Acessibilidade / Reportar erro

O experimento de Eratóstenes ao luar

Eratosthenes’ Experiment under Moonlight

Resumos

No presente trabalho realizamos o experimento de Eratóstenes utilizando a Lua cheia como fonte de luz, ou seja, fizemos o experimento à noite. As medidas foram conduzidas nas cidades de Goiânia-GO e Carolina-MA. Os dados coletados foram interpretados utilizando-se três modelos diferentes: i) o modelo de mesma longitude (o modelo padrão de Eratóstenes); ii) o modelo generalizado para cidades separadas tanto em latitude quanto em longitude; iii) o modelo generalizado acrescido do valor da latitude da cidade mais ao Norte (a cidade de Carolina). Os valores obtidos nos três modelos, R1=(6,3±0,1)×103km, R2=(6,2±0,2)×103km e R3=(6,2±0,2)×103km, estão em pleno acordo com o valor do raio médio volumétrico da Terra, RNASA=6,371×103km. Essa comparação mostra a coerência dos modelos bem como a boa qualidade dos dados experimentais. Esperamos que o presente trabalho estimule debates sobre modelos teóricos e implementações experimentais voltados às estimativas de tamanhos e distâncias na Terra e no Sistema Solar.

Palavras-chave:
Circunferência da Terra; Raio da Terra; Experimento de Eratóstenes; Lua Cheia; Astronomia Antiga


In the present work we carried out Eratosthenes’ experiment using the full Moon as light source, in other words, we carried out the experiment at night. The measurements were conducted in the cities of Goiânia-GO and Carolina-MA. The collected data were interpreted using three different models: i) the model with the same longitude (the Eratosthenes’ standard model); ii) the generalized model for cities separated in both latitude and longitude; iii) the generalized model supplemented with the value of the latitude of the northernmost city (the city of Carolina). The values obtained in the three models, R1=(6.3±0.1)×103km, R2=(6.2±0.2)×103km and R3=(6.2±0.2)×103km, are in full agreement with the average volumetric radius of the Earth, RNASA=6.371×103km. This comparison shows the coherence of the models as well as the good quality of the experimental data. We hope that this work is going to stimulate debates about theoretical models and experimental implementations aimed to estimate sizes and distances on Earth and in the Solar System.

Keywords:
Earth Circumference; Earth Radius; Eratosthenes’ Experiment; Full Moon; Ancient Astronomy


1. Introdução

Os gregos da antiguidade clássica foram os primeiros a passarem do conceito de Terra plana para o de Terra esférica [1[1] T. Heath, The Copernicus of Antiquity: Aristarchus of Samos (Macmillan, London, 1920)., 2[2] D.R. Dicks, Early Greek Astronomy to Aristotle (Cornell University Press, Ithaca, 1970)., 3[3] D.L. Couprie, Heaven and Earth in Ancient Greek Cosmology: From Thales to Heraclides Ponticus (Springer, New York, 2011)., 4[4] D.L. Couprie, When the Earth Was Flat: Studies in Ancient Greek and Chinese Cosmology (Springer, New York, 2018).]. No final do século III a.C. o polímata grego Eratóstenes de Cirene realizou a mais famosa estimativa do tamanho da Terra esférica [5[5] A. Van Helden, Measuring the Universe Cosmic Dimensions: From Aristarchus to Halley (The University of Chicago Press, Chicago, 1985)., 6[6] R.P. Crease, Os 10 Mais Belos Experimentos Científicos (Zahar, Rio de Janeiro, 2006)., 7[7] D.W. Roller, Eratosthenes’ Geography (Princeton University Press, Princeton, 2010).], ele estimou o perímetro da Terra como sendo 252.000 estádios. Como não sabemos ao certo o valor (em metros) do estádio utilizado por Eratóstenes [7[7] D.W. Roller, Eratosthenes’ Geography (Princeton University Press, Princeton, 2010)., 8[8] A. Diller, Isis 40, 6 (1949).], não compareremos os 252.000 estádios com o valor atual.

