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O estado da arte das pesquisas relacionadas à divulgação científica sobre a Física Quântica entre os anos 2010 e 2022

The state of the art of research related to scientific communication on Quantum Physics between the years 2010 and 2022

Resumos

A Divulgação Científica (DC), no Brasil e em outros lugares do mundo, ao longo de décadas, tem passado por muitas transformações, e novos paradigmas estão sendo criados, outros abandonados, porém muitas questões ainda continuam em aberto. Uma delas refere-se à forma de comunicar as Ciências Naturais para a sociedade em geral. Com o objetivo de compreender como está ocorrendo a DC em um dos importantes campos das Ciências Naturais, a Física, este artigo compôs o estado da arte de pesquisas sobre a Física Quântica nesta área do conhecimento. Para tanto, esta pesquisa bibliográfica utilizou como base metodológica a análise de conteúdo de Bardin, com o intuito de identificar tendências em pesquisas que envolvam essa temática, e, como base de dados, foi usado os diretórios Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico, além de consulta direta aos principais periódicos da área. Foi encontrado um número pequeno (N = 11) de pesquisas em relação ao volume de produções acadêmicas consultadas (N = 137), ressaltando que existe um grande déficit a ser sanado. Além disso, a maioria das pesquisas encontradas, apesar de apresentarem abordagens relevantes, não utiliza satisfatoriamente uma linguagem que configure DC nos diferentes níveis de representação de fenômenos físicos, algo que pode eventualmente causar obstáculos de natureza epistemológica e visões inadequadas para os modelos desses fenômenos.

Palavras-chave:
Divulgação científica; Física quântica; estado da arte


Over the decades, the Scientific Dissemination, at Brazil and other places elsewhere in the world, has been through a lot of transformations, therefore/and, new paradigms are being created, other abandoned, however, many questions remain open. One of them refers to the manners in which the Natural Sciences are communicated to society in general. In order to understand how is currently happening the Scientific Dissemination in one of the most important fields of Natural Sciences, the Physics, this article is composed by the State of Art on the research about Quantum Physics, in this area of knowledge. Therefore, this bibliographical research used Bardin’s content analysis as a methodological support, with the aim of identifying trends in research involving this thematic, and, as a database, the Scientific Eletronic Library Online (SciELO) and Google Scholar were used, as well as, the direct consultation of the main journals/magazine in the area. A small number (N = 11) of studies were found, in relation to the volume of academic productions consulted (N = 137), emphasizing that there is a large deficit to be amended. Additionaly, the majority of founded research, despite presenting relevant approaches, it doesn’t satisfactorily uses a language that configures Scientific Dissemination at the different representation levels of physical phenomenas, something that may eventually cause epistemological obstacles and inadequate visions for the models of these phenomenas.

Keywords:
Scientific dissemination; quantum physics; state of art


1. Introdução

O presente artigo apresenta um levantamento do estado da arte da Divulgação Científica (DC) sobre a Física Quântica (FQ). Sua relevância pode ser compreendida em face do atual cenário da educação brasileira, no qual há uma urgência por uma educação científica e tecnológica [1[1] V.A.B. Rodrigues, I. Von Linsingen e S. Cassiani, Educação e Fronteiras 9, 71 (2019).].

A FQ, uma teoria fundamental que revolucionou nossa compreensão da natureza no nível mais elementar das partículas subatômicas, desencadeou um progresso tecnológico notável, resultando em diversas aplicações no nosso cotidiano. Sua origem remonta ao final do século XIX, quando pioneiros como Max Planck iniciaram pesquisas sobre a radiação do corpo negro. Mesmo após um século de sua concepção, a FQ permanece um campo dinâmico de pesquisa, impulsionando avanços significativos em áreas como computação quântica, teletransporte quântico, criptografia quântica e diversos segmentos tecnológicos.

Diante desse cenário, é crucial reconhecer a importância de comunicar esses avanços de maneira ampla, transcendendo os limites tradicionalmente estabelecidos pelas “portas” das universidades [2[2] M.R.A. Pechula, Ciência & Educação 13, 2 (2007).]. A divulgação de trabalhos acadêmicos sobre FQ torna-se essencial para disseminar o conhecimento e conscientizar a sociedade sobre as conquistas e aplicações práticas que surgem desse fascinante campo científico.

Atualmente, os meios de divulgação são vastos e têm ampliado seu alcance e impacto, ultrapassando as formas tradicionais, como livros e artigos científicos. No entanto, quando se trata da complexidade intrínseca da FQ, que envolve conceitos altamente abstratos, como superposição dos estados, entrelaçamento quântico e dualidade onda-partícula, a divulgação requer extrema cautela. Essas ideias desafiam a linguagem convencional e as analogias comuns, tornando-as de difícil compreensão para aqueles sem formação específica na área. A tentativa de simplificação ou comparação com experiências cotidianas nem sempre é apropriada ou precisa em relação à realidade quântica, o que pode resultar em mal-entendidos.

Frequentemente, a divulgação ocorre de forma fragmentada, com destaque para aspectos mais espetaculares e cativantes, mas nem sempre proporcionando uma visão abrangente e precisa. Diante dessas complexidades, surgem questionamentos e inquietações que instigam a reflexão sobre as tendências, abordagens e lacunas presentes nas pesquisas relacionadas à DC da FQ.

Além disso, questões específicas se destacam: (1) Quais tipos de produtos acadêmicos são gerados nesse contexto? (2) Quais abordagens metodológicas predominam nesses esforços de DC da FQ? (3) Com base na análise dos trabalhos encontrados, quais as principais conclusões de pesquisas e implicações para a divulgação da FQ? Esses questionamentos fornecem uma base para avaliar criticamente o impacto e a eficácia das estratégias adotadas na comunicação dos desafiadores princípios da FQ para o público em geral.

Para responder a esses questionamentos, realizamos uma revisão bibliográfica delineada na análise de conteúdo de Bardin [3[3] L. Bardin, Análise de conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).], durante o período de 2010 a 2022, com o objetivo de buscar, na literatura, as tendências, apontamentos ou constatações acerca da DC da FQ a partir da metodologia “estado da arte”.

Essa abordagem consiste em realizar levantamentos abrangentes do conhecimento existente em uma determinada área, desenvolver protótipos de análises de pesquisas, e avaliar a situação da produção de conhecimento nesse campo específico. Pode, também, “estabelecer relação com produções anteriores, identificando temáticas recorrentes e apontando novas perspectivas, consolidando uma área de conhecimento e constituindo-se orientações de práticas pedagógicas para a definição dos parâmetros de formação de profissionais para atuarem na área []” [4[4] J.P. Romanowski e R.T. Ens, Diálogos Educacionais 6, 37 (2006)., p. 41].

Foi encontrado um número pequeno de pesquisas em relação ao volume de produções acadêmicas consultadas, ressaltando que existe um grande déficit a ser sanado. Além disso, a maioria das pesquisas encontradas, apesar de apresentarem abordagens relevantes, não utilizam satisfatoriamente uma linguagem que configure DC nos diferentes níveis de representação de fenômenos físicos, algo que pode eventualmente causar obstáculos de natureza epistemológica e visões inadequadas para os modelos desses fenômenos.

