II Consenso Brasileiro de Tuberculose
Diretrizes Brasileiras para Tuberculose 2004
Autores e colaboradores
Adauto Castelo Filho Disciplina de Infectologia, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP
Afrânio Lineu Kritski Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT/Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rede TB de Pesquisa
Ângela Werneck Barreto Laboratório Nacional de Bacteriologia, Centro de Referência Hélio Fraga - Ministério da Saúde
Antonio Carlos Moreira Lemos Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal da Bahia
Antonio Ruffino Netto Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT/Universidade Federal do Rio de Janeiro/Rede TB de Pesquisa em Tuberculose, Ribeirão Preto
Carlos Alberto Guimarães Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica; Instituto Doenças do Tórax-IDT/Universidade Federal do Rio de Janeiro
Célio Lopes Silva Faculdade de Medicina USP de Ribeirão Preto, Rede TB de Pesquisa
Clemax do Couto Sant'anna IPPMG, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Sociedade Brasileira de Pediatria/Rede TB de Pesquisa
David Jamil Haddad Núcleo de Doenças Infecciosas - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Espírito Santo/Rede TB de Pesquisa
Dinalva Soares Lima Coordenação de Tuberculose, Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba - PB
Eliana Dias Matos Hospital Otávio Mangabeira - Secretaria de Estado da Saúde da Bahia
Fernanda Carvalho de Queiroz Melo Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT/Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rede TB de Pesquisa
Fernando Augusto Fiúza de Melo Instituto Clemente Ferreira Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo
Germano Gerhardt Filho Fundação Ataulpho de Paiva, Rio de Janeiro
Giovanni Antonio Marsico Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica
Guida Silva SVS, Programa Nacional de DST/Aids Ministério da Saúde
Hélio Ribeiro Siqueira Hospital Universitário Pedro Ernesto Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Hisbello Campos Centro de Referência Hélio Fraga Ministério da Saúde
Humberto Saconato Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Inês Dourado Instituto de Saúde Coletiva Universidade Federal da Bahia
José Rosemberg Pontifícia Universidade Católica-PUC Sorocaba, São Paulo
José Ueleres Braga Centro de Referência Hélio Fraga Ministério da Saúde; Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Joseney Raimundo dos Santos Coordenação Geral de Doenças Endêmicas, Secretaria de Vigilância à Saúde Ministério da Saúde
Márcia Seiscento Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Marcus Barreto Conde Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT/Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rede TB de Pesquisa
Margareth Pretti Dalcolmo Centro de Referência Hélio Fraga, Ministério da Saúde; Comissão de Tuberculose da SBPT
Margarida Mattos Brito de Almeida Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo USP
Maria Lucia Fernandes Penna Escola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ
Maurício L. Barreto Instituto de Saúde Coletiva Universidade Federal da Bahia/Rede TB de Pesquisa
Miguel Aiub Hijjar Centro de Referência Hélio Fraga SVS, Ministério da Saúde
Mônica Kramer de Noronha Andrade Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, SMS-RJ; Programa Acadêmico de TB/Instituto Doenças do Tórax-IDT Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ninarosa Calvazara Cardoso Hospital Universitário João de Barros Barreto Belém, Universidade Federal do Pará
Norma Irene Soza Pineda Instituto de Saúde Coletiva Universidade Federal da Bahia
Olavo Henrique Munhoz Leite Divisão de Doenças Infecciosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Pedro Picon Hospital Sanatório Parthenon de Porto Alegre, Secretaria de Estado da Saúde RS, Rede TB de Pesquisa
Rodney Frare e Silva Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal do Paraná; Comissão de Infecções da SBPT
Solange Cavalcanti Coordenação de Tuberculose, Secretaria da Saúde do Município do Rio de Janeiro/Rede TB de Pesquisa
Susan M. Pereira Instituto de Saúde Coletiva Universidade Federal da Bahia/Rede TB de Pesquisa
Valéria Maria Augusto Faculdade de Medicina, Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de Minas Gerais
Vera Galesi Coordenação de Tuberculose CVE Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo/Rede TB de Pesquisa
Walkyria Pereira Pinto Centro de Referência DST/Aids, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Editores: Margareth Dalcolmo, Fernando Augusto Fiuza de Melo, Walkyria Pereira Pinto
Apresentação
Para a elaboração destas Diretrizes tomou-se por base o I Consenso, de 1997, as normas estabelecidas no Guia de Vigilância Epidemiológica/MS - 2002, que incorporaram as mais importantes recomendações do I Consenso de TB, e a publicação Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço, CRPHF/MS e SBPT, 5ª Ed., produzido com significante participação de profissionais de Universidades e especialistas com experiência em Serviços.
Para subsidiar as discussões que ocorreram no Seminário preparatório, foram realizadas previamente cuidadosas revisões da literatura brasileira e internacional, além de revisão sistemática e metanálises referentes ao diagnóstico, à prevenção, ao tratamento e à biossegurança. Estes levantamentos serão objeto de publicação como artigos de revisão. Foram igualmente recebidas questões para ratificar ou modificar condutas, cujo resumo está no adendo ao final deste volume.
Como foram mantidos os esquemas e regimes de tratamento ora em uso e adotados pelo Ministério da Saúde, está anexada a esta publicação das Diretrizes a parte técnica do Guia de Vigilância Epidemiológico/MS 2002, que deve ser consultado, nos quadros referentes aos tratamentos e respectivas doses, bem como para conhecer as normas vigentes até o momento.
Reconhecendo a capacidade crescente no Brasil no competitivo mundo da pesquisa, e de par com a necessidade de se revisar alguns indicadores tradicionalmente utilizados na tuberculose, validar métodos diagnósticos e aprimorar regimes de tratamento, é recomendada uma Agenda de Prioridade em Pesquisa para a investigação nacional.
CAPÍTULO 1
Epidemiologia
Os parâmetros e as variáveis usadas para medir a magnitude da tuberculose no Brasil não são seguros; por essa razão, as estimativas conhecidas variam marcadamente. Exemplo disso é a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose, de cerca de 130 mil casos em 2000 para 112 mil em 2002,(1) que parece estar superdimensionada em face dos dados conhecidos. Não há consenso em torno de sua validade, em parte devido à pouca divulgação e discussão da metodologia, e em parte pela base de dados que lhe deu origem. Para a obtenção de tal estimativa seria fundamental uma outra estimativa, esta válida, do risco anual de infecção, que por sua vez é função da prevalência de infecção nas diferentes faixas etárias.
Estudos sobre a infecção tuberculosa no país, tomando-se em conta a alta cobertura de vacinação BCG e o conhecimento acerca de sua influência sobre os indicadores de infecção, são altamente oportunos no momento atual. Estudos anteriores cobriram diversas cidades brasileiras, na sua maioria capitais, e datam da década de 70, portanto não mais refletindo o país como um todo.(2) A tendência do risco de infecção foi arbitrada e não levou em consideração o emprego da quimioterapia de curta duração e as profundas modificações socioeconômicas ocorridas no Brasil. A estimativa da prevalência de infecção é importante porque mede o chamado reservatório secundário, permitindo estimar o risco de infecção.
O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde, ocupa o 14º lugar entre os 23 países responsáveis por 80% do total de casos de tuberculose no mundo. Fontes do Ministério da Saúde estimam uma prevalência no país de 58/100.000 casos/habitantes, com cerca de 50 milhões de infectados, com 111.000 casos novos e 6.000 óbitos ocorrendo anualmente. Segundo dados consolidados em 2001 pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN/MS), foram notificados 81.432 casos novos, correspondendo a um coeficiente de incidência de 47,2/100.000 habitantes (variando de 29,6/100.000 na região Centro-Oeste a 53,1/100.000 nas regiões Nordeste e Sudeste). Com relação ao tratamento, 72,2% receberam alta por cura, com abandono de 11,7% e 7% de óbito, distantes, portanto, das metas internacionais estabelecidas pela OMS e pactuadas pelo governo brasileiro, de curar 85% dos casos estimados.(3)
Entre os parâmetros a serem revalidados, um dos mais importantes é a estimativa do numero de casos incidentes. Nesse sentido, é desejável que a análise dos dados da década de 90 vá além do estudo descritivo da década de 80,(2) sob a compreensão mais ampla das variações de tendência relacionadas à epidemia de HIV/aids(4) e com a multirresistência; com as modificações de estrutura de saúde no país, bem como com as mudanças de natureza socioeconômica registradas. O modelo epidemiológico a ser obtido deve ser abrangente e coletado sob a mais consistente informação disponível.(5,6)
Recomenda-se estabelecer uma vigilância em tuberculose que estimule e melhore a qualidade da informação através da verificação de óbitos, utilizando métodos para identificação de erros de diagnóstico. Os estudos da mortalidade têm relevância, não apenas na perspectiva de a letalidade ser um indicador da qualidade e da oportunidade do tratamento, bem como a observação de óbitos não incluídos anteriormente como casos constituírem uma expressão importante da subdetecção e subnotificação. Estudos sobre a proporção de óbitos que correspondem a casos antes desconhecidos podem, através de modelagem matemática, levar à estimação da fração de casos existentes, porém desconhecidos pelo sistema de informação. Além da estimativa pontual da incidência, sua tendência é igualmente relevante, pois permite o planejamento das ações de controle a médio e longo prazo. Assim, considera-se como oportuno e de extrema relevância a implantação de um sistema de vigilância da mortalidade por tuberculose, bem como estudos de tendência do problema com diferentes níveis de agregação, regiões, Estados e inclusive municípios com alta incidência de aids. Recomenda-se analisar a tendência da mortalidade e da morbidade na década de 90, em comparação com a de 80 e buscar explicar a redução do declínio observado na mortalidade e no número de casos notificados entre os dois períodos, observando as limitações quanto à qualidade dos dados disponíveis.
Na perspectiva da tendência do problema, o impacto da epidemia de HIV/aids na dinâmica de transmissão da tuberculose deve ser também permanentemente avaliado, principalmente naquelas regiões mais atingidas pela transmissão do HIV.
Reconhecendo que estimativa da magnitude e tendência do problema tuberculose é essencial para a boa administração e avaliação dos programas de controle, mais do que nunca é altamente recomendável e oportuna a realização de estudo e análise que auxiliem na melhor definição de variáveis e parâmetros com o objetivo de se estabelecer um modelo mais próximo da realidade brasileira. Somente assim se poderá comparar os dados dos programas de controle com as estimativas e, conseqüentemente, dimensionar sua cobertura. Justificam-se estas considerações inclusive pelo momento atual, de implementação de ações integradas de saúde pública, em particular o Programa de Saúde da Família (PSF) e o de Agentes Comunitários de Saúde (PAC), reconhecendo-se como também oportunos estudos de avaliação de impacto de ações de controle da tuberculose em nível loco-regional, seguindo as diretrizes estabelecidas no SUS.
Recomenda-se a busca ativa de sintomáticos respiratórios na população geral e a realização de estudos com o objetivo de diferenciar a proporção de sintomáticos na população em distintas situações e áreas do Brasil. Igualmente resultaria a proporção de bacilíferos nos sintomáticos examinados verificando as variações ocorridas em diferentes áreas e situações. Atualizar e implementar um modelo de avaliação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose uniformizado, que permita ser usado por todas as unidades de saúde, nos diferentes níveis de atenção, no país, mostra-se altamente relevante. As avaliações de maior complexidade devem ficar restritas aos níveis de maior complexidade e referência.
Recomenda-se, por fim, criar mecanismos que permitam permanente integração ensino-pesquisa e serviço, bem como instrumentos que favoreçam a participação da sociedade civil não governamental, visando ações mais globalizadas.
Referências bibliográficas
1. World Health Organization. Global Tuberculosis Control. Report 2001.
2. Ministério da Saúde. Brasil. Documento Básico da Avaliação Operacional e Epidemiológica do PNCT na Década de 90. Bol Pneumo Sanit 1993.
3. Informações do Relatório do PNCT, SVS, MS, 2002.
4. Barnes PF, Bloch AD, Davidson DT, Snider DE. Tuberculosis in patients with HIV infection. N Engl J Med 1991; 324:1644-50.
5. Rieder HL. Epidemiologic basis of tuberculosis control. Paris. Doc. IUATLD, 1999.
6. Styblo K. Relación entre el riesgo de infección tuberculosa y el riesgo de desarollar una tuberculosis contagiosa. Bol Union Int Tub Enf Resp 1985;60:117-19.
CAPÍTULO 2
Diagnóstico da tuberculose
2.1. Da Doença Pulmonar Ativa
Reconhecidamente, a pesquisa bacteriológica é o método prioritário, quer para o diagnóstico, quer para o controle do tratamento da tuberculose (TB), além de permitir a identificação da principal fonte de transmissão da infecção: o paciente bacilífero.(1-4)
O diagnóstico microbiológico contempla a detecção e o isolamento da micobactéria, a identificação da espécie e/ou do complexo isolado, e a determinação da sensibilidade do microorganismo aos medicamentos antituberculose. A realização de todas estas etapas depende da situação clínico-epidemiológica do caso sob investigação e dos recursos laboratoriais disponíveis, conforme se segue.
O estudo radiológico convencional torácico é indicado sempre, como método auxiliar, e, em especial, nos seguintes casos:
sintomáticos respiratórios negativos à baciloscopia do escarro espontâneo;
contatos de pacientes bacilíferos, de todas as idades, intradomiciliares ou institucionais, com ou sem sintomatologia respiratória;
suspeitos de tuberculose extrapulmonar;
infectados pelo HIV ou com aids.
A prova tuberculínica também faz parte dos métodos de abordagem diagnóstica e estaria indicada como método de triagem para o diagnóstico de tuberculose. A prova tuberculínica positiva, isoladamente, indica apenas infecção e não é suficiente para o diagnóstico de tuberculose doença.
A hierarquização diagnóstica inclui outros métodos, em particular na tuberculose pulmonar, a serem utilizados de acordo com a complexidade do caso e de sua relação de custo-efetividade:
escarro induzido;
broncoscopia com LBA e/ou biópsia transbrônquica;
tomografia computadorizada de tórax;
técnicas de biologia molecular.