A ideia geral do experimento de Eratóstenes consiste em determinar, ao meio-dia local, o ângulo formado entre os raios solares e a vertical em duas cidades que estejam à mesma longitude [5[5] A. Van Helden, Measuring the Universe Cosmic Dimensions: From Aristarchus to Halley (The University of Chicago Press, Chicago, 1985)., 6[6] R.P. Crease, Os 10 Mais Belos Experimentos Científicos (Zahar, Rio de Janeiro, 2006).]. Para tanto, pode-se medir o tamanho da sombra de uma haste vertical de altura conhecida posta em cada uma das cidades, Figura 1. De posse dos ângulos δA e δB pode-se obter a diferença de latitude entre as duas cidades como sendo ψ=|δA-δB|. Assim, a distância, DAB, entre as duas cidades será dada por:

Figura 1
Representação dos raios solares incidindo, ao meio-dia local, sobre duas cidades, A e B, localizadas à mesma longitude, mas em latitudes diferentes.

(1) D A B = R ψ ,

onde R é o raio da Terra esférica. Desta forma, sabendo-se a distância entre as duas cidades e o ângulo ψ (em radiano) é possível estimar o valor do raio da Terra. A equação 1 representa o modelo padrão de Eratóstenes, o qual chamaremos de Modelo 1. Destacamos que no caso específico do experimento conduzido por Eratóstenes o Sol estava a pino em uma das cidades (digamos, na cidade A) de forma que DAB=Rψ=R|0-δB|=RδB.

Em trabalho anterior [9[9] T.M. Gomes e I.A. Marques, Rev. Bras. Ens. Fís. 45, e20220307 (2023).], generalizamos, de forma aproximada, o método de Eratóstenes para o caso de cidades separadas tanto em latitude quanto em longitude. Denotemos por φ e ψ as diferenças de longitude e latitude, respectivamente, Figura 2. Sendo R o raio da Terra esférica, o arco AC será dado por Rψ e o arco BC será dado, aproximadamente, por Rφ. Além da aproximação referente ao arco BC, o modelo generalizado também se vale de uma aproximação referente ao triângulo esférico ABC, o qual é aproximado por um triângulo plano. Assim, aplicando o Teorema de Pitágoras, a distância, DAB, entre as duas cidades será dada por:

Figura 2
Representação da localização das cidades A e B sobre a superfície da Terra esférica.

(2) D A B = R φ 2 + ψ 2 .

Desta forma, sabendo-se a distância entre as duas cidades e os ângulos φ e ψ (em radiano) é possível estimar o valor do raio da Terra. A equação 2 representa o modelo de Eratóstenes generalizado, o qual chamaremos de Modelo 2.

Sabendo-se o valor da latitude da cidade mais ao Norte, a cidade B na Figura 2, pode-se eliminar a primeira das aproximações do modelo generalizado. Nesse caso, o arco BC poderá ser dado por Rφ cosα, sendo α o valor da latitude da cidade mais ao Norte. Logo, mantendo-se a segunda aproximação (a do Teorema de Pitágoras), a distância, DAB, entre as duas cidades será dada por:

(3) D A B = R ( φ cos α ) 2 + ψ 2 .

A equação 3 representa o modelo de Eratóstenes generalizado acrescido do valor da latitude da cidade mais ao Norte, o qual chamaremos de Modelo 3.

Nas últimas décadas, revisitações, reconstruções e análises teóricas diversas para o experimento de Eratóstenes com fins educacionais têm sido propostas na literatura especializada [9[9] T.M. Gomes e I.A. Marques, Rev. Bras. Ens. Fís. 45, e20220307 (2023)., 10[10] L.O.A. Azevedo, O.S. Ribeiro, N.C. Costa, E.H.C.P. Sinnecker e M. Gandelman, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210354 (2022)., 11[11] R. Langhi, Cad. Bras. Ens. Fís. 34, 6 (2017)., 12[12] M. Longhorn e S. Hughes, Physics Education 50, 175 (2015)., 13[13] A.J.J. Santos, M.R. Voelzke e M.S.T. Araújo, Cad. Bras. Ens. Fís. 29, 1137 (2012)., 14[14] N. Décamp e C. Hosson, Science and Education 21, 911 (2012)., 15[15] M. Aydin, A. Wiyarsi, N. Fitriyana, M.T. Ilkbahar e I.N. Setiawan, Physics Education 58, 55022 (2023).]. A despeito de todas as variações propostas, até onde os autores conhecem, em todos os casos um fator tem se mantido constante, o uso da luz solar na condução dos experimentos.