2. Divulgação para Quem?

Para Bueno [5[5] W.C. Bueno, Inf. Inf. 15, 1 (2010)., p. 2] a DC, em definição, é a “utilização de recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo”. O desenvolvimento da DC difere conforme seu objetivo estruturador, que alicerça o cunho de transmissão da informação, seja ele educacional, cívico ou mobilizador [6[6] S. Albagli, Ci. Inf. 25, 396 (1996).].

A DC é fundamental para aproximar a ciência do público em geral, tornando os conhecimentos acessíveis e compreensíveis. No entanto, essa prática enfrenta várias dificuldades. Uma das principais é a complexidade dos temas científicos, que muitas vezes exigem um entendimento profundo de conceitos específicos, dificultando a comunicação para um público leigo. Há desafios na comunicação entre cientistas e comunicadores, pois nem sempre os pesquisadores estão treinados para transmitir suas descobertas de forma clara e interessante. A transposição da linguagem científica utiliza recursos que modificam as estruturas gramaticais, outrora compreensíveis apenas para leitores especializados, em uma estrutura nominalizada [7[7] M.A.K. Halliday e J.R. Martin, Writing science; literacy and discursive power (University of Pittibusgh Press, Pittsburgh, 1993).].

A falta de reconhecimento e incentivo dentro da comunidade científica para atividades de divulgação também contribui para esse problema, resultando em uma escassez de profissionais dedicados a essa área [6[6] S. Albagli, Ci. Inf. 25, 396 (1996).]. A disseminação de informações imprecisas ou distorcidas, especialmente nas redes sociais e na mídia, é outra dificuldade enfrentada pela DC. Isso pode gerar confusão, desinformação e ceticismo em relação à ciência. Afinal, ciência para quem? A construção de material científico, frequentemente “enclausurado” em domínios acadêmicos, necessita de uma proeminente aprovação da comunidade, o que leva a acreditar que, se há uma significativa perda de prestígio e apoio público no âmbito científico, então há, consequentemente, uma má compreensão social acerca do desenvolvimento dessas atividades.

A construção dessa linha de tenuidade entre a veracidade dos fatos e formas de divulgação, conversa numa forma diversificada de desmistificar e atualizar a população. Embora a produção científica não seja única, tampouco absoluta, prevalece a concepção respeitosa a partir do desenvolvimento de teorias e hipóteses que contribuem para a compreensão dos fenômenos que regem nosso mundo.

Pechula [2[2] M.R.A. Pechula, Ciência & Educação 13, 2 (2007).], reconhecida pesquisadora na área de mídia e DC, traz uma interessante reflexão:

“A divulgação das principais descobertas e avanços tecnológicos veiculada pelos meios de comunicação de massa ampara-se na fundamentação científica. Em seu nome, esses meios (televisão, revistas, jornais), divulgam o conhecimento, instigando o imaginário de que a ela cabe a resolução dos problemas, especialmente, daqueles que envolvem a sobrevivência da humanidade, do planeta e do cosmo. Promovem, ainda, o imaginário de que o conhecimento científico é acessível a todos (p. 214)”

Promover essa concepção não é uma tarefa fácil, visto anteriormente que a transposição da linguagem complexa desse material acaba por ser uma etapa consideravelmente difícil de ser trabalhada. Assim, essa construção midiática acaba se subdividindo em duas etapas [2[2] M.R.A. Pechula, Ciência & Educação 13, 2 (2007).], que podem ser compreendidas como: A necessidade de produção da informação para comunicar o desejado; e quais são os mecanismos necessários e adequados que devem ser utilizados para a produção dessa informação. Para além disso, apesar de um potencial desenvolvimento acadêmico de produção de trabalhos no âmbito da DC, há uma escassez de estudos e conteúdos sistemáticos voltados para essas tendências comunicativas [8[8] T.G. Nascimento e M.K. Rezende Junior, Investigações em Ensino de Ciências 15, 97 (2010).].

Nesse contexto, o presente trabalho propõe uma análise e categorização da produção acadêmica dos últimos dez anos relacionada à teoria quântica e suas implicações na DC e na abertura comunicativa para o público externo, que não está necessariamente inserido no meio acadêmico da Física ou do Ensino de Física. Para tanto, serão apresentadas considerações metodológicas sobre os critérios de seleção das bibliografias analisadas.

3. Percurso Metodológico

Como suporte teórico, esta pesquisa bibliográfica utilizou a análise de conteúdo de Bardin para traçar a frequência das características que se repetem no conteúdo dos textos pesquisados [3[3] L. Bardin, Análise de conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).]. O conjunto de técnicas propostas por Bardin é composto de três grandes fases: 1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados e interpretação.

Na fase da pré-análise, foi utilizado, como base de dados, os diretórios Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico, além de consulta direta aos principais periódicos da área, incluindo as produções científicas que apresentassem conteúdos de DC sobre a FQ entre 2010 e 2022. Nesses repositórios, utilizamos os seguintes termos de pesquisa “Educação Científica”, “Alfabetização Científica”, “Divulgação Científica”, “Ensino de Física”, “Física Quântica” e “Mecânica Quântica” acrescidos dos Operadores Booleanos “OR” e “AND”.

A pesquisa também se deu diretamente no site das principais revistas científicas de Física e de divulgação sobre Educação e Tecnologia do Brasil, classificadas nos Qualis A1 e A2, que compreendem os seguintes periódicos: Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF), Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências (ENSAIO), Investigações em Ensino de Ciências (IENCI), Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Tecnologia (RBECT), Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF) e Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (RBPEC). A relação entre os Qualis está apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Periódicos consultados para a revisão da literatura.

Desse modo, a busca do material em periódicos da área se deu de modo a complementar a pesquisa booleana. Como métodos de seleção, utilizamos: leitura flutuante, elaboração critérios de inclusão e exclusão, que fundamentassem a interpretação e fornecessem os procedimentos analíticos apontados por Bardin [3[3] L. Bardin, Análise de conteúdo (Edições 70, São Paulo, 2016).].

Na fase de exploração do material coletado, procedemos com a codificação dos dados a partir das unidades de registro. Posteriormente, na fase de tratamento dos resultados e interpretação, os documentos selecionados foram classificados segundo suas semelhanças e por diferenciação, com posterior reagrupamento, em função de características comuns, seguindo método de análise por categorias temáticas. Nesta fase, identificamos que os artigos coletados se enquadram em três categorias temáticas: 1) Materiais de consulta para professores e estudantes que inclua conceitos, experiências e/ou aplicações da FQ; 2) Relatos e/ou pesquisas no campo da DC e; 3) Textos acadêmicos com fins didáticos e de DC. Não fizeram parte do escopo dessa pesquisa, de acordo com os critérios de exclusão, textos que fossem: 1) Proposta didática com foco no processo de ensino-aprendizagem para o ensino médio ou superior; 2) Discussões sobre o processo de formação inicial de professores; 3) Proposta didática com ênfase no formalismo matemático; 4) Análise de livros didáticos e 5) Revisão de literatura de tópicos da FQ. Entende-se que a proposta didática com foco na aprendizagem é apenas uma extensão pedagógica de ensino e não a DC da FQ essencialmente, assim como a análise de livros didáticos. Através da separação deste material foi possível traçar um panorama do que foi produzido, entre 2010 e 2022, sobre a FQ com ênfase na DC. A seção a seguir descreve os resultados obtidos.