Até o presente momento, os testes sorológicos não apresentam sensibilidade e especificidade que justifiquem seu uso rotineiro na investigação clínica da tuberculose. Testes bioquímicos (como dosagem de ADA) podem ser utilizados apenas na investigação da TB pleuropulmonar.
2.2. Técnicas Diagnósticas Convencionais e Novas
2.2.1. Preparo das Amostras Respiratórias
Ver Manual de Bacteriologia do Ministério da Saúde (MS), que descreve as técnicas recomendadas para assegurar melhor rendimento dos exames.
2.2.2. Técnica de Baciloscopia
O método de coloração específico adotado no Brasil para todos os níveis de laboratório e de custo mais barato é o de Ziehl-Neelsen (ZN) convencional.
Existem ainda o Kinyoun (uma variante do ZN, com a exclusão de etapa de aquecimento) e a coloração fluorescente com auramina. Ambos se baseiam na propriedade dos bacilos serem álcool-acidorresistentes, ou seja, depois de tingidos pela fucsina básica, manterem coloração vermelha ou rósea, mesmo depois de submetidos à ação de solução de ácido clorídrico a 3% em álcool, para descoloração. Para que a baciloscopia direta seja positiva, é necessária a presença de pelo menos 5.000 ou 104 bacilos/ml de escarro.(5)
A técnica de fluorescência com auramina pouco acrescenta em termos de sensibilidade, com estudos realizados inclusive no passado, especialmente para o rastreamento de sintomáticos respiratórios. Apresentando a mesma acurácia do ZN, com tempo de leitura menor, só está recomendada para laboratórios que façam mais de 100 lâminas por dia. Além disso, exige pessoal treinado e todas as lâminas positivas precisam ser confirmadas pelo ZN; o equipamento é mais caro, portanto não está recomendada por estas Diretrizes.(5-7)
O rendimento da baciloscopia é de 50% a 80% dos casos de TB pulmonar, de acordo com a prevalência local e com os cuidados metodológicos empregados na manipulação das amostras respiratórias.(5,6,8-11) Em termos de acurácia, as novas metodologias devem apresentar sensibilidade e especificidade similar ou superior ao ZN. Além disso são necessárias análises de custo-efetividade locais, antes de recomendação da utilização rotineira de outra técnica em substituição ao método que está padronizado e recomendado no Brasil, com base nos estudos disponíveis.
Com base nos dados de literatura e ratificando as normas brasileiras do Programa de Controle da Tuberculose, recomenda-se a coleta de pelo menos duas amostras de escarro espontâneo, na rotina de investigação diagnóstica da tuberculose pulmonar. Se possível uma na ocasião da primeira consulta e outra, independentemente do resultado da primeira, na manhã do dia seguinte, em jejum.(1,2,6,12)
2.2.3. Cultura
Existem disponíveis vários meios de cultura para as micobactérias. O mais utilizado no Brasil e aprovado pela Organização Mundial da Saúde é o de Löwenstein-Jensen (LJ), um meio sólido à base de ovo.(3) Outros meios de cultura à base de ágar estão disponíveis comercialmente, sendo os mais usados: Middlebrook 7H10 e o 7H11. O esquema de isolamento primário pode também incluir meios líquidos, como os Middlebrook 7H9 e 7H12. Dentre os meios sólidos, como o LJ ou meio de Ogawa-Kudo, o crescimento das micobactérias é melhor no meio à base de ovo, mais rápido no meio com ágar mas com menor tempo de crescimento nos meios líquidos.(13)
Os métodos de detecção automatizada ou semi-automatizada do crescimento micobacteriano em meios líquidos possibilitam o diagnóstico mais precoce, com a detecção em uma a três semanas, ao invés das três a oito semanas do meio sólido. Contudo, pelo menos uma cultura em meio sólido (LJ) deve ser realizada em paralelo, para garantia de isolamento de cepas de Mycobacterium tuberculosis que não crescem em outros meios, e por permitir a preservação da cepa para estudos posteriores.(14,15)
Dentre os métodos acima, o BACTEC 460 TB® (Becton Dickinson, Sparks, Md.), um sistema de detecção radiométrico, que utiliza o meio líquido Middlebrook 7H12, acrescido de ácido palmítico marcado com um radioisótopo do carbono [14C]. Durante o crescimento bacilar, o bacilo utiliza o ácido palmítico no seu metabolismo, liberando o 14CO2, cuja concentração é convertida em unidades de crescimento pelo equipamento, indicando que houve crescimento bacteriano. Nesse sistema, o tempo para detecção do crescimento bacilar é encurtado para 15 dias. Também pode ser utilizado para hemoculturas, testes de sensibilidade e identificação das micobactérias. É um método de detecção rápida de micobactéria em espécime clínico, bem estabelecido, com validação internacional e aprovado pela OMS. Entretanto, trabalhos apontam uma taxa de culturas falso-positivas entre 1,4% e 4%, devido à contaminação entre os espécimes durante a leitura pelo equipamento, além do problema gerado pelo descarte de material radioativo. No Brasil este sistema vem sendo desativado e substituído por outros ditos rápidos, não radiométricos, como MGIT® e MB/BacT®, que deverão substituí-lo em definitivo, em laboratórios de referência, após sua avaliação quanto à relação de custo-efetividade em diferentes situações.(15-17)
Os sistemas MGIT® (Mycobacteria Growth Indicator Tube) e o BACTEC 9000® (Becton Dickinson, para amostras sanguíneas) têm-se mostrado promissores. No sistema MGIT®, a detecção do crescimento microbiano é baseada na sensibilidade do rutênio à concentração de O2. Nos tubos de ensaio contendo meio líquido 7H9 existe uma base de silicone impregnada com esse metal. Com a redução da concentração de O2, devido à multiplicação microbiana, o rutênio emite luminescências, detectadas com luz ultravioleta e convertidas em sinal positivo pelo sistema. O resultado é obtido num tempo mais curto do que o da cultura convencional em meio sólido, e pode-se também realizar o teste de sensibilidade.(3)
Entretanto, o MGIT® apresentou taxas de contaminação superiores ao LJ nos estudos realizados (3,7% x 1,2%, respectivamente, e, em outra série, 15,1% e 10,1%, respectivamente).(15,16) O sistema BACTEC 9000® é utilizado para isolamento de micobactérias a partir da cultura de espécimes de sangue inoculados no frasco Myco/F, contendo meio líquido 7H9. Na base desse frasco existe um sensor fluorescente sensível à concentração de O2. À medida em que este é consumido pelo metabolismo microbiano, a fluorescência é liberada gradativa e proporcionalmente a esse consumo. O BACTEC 9000® e o MGIT® foram validados internacionalmente e aprovados pela ANVISA para utilização na detecção do bacilo da tuberculose no Brasil.(15,16,18)
A fusão da tecnologia BACTEC com o MGIT resultou no sistema BACTEC-MGIT 960® (BM960), que foi recentemente analisado em nosso meio, avaliando 844 amostras de escarro de 489 pacientes. Foram positivas na baciloscopia 229 (27%), 293 (35%) no LJ e 313 (37%) no BM960. A contaminação no LJ foi observada em 19 amostras (2%) e no BM960 em 51 (6%), observação estatisticamente não significativa. Quando individualizadas por pacientes, excluídos os contaminados, foram considerados positivos 149 (34%), 108 (25%) e 158 (36%). Semelhança estatística foi encontrada nos resultados das culturas no total de amostras, tendo, entretanto, o resultado sido diferente nas culturas quando individualizadas por paciente. Foi constatada uma redução importante no tempo de crescimento da cultura do M. tuberculosis no BM960 (média = 10,8 dias), cerca de um terço daquele do LJ (média = 37,9 dias) no total de resultados. A similitude dos resultados no total de amostras, o melhor rendimento quando individualizados por paciente e a redução do tempo do diagnóstico poderiam justificar sua implantação em unidades de referência, após validação de resultados e comparação com outros em laboratórios e distintas realidades epidemiológicas, associados a estudos de custo-efetividade.(16,19,20)
Um outro sistema disponível é o MB BacT® (BioMerieux), que vem sendo analisado, com vistas à validação, inclusive no Brasil, mas ainda não o foi pelo Food and Drugs Administration-FDA, EUA. Este sistema detecta a produção de CO2, por monitoramento contínuo, através de sensores ópticos e não pela emissão de carbono marcado.(17,21,22)
O MB REDOX® (Heipha Diagnostika Biotest, Alemanha) é um sistema que se baseia no meio líquido de Kirchner modificado, enriquecido com um complexo vitamínico, que promove a aceleração do crescimento, além de soro eqüino, glicerol e um componente antibiótico, o PACT (polimixina B, anfoterecina B, carbenecilina e trimetoprim). O sistema apresenta manipulação fácil e a detecção do crescimento não requer nenhum instrumento, nem produz lixo radioativo. Em comparação com o MGIT, apresentou taxa de detecção de 72,3% versus 81,1% respectivamente, porém com tempo médio de detecção menor, se comparado com o MGIT, 15,5 versus 19,1 dias, respectivamente. A desvantagem deste método é que só é possível detectar o crescimento micobacteriano, sem permitir a diferenciação entre as micobactérias do complexo M. tuberculosis das outras espécies não TB.(13)
O sistema de cultura ESP II® (Trek Diagnostic Systems) representa outra opção automatizada para isolamento de micobactérias de diferentes amostras; é resultado de uma adaptação do sistema ESP, que é usado para isolamento de microorganismos do sangue. Baseia-se na detecção de mudanças de pressão dentro de um tubo selado; detecta a cada 24 minutos a taxa de oxigênio consumido e a produção de gás carbônico. Quando comparado ao método de cultura tradicional (meio sólido), mostrou-se mais eficiente, apresentando tempo menor de detecção do crescimento micobacteriano. No entanto, ao compará-lo com o sistema BACTEC 460 TB, apresentou tempo maior para detecção das micobactérias do complexo M. tuberculosis.(23)
Recomenda-se que as novas técnicas não radiométricas automatizadas ou não devam ser consideradas como alternativas em laboratórios de referência, de média e grande complexidade, após a avaliação de sua eficácia e custo-efetividade em condições de rotina através de ensaios diagnósticos.
2.2.4. Testes de Identificação
A identificação da espécie da micobactéria isolada pode ser feita através da análise morfológica das colônias, nos meios sólidos, associado ao uso de testes bioquímicos clássicos, químicos (HPLC), e moleculares (Accuprobe Gen-probe®, PRA®) por laboratórios de alta complexidade e por técnicas validadas.
O M. tuberculosis apresenta o teste da niacina positivo, fraca atividade da catalase, que desaparece com o aquecimento, e o teste da redução do nitrato também positivo, mas estes testes são laboriosos e demandam tempo. Uma alternativa possível e disponível é a utilização de sondas genéticas, aplicáveis apenas às culturas, e capazes de identificar, através da técnica de hibridação, o complexo M. tuberculosis, o complexo Mycobacterium avium, o M. avium, o M. intracellulare, M. kansasii e M. gordonae, em poucas horas (Accuprobe Gen Probe Inc.®), e validada para este uso.
Outras alternativas são os testes de biologia molecular: seqüenciamento genético por PCR, entre os quais há um disponível comercialmente (LiPA-Innogenetics®, Zwijnaarde, Belgium), a técnica de microarranjos do ADN, e a técnica de PCR aplicada para a detecção da proteína hsp65. Os trabalhos iniciais de eficácia mostram boa concordância com os métodos anteriormente descritos.
Outro teste comercial, o TB PNA FISH® (Dako, Dinamarca), vem sendo utilizado em culturas líquidas, amostras de escarro e em material de biópsias parafinadas, com resultados iniciais promissores. Este teste é baseado em sondas de peptídios do ácido nucléico, que, devido às suas características hidrofóbicas, penetram a parede micobacteriana e podem se ligar a regiões selecionadas do 16S rRNA, permitindo a diferenciação entre tuberculose e outras micobacterioses.
A técnica de HPLC (High Performance Liquid Chromatography) baseia-se no fato de que cada espécie de micobactéria sintetiza um único padrão de ácidos micólicos na composição da sua parede celular. Contudo, não distingue o M. tuberculosis do M. bovis, apesar de diferenciar o M. bovis BCG do Complexo M. tuberculosis.
A identificação das micobactérias deve ser indicada na suspeita de doença, em particular nos imunodeprimidos, mas o custo elevado e a fase atual do conhecimento limitam o uso dos testes moleculares, como a técnica do HPLC, aos laboratórios de pesquisa.(24-26)
2.2.5. Testes de Sensibilidade aos Medicamentos
O teste de sensibilidade mais utilizado no Brasil é o método das proporções em meio Lowenstein-Jensen (LJ), variante econômica. Outros métodos aprovados pela OMS são utilizados, como o da razão da resistência. Os métodos automatizados que utilizam meios líquidos, estão sob validação e revelam boa acurácia. Devem ser introduzidos nas rotinas de laboratórios de média e alta complexidade, após sua aprovação pelas agências reguladoras nacionais e internacionais. Recentemente o método BACTEC-MGIT960® foi aprovado pela ANVISA e o MB/BacT® está em processo de análise quanto à sua eficácia(21,22) e de aprovação pelo Food and Drugs Administration (FDA).
O grau de concordância do BACTEC 460® e do BACTEC-MGIT 960® foi de 93,5% para os medicamentos de primeira linha, em estudo realizado recentemente. Seguindo a linha de procedimentos da Food and Drugs Administration (FDA), a ANVISA autorizou o teste de sensibilidade pelo MGIT para os seguintes medicamentos até o momento: estreptomicina, isoniazida, rifampicina e etambutol (SHRE) e o FDA já o aprovou para a pirazinamida. Esta tecnologia do MGIT é virtualmente capaz de incluir teste de sensibilidade para outros fármacos, porém carece de validação.(21,22,27) Apenas o BACTEC 460 recebeu validação da OMS para testes de sensibilidade aos antimicrobianos de segunda linha: etionamida, capreomicina, ofloxacina e outros.
