ser utilizada pelos professores para motivar o aprendizado deste tema, objeto de fascínio para a grande maioria dos estudantes. Esta atividade pode ser empregada para auxiliar na abstração necessária para a aprendizagem de conceitos astronômicos, tanto qualitativamente quanto quantitativamente: a partir de dados observados e de noções de geometria plana, os alunos podem estabelecer os conceitos básicos da construção das órbitas de diferentes planetas e, em seguida, com o auxílio do professor, explorar o conteúdo físico relacionado às propriedades do movimento planetário.

Referências

  • 1
    J. Kepler, Astronomie Nouvelle. (Éditions Bergeret, Paris, 1979).
  • 2
    C. Wilson, Sci. Am. 226, 92 (1972).
  • 3
    I.B. Cohen, J. Hist. Med. Allied Sci. XVII, 72 (1962).
  • 4
    J. Sivardiere, Eur. J. Phys. 15, 62 (1994).
  • 5
    B Morgado and V. Soares, Eur. J. Phys. 35, 025009 (2014).
  • 6
    O. Gingerich, Sky and Telescope 66, 300 (1983).
  • 7
    J.B.G. Canalle, Física na Escola 4 (2), 12 (2003).
  • 8
    E.H. Lockwood, Book of Curves (Cambridge University Press, Londres, 1961).
  • 9
    Geogebra. Acesso em Fevereiro de 2014. Disponível em http://www.geogebra.org/cms/.
    » http://www.geogebra.org/cms/
  • 10
    P. Bakulin, E. Kononovich and V. Moroz, Curso de Astronomia General (Mir, Moscou, 1992).
  • 11
    NASA Planetary Fact Sheet. Acesso em Maio de 2014. Disponível em http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/.
    » http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2014
  • Aceito
    13 Out 2014
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