4. Resultados e Discussão

Conforme exposto, essa pesquisa se constitui de uma análise sobre o conteúdo dos artigos que são publicados nos cenários nacional e internacional para a DC da FQ. Contabilizou-se 137 achados com algum tipo de relação com a temática da pesquisa. Após a aplicação dos filtros, considerando os critérios de exclusão e inclusão, restaram 46 textos para compor o escopo da pesquisa. A seguir, o Quadro 2 apresenta o quantitativo de textos encontrados no processo de seleção de obras para análise.

Quadro 2
Processo de seleção de textos para compor o escopo da pesquisa.

No Quadro 2, apresentam-se categorizados os textos selecionados para compor o escopo da revisão, bem como aqueles excluídos. Do critério de inclusão “textos acadêmicos com fins didáticos e de divulgação científica”, que abrange a parte de DC para o meio acadêmico, contabilizou-se 23 estudos. Na sequência, tem a categoria “materiais de consulta para professores e estudantes”, que abrange os tópicos fundamentais da FQ, com 20 estudos e, finalmente, a categoria “relatos e/ou pesquisas no campo da divulgação científica”, que abrange a produção de trabalhos associados à FQ para o público não especializado, com apenas 3 estudos. Desse modo, 46 estudos compõem a revisão da literatura do presente artigo. As similaridades percebidas entre os textos permitiram aninhar as produções científicas em subcategorias para análise com especificidade, conforme apresentado no Quadro 3.

Quadro 3
Subcategorias de análises dos textos.

Ao analisar os 46 artigos em uma perspectiva ampla, alguns se aproximam mais de uma subcategoria temática do que de outras, como, por exemplo, artigos com formalismo matemático em detrimento da transposição didática. Ressalta-se que desse grupo de artigos, 44 foram publicados na Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF) e 2 no Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF). Não foram encontrados artigos nos demais periódicos consultados. Em relação ao idioma, 3 artigos são escritos na língua inglesa e 1 na língua espanhola, mas foram mantidos nessa revisão por não considerar o idioma ser um obstáculo, hoje há vários tradutores gratuitos que podem facilitar a tradução.

4.1. Panorama da DC sobre Física Quântica

Uma síntese do conteúdo do conjunto de trabalhos que compõem cada subtemática é apresentada nas seções a seguir, procurando-se caracterizar o objeto de estudo de cada trabalho. O conjunto dessas subseções compõem, então, o estado da arte da produção acadêmica sobre a DC no âmbito da FQ.

Entre os trabalhos selecionados enquanto ‘materiais de consulta para professores e estudantes’, há aqueles que são voltados ao público especializado (N = 20). Isso significa que os objetivos didáticos da escrita de 20 artigos são para a própria academia, isto é, não se encaixam nos aspectos característicos da DC [5[5] W.C. Bueno, Inf. Inf. 15, 1 (2010).]. São textos que abordam a FQ com uma linguagem técnica para professores ou estudantes da graduação ou pós-graduação. Considerando essa classificação, identificaram-se duas subcategorias (1) abordagens inovadoras para solucionar equações complexas e/ou para explorar conceitos e aplicações com 13 artigos e; (2) novas abordagens para o ensino médio com 7 artigos.

Na classificação ‘textos acadêmicos com fins didáticos e de divulgação científica’, foram contabilizados 23 artigos. Há aqueles com a tendência em sua produção de apresentar metodologias didáticas que partem inicialmente da DC com perspectiva histórico-conceitual e avançam para o composto de postulados quânticos e formalismos matemáticos da FQ. Considerando essa classificação, identificaram-se também duas subcategorias (1) presença do formalismo matemático com 12 artigos; (2) Contextualização histórica-conceitual com 11 artigos. Nessa segunda classificação, observa-se que os artigos selecionados, embora seus autores argumentem que são ‘textos acadêmicos com fins didáticos e de divulgação científica’, não se encaixam no conceito mais usual de divulgação, que recodifique a linguagem especializada para uma não especializada e acessível à uma vasta audiência [5[5] W.C. Bueno, Inf. Inf. 15, 1 (2010).]. Isso porque os autores incluem na narrativa matemática avançada. Desse modo, considera-se que apenas os 11 trabalhos voltados à contextualização histórica-conceitual podem ser considerados DC.

Na categoria ‘relatos e/ou pesquisas no campo da divulgação científica’, apenas 3 artigos foram localizados. Esses textos analisam como a DC na área de FQ tem sido realizada, bem como suas implicações e desafios.

4.1.1. Abordagens inovadoras para solucionar equações complexas e/ou para explorar conceitos e aplicações

Dentro dessa subcategoria, tem-se os trabalhos que exploram as equações complexas por meio de ilustrações e gráficos como apoio visual, não hesitando em aplicar formalismos matemáticos provenientes de postulados de FQ para a graduação [9[9] J.R.B. Abrego, D.A. Yamaguchi, T.A. Liboni, A.A. Barbosa, M. Belusi, P.R. Salinas e G.V. Bossa, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 3312 (2013)., 10[10] A.L.P. Camargo, L.O. Pereira, W.F. Balthazar e J.A.O. Huguenin, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e2503 (2017)., 11[11] C.G. Oliveira Jr, M.R. Gumiero e V.R. Coluci, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200006 (2020).]. São abordados, respectivamente, o experimento da dupla fenda, a simulação de protocolo BB84 para criptografia quântica e o princípio da incerteza. Nesses trabalhos, os autores buscam trazer uma aplicação pedagógica e didática de tópicos da FQ através dos experimentos citados.

De modo semelhante, os postulados de FQ são discutidos por meio de operadores envolvendo uma discussão conceitual e fenomenológica com ilustração através de uma simulação computacional do interferômetro de Mach-Zehnder [12[12] A. Pereira, C.J.H. Cavalcanti, O. Pessoa Jr. e F. Ostermann, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 831 (2012).]. “Assim, o formalismo matemático é suavizado e uma discussão qualitativa é apoiada por meio de um software de simulação da interferência quântica” [12[12] A. Pereira, C.J.H. Cavalcanti, O. Pessoa Jr. e F. Ostermann, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 831 (2012)., p. 833]. Diversas aplicações das ideias quânticas foram ilustradas por meio de simulação e, com isso, pode-se contribuir para um primeiro encontro com a FQ.

Trancanelli [13[13] D. Trancanelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e2505 (2016).], revisa conceitos de análise dimensional para explicar áreas da física teórica para estudantes de graduação, assim, em relação à FQ aborda a constante de Planck, raio de Bohr, cubo da física, gravidade quântica, teoria quântica de campos e gravitação quântica. Enquanto que Amaral [14[14] G.M. Amaral, D.Q. Aruquipa, L.F.M. Camacho, L.F.C. Faria, S.I.C. Guzmán, D.T. Maimone, M. Mendes e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3309 (2016).], em texto escrito na língua inglesa, parte de um questionamento do livro Modern Quantum Mechanics de J.J. Sakurai e Jim Napolitano: se é possível ensinar um conceito de FQ com o uso mínimo de equações e de forma simplificada. A pergunta foi respondida por estudantes da pós-graduação, também autores do artigo. O tema escolhido foi “estados quânticos deslocalizados” e foi discutido usando termos coloquiais e analogias. Os autores [13[13] D. Trancanelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e2505 (2016)., 14[14] G.M. Amaral, D.Q. Aruquipa, L.F.M. Camacho, L.F.C. Faria, S.I.C. Guzmán, D.T. Maimone, M. Mendes e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3309 (2016).] seguiram a proposta de diminuir a frequência de equações complexas para explicar determinados conceitos e utilizaram ilustrações e gráficos de probabilidade de localização para explanação de conceitos deste assunto. A mensagem importante é que o formalismo matemático permite uma descrição precisa da realidade do nanomundo e de como os estados correlacionados abrem possibilidades para a computação quântica e outras áreas.