Outras alternativas têm sido propostas para a detecção da sensibilidade aos medicamentos anti-TB, porém ainda estão em fases distintas de avaliação. Elas podem ou não mostrar uma relação de custo-efetividade que permita sua utilização prática. São elas: FASTPlaque TB-RIF® (Biotec Laboratories Ltd, Ipswich, Reino Unido); testes colorimétricos Alamar blue (Accumed, EUA) e E-test (AB BIODISK, Suécia).(28,29)
Os testes de biologia molecular também têm sido avaliados, como a técnica de PCR e de micro-arranjos do ADN, mas apenas o Line Probe Assay® (INNO-LiPA RifTB-Immunogenetics N.V., Zwijndrecht, Bélgica) está disponível comercialmente e validado na Europa, para uso em meios com cultura positiva para micobactéria.
No teste da luciferase, uma amostra clínica é colocada em um meio onde está um fago contendo o gen da luciferase. Se o M. tuberculosis estiver viável, ele irá infectar o fago e o gen da luciferase funcionará produzindo luz visível com o acréscimo de luciferina ao meio. O teste pode ser utilizado para sensibilidade se for associado à co locação de antibiótico no meio.(30) Não há relato de sua reprodutibilidade em diferentes laboratórios de referência ou não.
A tecnologia de molecular beacons, moléculas que emitem luz quando determinadas reações químicas ocorrem, tem sido também estudada. Ainda, um teste com base na detecção microscópica das características morfológicas do M. tuberculosis em meio líquido tem sido estudado, o MODS (Microscopic Observation Drug Susceptibility Assay), que utiliza o meio Middlebrook 7H9.(31)
Estes novos métodos até o momento se adequam para pesquisa e validação apenas em unidades de referências e universidades.
2.2.6. Técnicas de Biologia Molecular
As técnicas de amplificação de ácidos nucléicos, tendo como alvo seqüências específicas de microorganismos, surgiram como promissores instrumentos para o diagnóstico da TB sensível ou resistente. Podem ser aplicadas aos espécimes clínicos e compreendem as seguintes alternativas: reação em cadeia da polimerase, amplificação mediada por transcrição, amplificação por deslocamento de fita e reação em cadeia da ligase. Apesar de apresentarem, em média, elevadas sensibilidade (95%) e especificidade (98%) em amostras com baciloscopia positiva, o seu rendimento diagnóstico é inferior nas amostras com baciloscopia negativa. Até o momento existem alguns testes disponíveis comercialmente: AMTD® e o EMTD® nova geração do AMTD® (Gen-Probe Inc, San Diego, CA), Amplicor® e Cobas Amplicor® (Roche Molecular Systems, Brancburg, NJ) - o último uma geração com automatização completa, LCx® (Abbot Laboratories) e SDA® (Biosciences, Sparks, Md). Entretanto, apenas o AMTD®, o Amplicor® e o EMTD® foram aprovados pelo FDA, e exclusivamente para amostras respiratórias, com baciloscopia positiva. Cabe ressaltar que apenas o EMTD® foi aprovado para amostras com baciloscopia negativa também. Todos esses testes foram aprovados para uso na suspeita clínica de TB pulmonar em pacientes adultos, não infectados pelo HIV e sem tratamento prévio nos 12 meses que antecederam o evento atual.(32)
Entre infectados pelo HIV, a sensibilidade e a especificidade do EMTD® foram inferiores: 71% e 97%, respectivamente. Há a descrição de testes "in house", inclusive no nosso meio, com rendimentos promissores entre amostras com baciloscopia negativa (88,8% com leitura em agarose e 94,4% com leitura colorimétrica), porém encontram-se em fase de validação interlaboratorial e de análise de custo-efetividade.(33)
A utilização e a interpretação dos resultados das técnicas de amplificação de ácidos nucléicos, utilizando os kits comerciais disponíveis no mercado atualmente, AMTD/EMTD®, que amplificam e detectam o ARN ribossomial do M.tb e o Amplicor/Cobas Amplicor®, que utilizam a amplificação de uma região do gene do ARNr 16S no ADN do M. tuberculosis, deve ser feita de forma cuidadosa. Os pacientes com TB prévia e/ou aqueles com co-infecção pelo HIV demonstraram maior índice de exames falso-positivos para TB em diversas séries estudadas. Por isso, estudos adequados para avaliar a real aplicabilidade devem ser realizados em nosso meio, considerando o panorama epidemiológico atual, para a validação do uso de rotina em laboratórios de referência e em hospitais gerais. Somente após a análise destes estudos poderão ser estabelecidos os reais valores preditivos positivo e negativo destas técnicas.
Deve-se notar também que esses testes não se aplicam para o acompanhamento de tratamento nem substituem a cultura.
A recomendação atual do CDC para a interpretação dos resultados desses testes é a seguinte: para a baciloscopia e a técnica de amplificação de ácido nucléico, se aplicadas à primeira amostra de escarro e se ambas forem positivas, é estabelecido o diagnóstico de TB pulmonar. Se a amostra apresenta baciloscopia positiva e amplificação negativa, deve ser feita uma avaliação técnica a respeito da presença de inibidores para a amplificação. Caso não sejam detectados inibidores, conclui-se pelo diagnóstico de micobacteriose não tuberculosa. Se o escarro apresentar baciloscopia negativa, mas amplificação positiva, nova amostra deverá ser encaminhada para análise. Se esta for positiva, considera-se como caso de TB pulmonar em atividade. No caso de ambas, baciloscopia e amplificação, serem negativas, uma nova amostra de escarro deverá ser enviada para amplificação. Se esta amostra for negativa, pelo menos se deve considerar como um caso de TB pulmonar "não transmissível", mas a definição final do diagnóstico nesta situação terá como base o julgamento clínico.(3)
Recentemente, foi publicada uma metanálise a respeito do papel da técnica de PCR para o diagnóstico da tuberculose pulmonar com escarro negativo à baciloscopia. Os autores concluíram que a técnica de PCR não possui acurácia consistente o suficiente para ser indicada de forma rotineira para o diagnóstico de TB pulmonar.(26)
2.2.7. Sorologias
Estes métodos baseiam-se em reações do tipo antígeno-anticorpo. Ocorreu uma evolução para antígenos purificados, protéicos ou glicolipídios, na tentativa de se alcançar maior especificidade dos testes para o M. tuberculosis. Porém, vários fatores estão associados ao limitado rendimento dos testes sorológicos avaliados até hoje: técnica sorológica, tipo de antígeno empregado, classe de imunoglobulina pesquisada, população estudada (prevalência de infecções), situação imunológica, variações genéticas individuais, possibilidade de sensibilização prévia com outras micobactérias, produção de diferentes classes de anticorpos em momentos distintos da doença. Existem várias técnicas sorológicas para o diagnóstico de TB: hemaglutinação, aglutinação em látex, fluorescência indireta, radioimunoensaio e imunofluorescência. Nas últimas décadas, o método de enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) despertou interesse, pela possibilidade de fácil execução, baixo custo e rapidez diagnóstica nas formas de TB, em que a baciloscopia apresenta limitações, como as formas pulmonares paucibacilares e as formas extrapulmonares. Os pacientes infectados pelo HIV, contudo, principalmente nas fases avançadas de imunodepressão, apresentam baixo rendimento da técnica de ELISA.(34-40)
2.2.8. Outros Testes
As dosagens da adenosina-deaminase (ADA) no sangue periférico e no escarro já foram avaliadas quanto à utilidade diagnóstica na suspeita de TB pulmonar; contudo, ambos foram demonstrados como de baixa acurácia para tal diagnóstico. Entretanto, esta técnica tem-se mostrado muito útil no diagnóstico de TB pleuropulmonar, com elevada acurácia e razão de verossimilhança.(41,42)
2.3. Exames Diagnósticos
2.3.1. Escarro Espontâneo para Baciloscopia
Um melhor rendimento diagnóstico está nitidamente associado aos cuidados com a coleta, com atenção à qualidade e ao volume. Já foram evidenciadas as taxas de detecção de casos de TB pulmonar com a coleta de amostras sucessivas de escarro espontâneo, submetidas à coloração de Ziehl-Neelsen: primeira amostra 83,4%; segunda amostra acréscimo de 12,2%; e terceira amostra acréscimo de 4,4%. Outros pesquisadores realizaram descrição similar, porém com a técnica de auramina para a avaliação baciloscópica: 73% dos casos com baciloscopia positiva detectados na primeira amostra, 14% na segunda, 7% na terceira e 6% na quarta. A especificidade da análise baciloscópica do escarro, por sua vez, depende da prevalência das micobactérias não tuberculosas na região, além da qualificação técnica do laboratório local. No nosso meio, já foi demonstrado que a especificidade apresenta-se com cerca de 98%.(5,6,12)
2.3.2. Escarro Induzido x Lavado Broncoalveolar
A obtenção de espécime respiratório através da indução de escarro, com nebulização ultra-sônica com solução salina hipertônica a 3%, tem-se revelado uma alternativa de baixa morbidade, de baixo custo e de fácil execução.(43)
Vários estudos, em locais com distintas prevalências de TB pulmonar, têm demonstrado o impacto do escarro induzido no diagnóstico da tuberculose.(43-47) Um estudo recentemente conduzido em nosso meio, que avaliou a utilidade do escarro induzido, incluiu 251 pacientes submetidos às técnicas de indução de escarro e de coleta de lavado broncoalveolar na mesma ocasião. Entre os 207 pacientes HIV-soronegativos, a baciloscopia e a cultura de micobactérias, no escarro induzido e no lavado broncoalveolar, concordaram em 97% e 90% dos casos, respectivamente. Entre os 44 pacientes HIV-soropositivos, a concordância encontrada na baciloscopia e na cultura para micobactérias, nos dois espécimes respiratórios, foi de 98% e 86%, respectivamente.(48)
Outro estudo, em 2001, demonstrou o rendimento diagnóstico da baciloscopia e da cultura entre amostras, obtidas com a indução do escarro, de forma sucessiva: uma amostra 64% e 70%, duas amostras 81% e 91%, três amostras 91% e 99%, e quatro amostras 98% e 100%, respectivamente. A aplicação de uma técnica de amplificação de ácido nucléico, além de contribuir para maior rendimento diagnóstico da TB, foi igualmente mais custo-efetivo que o LBA ou que o tratamento de prova, conforme se demonstrou com estudo realizado também em nosso meio, com uma técnica de amplificação já comercializada (Amplicor®): sensibilidade de 64% e especificidade de 95%.(32) Neste estudo, entre os vários cenários analisados (tratamento de prova, baciloscopia e cultura em lavado broncoalveolar), foi mais apropriado indicar teste molecular em amostra clínica de pacientes sob suspeita de TB pulmonar, cuja baciloscopia inicial no escarro induzido foi negativa.
Recomenda-se obedecer às normas de biossegurança constantes da Guia de Vigilância Epidemiológica do MS, no que concerne à coleta de escarro induzido, em Unidades de Saúde tipos 2 e 3, quanto ao ambiente e proteção individual respiratória para os profissionais de saúde.(1)
2.3.3. Broncoscopia (BFC)
Vários estudos têm demonstrado a utilidade da broncoscopia no diagnóstico da tuberculose, nas formas negativas à baciloscopia, com rendimento que varia de 11 a 96%. Entre os procedimentos associados à broncoscopia lavado brônquico, lavado broncoalveolar, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia transbrônquica e punção aspirativa com agulha o de menor rendimento é o escovado e o de maior é o lavado broncoalveolar.(26,49)
O diagnóstico da tuberculose miliar é, com freqüência, de difícil confirmação e o retardo diagnóstico está associado ao aumento da mortalidade. Nesses casos, o rendimento da cultura no escarro e no lavado gástrico é baixo, bem como a biópsia aspirativa da medula óssea. A utilização da BFC para o diagnóstico da tuberculose miliar, portanto, é uma alternativa. Willcox, numa série de pacientes com tuberculose miliar e escarro negativo, obteve a confirmação diagnóstica em 83% deles, utilizando o lavado brônquico e a biópsia transbrônquica, sendo que esta, isoladamente, definiu o diagnóstico em 73% dos casos. Baseado nesses dados, pode-se concluir que a BFC é útil no diagnóstico da tuberculose miliar, uma vez que a rápida definição diagnóstica nesses casos diminui, significativamente, a mortalidade dessa forma de apresentação da tuberculose.(50)
O envolvimento ganglionar intratorácico hilar e mediastinal sem comprometimento pulmonar, é um achado raro nos adultos e comum nas crianças. Nos adultos com linfadenomegalia mediastinal, a BFC com aspirado por agulha alcançou um rendimento diagnóstico em até 87% dos casos.(51)
Autores já haviam demonstrado, em 1995, que o rendimento da broncoscopia no diagnóstico da TB pulmonar com lesão mínima pode ser elevado através da biópsia transbrônquica do segmento comprometido (nessa série de casos de lesões mínimas, a baciloscopia do lavado broncoalveolar foi positiva em 7,5% dos casos).(52,53)
Na tuberculose endobrônquica, a BCF é útil, não só na demonstração do comprometimento bronquial mas também no seguimento desses pacientes durante e após o tratamento específico, pelo risco de estenose brônquica e seqüelas funcionais.(53)
2.4. Estudo Radiológico do Tórax
A tuberculose apresenta opacidades radiológicas na maioria dos casos, constituindo um relevante instrumento diagnóstico. Deve-se considerar duas situações distintas: a TB primária e a TB secundária, pois se manifestam clínica e radiologicamente de formas distintas.(54-63)
2.4.1. TB Primária
Tradicionalmente a TB primária é uma doença de crianças. Nos últimos anos, em locais de alta prevalência, sua incidência vem aumentando em adultos. Em locais de baixa prevalência, pode ser encontrada em outras faixas etárias, principalmente adultos jovens. A radiografia do tórax pode ser normal, embora pequenos nódulos periféricos possam estar presentes e não ser visualizados.(4,54,63) As apresentações mais comuns são:
- Consolidação parenquimatosa Opacidade homogênea do pulmão, caracterizada pelo apagamento dos vasos pulmonares e algumas vezes pela presença de broncograma aéreo, simulando uma pneumonia bacteriana. As topografias mais comuns de acometimento são: sublobar e subpleural.