No presente trabalho realizamos o experimento de Eratóstenes utilizando a Lua cheia como fonte de luz. Até onde os autores conhecem, nosso trabalho é o primeiro do tipo a ser conduzido à noite. Destacamos que a troca do Sol pela Lua como fonte de luz não é uma mudança simples, por exemplo, o experimento com a Lua deve ser conduzido longe das luzes artificiais das cidades. Provavelmente essa dificuldade explique, ao menos em parte, o fato de os autores não terem encontrado outro experimento similar na literatura. As medidas foram realizadas nas cidades de Goiânia-GO e Carolina-MA, as quais são próximas em longitudes. Inicialmente analisamos os dados obtidos com o modelo padrão de Eratóstenes, com a aproximação de mesma longitude, Modelo 1 (Equação 1). Em seguida analisamos os dados com o modelo generalizado, Modelo 2 (Equação 2). Por fim, lançamos mão do modelo generalizado acrescido do valor da latitude da cidade mais ao Norte (a cidade de Carolina), Modelo 3 (Equação 3). Dessa forma, os dados coletados foram analisados com três modelos diferentes, sendo as características dos modelos discutidas na análise. Acreditamos que a riqueza desse tipo de análise comparativa seja de grande relevância para alunos universitários em cursos de Física ou Ciências afins. A análise crítica de modelos distintos é uma das habilidades básicas a serem trabalhadas com alunos universitários em cursos de ciências.

Nossa expectativa é que o presente trabalho estimule o debate sobre modelos teóricos e implementações experimentais voltados às estimativas de tamanhos e distâncias na Terra e no Sistema Solar. Dessa forma, esperamos contribuir para o ensino das Ciências.

2. Metodologia

Por definição, o meio-dia local é o instante em que o Sol cruza o meridiano local, estando ele no ponto mais alto de sua trajetória. Assim, o meio-dia local é também chamado de culminação ou passagem meridiana do Sol. O equivalente ao meio-dia local no caso da Lua será o instante em que a ela cruza o meridiano local, estando no ponto mais alto de sua trajetória. Esse instante é denominado de culminação lunar ou passagem meridiana lunar. Para a determinação do momento da culminação lunar em cada cidade utilizamos o software astronômico Stellarium 0.18.0 [16[16] https://stellarium.org, acessado em 25/03/2024.
https://stellarium.org...
]. Para a determinação da distância entre as duas localidades utilizamos a ferramenta Google Maps [17[17] https://google.com.br/maps, acessado em 25/03/2024.
https://google.com.br/maps...
], adotando 1km para o erro da medida.

Em trabalho anterior [9[9] T.M. Gomes e I.A. Marques, Rev. Bras. Ens. Fís. 45, e20220307 (2023).], utilizamos a diferença de horário do meio-dia local para determinar a diferença de longitude entre as localidades, afinal todo ponto da superfície da Terra gira 360° em 24 horas (ou 15° a cada 60 minutos). De forma similar, também podemos utilizar a diferença de horário da culminação lunar para a determinação de diferenças de longitude. Embora a Lua se desloque cerca de 13° por dia ao longo do zodíaco, em nosso experimento a diferença de horário da culminação lunar nas duas cidades foi menor do que 10 minutos, assim, esse movimento da Lua pode ser desconsiderado. A título de comparação, o Sol se desloca cerca de apenas 1° por dia ao longo do zodíaco.

Para a determinação dos ângulos δA e δB (ângulos formados entre os raios lunares e as verticais nas cidades A e B) procedemos como no trabalho anterior [9[9] T.M. Gomes e I.A. Marques, Rev. Bras. Ens. Fís. 45, e20220307 (2023).], ou seja, tomamos um prumo de altura H e, no momento da culminação lunar, fotografamos a sobra do prumo com uma câmera em modo noturno (com um segundo de tempo exposição). As fotografias foram então processadas com softwares de edição de imagens onde aplicamos filtros de contraste e brilho para melhorar a nitidez. Na Figura 3 apresentamos a fotografia, após processamento, da sombra do prumo para a medida realizada na cidade de Carolina. A fotografia original, sem o processamento, é mostrada na Figura 6. Nesse caso, a distância entre a base do cilindro e o início da sombra é de 242mm. Assim, o tamanho total da sombra será S=242mm+21mm=263mm. O cilindro utilizado em Carolina tem um raio de 21,00mm e o cilindro utilizado em Goiânia tem um raio de 26,00mm. Ambos os raios foram medidos com paquímetro. Assumimos 1mm de erro nas medidas dos tamanhos das sombras, S, e das alturas, H.