Pinochet e Rojas-Líbano [15[15] J. Pinochet e D. Rojas-Líbano, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3303 (2016).], texto escrito em espanhol, apresentam a desigualdade de Bell para estudantes do curso de Física e pretendem demonstrar essa teoria pela teoria elementar de conjuntos, objetivando o entendimento pela sua simplicidade matemática e através da contextualização da desigualdade de Bell no Paradoxo EPR-Bohm.

Santos et al. [16[16] C.M.F. Santos, J.M.C. Silva, É.C. Gomes e M.P. Lobo, Revista Brasileira de Ensino de Física, 42, e20190350 (2020).] criaram uma abordagem matemática para trazer, de maneira didática, uma comparação das escalas de Planck em diversas situações, discutir a infinitude de escalas menores da matéria e abordagens matemáticas complexas sobre essas escalas na física de partículas. Os autores argumentam que a escala de Planck pode se tornar uma das áreas mais promissoras da Física se for devidamente compreendida, especialmente no que se refere à informação quântica. Atualmente ela representa os processos envolvidos nas mínimas unidades do nosso universo e, portanto, de sua natureza quântica inerente. “Suas contribuições permeiam grandes questões científicas ainda não respondidas e fornecem subsídios teóricos para ampliar as teorias já existentes” [16[16] C.M.F. Santos, J.M.C. Silva, É.C. Gomes e M.P. Lobo, Revista Brasileira de Ensino de Física, 42, e20190350 (2020)., p. 6].

Velásquez-Toribio [17[17] A.M. Velásquez-Toribio, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210384 (2022).], apresenta uma revisão em assuntos da teoria das medidas que utiliza um complexo aparato de cálculos, objetivando, através desta apresentação, introduzir esses assuntos a estudantes da graduação em Física, além de apresentar uma nova interpretação, denominada interpretação de Montevidéu, que utiliza a introdução de relógios realistas na evolução de sistemas quânticos. A interpretação de Montevidéu estabelece o conceito de indecidibilidade, que permite definir um evento e, em geral, se enquadra na interpretação relacional da FQ, que interpreta o valor de uma dada grandeza em conexão com as variações dos valores das outras grandezas.

Thibes [18[18] R. Thibes, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220029 (2022).], aborda a visualização de teoria quântica utilizando o conceito de campos de maneira introdutória. O texto necessita de formalismo matemático da teoria quântica e considera conhecimentos bem estabelecidos da FQ e da relatividade especial. É destinado a estudantes finalizando o curso de Física, ou de iniciantes de pós-graduação.

Caruso e Oguri [19[19] F. Caruso e V. Oguri, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210011 (2021).] trazem uma abordagem para visualizar os efeitos da luz no efeito fotoelétrico e no Compton como elemento corpuscular sem utilizar o conceito de fóton. Neste trabalho, utilizam equações complexas para determinar que o conceito de fóton não é necessário nas situações propostas.

Buscando contribuir para o ensino de FQ a partir da História da Física, Lima et al. [20[20] N. Lima, C. Cavalcanti e F. Ostermann, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200270 (2021).] apresentam um texto didático, direcionado a alunos de graduação, sobre a dualidade onda-partícula e suas diferentes visões de forma substancial. O texto é composto por uma seleção de trechos de fontes primárias de FQ e por um conjunto de perguntas para guiar a leitura. Ao longo do artigo, os autores apresentam os marcos teóricos que guiaram a construção do material didático e, no corpo do texto, comentam as perguntas propostas. Dentro do possível, também se conecta, nos comentários, a discussão conceitual com o formalismo utilizado no artigo ou com a estrutura matemática que é vista atualmente nos livros didáticos. Esse artigo é voltado para um público específico: aquele que deseja discussões sobre FQ em um nível introdutório. O objetivo é auxiliar o leitor a ter um primeiro contato com os trabalhos originais e, assim, fomentando uma concepção mais profunda sobre a natureza da ciência, permitindo um maior engajamento na leitura e, por consequência, o domínio conceitual.

Inclui-se nessa perspectiva, Rosa et al. [21[21] G.G. Rosa, N.W. Lima e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210298 (2022).] que conceitua o princípio da incerteza desde seu contexto histórico de construção até sua definição final. O artigo trata dos postulados da FQ e explica o formalismo matemático, encapsulando o objeto de seu estudo e o público para “cientistas e professores em formação”. Este artigo pode ser compreendido como uma ferramenta de apoio para o Ensino de Física, uma vez que os livros didáticos não costumam distinguir entre as diferentes interpretações do Princípio da Incerteza e, geralmente, apresentam apenas algumas das possíveis formas de demonstração do mesmo. Sendo assim, o presente trabalho pode enriquecer o estudo do conceito e ajudar em sua compreensão, seja das várias formas de demonstrar o Princípio da Incerteza ou promover familiaridade com as equações, podendo desenvolver seu raciocínio matemático, além de ressaltar a importância da experimentação.

4.1.2. Novas abordagens para o Ensino Médio

Para o ensino médio há 7 artigos voltados aos professores enquanto material de consulta [22[22] L. Slovinscki e A. Alves-Brito, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 38, 1113 (2021)., 23[23] A.L. Azevedo, A.K.S. Sousa e T.J. Castro, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180349, (2019)., 24[24] D.C. Ferreira e M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 33, 697, (2016)., 25[25] D.C. Ferreira, M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 302 (2019)., 26[26] A. Sá, W.F. Balthazar, J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210264 (2022)., 27[27] G.C. Dorsch, e T.C.C. Guio, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210083 (2021)., 28[28] F.K. Nóbrega e L.F. Mackedanz, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).]. Slovinscki [22[22] L. Slovinscki e A. Alves-Brito, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 38, 1113 (2021).] descreve um material de consulta destinado a professores para aplicação da FQ e conceitos da Física Moderna no ensino médio. Assim, propõe um experimento que aborda a FQ para diversos âmbitos de conhecimento inseridos nela, por exemplo, discussões sobre interpretações dos seus postulados e visualizações experimentais de conceitos abstratos por meio de ilustrações.

Outra abordagem é iniciar os textos explorando a espectroscopia e sua aplicação na FQ [23[23] A.L. Azevedo, A.K.S. Sousa e T.J. Castro, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180349, (2019).], ou o comportamento corpuscular e ondulatório da luz por meio de experimentos [24[24] D.C. Ferreira e M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 33, 697, (2016)., 25[25] D.C. Ferreira, M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 302 (2019).]. Esses experimentos possuem objetivos pedagógicos e didáticos, visando à simplificação para o entendimento dos estudantes. Observa-se também o uso de simulação de osciladores harmônicos simples e anarmônico da quebra de simetria para o mecanismo de Higgs [26[26] A. Sá, W.F. Balthazar, J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210264 (2022).].

A presença do formalismo matemático do universo quântico torna o material mais indicado para professores que desejam a aplicação de experimentos correlatos em sala de aula [24[24] D.C. Ferreira e M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 33, 697, (2016)., 25[25] D.C. Ferreira, M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 302 (2019)., 26[26] A. Sá, W.F. Balthazar, J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210264 (2022).]. Para o uso exploratório de estudantes de ensino médio, a complexidade dos cálculos pode destoar do entendimento e dificultar, em alguma medida, a compreensão.