- Linfonodomegalia mediastinal e hilar Aumento dos linfonodos é a manifestação radiológica mais freqüente na TB primária. Acomete entre 83% e 96% nas crianças e sua freqüência diminui entre os adultos, de 10 a 43%. É tipicamente hilar, paratraqueal direito, e mais raramente subcarinal, ou na região aortopulmonar. Usualmente está associada com a consolidação parenquimatosa ou com atelectasia. Linfonodomegalia bilateral ocorre em aproximadamente um terço dos casos. Sua apresentação isolada, como única manifestação, diminui de freqüência com a idade e a calcificação é mais comum nos adultos.
- Atelectasia É a aeração menor do que o normal de uma porção do pulmão e decorre da compressão extrínseca por linfonodomegalias; ocorre em 9% a 30% das crianças. Em crianças com menos de dois anos a atelectasia lobar ou segmentar é mais freqüente. Os segmentos mais acometidos são: o anterior do lobo superior e o medial do lobo médio.
Derrame pleural Ver TB pleural.
- Padrão miliar ou micronodular Coleção de pequenas opacidades isoladas, com diâmetro de 2,0 a 10mm, geralmente uniforme em tamanho e com distribuição homogeneamente disseminada. Acomete, preferencialmente, crianças com menos de dois anos e imunodeprimidos. No início dos sintomas, a radiografia de tórax pode ser normal. A hiperinsuflação pulmonar é a manifestação radiológica mais precoce, de uma a duas semanas do início dos sintomas. O padrão clássico de 2-3mm se torna visível somente após duas a seis semanas. Na suspeita de TB miliar, deve-se avaliar os espaços intercostais e retrocardíaco. A detecção precoce depende da técnica radiológica. Lesões associadas, como cavidades, derrame pleural e linfadenopatia hilar e/ou mediastinal, sugerem o diagnóstico, sendo encontradas em 40% dos casos. A presença de linfonodomegalia é mais comum em crianças e infectados pelo HIV.
2.4.2. TB Pós-primária
É a forma mais comum de adoecimento entre os adultos e adolescentes, com 85% dos casos tendo apresentação pulmonar. Esta localização é a mais freqüente mesmo entre portadores de imunodeficiências, como a co-infecção TB/HIV. Nessas situações, a forma pulmonar ocorre em 60% a 70% dos casos. Na radiografia de tórax os achados mais freqüentes são:(4,54,62-64)
Opacidade heterogênea imagem que atenua mais o feixe de raios X do que as estruturas adjacentes. Aparece como uma área mais branca, com menor densidade fotométrica do que sua adjacência.
Cavidades definidas como massas no interior do parênquima pulmonar, cuja porção central apresentou necrose de liquefação; são mais freqüentes nos segmentos ápico-posteriores dos lobos superiores ou superiores dos lobos inferiores. Em nosso meio, ocorrem em 40 a 45% dos casos, provavelmente em decorrência do diagnóstico tardio da doença. Apresentam-se com paredes espessas durante sua fase ativa; após a cura da doença evoluem para cicatrização, cujo aspecto residual são as bandas ou estrias, calcificações e retrações do parênquima acometido. Podem permanecer com suas paredes finas após a cura, representando a seqüela ou inatividade do processo da doença.
Consolidações um achado sugestivo de tuberculose é a "pneumonia cruzada", que decorre da disseminação broncogênica do M. tuberculosis pelo parênquima pulmonar.
Padrão retículo-nodular a disseminação broncogênica da TB a partir de uma cavidade ou de um linfonodo fistulizado determina a implantação de bacilos em outras localizações dos pulmões. É uma coleção de inúmeras opacidades pequenas, lineares e nodulares, que, juntas, resultam numa aparência composta de pequenos nódulos superpostos.
Nódulo (tuberculoma) opacidade aproximadamente circular, bem definida, de 2 a 30mm de diâmetro. A presença de calcificações e dos nódulos satélites auxilia no diagnóstico diferencial de nódulo pulmonar solitário. A maioria dos tuberculomas é menor que 3cm, embora lesões maiores do que 5cm tenham sido descritas. Em países desenvolvidos, na população geral, de 14 a 24% dos nódulos solitários ressecados são tuberculomas.
Banda parenquimatosa (estria) opacidade alongada, com vários milímetros de largura e com cerca de 5cm de comprimento; representa sinal de fibrose local.
As manifestações radiológicas da TB associadas à aids dependem do nível de imunodepressão e do tempo de doença. Assim, os pacientes com imunidade celular íntegra apresentam lesões semelhantes às da pessoa não infectada. Entre os pacientes com grave imunodepressão, 10 a 20% apresentam radiografias normais ou aspecto semelhante ao encontrado na forma de TB primária, incluindo a apresentação ganglionar e o derrame pleural. Apresentações atípicas são comuns em pacientes idosos, diabéticos e portadores de lúpus eritematoso sistêmico.(62,63) Observa-se comprometimento maior dos segmentos inferiores nesses pacientes. A forma miliar é freqüente e igualmente a ocorrência de cavitações diminui com a avançar da idade.
A análise radiológica não substitui a realização do inventário baciloscópico e sugere-se uma padronização na sua descrição no nosso meio:
Radiografia normal ausência de imagens patológicas nos campos pulmonares;
Seqüela imagem sugestiva de lesões cicatriciais;
Suspeito imagem sugestiva de processo de TB ativa;
Outras doenças imagem sugestiva de pneumopatia não tuberculosa.
2.4.3. Tomografia Computadorizada do Tórax
A tomografia computadorizada do tórax (TC) é um método de imagem de maior custo e só está disponível em centros de referências. A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) se justifica apenas em situações nas quais a radiografia de tórax não contribui para o diagnóstico de doença em atividade, seja pela presença de alterações parenquimatosas mínimas, seja por não permitir distinguir lesões antigas fibróticas das lesões características de disseminação broncogênica.(65-67)
Com relação à tuberculose miliar, a TCAR de tórax é mais sensível do que a radiografia de tórax, tanto na definição quanto na distribuição de pequenos nódulos parenquimatosos, e é de fundamental importância na avaliação do mediastino.(65-67)
Os principais achados tomográficos da TB miliar são: micronódulos habitualmente menores do que 6mm, distribuídos difusa e aleatoriamente; nódulos maiores do que 6mm e pequenas cavidades caracterizando a disseminação acinar concomitante; brônquios de paredes espessas e linfadenomegalias com densidade heterogênea.
Recentemente, em nosso meio, foi realizado um estudo avaliando os achados na TCAR do tórax em pacientes com TB pulmonar ativa e os principais sinais sugestivos de atividade encontrados foram: nódulos no espaço aéreo (83%), nódulos centrolobulares (74%), aspecto de árvore de brotamento (67%), cavitações (67%), espessamento de paredes brônquicas (55%), consolidações (48%), opacidade em vidro fosco (21%) e espessamento do interstício pulmonar (9%). Entretanto, os valores preditivos positivo e negativo que traduzem a aplicabilidade do uso da TCAR do tórax, não foram avaliados em condições de rotina, em unidades de saúde, com distintas prevalências de tuberculose ativa.(63,68)
Portanto, os estudos sobre rendimento da TC ainda são limitados e necessitam de maior aprofundamento, maior casuística e integração entre especialistas em Radiologia, Clínica e Economia da Saúde, para permitir a elaboração de recomendações normativas apropriadas para o nosso meio. Devem ser usados de forma individualizada, de acordo com os recursos disponíveis e o custo-benefício, especialmente em casos com baciloscopia negativa que exigem melhor diferencial com outras doenças.
2.5. Prova Tuberculínica Cutânea PPD
A prova tuberculínica (PT), avaliada através da técnica de Mantoux, é um método auxiliar para o diagnóstico de TB. Baseia-se na reação celular desenvolvida após a inoculação intradérmica de um derivado protéico do M. tuberculosis. No Brasil, o antígeno padronizado e distribuído pelo MS é o PPD RT 23, aplicadas 2 UT.(1)
O resultado positivo evidencia apenas a infecção por micobactérias, não caracterizando a presença de doença. A graduação da reação cutânea é utilizada para aumentar a especificidade do resultado e avaliada após 72 a 96 horas da aplicação. Sua medida, realizada com régua milimetrada, deve ser do maior diâmetro transverso da área de enduração palpável. O resultado, registrado em milímetros, origina a seguinte classificação e interpretação clínica:
a) 0 a 4mm não-reator: indivíduo não-infectado pelo M. tuberculosis ou por outra micobactéria; infectado pelo M. tuberculosis em fase de viragem tuberculínica ou excepcionalmente em pessoas infectadas ou doentes pelo M. tuberculosis (e.g.: paciente imunodeprimido);
b) 5 a 9mm reator fraco: indivíduo vacinado com BCG, infectado pelo bacilo da tuberculose ou por outras micobactérias;
c) 10mm ou mais reator forte: vacinado com BCG recentemente, indivíduo infectado pelo bacilo da TB, que pode estar doente ou não.
Esta classificação somente é válida para pacientes com teste sorológico anti-HIV negativo. As pessoas infectadas pelo HIV são consideradas co-infectadas pelo bacilo da TB desde que apresentem teste tuberculínico com enduração igual ou superior a 5mm.
A prova tuberculínica deve ser interpretada de forma especial nas pessoas vacinadas com BCG há menos de dois ou de três anos. Outras situações que podem interferir em seu resultado: a) doenças imunodepressoras, como sarcoidose, neoplasias malignas de cabeça e pescoço, e linfoproliferativas; b) vacinação com vírus vivo; c) gravidez; d) tratamento com corticóides e imunodepressores; e) crianças com menos de dois meses de idade; f) pessoas com mais de 65 anos de idade.
Sabe-se que cerca de 70% a 80% dos portadores de TB pulmonar em atividade apresentam PT com > 10mm de enduração. Esse teste possui, portanto, importantes limitações para o seu uso na decisão diagnóstica, em particular: nas áreas de elevada prevalência de infecção pela TB, como no nosso meio, onde a taxa de PT positiva oscila entre 25% e 55% na população geral, e nos locais de significativa taxa de co-infecção TB/HIV, onde aumenta a probabilidade de resultado falso-negativo.(3,4,69-71)
2.6. Algoritmos para a Tuberculose Escarro-Negativa
Recentemente foi realizado um estudo de revisão do diagnóstico da tuberculose pulmonar escarro-negativa, em países com limitados recursos econômicos. Foram revistos os vários critérios, algoritmos, sistemas de pontos e indicadores clínicos laboratoriais inespecíficos disponíveis. Os autores concluíram que vários aspectos metodológicos limitam a validade e a aplicabilidade desses instrumentos em adultos: todos foram realizados em hospitais, implicando um viés de seleção; foram utilizadas pequenas amostras; variados critérios de exclusão e distintos padrões-ouro, gerando grande heterogeneidade e limitações quanto à generalização.
Não há evidências de que, em áreas de elevada prevalência da co-infecção TB/HIV, a presença de tosse por mais de três semanas, apesar da existência de repetidas baciloscopias negativas, associada a dor torácica, linfadenomegalia cervical e, inclusive, a ausência de expectoração e a ocorrência de dispnéia sejam mais compatíveis com TB do que com pneumonias comunitárias. As evidências corroboram que, em pacientes soropositivos para HIV com grave imunodepressão, é elevada a suspeita de TB pulmonar na presença de infiltrados não cavitários, localizados nos lobos inferiores, associados a adenopatias intratorácicas, ou mesmo quando de radiografia do tórax normal. Além disso, a concentração das amostras de escarro deve ser indicada, se for de custo acessível, visando aumento do rendimento diagnóstico. Embora um curso de antibiótico inespecífico possa ser indicado, para exclusão de infecção bacteriana, estratégias fundamentadas em dois cursos sucessivos requerem evidências para sua indicação para pacientes ambulatoriais, em nosso meio.
Iniciar uma prova terapêutica com medicamentos anti-TB não apresenta evidências de efetividade até o momento, não sendo indicada como instrumento diagnóstico. Os sistemas de pontuações desenvolvidos em países de alta prevalência da infecção pelo HIV estão fundamentados em fracas evidências, necessitando de validação antes das suas aplicações rotineiras. Nenhuma associação de exames inespecíficos, com marcadores de inflamação (proteína C reativa, VHS, etc.), mostrou boa acurácia. Em países com prevalência mais baixa da infecção pelo HIV, os sistemas de pontos, como o sugerido por Kanaya et al. (+1 ponto - prova tuberculínica positiva; -1 ponto - presença de escarro ou infiltrado não típico de TB; +2 pontos - teste anti-HIV positivo e adenomegalia intratorácica presente), podem ser úteis, considerando sua aplicação através da razão de verossimilhança obtida, permitindo uma estimativa da probabilidade pós-teste. Em nosso meio, num estudo prospectivo em 551 pacientes sob suspeita de TB pulmonar paucibacilar (baciloscopia negativa na amostra respiratória), atendidos em nível ambulatorial,(86) foi sugerido o uso de um escore clínico-radiológico com as seguintes variáveis e pontuação: a) imagem típica no RX de tórax: +2 pontos; b) presença de escarro espontâneo: -1 ponto; c) perda de peso (maior de 15% do habitual): +1 ponto; d) idade inferior a 60: +2 pontos. As probabilidades encontradas com este modelo de pontuação, nesta população específica, permitiriam proposta de estratificação de riscos/intervenções:
-1 a 0 probabilidade baixa 13% a 22% a observação na Unidade Primária, com retorno nos três meses subseqüentes;
1 a 4 probabilidade intermediária 29% a 70% encaminhamento para Unidade Terciária, para prosseguimento da investigação diagnóstica;
5 probabilidade elevada 70% a 80% tratamento de prova, com acompanhamento na Unidade Primária.