Figura 3
Fotografia, após processamento, da sombra do prumo no momento da culminação da Lua cheia em Carolina (em 04/07/2023).

O experimento foi realizado nas cidades de Goiânia-GO (localidade A, Latitude Sul 16,56767° e Longitude Oeste 49,29429°) e Carolina-MA (localidade B, Latitude Sul 7,33211° e Longitude Oeste 47,46732°) no dia 04/07/2023, em noite de Lua cheia. Destacamos que os valores de longitude para as duas cidades são próximos, com diferença de menos de 2 graus. Nesse dia, a culminação lunar foi às 01:06h em Goiânia e 00:58h em Carolina. A distância entre as duas localidades é DAB=(1.046±1)km. Na Figura 4 mostramos a fotografia da Lua cheia vista da cidade de Goiânia na madrugada do experimento.

Figura 4
Fotografia da Lua cheia vista da cidade de Goiânia às 01:09h da madrugada do experimento (em 04/07/2023).

3. Resultados

As Figuras 5 e 6 mostram as fotografias das sombras no momento da culminação da Lua cheia nas cidades de Goiânia e Carolina, respectivamente. Vemos sombras mensuráveis em ambas as cidades, indicando que a Lua não se encontrava a pino em nenhuma delas. Em Goiânia, Figura 5, o prumo, de altura HA=(593±1)mm, produziu uma sobra de comprimento SA=(107±1)mm, de forma que δA=10,2±0,1. Por outro lado, em Carolina, Figura 6, o prumo, de altura HB=(733±1)mm, produziu uma sobra de comprimento SB=(263±1)mm, de forma que δB=19,7±0,1. Assim, temos que a diferença de latitude entre as duas cidades será ψ=9,5±0,2.

Figura 5
Fotografia da sombra do prumo no momento da culminação da Lua cheia em Goiânia (em 04/07/2023).
Figura 6
Fotografia da sombra do prumo no momento da culminação da Lua cheia em Carolina (em 04/07/2023).

Para o Modelo 1, com aproximação de mesma longitude para as duas localidades, precisamos apenas da distância e da diferença de latitude entre as cidades. Assim, pela Equação 1, o valor do raio da Terra no Modelo 1 será R1=(6,3±0,1)×103km, ou, em termos percentuais, R1=6,3×103km±1,6%.

A diferença de horário para a culminação lunar nas duas cidades foi de 8 minutos, dessa forma temos que diferença de longitude será φ=2,0±0,2. Para o Modelo 2, o modelo generalizado para latitudes e longitudes diferentes, além da distância e da diferença de latitude, precisamos também da diferença de longitude. Assim, pela Equação 2, o valor do raio da Terra no Modelo 2 será R2=(6,2±0,2)×103km, ou, em termos percentuais, R2=6,2×103km±3,2%.

Por fim, para o Modelo 3, o modelo generalizado acrescido do valor da latitude da cidade mais ao Norte (a cidade de Carolina), o valor do raio da Terra, dado pela Equação 3, será R3=(6,2±0,2)×103km, ou, em termos percentuais, R3=6,2×103km±3,2%.

4. Discussões

De acordo com a National Aeronautics and Space Administration (NASA), o raio médio volumétrico da Terra vale RNASA=6,371×103km[18[18] https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/, acessado em 25/03/2024.
https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/fa...
]. Vemos que o valor obtido com o Modelo 1, R1=(6,3±0,1)×103km, que possui barra de erro de apenas 1,6%, está de acordo com o valor de referência. Nesse aspecto, vale lembrar que a diferença de longitude entre as duas cidades é de pouco menos de 2 graus.