Dorsch e Guio [27[27] G.C. Dorsch, e T.C.C. Guio, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210083 (2021).], apresentam uma sequência didática para o ensino de Física de Partículas ao relacionar a FQ com o eletromagnetismo. O texto discute desde o que são partículas, a dualidade onda-partícula, a interação eletromagnética e a relação massa-energia de Einstein, resultando na Eletrodinâmica Quântica. Os autores discutem sistematicamente a temática, englobando seus conceitos-chave e a própria natureza da Ciência: os fatores que circundam sua prática e sua relação com tecnologia, sociedade e meio-ambiente, em uma perspectiva voltada à alfabetização científica. O artigo finaliza com uma discussão sobre os resultados de sua implementação e de como o material apresentado serviu para promover o entendimento dos conceitos-chave propostos. Tais resultados indicam aspectos relevantes e característicos da DC, uma vez que satisfaz em relação à linguagem e a curiosidade do leitor, envolvendo a construção histórico-social da Ciência e promove discussões relevantes à realidade concreta do mundo contemporâneo.

Ainda nesse grupo de artigos, há o texto do Nóbrega e Mackedanz [28[28] F.K. Nóbrega e L.F. Mackedanz, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).], que apresenta brevemente alguns aspectos envolvidos na construção e funcionamento do LHC. O objetivo é que esses aspectos possam ser utilizados em sala de aula para ilustrar tópicos comuns, como o eletromagnetismo. A diferença do presente texto é que não é necessário nenhum preparo especial ao professor para desenvolver os cálculos propostos, uma vez que os autores se basearam na física comumente apresentada no ensino médio. A ideia foi aproveitar as notícias relacionadas ao LHC, bem como os mitos que sempre giram em torno de um grande experimento científico, para estimular os estudantes no estudo da física. Trata-se de um material que pode auxiliar o professor no planejamento de aulas sobre esse assunto com foco na alfabetização científica.

4.1.3. Presença do Formalismo Matemático

A subcategoria de produções científicas que realizam DC com a presença do formalismo matemático destaca-se pela grande quantidade de artigos que implica nas diversas discussões sobre a conexão entre sociedade e o ambiente acadêmico criando interpretações sobre como alinhar essa união [29[29] A. Carvalho e R. Cabecinhas, Comunicação e Sociedade 6, 1 (2012).]. As discussões sobre produções científicas que realizam DC com uso de formalismo matemático surgem da ausência de conexão entre esses dois ambientes. Nesse contexto, existem textos que tratam de DC com linguagem adaptada, objetivando a leitura e o acompanhamento de pessoas periféricas à academia, mas há também aqueles que não alcançam tal objetivo. Durante este estudo, foi observado que nem todos os artigos produzidos possibilitam ampla compreensão e um fator para isso é a linguagem.

É o caso do artigo de Silva e Freire Jr. [30[30] I. Silva e O. Freire Jr., Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1601(2014).], que aborda a construção histórica do conceito experimental do Efeito Compton. O texto esmiúça, historicamente, as descobertas algébricas, demonstrando a contribuição deste conceito para teoria quântica. Os autores adaptam a linguagem de modo a trabalhar as equações e contribuir para o entendimento do leitor. Essa dinâmica de escrita é também observada no artigo de Siqueira-Batista et al. [31[31] R. Siqueira-Batista, M.V. Vicari e J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220102 (2022).]. O texto inicia-se com uma perspectiva histórico-conceitual seguida de formalismos matemáticos, o que pode implicar em um entendimento por completo. O artigo apresenta a Interpretação de Copenhague e discute perspectivas sobre as interpretações a partir de pontos de vista de experimentos realizados como o paradoxo EPR e o Gato de Schrödinger, abordando matemática e filosoficamente as interpretações de David Bohm.

Outras abordagens, que trazem ampla contextualização sobre os eventos que ocorreram na década de 1960 acerca das Desigualdades de Bell, também são observadas. O objetivo é demonstrá-las de maneira mais didático-pedagógica, discutindo os aspectos históricos que levaram à formação daquelas teorias e unindo o processo matemático-filosófico à Teoria Quântica [32[32] R. Wagner, N.W. Lima e S. Duarte, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220116 (2022)., 33[33] R.R. Machado e C.E. Aguiar, Revista Brasileira de Ensino de Física 45, e20220324 (2023).].

A desigualdade de Bell foi uma das discussões que mais gerou controvérsias em torno dos fundamentos da Teoria Quântica, pois envolvia aspectos físico-matemáticos e também discussões filosóficas sobre a realidade. “As possibilidades da abordagem do Teorema de Bell vão além da matemática envolvida no desenvolvimento e cálculos sobre a Teoria Quântica, o teorema traz para primeiro plano todo o aspecto filosófico envolvido e as interferências históricas ocorridas em seu contexto” [32[32] R. Wagner, N.W. Lima e S. Duarte, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220116 (2022)., p. 9]. Considerando essas questões, os autores supracitados destacam a origem e o motivo pelo qual determinados elementos são utilizados na derivação da desigualdade de Bell, através de uma perspectiva que permite compreender a construção da teoria, o que facilita a aproximação dos conceitos e uma melhor compreensão da natureza da ciência no que diz respeito à Teoria Quântica. No caso de Machado e Aguiar [33[33] R.R. Machado e C.E. Aguiar, Revista Brasileira de Ensino de Física 45, e20220324 (2023).], os autores atualizam a discussão mostrando como as desigualdades de Bell, a partir de experimentos, poderiam decidir entre a FQ e qualquer teoria de variáveis ocultas apoiada nas noções de realismo e localidade, o que resultou no Prêmio Nobel em Física de 2022. Os físicos contemplados com o Nobel realizaram esses experimentos, encontrando evidências inequivocamente favoráveis à FQ. Com isso, eles trouxeram a investigação de questões filosóficas fundamentais para dentro do laboratório. O processo de medida é abordado pedagogicamente por meio da teoria algébrica que há por trás. Apesar de ser essa a proposta, o texto não se conclui por trazer conceitos e postulados de FQ complexos e limitar o público que possa entender tal conhecimento produzido academicamente [34[34] C.A.M. Melo, B.M. Pimentel e J.A. Ramirez, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 1 (2011).].

Uma área bem demarcada são os estudos acerca da computação quântica [35[35] A. Canabarro, T.M. Mendonça, R. Nery, G. Moreno, A.S. Albino, G.F. Jesus e R. Chaves, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220099 (2022)., 36[36] A.C. Santos, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e1301 (2017).]. Canabarro et al. [35[35] A. Canabarro, T.M. Mendonça, R. Nery, G. Moreno, A.S. Albino, G.F. Jesus e R. Chaves, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220099 (2022).] utilizam um algoritmo e sua aplicação a um problema do mercado financeiro para abordar a computação quântica, todavia é uma área complexa. Portanto, apesar da curta introdução aos conceitos de computação quântica e a discussão que levou à escrita do artigo, a linguagem do texto é limitada à academia, considerando formalismo matemático e complexidades de sua explicação. Em contrapartida, Santos [36[36] A.C. Santos, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e1301 (2017).] aborda com objetivo de DC conceitos de computação quântica, adaptando a linguagem e referenciando obras que podem auxiliar a entender o que é abordado, que envolva o formalismo matemático apresentado, com ilustrações e explicações mais rebuscadas considerando a complexidade da temática.