Os autores finalizam indicando que algoritmos/sistemas de pontos podem ser instrumentos na condução desses casos de difícil elucidação; contudo, precisam ser gerados a partir de fonte de dados consistente e validado diante de contextos epidemiológicos distintos, o que não tem ocorrido, conforme foi evidenciado pela revisão da literatura.(4,46,72,73)
2.7. Tuberculose Extrapulmonar
2.7.1. Tuberculose Pleural
A realização da punção pleural para retirada de líquido para análise é um procedimento indispensável para o estabelecimento do diagnóstico. A radiologia do tórax em geral revela a presença de derrame pleural acompanhado ou não de lesões parenquimatosas, com volume pequeno ou moderado, sendo raros os volumosos e bilaterais. A presença de líquido nas fissuras interlobares ou no mediastino pode simular massas pulmonares ou mediastinais e derrame subpulmonar pode ser sugerido quando ocorre a lateralização do ponto mais alto do diafragma. Espessamento e calcificações pleurais podem estar presentes, especialmente nos casos de diagnóstico tardio. Após a cura, esses achados representam seqüelas da TB Pleural.(3, 4,74-77)
Na TC de tórax é possível a diferenciação entre doença pleural e parenquimatosa, derrame e espessamento pleural, além de ser útil para orientar a toracocentese nos derrames septados ou com pequenos volumes de líquido. A TC tem ainda importante papel na avaliação de alterações no parênquima pulmonar, não visualizados pela radiografia convencional e sugerir TB pleuropulmonar.(63)
A ultra-sonografia é útil na detecção e na orientação da toracocentese nos derrames subpulmonares, encistados, e loculados. Permite, com mais segurança, detectar e diferenciar derrame pleural do espessamento e das lesões parenquimatosas sólidas.
Exames bioquímicos A análise do líquido pleural revela a presença de um exsudato, segundo os critérios de Light:(3,4,74-77)
Proteínas do líquido pleural/proteína sérica > 0,5;
Desidrogenase lática (DL) líquido pleural/DL sérica > 0,5;
DL do líquido pleural > 2/3 do limite superior do normal sérico.
O aspecto do líquido é geralmente amarelo turvo e raramente hemorrágico. A glicose é influenciada pelos níveis de glicemia e não pode ser utilizada como um parâmetro diagnóstico. Níveis inferiores a 60mg/ml são infreqüentes, porém podem ocorrer em empiemas bacterianos ou de origem tuberculosa, neoplasias e artrite reumatóide.(76)
Citologia O número de leucócitos é variável, aumentando proporcionalmente com o número de linfócitos. Na fase inicial (há menos de 15 dias) pode haver predomínio de polimorfonucleares e a presença de algumas células mesoteliais. Após alguns dias o predomínio é de células linfocitárias (acima de 75%), tornando-se as células mesoteliais escassas. O número de células mesoteliais é geralmente inferior a 5% e a presença de eosinófilos é rara.(76,77)
Baciloscopia e cultura Na TB pleural, o rendimento da baciloscopia pelo método de ZN se aproxima de zero, com sensibilidade máxima de 5%. O rendimento da cultura para BK está em torno de um terço dos casos (10%-35%), quando se cultiva o líquido, e em dois terços dos casos (40%-65%), quando a cultura é realizada com o fragmento pleural. A cultura, além de identificar a micobactéria, permite a realização de teste de sensibilidade. O meio de cultura mais rotineiramente utilizado é o LJ, porém o meio de cultura radiométrico, pelo sistema BACTEC, vem sendo utilizado de rotina e tem como principal vantagem o menor tempo para o resultado do exame, em média um terço daquele da cultura tradicional. A baciloscopia ou a cultura para micobactérias positivas no escarro podem ocorrer em 30%-60% dos casos, mesmo na ausência de lesão pulmonar visível na radiografia de tórax.(3,4,74,75)
Recente estudo realizado em nosso meio avaliou a utilidade do escarro induzido no diagnóstico da TB pleural; evidenciou sensibilidade de 52% na cultura de escarro induzido nos pacientes com TB pleural confirmada. O rendimento da cultura de escarro induzido foi de 55% entre os pacientes com radiografia do tórax dentro da normalidade (apenas com derrame pleural) e em 45% daqueles havia evidência de acometimento pulmonar na radiografia de tórax. Esses achados sinalizam o potencial diagnóstico da indução de escarro no diagnóstico da TB pleural ou pleuropulmonar.(78)
Exame histopatológico Está indicado em todo derrame pleural exsudativo que permanece com etiologia desconhecida, estimando-se que o diagnóstico de TB se confirme em 80% dos casos na primeira biópsia. Tem sensibilidade maior que a cultura, no entanto não ultrapassa 85%. Na pleura, o granuloma, com necrose caseosa, indica com altíssima probabilidade a etiologia tuberculosa; é encontrado em 60% a 85% dos casos.(3,4,74,76,77)
A morfologia da lesão pode ser de um granuloma completo, com células epitelióides e gigantes, envolvendo a área central com material eosinofílico acelular, ou de um granuloma incompleto, com reação granulomatosa e combinações variáveis de células polimorfonucleares, linfócitos e plasmócitos, sem caseificação. O achado de um bacilo numa amostra histopatológica de um granuloma de 1cm3 indica a existência de pelo menos 2.000 bacilos no seu interior. Outras doenças, como sarcoidose, micoses e artrite reumatóide, podem apresentar-se com lesões granulomatosas na pleura.(3,74)
Na ausência de diagnóstico bacteriológico, em área com alta prevalência de TB, o achado de granuloma na pleura, em paciente com quadro clínico sugestivo de TB e descartadas outras doenças, pode ser considerado como compatível com TB pleural e instituído o tratamento. Em pacientes com diabetes ou imunodeprimidos, pode ocorrer a perda da função dos linfócitos, resultando em ausência de formação granulomatosa, dificultando o diagnóstico. Quando a biópsia pleural é inespecífica, nova biópsia pleural pode ser realizada, se a análise do líquido for inconclusiva. A toracoscopia está indicada quando um exsudato crônico, com mais de quatro semanas, permanece sem diagnóstico etiológico, em especial, quando a suspeita principal não é TB.
Prova tuberculínica É quase sempre positiva. Considerada como método auxiliar, podendo ser negativa inicialmente, com posterior positivação. A evidência desta viragem permite reconhecer o contato recente com o M. tuberculosis. Em pacientes imunodeprimidos, um resultado negativo não exclui o diagnóstico.
Outros métodos diagnósticos Dentre estes, a dosagem da enzima adenosina deaminase (ADA) é o mais importante, considerando sua fácil execução, baixo custo e o rendimento diagnóstico.(76,77,79, 80) A grande maioria dos estudos comprovou sua utilidade e recomenda seu uso na rotina de investigação da TB pleural, mesmo em imunodeprimidos (HIV e diabetes), especialmente em áreas de alta prevalência da doença.(81-83) Esta utilidade foi comprovada no país por diversos trabalhos, bem elaborados e com razoável casuística, desde o pioneiro trabalho de Cestari et al. em 1987.(79,80,84-87)
Como a ADA é produzida por linfócitos e monócitos e se eleva quando estes estão ativados, o diagnóstico diferencial com tuberculose, necessariamente, inclui o empiema, os linfomas, a artrite reumatóide e, raramente, o adenocarcinoma. O empiema pode ser facilmente diferenciado pelo quadro clínico, pelo aspecto do líquido (turvo ou purulento) e pela citologia quantitativa que demonstra predomínio de polimorfonucleares. Os derrames neoplásicos, com quadro clínico muitas vezes sugestivo, em grande percentual fornecem citologia oncótica positiva. Finalmente, o derrame pleural secundário à artrite reumatóide é relativamente pouco freqüente e na maioria das vezes apresenta história prévia da doença e diagnóstico laboratorial definido.(41,42,76,77,79,80,86,88,89)
Os linfomas, menos freqüentes, representam o principal problema no diagnóstico diferencial, uma vez que em ambos (tuberculose e linfoma) apresentam exsudatos linfocíticos em pacientes com faixas etárias próximas, história clínica semelhante e freqüentemente com ADA em níveis elevados. Acresce-se a isso a freqüente associação observada entre pacientes com AIDS. Nestes casos, exames citológicos do líquido pleural associados a técnicas de imunofenotipagem conduzem, com relativa segurança, ao diagnóstico etiológico.(76,86)
Diagnóstico de probabilidade Os métodos padrão-ouro para o diagnóstico da TB pleural, como cultura e biópsia, apresentam significativa limitação pela sensibilidade, dificuldade de realização em serviços não especializados e demora na geração de resultados.
A história clínica, o conhecimento sobre a epidemiologia da TB na região, a análise bioquímica e citológica do líquido pleural, a dosagem de ADA permitem o diagnóstico e agilizam o tratamento. Observa-se que a evidência do rendimento do escarro induzido na rotina diagnóstica do derrame pleural suspeito de TB, diante dos resultados obtidos em nosso meio, sinaliza que possa ser incluído na rotina de investigação, particularmente em locais onde não seja possível fazer a biópsia de pleura.(20,78,87)
2.7.2. Tuberculose Ganglionar Periférica
O diagnóstico é anatomopatológico através de biópsia e a qualidade do espécime colhido para processamento diagnóstico é fundamental. O material também pode ser obtido por punção aspirativa da massa ganglionar, indicada especialmente em linfonodos amolecidos em vias de supuração, quando o rendimento da baciloscopia é alto, semelhante ao da biópsia, além de ser um procedimento ambulatorial.
A lesão apresenta-se como um granuloma, geralmente com necrose caseosa e infiltrado histiocitário de células multinucleadas. O achado de bacilo álcool-acidorresistente na lesão é importante para a conclusão do diagnóstico. O material deve ser enviado para a realização de baciloscopia e cultura para micobactérias rotineiramente.(3, 4,20)
2.7.3. Meningoencefalite Tuberculosa
É a forma mais grave de TB, mas corresponde a uma pequena percentagem dos casos de TB extrapulmonar, principalmente pela alta cobertura de vacinação BCG em crianças com menos de cinco anos, no Brasil. Foi observado aumento de incidência entre os pacientes infectados pelo HIV. A letalidade no Brasil ainda é de cerca de 30%, para todas as idades.(3,4,20,90)
A diferenciação entre os casos de meningite bacteriana e tuberculosa, pelos achados clínicos isoladamente, é difícil, mas os métodos laboratoriais disponíveis ainda apresentam baixa sensibilidade e são de acesso limitado nos países em desenvolvimento, pelo elevado custo.(20,90)
O comprometimento do SNC pode apresentar-se de duas formas: a meningoencefálica, a mais comum, e o tuberculoma intracraniano.(3,4,90)
Diagnóstico
A característica do líquor é semelhante à da meningite asséptica, marcado por pleocitose, predomínio de linfomononucleares, embora possa haver um número maior de neutrófilos na fase inicial da doença, proteína elevada e glicose baixa (< 50% do plasma). A bacterioscopia geralmente é negativa e a cultura, embora mais sensível, permite o isolamento do bacilo em apenas 15% dos casos.(3,4, 20,90)
Métodos alternativos para o rápido diagnóstico, utilizando testes diretos e indiretos de detecção da presença do M. tuberculosis, estão se mostrando úteis, porém nenhum deles foi ainda padronizado e validado e todos apresentam custo elevado.(20,91-94)
Testes indiretos:
Dosagem de ADA no líquor: estudos têm mostrado que a dosagem de ADA pode ser um teste útil na diferenciação entre outras etiologias de meningoencefalite linfomonocitária variando com sensibilidades de 60%-100% e especificidades de 84%-99%. Esta técnica, entretanto, não está validada, exige métodos especiais de preparo, não estando, portanto recomendada até o momento.(91)
Dosagem de anticorpo contra tuberculina no líquor: sensibilidade e especificidade de 24% e 98%, respectivamente.(35)
Testes diretos:
Detecção do ácido tuberculoesteárico, através de método cromatográfico, com sensibilidade e especificidade de 95% e 98%, respectivamente. Os resultados obtidos com o restrito número de casos estudados não revelam boa perspectiva de uso até o momento.(90)
Teste de amplificação de ácido nucléico.(92-94)
Outro exame útil para este diagnóstico é a tomografia computadorizada de crânio. Os achados compatíveis com TB meníngea são os seguintes: hidrocefalia, edema cerebral, espessamento da meninge basal e indícios de pequenos infartos parenquimatosos.
2.7.4. Tuberculose de Vias Urinárias
Para o diagnóstico são utilizados testes microbiológicos e radiológicos. O PPD pode ter papel auxiliar, consideradas as suas limitações já abordadas.
Com relação aos testes microbiológicos, a baciloscopia de urina é raramente positiva. Além disso, um resultado positivo, isoladamente, não pode ser considerado como elucidativo, em função das micobactérias saprófitas presentes no sistema urinário. A cultura de urina no meio de Löwenstein-Jensen é o teste mais importante para o diagnóstico. Uma dificuldade adicional reside na necessidade de descontaminação do material coletado, para evitar o crescimento de outras bactérias, ou destruir os bacilos existentes. Assim, preferem-se as amostras matinais, geralmente com maior concentração bacilar, colhido o volume total de urina. Um mínimo de cinco amostras, em dias consecutivos, deve ser solicitado na investigação.
A detecção de ADA na urina é de pouco auxílio e os testes de amplificação de ácido nucléico ainda não estão padronizados nem validados.(2,20)
Com relação aos exames radiológicos, a urografia excretora pode apresentar alterações como: estenose ureteral, principalmente nas junções ureteropiélica e ureterovesical; perda de flexibilidade do ureter; baqueteamento calicial, com hidronefrose; calcificações no parênquima renal e, se houver acometimento da bexiga, esta pode apresentar-se com diminuição do tamanho e da sua capacidade de distensão, mas nas fases iniciais o exame pode ser normal.
A ultra-sonografia renal mostra com mais detalhes a textura do parênquima renal, suas delimitações e relações, e a presença de microcalcificações. A cistoscopia é de grande ajuda, pois possibilita a realização de biópsia da mucosa da bexiga. Nos rins, o acometimento é focal, e de difícil acesso pela biópsia percutânea.(2,20)
2.7.5. Tuberculose Disseminada
O diagnóstico da TB disseminada segue a mesma rotina anteriormente mencionada, dependendo do sítio que está sendo acometido. Além disso, a hemocultura deve ser sempre utilizada em casos de suspeita de disseminação da doença micobacteriana.