Ao assumir, de forma aproximada, que as duas cidades têm a mesma longitude (Modelo 1) estamos introduzindo um pequeno erro cujo efeito equivale a superestimar a distância entre as duas cidades, o que por sua vez leva a superestimar o valor do raio da Terra (Equação 1). Por outro lado, o fato de a Lua estar a uma distância finita da Terra faz com que tenhamos o efeito de paralaxe lunar. O conceito de paralaxe está associado à mudança na direção de observação de um objeto quando ele é visto de duas posições diferentes. O ângulo de paralaxe é justamente o ângulo formado entre as duas direções de observação. A distância da Lua à Terra é cerca de 60 vezes o raio da Terra. Essa distância produzirá um ângulo de paralaxe lunar de cerca de 0,2 referente às cidades de Goiânia e Carolina. A paralaxe lunar introduz um pequeno erro cujo efeito equivale a superestimar a diferença de latitude entre as duas cidades, o que por sua vez leva a uma subestimativa para o valor do raio da Terra (Equação 1). Desta forma, vemos que os efeitos dessas duas fontes de erros tendem a se cancelar. A título de comparação, como o Sol está cerca de 20 vezes mais distante do que a Lua, seu ângulo de paralaxe será cerca de 20 vezes menor. Assim, o erro de paralaxe solar será desprezível no contexto do experimento de Eratóstenes com o Sol.

O resultado obtido com o Modelo 2, R2=(6,2±0,2)×103km, que possui barra de erro de 3,2%, também está de acordo com o valor RNASA. No Modelo 2 não há a aproximação de mesma longitude, assim não temos o pequeno erro relacionado à superestima do valor do raio da Terra. Dessa forma, seria de se esperar que o valor médio do intervalo fosse um pouco menor do que o obtido no Modelo 1. De fato, foi exatamente isso o que obtivemos. Além disso, a introdução do parâmetro φ traz mais uma fonte de erro experimental, de forma que, ao aplicar as regras de propagação dos erros, seria de se esperar que o erro final fosse maior do que o obtido no Modelo 1. Novamente, foi exatamente isso o que obtivemos, o erro final do valor do raio da Terra no Modelo 2 foi o dobro do que o do Modelo 1.

Por fim, vemos que o resultado obtido com o Modelo 3, R3=(6,2±0,2)×103km, foi o mesmo que para o Modelo 2, dentro da precisão do experimento. Nesse aspecto, destacamos que a cidade de Carolina (Latitude Sul 7,33211°) fica próxima à linha do Equador. A aproximação do arco BC por Rφ, Figura 2, será tão melhor quanto mais próxima à linha do equador estiver a localidade mais ao Norte.

5. Conclusão

Dado o excesso de iluminação artificial das cidades modernas, quase sempre não prestamos atenção na iluminação natural da Lua cheia. No entanto, como exemplificado pelas Figuras 5 e 6, a Lua cheia, longe das luzes das cidades, é brilhante o suficiente para produzir sombras quase tão nítidas quanto as sombras produzidas pela luz solar. Dessa forma, a luz da Lua cheia também pode ser utilizada em modelos e experimentos para estimativas de tamanhos e distâncias referentes à Terra esférica.

No presente trabalho realizamos o experimento de Eratóstenes nas cidades de Goiânia e Carolina. Em vez de utilizarmos o Sol como fonte de luz, optamos por realizar o experimento sob a luz da Lua cheia, ou seja, fizemos o experimento à noite. Até onde os autores conhecem, nosso trabalho é o primeiro do tipo a ser conduzido à noite. Os dados coletados foram interpretados utilizando-se três modelos diferentes. No Modelo 1 (o modelo padrão de Eratóstenes) considera-se a aproximação de mesma longitude para as duas cidades. No modelo 2 considera-se a generalização, de forma aproximada, para cidades separadas tanto em latitude quanto em longitude. Lembramos que o modelo 2 é construído a partir de duas aproximações, a primeira relacionada ao arco BC, Figura 2, e a segunda relacionada à planificação do triângulo ABC, Figura 2. No modelo 3 lança-se mão da latitude da cidade mais ao Norte (a cidade de Carolina) para a eliminação da primeira aproximação do modelo generalizado, a aproximação referente ao arco BC, Figura 2.

Comparando os valores obtidos nos três modelos, R1=(6,3±0,1)×103km, R2=(6,2±0,2)×103km e R3=(6,2±0,2)×103km, com o raio médio volumétrico da Terra, RNASA=6,371×103km, vemos que todos os valores estão corretos. Dessa forma, dada a simplicidade dos materiais utilizados, podemos dizer que o experimento foi plenamente exitoso.