Davidovich [37[37] L. Davidovich, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4205 (2015).] apresenta um panorama sobre a “teoria da luz”, desde a proposta de Planck de 1900 até os temas atuais de emaranhamento de fótons e informação quântica. Discute-se a radiação do corpo negro, a lei de Planck e a teoria da emissão induzida, o maser e o laser, e a revolução conceitual da ótica quântica. Os diversos conceitos abordados são explicados utilizando as respectivas equações do formalismo matemático em que a contribuição da equação para o texto é explicada logo em seguida.

Pimenta et al. [38[38] J.J.M. Pimenta, L.F.B. Belussi, É.R.T. Natti e P.L. Natti, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 2306 (2013).] discutem os achados iniciais do Bóson de Higgs, apresentando as complexas questões das quebras de simetria na teoria BCS da supercondutividade e na teoria do emparelhamento nuclear para abordar o mecanismo de Higgs, buscando o formalismo matemático para explicar tais quebras de simetrias. Todavia, possui diversos tópicos de DC sobre FQ e seus desdobramentos para o mundo moderno.

Ferrari [39[39] A.F. Ferrari, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20190092 (2019).], aborda a relatividade irrestrita relacionando-a às possibilidades de seu estudo a partir das violações de Lorentz e as quebras de sua simetria na relatividade irrestrita para estudo da gravitação quântica. O texto apresenta o desenvolvimento da teoria da relatividade irrestrita e os limites da gravitação quântica inserida na Física Fundamentalista e a mecânica newtoniana, todavia utiliza formalismo matemático para explanação de seus pontos de vista. Uma parcela desse trabalho pode ser lida como um texto de DC, mas ao final apresenta-se uma análise da eletrodinâmica com violações de Lorentz, pensada para leitores com uma formação de física em nível de graduação.

De modo semelhante, Furtado [40[40] J. Furtado, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180253 (2019).] revisa o espalhamento da luz pela luz em relação a ação de Euler-Heisenberg com fins de DC através de contextos históricos. O resultado é uma linguagem de comunicação científica para leigos, todavia, menciona equações utilizadas no ensino superior, limitando o acesso à informação de quem consome o conteúdo.

Ronde e Bianchi [41[41] C. Ronde e M.S. Bianchi, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20190033 (2019).], escrito na língua inglesa, aborda filosoficamente os postulados quânticos acerca da clonagem de estados quânticos. O texto discute a clonagem com uma linguagem simples e clara, por meio de exemplos do dia-a-dia, ainda que contenha formalismo matemático. O texto explica que o teorema quântico da não clonagem está, em certo sentido, em desacordo com o aspecto da clonagem total que é construído na FQ, resultante da indistinguibilidade e o teorema da estatística de spin.

4.1.4. Contextualização histórica-conceitual

Nesta subcategoria, observaram-se as produções científicas que realizam uma contextualização histórica-conceitual baseada nas fontes primárias, secundárias ou materiais diversos como palestras e livros de DC. Os artigos com essa abordagem exploram a Física de Partículas como o caso do texto de Rosenfeld [42[42] R. Rosenfeld, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220251 (2022).], que descreve, em apenas três páginas, desde os passos iniciais à descoberta do bóson de Higgs em 2012. O texto é sucinto, mas pode chamar a atenção para várias novas áreas da Física Moderna. A história do bóson de Higgs está intimamente ligada aos desenvolvimentos teóricos que levaram ao estabelecimento do chamado Modelo Padrão das Partículas Elementares usando o arcabouço da Teoria Quântica de Campos.

Na mesma subcategoria, Caruso [43[43] F. Caruso, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200250 (2020).] aborda aspectos da luz em três vertentes: seu papel no imaginário coletivo, as barreiras para descrevê-la teoricamente e as aplicações que mais se destacaram historicamente. Trata-se de um texto de leitura fluida, com bastante ilustração, apenas algumas equações, justificadas pelo contexto, e com forte apelo ao interesse do leitor. A FQ aparece ao apresentar a revolução científica provocada pelo avanço do estudo na luz no século XX. O autor tem êxito ao descrever como o estudo da luz teve “papel decisivo em muitos experimentos cruciais para a História da Física e uma pequena amostra de seu valor para o desenvolvimento tecnológico e em aplicações médicas” [43[43] F. Caruso, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200250 (2020)., p. 12]. A FQ é descrita como o futuro da tecnologia, no que se refere a Óptica Quântica, Informação Quântica, Criptografia Quântica e Computador Quântico. Paralelamente, a essas abordagens aparece a Física de Partículas ao ter que lidar, por exemplo, com a dualidade onda-partícula e a mecânica quântica. Assim, Caruso [43[43] F. Caruso, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200250 (2020).] aborda contribuições do conceito da luz com abordagens aliadas à adaptação de linguagem com contextualização histórica e epistemológica, fazendo uso de ilustrações para tal.

No artigo de Schäffer et al. [44[44] D. Schäffer, F.K. Schumacker e G. Orengo, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200018 (2020).], é apresentada uma adaptação traduzida de um texto produzido por Bettelli, Bianchi-Streit e Giacomelli (1992). No texto original trazem conceitos introdutórios de física de partículas para o ensino básico, assim, para além da contextualização em história da ciência é possível aprender conceitos de FQ. Configura-se a disponibilidade de um interessante texto, com informações de fatos experimentais, para iniciar ou ampliar seu conhecimento sobre a Física Nuclear e de Partículas.

Maia Filho e Silva [45[45] A.M. Maia e I. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180182 (2019).] abordam as contribuições da física sino-estadunidense Chien Shiung Wu, demonstrando como seu experimento contribuiu para abordar conceituações experimentais de FQ em entrelaçamento quântico, trazendo uma perspectiva histórica e de potencialidades das mulheres da ciência. Os autores, enquanto divulgam, moderadamente, conceitos de FQ, mostram como o entrelaçamento quântico tornou-se a chave para o desenvolvimento de novas tecnologias, tais como, a criptografia, o teletransporte e a computação quântica.

Silva [46[46] I. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4204 (2015).] aborda a construção sobre o conceito de fóton partindo da segunda metade do século XX. O texto apresenta suas conceituações principais desde as discussões da dualidade onda-partícula e traz as confirmações experimentais até a episteme histórica do conceito de fóton descrevendo-o como uma excitação de um estado quântico, através das evoluções conceituais e de discussões inseridas no próprio ambiente acadêmico.

Freire Jr. [47[47] O. Freire Junior, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 32, 369 (2015).] traz uma perspectiva de contextualização histórica acerca da mudança representativa da FQ, partindo de um reconhecimento menosprezado e se tornando uma área valorizada. Neste sentido, denominou os protagonistas desse período de “dissidentes quânticos” e que tiveram um papel relevante nesta mudança de perspectiva.

Silva et al. [48[48] I. Silva, O. Freire Junior e A.P.B. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4601 (2011).] desenvolve um texto acadêmico na perspectiva da história da ciência e discute as contribuições de Arthur Compton, abordando sua predisposição à explicação de conceitos pela física clássica e que, no mais tardar, seu reconhecimento foi pelas produções científicas na FQ. Contextualizando o desenvolvimento do modelo do Grande Elétron para introduzir esta discussão. Os autores buscam refletir sobre o episódio histórico e o ensino de física, bem como sobre a importância de tais discussões seja para a aprendizagem de conceitos físicos, ou seja para a compreensão da dinâmica da atividade científica e da natureza da ciência.