A hemocultura, utilizada inicialmente para o diagnóstico de micobaterioses não tuberculosas em pacientes HIV positivos, recentemente tem demonstrado valor no diagnóstico da tuberculose nos imunodeprimidos.(13,15-17,20,23)
Entre os novos meios de cultura para micobactérias, destaca-se o BACTEC 9000®, um sistema automatizado que detecta o consumo de oxigênio, tão sensível quanto os meios de cultura tradicionais, e que permite o diagnóstico em menos tempo. Em estudo recente, em 2000, foi demonstrado um rendimento diagnóstico maior e um tempo médio de detecção de 17 dias no BACTEC 9000®versus 44 dias do meio de cultura tradicional.(18)
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CAPÍTULO 3
Tratamento da tuberculose
3.1. Esquemas recomendados
Desde 1979 o MS padroniza dois esquemas de tratamento: um de primeira linha, para os casos virgens de tratamento (VT), o Esquema I (E-I), com 2RHZ/4RH e, um de reserva ou de segunda linha, o Esquema III (E-III), com 3SZEEt/9EEt, indicado para pacientes com falência ao E-I. Para casos de meningoencefalite isolada ou associada a outras formas, é proposto um esquema especial, o Esquema II (E-II), com 2RHZ/7RH, com duração de nove meses, acrescido de corticoterapia sistêmica por um período de um a quatro meses no início do tratamento.(1-4)
Um retratamento com o mesmo E-I era indicado para casos de retorno positivo após abandono (RA) e para os recidivantes após cura (RC) que, em 1995, foi reforçado com o acréscimo do E, denominado de E-IR (2RHEZ/4RHE). O regime de uso dos medicamentos proposto à época para os esquemas normativos é basicamente ambulatorial, diário e auto-administrado.(1,2) Em 1996, uma Portaria recomenda a tomada supervisionada dos medicamentos, três vezes por semana na fase de ataque e duas na de manutenção. Esta proposta foi incorporada ao Guia de Vigilância Epidemiológica/MS 2002.(1,5) Assim, pode-se afirmar que o tratamento normatizado no país constitui um sistema (Figura 1), com decisão de aplicação basicamente operacional.(3) Para os que não são curados com os esquemas deste sistema, chamados de portadores de TBMR, foi proposto, após ter sido considerado validado pelo MS, em 2000, um esquema alternativo com a associação de amicacina (AM), ofloxacina (OFX), terizidon (TRZ), etambutol (E) e clofazimina (CLZ), com duração de 18 meses.(6)
Esquema I (RHZ)
Avaliando fontes do MS sobre o Encerramento de Casos (Coortes de 2000 e 2001), expurgadas as transferências (9%) e os casos sem informações (19,5%), a eficácia do E-I é de 98% sem os óbitos (de 7%) e de 89% com estes incluídos. A efetividade, entretanto, cai para 83%, considerando a taxa de abandono de 12%. Observe-se que não constam nas informações oficiais trocas de esquema por efeitos adversos dos medicamentos.(7)
A resistência primária no país aos medicamentos anti-TB é baixa, de acordo com o Inquérito Nacional de Resistência realizado pelo MS em 1997, com 0,2% para R, 3,7% para H e 0,8% para a dupla R+H.(8,9) Embora estudos recentes, realizados em grandes capitais, indiquem tendência de aumento, em especial em populações hospitalares ou albergadas, a resistência primária à R e à H, isoladas e associadas, mesmo nestes trabalhos, ainda apresenta taxas consideradas baixas, permitindo a utilização do esquema.(2,10-12)
Há necessidade também de incluir estudos de farmacovigilância e de equivalência farmacêutica que monitorem os efeitos adversos e interações dos medicamentos do E-I, considerando especialmente a magnitude da co-infecção TB/HIV; diversos trabalhos apontam para aumento dessa ocorrência.(13-15)
Reconhecidamente o abandono é o principal obstáculo a comprometer uma melhor efetividade do tratamento. À luz da revisão da literatura, observa-se que o impacto sobre desfechos do tratamento da TB após a implementação da estratégia DOTS (tratamento sob supervisão), em diversos níveis e sob condições diversas, é igualmente real, porém atribuível ao conjunto de medidas organizacionais, mais do que à própria observação direta de tomadas de medicamentos.(16,17) Estas Diretrizes se manifestam e explicitam que o tratamento supervisionado deve ser aplicado com recomendações criativas e adaptáveis às condições da realidade brasileira, contemplando a diversidade do país, em especial nas grandes cidades, onde se concentram mais de 80% dos casos de TB.(16)
Quanto à duração do tratamento, considera-se válida e oportuna a recomendação do Guia de Vigilância Epidemiológica/MS 2002,(1) de que o E-I, "se preciso, será prolongado por mais três meses para evitar mudanças precipitadas para esquemas mais prolongados e de menor eficácia", devendo os pacientes ser submetidos a exames de cultura e teste de sensibilidade, sempre que possível, e consultada uma unidade de referência nos casos duvidosos, nas seguintes situações:
a)aparecimento de bacilos na baciloscopia, especialmente se acompanhado de melhora clínica e radiológica.
b)baciloscopia negativa mas com evolução clínico-radiológica inalterada.
Tratamento Intermitente
Confirmando a conclusão de vários estudos,(18-20) inclusive no Brasil,(16,21-23) não há evidências suficientes para afirmar que o tratamento diário é mais efetivo do que o intermitente. A revisão sistemática identificada tem uma amostra pequena e o erro do tipo II não pode ser descartado. Porém, como se observa uma tendência, ainda que não estatisticamente significativa, de maior incidência de recidiva de doença nos casos tratados com regimes intermitentes, além das questões operacionais que se reconhece como muito importantes na condução e acompanhamento do paciente, o tratamento de curta duração, em regime diário, nas condições de rotina atuais no Brasil, é preferível, até que novos ensaios clínicos sejam realizados, aumentando o poder das amostras no sentido de responder a tal questão.
Assim "esquemas de tratamento intermitentes, com doses adequadas a este tipo de regimes, poderão ser utilizados, após a fase inicial diária, sob a responsabilidade das coordenações estaduais", conforme recomenda o Guia de Vigilância Epidemiológica/MS 2002.(1)
Quanto ao E-II, na verdade um esquema de primeira linha especial indicado para meningoencefalite tuberculosa, mantêm-se as propostas do I Consenso de TB,(13) incorporadas no Guia de Vigilância Epidemiológica/MS 2002,(1) com alterações das doses de 10 a 20mg/kg/dia tanto na fase de ataque como na de manutenção (na Norma anterior a dose era de 20mg/kg/dia na fase de ataque) e, quanto ao tempo de uso de corticosteróide, de um a quatro e não de dois a quatro meses.
Esquema IR (RHZE)
O reforço do Esquema I, com a adição do etambutol, no retratamento, permanece sem resposta devido à ausência de estudos clínicos controlados. A revisão dos membros destas Diretrizes ratifica que esta inclusão tomou por base estudos retrospectivos de coortes e não ensaios clínicos prospectivos e randomizados. Observa-se, por um lado, a preocupação em preservar-se o etambutol usado no E-III de reserva, particularmente nos pacientes que retornam após abandono (RA), mais numerosos que os que recidivam após cura (RC), estes com taxas de abandono mais altas que no tratamento inicial, conforme estudos realizados no Rio Grande do Sul.(24) Por outro lado, uma avaliação da resistência pós-primária, em uma unidade de referência em SP, não mostrou diferença nas taxas de resistências entre os RA e RC(25) (Tabela 1 e Tabela 2).
Estes estudos, entretanto, são limitados e não permitem invalidar a recomendação vigente. Assim, nestas Diretrizes foi mantida a recomendação do E-IR na forma atual. Recomenda-se, conforme a lista de estudos prioritários no Capítulo 7, desenvolver um estudo cooperativo nacional para avaliar a melhor conduta para os RA e RC, opondo a conduta anterior de retratamento com E-I com o atual E-IR (2RHZ/4RH x 2RHZE/4RHE).
Esquema III (SEEtZ)
Com base nos estudos de coortes e outros retrospectivos publicados no país sobre a eficácia e efetividade do E-III,(26-28) no advento de novos medicamentos antituberculose e na experiência brasileira com esquemas alternativos para TBMR,(6) estabelece-se como premente a necessidade de se desenvolver um ensaio clínico multicêntrico para avaliar a efetividade de um novo esquema de reserva. Um protocolo com este objetivo encontra-se em fase de elaboração no Ministério da Saúde.
Estas Diretrizes recomendam, ainda, a obrigatoriedade de realização de cultura com identificação e teste de sensibilidade (TS) para todos os pacientes com falência ao E-I ou ao E-IR, já recomendado no Guia de Vigilância Epidemiológica/MS-2002,(1) para que se possa dimensionar a resistência pós-primária das cepas bacilares nesse tipo de paciente no país. É defensável também que, sempre que possível, os testes de sensibilidade sejam oferecidos aos pacientes com problemas terapêuticos ou de adesão, como os que retornam ao sistema após abandono (RA) ou recidiva após cura (RC).
3.2. Situações Especiais e Co-morbidades
3.2.1. Hepatopatias
O tratamento da tuberculose em pacientes hepatopatas é dificultado por algumas razões: primeiro, a probabilidade de hepatopatia induzida por fármacos é maior;(15,29-31) segundo, as conseqüências da hepatopatia induzida por fármacos em pacientes com função hepática já comprometida são potencialmente graves ou mesmo fatais; finalmente, as flutuações dos indicadores bioquímicos da função hepática com ou sem sintomas decorrentes da hepatopatia prévia confundem a monitorização da hepatopatia induzida por medicamentos.
Com relação às hepatites, há evidências de que a presença de sorologia positiva para hepatites B e C se acompanham de maior hepatotoxicidade pela isoniazida,(32,33) sendo que, nos HbsAg+, a presença de HBeAg representa sério risco de hepatite por isoniazida.(34) Não há estudos com os três medicamentos, mas observações recentes feitas a propósito dos estudos com rifampicina mais pirazinamida para quimioprofilaxia levam a pensar que a pirazinamida seja a mais hepatotóxica das três drogas do E1. Há evidências de que a presença de HCV se associa a maior incidência de tuberculose,(30) bem como a cirrose hepática.(35)
Quanto à abordagem dos casos de hepatotoxicidade, definidos como ocorrência de aumento das enzimas acima de três vezes o valor normal com início de sintomas ou logo que a icterícia se manifeste, o tratamento deve ser interrompido e o paciente encaminhado para uma unidade de maior poder resolutivo, para acompanhamento clínico-laboratorial, inclusive internação, se necessário. Havendo redução dos níveis séricos e desaparecimento dos sintomas, poderiam ser indicadas as seguintes condutas para reintrodução do E-I:
a)icterícia sem aumento das enzimas hepáticas iniciar o tratamento com pirazinamida, acrescentar isoniazida e, por último, a rifampicina, com intervalo de três dias entre elas e em doses crescentes;
b)icterícia com aumento de enzimas iniciar o tratamento com isoniazida, acrescentar rifampicina e, por último, a pirazinamida, ou substituir o E-I por um esquema alternativo como: 3SEOFLX/9EOFLX, ou 2SHE/4HE/6H, ou ainda 2SRE/4RE.(14,31,36)
Para pacientes hepatopatas crônicos (HC) com níveis basais de enzimas hepáticas abaixo de três vezes o valor normal, o E-I deve ser introduzido de forma monitorada, com rigoroso controle das enzimas séricas.(35) Para os HC com níveis basais de enzimas hepáticas acima de três vezes o valor normal, o E-I pode ser substituído por esquemas como: 3SEOFLX/9 EOFLX ou 2SHE/4HE/6H, ou ainda, 2SRE/4 RE.(14,31,36)
Recomenda-se, conforme a lista de estudos constantes do Capítulo 7, a elaboração de protocolos de estudos cooperativos nacionais para avaliar definitivamente, seja na hepatotoxicidade medicamentosa, como nas hepatopatias crônicas, que esquema seria mais apropriado para a substituição do E-I, inclusive com redução das doses, quando do uso da H (= ou < 5mg/kg/dia) e/ou da Z (15mg/kg/dia).
3.2.2. Outras Situações
Considerando as situações especiais de imunodeprimidos, tais como diabéticos, transplantados de órgão e outros, que como os co-infectados TB/HIV, apresentam maior risco de insucessos do tratamento, recomenda-se que sejam encaminhados para unidades de referência, monitorizados clínica e laboratorialmente e sua evolução terapêutica acompanhada em coortes para avaliar o rendimento do E-I (cura, falência, abandono, recidivas) e possíveis necessidades de alterações, seja dos medicamentos usados, do tempo de uso e tipo de controle, para aprimoramento de futuras recomendações.
Insuficiência renal Pacientes nefropatas graves em diálise têm risco elevado de adoecimento, quando infectados. A prova tuberculínica tem sensibilidade baixa nesses pacientes, mas a especificidade permanece. A incidência de tuberculose extrapulmonar é elevada, o que deve estimular a manutenção de índice alto de suspeição para tuberculose, na vigência de febre.
O tratamento da tuberculose em portadores de insuficiência renal é dificultado pelo fato de que alguns medicamentos são eliminados pelos rins e porque alguns são removidos pela hemodiálise. Assim, alterações nas dosagens dos medicamentos são necessárias em pacientes portadores de doença renal em fase terminal e em hemodiálise (Tabela 3).
Reduzir a dose dos medicamentos pode não ser o melhor método para o tratamento da tuberculose nesses pacientes, já que, embora a toxicidade possa ser evitada, o nível sérico pode não ser atingido. Por isso, ao invés da redução da dose, recomenda-se o aumento do intervalo entre as doses. A abordagem sugerida na Tabela 3 requer a dosagem ou a estimativa do nível sérico de creatinina. A administração de medicamentos de excreção renal, em pacientes com clearance de creatinina inferior a 30ml/min e naqueles em hemodiálise, é feita da mesma maneira com aumento do intervalo entre as doses. Pacientes com função renal reduzida, porém com clearance de creatinina superior a 30mg/min devem ser tratados com as doses-padrão, porém a monitorização dos níveis séricos deve ser feita para evitar toxicidade.