O modelo 1 está sujeito a duas fontes de erros, uma que tende a superestimar o valor do raio da Terra e outra que tende a subestimar. Já os modelos 2 e 3 estão sujeitos apenas à fonte de erro que tende a subestimar o valor do raio da Terra. Assim, é de se esperar que os valores médios dos intervalos obtidos com os modelos 2 e 3 sejam um pouco menores do que o obtido com o Modelo 1. De fato, foi exatamente isso o que obtivemos. Além disso, no primeiro modelo utiliza-se apenas a distância e a diferença de latitude entre as cidades, ao passo que nos outros dois utiliza-se também a diferença de longitude, ou seja, mais uma fonte de erro experimental. Dessa forma seria de se esperar que o erro final nos modelos 2 e 3 fosse maior do que no primeiro modelo. Novamente, foi exatamente isso o que obtivemos. Por fim, como a cidade mais ao Norte (a cidade de Carolina) está próxima à linha do equador, seria de se esperar uma diferença pequena nos valor obtidos com os modelos 2 e 3. Na verdade, obtivemos o mesmo valor (dentro da precisão do experimento) para ambos os modelos.

Destacamos que os valores obtidos com os diferentes modelos são consistentes com as respectivas aproximações e fontes de erros presentes em cada modelo. Além disso, a comparação dos valores obtidos com o valor de referência mostra a coerência dos modelos bem como a boa qualidade dos dados experimentais. Por fim, esperamos que o presente trabalho estimule o debate sobre modelos teóricos e implementações experimentais voltados às estimativas de tamanhos e distâncias na Terra e no Sistema Solar.

Referências

  • [1]
    T. Heath, The Copernicus of Antiquity: Aristarchus of Samos (Macmillan, London, 1920).
  • [2]
    D.R. Dicks, Early Greek Astronomy to Aristotle (Cornell University Press, Ithaca, 1970).
  • [3]
    D.L. Couprie, Heaven and Earth in Ancient Greek Cosmology: From Thales to Heraclides Ponticus (Springer, New York, 2011).
  • [4]
    D.L. Couprie, When the Earth Was Flat: Studies in Ancient Greek and Chinese Cosmology (Springer, New York, 2018).
  • [5]
    A. Van Helden, Measuring the Universe Cosmic Dimensions: From Aristarchus to Halley (The University of Chicago Press, Chicago, 1985).
  • [6]
    R.P. Crease, Os 10 Mais Belos Experimentos Científicos (Zahar, Rio de Janeiro, 2006).
  • [7]
    D.W. Roller, Eratosthenes’ Geography (Princeton University Press, Princeton, 2010).
  • [8]
    A. Diller, Isis 40, 6 (1949).
  • [9]
    T.M. Gomes e I.A. Marques, Rev. Bras. Ens. Fís. 45, e20220307 (2023).
  • [10]
    L.O.A. Azevedo, O.S. Ribeiro, N.C. Costa, E.H.C.P. Sinnecker e M. Gandelman, Rev. Bras. Ens. Fís. 44, e20210354 (2022).
  • [11]
    R. Langhi, Cad. Bras. Ens. Fís. 34, 6 (2017).
  • [12]
    M. Longhorn e S. Hughes, Physics Education 50, 175 (2015).
  • [13]
    A.J.J. Santos, M.R. Voelzke e M.S.T. Araújo, Cad. Bras. Ens. Fís. 29, 1137 (2012).
  • [14]
    N. Décamp e C. Hosson, Science and Education 21, 911 (2012).
  • [15]
    M. Aydin, A. Wiyarsi, N. Fitriyana, M.T. Ilkbahar e I.N. Setiawan, Physics Education 58, 55022 (2023).
  • [16]
    https://stellarium.org, acessado em 25/03/2024.
    » https://stellarium.org
  • [17]
    https://google.com.br/maps, acessado em 25/03/2024.
    » https://google.com.br/maps
  • [18]
    https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/, acessado em 25/03/2024.
    » https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2024
  • Revisado
    08 Maio 2024
  • Aceito
    16 Maio 2024
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br