Há também um grupo de trabalhos acadêmicos que se dedicam à DC propriamente dita, com linguagem adaptada para explanação de conceitos de físicos [49[49] A.E.D. Barioni, F.B. Mazzi, E.B. Pimenta, W.V. Santos e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210433 (2022)., 50[50] M.A.M. Souza, A.C.S. Nascimento, D.F. Costa e O. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180124 (2019)., 51[51] M.A. José, J.R.C. Piqueira e R.D. Lopes, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013)., 52[52] F.B. Kneubil, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).]. Entre eles, tem-se Barioni et al. [49[49] A.E.D. Barioni, F.B. Mazzi, E.B. Pimenta, W.V. Santos e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210433 (2022).], escrito na língua inglesa, que aborda conceitos iniciais do universo da mecânica quântica utilizando postulados de FQ apenas representativos e com uma linguagem acessível para entendimento do assunto, por exemplo:

Let us look at this with the help of the Stern-Gerlach experiment. We have a poor cat inside a closed cage, tubed to receive gas from two possible triggers. Outside wehave an on exepelling silver atoms and a Stern-Gerlach apparatus. One singles atom enters the apparatus, and we have no a priori idea if it will move up or down along the strongliy varying magnetic field. After going through the apparatus the associated wave packet is split in two. If the particle goes up, it triggers (very sensitive multiplier) a cat enjoyable perfume. If it goes down, it conversely triggers the Schrodinger deadly poison gas [49[49] A.E.D. Barioni, F.B. Mazzi, E.B. Pimenta, W.V. Santos e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210433 (2022)., p. 3].

Nesse trecho, os autores optaram por descrever o experimento mental do gato de Schrödinger através do experimento Stern-Gerlach, o que contribui para compreender as implicações dos fenômenos quânticos. Apesar de ser um texto escrito em inglês, considera-se de fácil acesso, pois é um texto curto e didático. Souza et al. [50[50] M.A.M. Souza, A.C.S. Nascimento, D.F. Costa e O. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180124 (2019).] desenvolvem um jogo didático para explicar FQ, abordando características de partículas elementares como cartas e utilizando essa gamificação num tabuleiro para encontrar o final do trajeto.

José et al. [51[51] M.A. José, J.R.C. Piqueira e R.D. Lopes, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).] é um texto introdutório à programação quântica, abordando aspectos históricos da computação quântica, descreve as principais linguagens de programação quântica e a importância desse avanço tecnológico. Todavia, é direcionado a estudantes de graduação de física e utiliza postulados de física de partículas para descrever determinados conceitos, mas apenas como demonstração visual de algo descrito previamente.

No artigo de Kneubil [52[52] F.B. Kneubil, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).], o autor busca extrair conceitos de física a partir das instalações do CERN, bem como as produções científicas realizadas neste centro de desenvolvimento tecnológico. Embora o autor sinalize uma preocupação com o ensino médio, a forma como o texto foi elaborado apresenta características próprias da DC e que podem contribuir para uma aprendizagem dessa ciência que lhe permitam entender melhor o mundo a sua volta.

Por fim, há trabalhos que se dedicam a analisar a contribuição de eventos de DC que envolvam a FQ. Um exemplo é o estudo de Watanabe et al. [53[53] G. Watanabe, L. Costa, E. Gregores, I. Gurgel, P. Mercadante e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3401(2016)., 54[54] G. Watanabe, I. Gurgel e M.G. Munhoz, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 1 (2014).] sobre as contribuições do evento CERN Masterclasses: Hands on Particle Physics e seu papel na comunicação científica através da percepção dos seus participantes para a alfabetização científico-tecnológica (ACT) no evento ocorrido no Instituto de Física da USP. Para os autores, as ações do evento estão produzindo em seus participantes processos conducentes tanto a uma consciência quanto à compreensão pública da Ciência. Estes processos operam de forma estrutural no desenvolvimento de uma cultura científica, portanto conhecer esses resultados possibilitam eventuais ajustes no desenho e composição de atividades semelhantes.

Os autores Souza e Miranda [55[55] R.S. Souza, S.B. Miranda, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220054 (2022).] discutem as possibilidades da implementação de conhecimentos sobre FQ, os desafios enfrentados para sua DC, estratégias e consequências do uso dessas informações para a sociedade considerando a ampliação do acesso à informação e os perigos dos conhecimentos produzidos e consumidos na internet. Desta forma, este material está inserido no artigo por estudar o desenvolvimento de ações de comunicação científica sobre física de partículas e como se encontram os estímulos para consciência pública da ciência. A aproximação, de certa forma inadequada, dos conceitos de FQ para com a comunidade é um problema consideravelmente antigo dentro da comunidade de ensino de ciências e que até então, não apresenta soluções assertivas para um melhor aproveitamento da educação científica daqueles não-especializados [55[55] R.S. Souza, S.B. Miranda, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220054 (2022).].

4.2. Finalmente, tem DC sobre FQ nos periódicos da área?

A discussão sobre FQ é crucial, pois diversos físicos buscaram explicar fenômenos que a física clássica não conseguia explicar. Posteriormente, uma nova e complexa teoria matemática foi desenvolvida para descrever o comportamento dos sistemas quânticos, utilizando operadores e matrizes. Descobertas experimentais contribuíram para uma compreensão mais profunda da estrutura do núcleo atômico, e seus efeitos persistem até os dias atuais. A FQ, portanto, desperta curiosidade e estimula o imaginário, sendo um campo de constante atualização e descobertas que enriquecem nossa compreensão da realidade. No entanto, a DC nesse campo é desafiadora, devido à sua complexidade matemática e abstração.

Percebeu-se que alguns autores afirmam escrever sobre a FQ para DC a nível superior [9[9] J.R.B. Abrego, D.A. Yamaguchi, T.A. Liboni, A.A. Barbosa, M. Belusi, P.R. Salinas e G.V. Bossa, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 3312 (2013)., 10[10] A.L.P. Camargo, L.O. Pereira, W.F. Balthazar e J.A.O. Huguenin, Revista Brasileira de Ensino de Física 39, e2503 (2017)., 11[11] C.G. Oliveira Jr, M.R. Gumiero e V.R. Coluci, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200006 (2020)., 12[12] A. Pereira, C.J.H. Cavalcanti, O. Pessoa Jr. e F. Ostermann, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 29, 831 (2012)., 13[13] D. Trancanelli, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e2505 (2016)., 14[14] G.M. Amaral, D.Q. Aruquipa, L.F.M. Camacho, L.F.C. Faria, S.I.C. Guzmán, D.T. Maimone, M. Mendes e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3309 (2016)., 15[15] J. Pinochet e D. Rojas-Líbano, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e3303 (2016)., 16[16] C.M.F. Santos, J.M.C. Silva, É.C. Gomes e M.P. Lobo, Revista Brasileira de Ensino de Física, 42, e20190350 (2020)., 17[17] A.M. Velásquez-Toribio, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210384 (2022)., 18[18] R. Thibes, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220029 (2022)., 19[19] F. Caruso e V. Oguri, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20210011 (2021)., 21[21] G.G. Rosa, N.W. Lima e C.J.H. Cavalcanti, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210298 (2022).] ou a nível médio [24[24] D.C. Ferreira e M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 33, 697, (2016)., 25[25] D.C. Ferreira, M.P. Souza Filho, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 36, 302 (2019)., 26[26] A. Sá, W.F. Balthazar, J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210264 (2022).], entretanto, utilizam formalismo matemático para explicar suas conceituações, o que pode trazer uma expectativa um tanto controversa para o leitor, que poderá ter dificuldades de compreensão devido a linguagem ou nível de escolaridade. Desse modo, esse material é indicado para professores que poderão explorá-lo e refletir sobre como promover, à nível médio, uma aproximação com a Física Moderna.