Rifampicina e isoniazida são metabolizadas pelo fígado, o que permite o uso das doses convencionais na vigência de insuficiência renal.(38-40)
A pirazinamida é também metabolizada pelo fígado, mas os seus metabólitos (ácidos pirazinóico e 5-hidroxi-pirazinóico) podem se acumular na vigência de insuficiência renal. O etambutol absorvido é excretado pelos rins em 80%. Para ambos pirazinamida e etambutol recomenda-se aumento do intervalo entre as doses, com administração três vezes por semana.(14,39-41)
Isoniazida, etambutol e pirazinamida (assim como seus metabólitos) são eliminados pela hemodiálise, mas apenas com a pirazinamida e seus metabólitos essa eliminação se dá em grau significativo. A rifampicina tem alto peso molecular e ampla distribuição nos tecidos, alto grau de ligação às proteínas e metabolismo hepático rápido, não sendo, por esses motivos, eliminada pela diálise. Não há, portanto, necessidade de suplementação para pacientes em hemodiálise, de isoniazida, rifampicina ou etambutol. Quanto à pirazinamida, não é necessária a suplementação se ela for administrada após a diálise. De maneira geral, as medicações devem ser administradas após a diálise, para evitar que sejam dialisadas.(14,40,41)
Estreptomicina, capreomicina, kanamicina e amicacina devem ser reajustadas em pacientes com insuficiência renal, já que são todas excretadas pelos rins. Cerca de 40% da dose são removidos pela diálise, quando administrados imediatamente antes do procedimento. Se houver tempo suficiente para a distribuição pelo organismo, a probabilidade de remoção é bem menor, podendo-se mesmo prever algum acúmulo no sangue. Assim como o etambutol e a pirazinamida, o intervalo entre as doses deve ser aumentado. De maneira geral a dose não deve ser reduzida, já que têm sua atividade bactericida dependente de concentração sérica e doses menores poderiam reduzir a eficácia dos medicamentos.
A etionamida não é eliminada pelos rins nem pela diálise, não necessitando ajuste de dose.(40) O PAS é removido em pequena quantidade (6,3%) pela diálise, mas seu metabólito, acetil-PAS, é substancialmente removido. Doses de 4g duas vezes ao dia são consideradas adequadas quando a formulação granular é usada. A cicloserina é excretada primariamente pelo rim e dialisada em 56%. Aumento do intervalo entre as doses é necessário para evitar o acúmulo entre as sessões de diálise e a administração deve ser feita após a diálise, evitando a subdose.
As fluorquinolonas passam por algum grau de excreção renal, que varia de uma droga para outra. Deve ser lembrado que as doses das fluorquinolonas recomendadas pelos fabricantes para insuficiência renal foram desenvolvidas para o tratamento de infecções piogênicas e podem não se aplicar ao tratamento da tuberculose.
Em resumo, a administração de toda a medicação antituberculose deve ser feita após a diálise, o que impede a sua remoção prematura da circulação, e três vezes por semana.(40,41) Pacientes em uso de cicloserina, etambutol ou algum dos medicamentos injetáveis, quando possível, devem ter seus níveis séricos monitorados, para evitar toxicidade e garantir eficácia. Não existem evidências para recomendações em pacientes em diálise peritoneal. Esses pacientes devem ter seus níveis séricos igualmente monitorizados.
Diabetes mellitus Os estudos mais recentes enfocam a relação diabetes/idade/sexo, evidenciando que, em portadores de DM a prevalência de tuberculose em mulheres se iguala à dos homens e a ultrapassa com a idade,(42) que a apresentação radiológica em pacientes diabéticos e idosos se modifica, sendo mais comum a localização inferior das lesões.(43-45) Há um único trabalho, retrospectivo, com evidência de maior prevalência de TBMR em pacientes diabéticos.(46) Estudos evidenciam a idade como fator modificador da apresentação clínica da tuberculose(47) e determinante de negativação mais lenta do escarro(48). O DM está também mais freqüentemente associado à presença de cavitações, contrariamente à co-infecção com o HIV.(48)
Gestantes Quanto aos esquemas e regimes para gestantes estas Diretrizes consideram que as recomendações do I Consenso foram incorporadas de forma satisfatória no Guia de Vigilância Epidemiológica do MS, 2002.
Silicose A relação entre silicose e tuberculose pulmonar está confirmada em estudos recentes, feitos nos Estados Unidos e, principalmente, na África do Sul.(47-50) A exposição à sílica, na ausência de tuberculose, é fator de risco para a tuberculose, mesmo após cessada.(51) As micobactérias não tuberculosas M. kansasi, M. scrofulaceum e M. avium são patógenos importantes para o pulmão de indivíduos expostos à sílica. Em pacientes com silicotuberculose existem dados demonstrando que a taxa de cura pode ser melhorada estendendo-se a segunda fase do tratamento em dois meses.(52,53)
Tabagismo Há evidências importantes do papel do tabagismo como fator de risco para tuberculose pulmonar e, parece, também extrapulmonar; a exposição à fumaça do fogão de lenha representa fator de risco significativo. É possível ainda que a tosse dessas pessoas seja fator de disseminação, já que há estudo associando a exposição passiva à fumaça de cigarro e a ocorrência de tuberculose pulmonar ativa em crianças contatos infectados.(54,57)
Não existem recomendações para a modificação dos esquemas terapêuticos em pacientes fumantes.
3.2.3. Uso de Corticosteróides
A adição de corticosteróides sistêmicos nas formas chamadas de hiperérgicas da tuberculose, como, por exemplo, ganglionar, osteoarticular, pleural, peritoneal, cutânea e ocular, permanece controversa. Não há estudos até o momento realizados que tenham demonstrado relação custo-efetividade definitiva.
Entretanto, recomenda-se o uso de prednisona ou prednisolona, para adultos ou crianças, durante 11 a 12 semanas em casos de pericardite tuberculosa, pois observou-se menor mortalidade e necessidade menor de pericardiocenteses no grupo de pacientes sob corticoterapia.(15,58,59)
Existem, também, evidências de que a corticoterapia sistêmica reduz a mortalidade e as seqüelas neurológicas a longo prazo em crianças com menigoencefalite tuberculosa, por sua ação antiinflamatória na redução do edema cerebral, na inflamação per se, e na ocorrência de vasculite.(59) Recomenda-se o uso de dexametasona, em doses correspondentes de prednisona de 1 a 2mg/kg/dia por quatro a seis semanas, reduzindo-se a dose em uma a duas semanas. O Guia de Vigilância Epidemiológica/MS-2002 recomenda de 1 a 2mg/kg/dia por período de quatro a 16 semanas.(1)
Os corticosteróides podem ser usados ainda:
1)Em formas graves, particularmente em formas miliares, quando acompanhadas de sibilos; ou muito exsudativas; devido a seu papel antiinflamatório bronquial e sistêmico por bloqueio da TNF-alfa que aumenta nestas formas.(60)
2)Nas reações paradoxais durante o tratamento, por serem estas dependentes do retorno ou exacerbação da hipersensibilidade.(29,61,62)
3.3. Tratamento alternativo para TBMR
O conceito de tuberculose multirresistente adotado no Brasil e já referido no I Consenso de Tuberculose decorre do fato de que o Programa Nacional de Controle da Tuberculose preconizou até aquele momento um esquema de retratamento, o E-III, com duração de 12 meses, para pacientes com falência aos E-I e/ou E-IR, independentemente da realização de testes de sensibilidade.(13)
Define-se, assim, TBMR como resistência in vitro a pelo menos rifampicina e isoniazida e a mais um ou mais dos medicamentos componentes dos esquemas I, IR e III ou resistência a rifampicina e isoniazida e falência operacional ao esquema III.(6,63)
O I Consenso de TB fez referência ao estudo de validação de um esquema terapêutico para casos que não se curavam com os esquemas padronizados pelo MS, portadores de formas resistentes da tuberculose, em geral a mais de dois medicamentos. Naquele momento se desenvolvia um ensaio clínico com o objetivo de validar um regime terapêutico para esses casos. Os resultados favoráveis alcançados, com aproximadamente 60% de taxa de cura, além das orientações quanto ao diagnóstico mais precoce, seguimento de casos durante e após o tratamento, resultaram na aceitação do esquema testado como validado pelo MS.(13) O Guia de Vigilância Epidemiológica/MS - 2002, igualmente, incorporou estas informações.(1)
Em 2000 iniciou-se a notificação sistemática dos casos multirresistentes detectados por cultura e teste de sensibilidade, cujos dados vêm sendo armazenados em banco de dados no Centro de Referência Hélio Fraga/MS. Foram notificados todos os casos "em tratamento" naquele momento ano 2000 , que totalizaram 479 pacientes, sendo que 176 já haviam iniciado seus tratamentos no ano anterior e 303 casos iniciados em 2000.
Entre março de 2000 e dezembro de 2003, foram notificados 1.469 casos de TBMR no país. A região Sudeste concentra 975 (66,4%) casos e o Estado do Rio de Janeiro é responsável por 617 (42,0%) casos. Numa análise bivariada foi observado um perfil demográfico semelhante à tuberculose não resistente no que concerne à distribuição por sexo, 66,4% dos pacientes do sexo masculino, porém, com média de idade superior, de 39,3 anos e mediana de 39,0 anos. A freqüência de associação com a infecção pelo HIV foi de 6,8% (98 pacientes). O padrão de resistência revela 96% de resistência adquirida, com média de 2,8 tratamentos prévios, e 4% de resistência primária, assim considerados os pacientes sem contato prévio com medicamentos anti-TB, ou nunca tratados. Dos pacientes antes tratados, 592 (41,4%) apresentam história de abandono nos tratamentos anteriores. A taxa de resultados favoráveis dentre aqueles que encerraram o tratamento tem sido de 61,4% (493 pacientes). Evoluíram para óbito 242 (30,2%) pacientes e abandonaram o tratamento 8,4% (67) dos pacientes. A falência ocorreu em 141 (14,6%) pacientes. Até o momento observa-se recidiva da TBMR em 24 pacientes (2,5%) verificada no primeiro ano após a alta.(64)
Esta análise preliminar do banco de dados dos pacientes de TBMR notificados no Brasil revela que a estimativa calculada de 0,5% de TBMR,(13) do total de casos anuais de tuberculose no país, não se verificou e o número de fato notificado suscita a questão de casos de TBMR não detectados, casos tratados com esquemas aleatórios não informados, ou eventual subnotificação. Análises ulteriores geradas pelo novo Sistema de Vigilância Epidemiológica, ora em implantação pelo MS, poderão fornecer dados mais consistentes sobre o comportamento da TBMR.
Com o objetivo de assegurar maior adesão ao tratamento e oferecer melhor qualidade de assistência, recomenda-se a formação de equipe multidisciplinar e o fornecimento de incentivos, como vales-transporte e cestas de suplementação alimentar.
Quanto à quimioprofilaxia para contatos com caso índice de TBMR, não há, até este momento, estudos que tenham validado regimes por ensaios controlados.
A American Thoracic Society (ATS) recomenda, se houver evidência de contato com TBMR, o uso diário da associação de etambutol e pirazinamida (20mg/kg e 25mg/kg, respectivamente) por um período de seis meses, ou a associação de pirazinamida e uma quinolona (ofloxacina ou levofloxacina), por seis meses, mas reconhece sérios problemas de adesão e custo do tratamento.(15)
Condutas Cirúrgicas na TBMR
Os estudos publicados não são suficientes, até o momento, para uma definição mais precisa da contribuição da cirurgia e mais ainda dos critérios seletivos para a indicação desta conduta.(65,66) A linguagem e os conceitos precisam ser unificados. Ainda são pouco claras as diferenças entre cirurgias adjuvante ou complementar à quimioterapia com cirurgia curativa, entre cirurgia da TB ativa com cirurgia das seqüelas de TB, cirurgia terapêutica com cirurgia preventiva. Considerando a baixa prevalência da TBMR em nosso meio, porém, por outro lado, a gravidade das seqüelas deixadas pela doença com freqüência, somente estudos cooperativos de custo-efetividade de cada intervenção poderão superar essas dificuldades.
Com essas considerações estas Diretrizes recomendam o desenvolvimento de estudos para responder a questões como:
a)Contribuição da cirurgia de ressecção pulmonar como coadjuvante no tratamento do paciente portador de TBMR-escarro positivo.
b)Seu papel em portadores de TBMR com escarro negativo e lesões extensas, potencialmente capazes de favorecer recidivas.
c)Sua contribuição nas seqüelas de pacientes tratados e com infecção recorrente.
Controle Pós-tratamento
Todo paciente após alta do tratamento da TBMR deve permanecer sob seguimento pelo menos a cada semestre pelos três anos subseqüentes, tendo em vista um risco de recidiva que, até o momento, não está determinado.
Considerando a gravidade da doença e as seqüelas por ela causadas, comprometendo muitas vezes a possibilidade de retorno do paciente ao mercado de trabalho, recomenda-se estrita observação dos que apresentam seqüelas anatômicas e funcionais após cura da TBMR, objetivando auxiliar na determinação de capacidade laborativa e aposentadoria pela seguridade social.
3.4. Conduta na Co-infecção TB-HIV
O tratamento dos pacientes infectados por HIV não difere daquele preconizado para pacientes não infectados, sendo portanto recomendados os mesmos medicamentos e esquemas posológicos, com a mesma duração.
Deve ser dada prioridade à utilização de esquemas que contenham rifampicina (RMP), tanto pela sua eficácia quanto pela facilidade de administração, pois os esquemas alternativos, freqüentemente mais complexos, com necessidade de administração injetável e com duração mais prolongada , podem dificultar a adesão em pacientes com aids.
Por outro lado, as rifamicinas têm importante interação farmacológica com vários dos anti-retrovirais (ARV) disponíveis. O principal "locus" desta interação é o sistema citocromo P450 hepático e intestinal, mais especificamente a isoenzima CYP3A4, alvo de potente indução pela rifampicina.(67-69)
No uso associado de RMP e ARVs, os inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN) não sofrem interferência significativa. Incluem-se nesta categoria a zidovudina, didanosina, zalcitabina, estavudina, lamivudina, abacavir e entricitabina. Entretanto, esquemas ARVs que contenham apenas ITRN não são recomendados, devido à sua baixa potência, devendo os ITRN estar sempre associados aos inibidores da transcriptase reversa não análogos de nucleosídeos (ITRNN) e/ou inibidores da protease ((IP).