A disseminação do termo “quântico” no vocabulário do senso comum pode gerar conflitos de informação [55[55] R.S. Souza, S.B. Miranda, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220054 (2022)., 56[56] F.F.S. Cruz, em: Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais, editado por O. Freire Júnior, O. Pessoa Junior e J.L. Bromberg (EDUEPB, Campina Grande, 2011).]. Isso resulta num fascínio por parte de um público não especializado e, por vezes, alimentando a propagação de pseudociências, misticismo e charlatanismo quântico. Isso sugere que a tradução didática do conteúdo científico, proveniente das produções acadêmicas, para comunicação externa pode não ser tão eficaz quanto necessária. Vários fatores podem influenciar nessa dificuldade, incluindo um possível excesso de exposição a conteúdos complexos e a necessidade de compreensão de matemática avançada para entender o tema.

Dos resultados dessa revisão da literatura, observa-se que os textos sobre FQ voltados para a DC, em sua minoria são escritos de forma acessível para um público não especializado [42[42] R. Rosenfeld, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220251 (2022)., 43[43] F. Caruso, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200250 (2020)., 44[44] D. Schäffer, F.K. Schumacker e G. Orengo, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200018 (2020)., 45[45] A.M. Maia e I. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180182 (2019)., 46[46] I. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 37, 4204 (2015)., 47[47] O. Freire Junior, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 32, 369 (2015)., 48[48] I. Silva, O. Freire Junior e A.P.B. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 33, 4601 (2011)., 49[49] A.E.D. Barioni, F.B. Mazzi, E.B. Pimenta, W.V. Santos e M.A.P. Lima, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20210433 (2022)., 50[50] M.A.M. Souza, A.C.S. Nascimento, D.F. Costa e O. Ferreira, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180124 (2019)., 51[51] M.A. José, J.R.C. Piqueira e R.D. Lopes, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013)., 52[52] F.B. Kneubil, Revista Brasileira de Ensino de Física 35, 1 (2013).]. Ao considerar as diretrizes características da DC, sem sacrificar a precisão científica, os textos carecem de incluir uma introdução cativante, uma questão intrigante ou uma aplicação moderna da teoria que desperte o interesse do leitor sobre os conceitos da FQ. A explicação dos conceitos fundamentais, como dualidade onda-partícula, superposição, emaranhamento e o princípio da incerteza de Heisenberg poderiam ser expostos de forma clara e concisa evitando o uso excessivo de jargões técnicos e terminologia complexa ou, quando necessário, explicando-os de forma simples e compreensível. O uso de analogias também é possível, como a caixa de gato de Schrödinger, para explicar a ideia de superposição. Pouco se fala das aplicações práticas da FQ na vida cotidiana e em tecnologias modernas, como computação quântica, criptografia quântica e imagens por ressonância magnética. O contexto histórico sobre o seu desenvolvimento, bem como sobre implicações filosóficas ainda são muito pontuais. Desse modo, conclui-se que a produção acadêmica com qualis A1 e A2 ainda é incipiente para tornar a FQ acessível e interessante para um público amplo, ao mesmo tempo em que mantêm a precisão científica.

5. Considerações Finais

Conforme delineado no início deste artigo, este trabalho buscou-se responder, por meio de um levantamento bibliográfico, as seguintes questões: (1) Que tipos de produtos acadêmicos são gerados no contexto da DC sobre FQ? (2) Quais abordagens metodológicas predominam nesses esforços de DC? (3) Com base na análise dos trabalhos encontrados, quais as principais conclusões de pesquisas e implicações para a divulgação da FQ?

Considerando essas questões orientadoras, o levantamento do estado da arte entre os anos 2010 e 2022 sobre a DC acerca da FQ revelou respostas significativas. No que tange à primeira indagação, observa-se que, embora a DC sobre FQ tenha evoluído de maneira pontual na última década, ainda carece de investimento e pesquisas substanciais, dado o caráter incipiente da produção acadêmica. Por exemplo, a subcategoria ‘contextualização histórica-conceitual’ conta apenas com 11 artigos, evidenciando a escassez de pesquisas nesse domínio específico. A diversidade de temas dentro dessa subcategoria, como a história da ciência na criação de experimentos [45[45] A.M. Maia e I. Silva, Revista Brasileira de Ensino de Física 41, e20180182 (2019).] ou uma abordagem introdutória à Física de Partículas [44[44] D. Schäffer, F.K. Schumacker e G. Orengo, Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200018 (2020).], destaca a singularidade dessas obras e ressalta a necessidade de mais estudos em áreas específicas.

Apesar do volume reduzido de pesquisa, a revisão revela observações e contribuições importantes nos artigos analisados. Em resposta à segunda questão, verifica-se que muitos autores apresentam metodologias de ensino e materiais, mas poucos estão em consonância com os princípios da DC. Quanto ao conteúdo abordado, destaca-se a amplitude, desde a radiação do corpo negro até a segunda revolução quântica e dispositivos tecnológicos que exploram as capacidades informativas da FQ.

Sublinhamos a dificuldade de redigir artigos para um público interessado na ciência, mas com conhecimento matemático limitado. A utilização de técnicas matemáticas simples, como análise dimensional, visa tornar o texto didático e acessível ao público alvo, constituindo um desafio considerável. Dada a complexidade de alguns tópicos da FQ e suas ramificações, vários artigos analisados são mais indicados para públicos graduados ou em processo de graduação.

No que concerne à terceira questão, reconhecemos que a simplicidade é um conceito subjetivo. No entanto, identificamos textos úteis para leitores interessados em aspectos gerais da FQ, enquanto aqueles que buscam abordagens mais técnicas podem explorar subcategorias com maior enfoque no formalismo matemático. Sintetizar as informações, correlacionar diferentes categorias e abordagens, além de promover a inclusão de diferentes públicos interessados em FQ, tornou-se imperativo.

Muitos trabalhos vinculados a esse estudo são motivados pela tentativa de superação das dificuldades conceituais e matemáticas associadas com a teoria quântica (obviamente, a maior parte das pessoas não têm conhecimentos matemáticos necessários para o entendimento pleno da FQ, pois seu formalismo matemático é complexo demais para determinados níveis de formação). Como as dificuldades conceituais são inevitáveis, simplificar a abordagem matemática se tornou uma prioridade, e os esforços para apresentar uma linguagem acessível mais frequente.

Esperamos que este artigo possa impulsionar esta demanda em nosso país, que, apesar de grande qualidade acadêmica no tema carece de uma maior integração com a DC. A FQ promete moldar o desenvolvimento de tecnologias do século 21 e julga-se relevante uma educação científica e tecnológica de qualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2024
  • Revisado
    31 Mar 2024
  • Aceito
    02 Abr 2024
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