Estes IPs e ITRNNs têm sua concentração diminuída pela ação indutora da rifampicina, mas entre os ITRNN, o efavirenz tem uma interação menos desfavorável, com redução de 25% da área sobre a curva (AUC), sendo indicado para o uso concomitante com a rifampicina, na dose habitual de 600mg/dia. Há controvérsias quanto à necessidade de aumento de sua dose para 800mg/dia.(69) A nevirapina não deve ser utilizada, exceto em situações especiais (ver quadro).
Entre os ARVs o inibidor de protease ritonavir tem alta potência inibidora para a CYP3A4 e sua interação com a RMP é menos significativa, verificando-se para este IP redução de 35% da AUC. Para os outros IPs disponíveis comercialmente a redução é superior a 80%, o que contra-indica sua utilização com a rifampicina. Entretanto, a ação inibidora do ritonavir é co-administrada com outros IPs, com a finalidade de aumentar a concentração dos mesmos. Esta estratégia possibilita, nos casos de tuberculose, o uso de saquinavir associado ao ritonavir.
A utilização dos ARV de forma incorreta aumenta os riscos de falha da terapêutica antiviral, de desenvolvimento de resistência do HIV e de piora do curso clínico da aids.
Os esquemas de ARVs que não sofrem interação significativa com RMP e, portanto, indicados no paciente com TB, estão relacionados no Quadro a seguir.(37)
No seguimento destes pacientes, especial atenção deve ser dada ao risco aumentado de hepatotoxicidade nos portadores de co-infecção HIV/HCV. É recomendável que se realize sorologia para hepatites B e C em todos os casos.(15)
Outro aspecto relevante a ser observado no acompanhamento é a possibilidade de ocorrência de reação paradoxal (síndrome de imunorreconstituição), caracterizada pela exacerbação temporária dos sintomas, sinais e alterações radiológicas da TB. Esta piora clínica e radiológica (paradoxal) em pacientes que estejam recebendo o tratamento ideal e de forma regular (com adesão) é atribuída à reconstituição imunológica associada à TARV. Ocorre geralmente nas primeiras semanas ou meses de tratamento e tem duração variável, podendo persistir por meses. Entre as manifestações clínicas observam-se febre, aumento de volume de cadeias ganglionares inclusive de gânglios mesentéricos, com dor abdominal intensa -, emagrecimento, fistulização ganglionar, alargamento de tuberculomas intracerebrais, insuficiência respiratória.(61,70,71) Desde a introdução da TARV, número crescente de relatos de reação paradoxal vem sendo registrado entre pacientes com aids, em geral associadas ao aumento das células T-CD4. O diagnóstico deve ser feito apenas após a exclusão da hipótese de falência terapêutica e de outras etiologias. Na maioria dos casos há regressão espontânea.
Antiinflamatórios não esteróides podem ser utilizados para alívio sintomático e, nos casos graves, recomenda-se o uso de prednisona (1-2mg/kg/dia por uma a duas semanas), seguida de redução gradual das doses, embora não haja dados de estudos controlados para a indicação deste tratamento.(35)
Quimioprofilaxia para Tuberculose na Infecção pelo HIV
A infecção por HIV é um dos mais importantes fatores de risco conhecidos para o adoecimento por tuberculose e o tratamento da infecção latente por M. tuberculosis é recomendado para todos os indivíduos HIV positivos com resultado de prova tuberculínica maior ou igual a 5mm.(37,72) Como procedimento ideal, a prova tuberculínica deve ser solicitada logo após o diagnóstico da infecção pelo vírus, independentemente da contagem de linfócitos T-CD4+ e carga viral.
Nos indivíduos não reatores o exame deve ser repetido anualmente e, nos não reatores que iniciam tratamento com ARV, seis meses após o inicio desta terapêutica, dada a possibilidade de reconstituição imunológica e restauração da resposta tuberculínica.(61,71,72)
Não há estudos que justifiquem a validade de se repetir a quimioprofilaxia no paciente infectado pelo HIV após determinado tempo, pela reconstituição imunológica proporcionada pelos esquemas de TARV.
O uso da profilaxia não está contra-indicada durante a gestação e as gestantes infectadas pelo HIV devem dela fazer uso sempre que indicada.
As indicações do uso da profilaxia encontram-se no Quadro acima.(37)
3.5. Perspectivas do Tratamento Supervisionado
Estas Diretrizes ratificam o postulado do I Consenso de Tuberculose, quando se entende que o tratamento supervisionado é estratégia recomendável para aumentar a adesão ao tratamento, reduzindo o abandono, elevando as taxas de cura e, portanto, interferindo na transmissão e no risco de desenvolvimento de resistência aos medicamentos antituberculose. Além disso, os componentes da chamada estratégia DOTS, proposta pela OMS, que incluem compromisso político, organização dos serviços de assistência à tuberculose, provimento regular de medicamentos e incentivos aos pacientes, são hoje aceitos pelo MS como viáveis de implementação nas diferentes regiões brasileiras, respeitadas as particularidades locais.
São prioridade para qualquer medida de implementação do tratamento supervisionado os adultos com diagnóstico de tuberculose pulmonar bacilífera, os pacientes pertencentes aos grupos de maior risco de abandono de tratamento, tais como usuários de drogas, alcoolistas, moradores de rua ou que residem em comunidades fechadas como prisões, asilos, casas de repouso e hospitais psiquiátricos; os pacientes sob esquema de retratamento e portadores de formas multirresistentes.
Uma revisão sistemática publicada em 1998 identificou e incluiu cinco ensaios clínicos, 12 estudos prospectivos sem grupo controle, sete estudos retrospectivos, dois estudos caso-controle e um estudo transversal. Neste estudo, DOT supervisionado com facilitadores obteve taxa de completude de tratamento entre 86 e 96,5%, com taxa de recaída de 0% a 11,5%. Quando os facilitadores e incentivos não eram intensivos, a taxa de tratamentos completados variou de 85% a 87,6%, com taxa de recaída variando entre 0,8% e 4,9%. Nove estudos utilizaram estratégias não supervisionadas e a taxa de tratamentos completados variou entre 41,9% e 82%, com taxa de recaída variando de 2,1% a 4,5%. Foram identificados dois estudos que fizeram análise custo-efetividade que concluíram ser DOT mais custo efetivo do que a auto-administração. Os autores deste estudo concluíram que estratégia centrada no paciente baseada no DOT é recomendável, especialmente quando implantado com facilitadores e incentivos.(73-79)
Uma metanálise do Cochrane Infectious Disease Group, de 2002, identificou e incluiu seis ensaios clínicos aleatórios, com 1.910 indivíduos. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre DOT [587/914 (64%)] e tratamento auto-administrado [432/689 (63%)] no sentido de aumentar a taxa de cura (risco relativo (RR) 1,06, 95% CI 0,98 a 1,14, modelo fixo; RR 1,02, 95% CI 0,86 a 1,21, modelo randômico).(77,78) Entretanto, nesta comparação observou-se uma heterogeneidade estatisticamente significativa. Por essa razão, os autores estratificaram de acordo com o profissional responsável pela supervisão (profissional da saúde, agente de saúde comunitário, ou membros da comunidade) eliminando-se assim heterogeneidade. Mesmo assim não foi possível constatar vantagem na adoção do DOT. Também não foi observada diferença quando se avaliou cura mais adesão ao tratamento entre DOT [663/914 (73%)] e auto-administração [488/689 (71%)] (RR 1,06, 95% CI 1,00 a 1,13, modelo fixo).
Num ensaio clínico aleatório envolvendo 725 pacientes divididos em três grupos, realizado no Brasil, o tratamento supervisionado não foi mais eficaz do que o tratamento auto-administrado intermitente ou diário na redução das taxas de abandono (9,0% versus 9,2% e 8,3%) e nem resultou em aumento da taxa de cura (90,2% versus 89,1% e 89,7%), atribuindo-se o bom resultado geral às medidas implementadas na organização dos serviços, à agilidade do fluxo dos pacientes nas rotinas, ao provimento de incentivos aos pacientes, e à qualidade da assistência prestada.(16)
Em relação ao aspecto custo-efetividade na realidade norte-americana, embora a supervisão do tratamento possa ocasionar incremento no custo global no tratamento, observa-se que o conjunto de medidas englobadas pela estratégia DOTS se revela custo-efetivo em virtude da redução do tempo de tratamento, da taxa de recaídas ou no surgimento da resistência ao tratamento. Os estudos analisados revelam também que o tratamento supervisionado está associado com a redução da taxa de internação e de permanência hospitalar.(75,77-79)
Uma avaliação de custos entre DOTS e tratamento auto-administrado, realizado na África do Sul, região onde a tuberculose apresenta altas taxas de incidência e de associação com o vírus HIV, os custos com tratamento supervisionado foram acima de três vezes mais altos do que com tratamento auto-administrado.(77) Assim sendo, em nosso meio, torna-se altamente recomendável, a realização de estudos de custo-efetividade que avaliem em que cenários diferentes estratégias de tratamento supervisionado podem ser utilizadas, com o objetivo de assegurar adesão.
Apesar de não haver evidências científicas suficientes para indicar tratamento supervisionado isoladamente como uma rotina universal no tratamento da tuberculose, o conjunto de medidas hoje contempladas pela estratégia DOTS poderá estabelecer uma melhora dos resultados alcançados. Por essa razão estas Diretrizes apóiam a posição tomada pelo Ministério da Saúde no sentido de incentivar todas as medidas locais que visem aumentar o rendimento das ações de controle da tuberculose. Experiências desenvolvidas no Brasil com a estratégia DOTS, em nível estadual, como na Paraíba, municipal, como no Rio de Janeiro, e em diversos municípios do Estado de São Paulo vêm demonstrando resultados positivos em termos de organização dos serviços, maior adesão dos pacientes e menores taxas de abandono.
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CAPÍTULO 4
Tuberculose na criança
Diagnóstico
O diagnóstico da tuberculose (TB) na infância é fundamentado basicamente no quadro clínico-radiológico, na história epidemiológica de contato com adultos com TB, geralmente bacilíferos, na interpretação particular da prova tuberculínica e, em pequeno número de casos, no exame bacteriológico, pois na maioria das vezes trata-se de TB não bacilífera. Em casos selecionados outros elementos podem contribuir, como biópsias, exames sorológicos e bioquímicos, principalmente nas localizações extrapulmonares da doença.(1-4)
Tuberculose Pulmonar na Criança
As manifestações clínicas podem ser variadas e na maioria dos casos predomina a febre, habitualmente moderada, persistente por mais de 15 dias e freqüentemente vespertina. São freqüentes ainda: irritabilidade, tosse, perda de peso, sudorese noturna, às vezes profusa; a hemoptise é rara.
O diagnóstico da tuberculose em crianças pode ser realizado a partir de um diagnóstico prévio de pneumonia de evolução lenta, isto é, quando o paciente vem sendo tratado com antimicrobianos para germes comuns sem apresentar melhora clínico-radiológica após duas semanas.(1,2,5)
Os achados radiográficos mais sugestivos da tuberculose pulmonar são: adenomegalias hilares e/ou paratraqueais; pneumonias com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, às vezes associadas a adenomegalias mediastínicas, ou que cavitam durante a evolução; infiltrado micronodular difuso (padrão miliar). Em adolescentes, na maioria das vezes, os achados radiológicos são semelhantes aos de adultos: opacidades pulmonares nos terços superiores, cavidades e disseminação brônquica.(1,2)
A história de contato com adulto doente de TB, bacilífero ou não, deve ser muito valorizada, principalmente nas crianças até a idade escolar, pelo maior tempo de exposição com o foco transmissor.(6)
A prova tuberculínica pode ser interpretada como sugestiva de infecção pelo M. tuberculosis quando superior a 10mm em crianças não vacinadas com BCG ou vacinadas há mais de dois anos; ou superior a 15mm em crianças vacinadas com BCG há menos de dois anos. Há tendência atual em se considerar que a prova tuberculínica (PPD) com mais de 10mm sugira infecção pelo M. tuberculosis, mesmo em crianças vacinadas com BCG em qualquer época que referiram ou tenham tido contato com TB pulmonar ativa.(4,7)
Em crianças com menos de cinco ou seis anos nas quais não tenha sido possível estabelecer o diagnóstico pelos dados clínico-radiológicos, epidemiológicos e tuberculínico, deve-se realizar a cultura para M. tuberculosis no lavado gástrico, preferencialmente em pacientes internados. Um estudo nacional mostrou boa sensibilidade do lavado gástrico em nível ambulatorial.(3)
Dependendo do quadro clínico-radiológico apresentado pela criança, pode ser necessária a utilização de outros métodos diagnósticos, tais como escarro induzido, broncoscopia, punções e até mesmo biópsia pulmonar por toracotomia. Nessas condições, além de exame bacteriológico, deve-se proceder a exame cito ou histopatológico, visando aumentar o rendimento diagnóstico.
O diagnóstico, na prática, pode ser estabelecido, com algumas restrições, em nível ambulatorial por sistemas de pontuação.(8) O sistema preconizado pelo MS(9) mostrou valores adequados de sensibilidade e especificidade para diagnóstico de TB pulmonar(5) e é ratificado por estas Diretrizes (Quadro 1).
Tuberculose Extrapulmonar na Criança(1)
Algumas localizações extrapulmonares da tuberculose são mais freqüentes na infância, como gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges.
A tuberculose ganglionar periférica acomete com freqüência as cadeias cervicais e é geralmente unilateral, com adenomegalias de evolução lenta, superior a três semanas. Os gânglios têm consistência endurecida e podem fistulizar (escrófula ou escrofuloderma). É comum a suspeita de tuberculose em casos de adenomegalia que não responderam ao uso de antibióticos.
A meningoencefalite tuberculosa costuma cursar com fase prodrômica de uma a oito semanas, quase sempre com febre, irritabilidade, paralisia de pares cranianos e pode evoluir com sinais clínicos de hipertensão intracraniana, como vômitos, letargia e rigidez de nuca. O líquor é claro, com glicose baixa e predomínio de mononucleares. A prova tuberculínica pode ser não reatora.
A forma osteoarticular mais encontrada situa-se na coluna vertebral, constituindo-se no mal de Pott. Cursa com dor no segmento atingido e posição antálgica nas lesões cervicais e torácicas, paraplegias e gibosidade. Outras localizações ósseas podem ocorrer em menor freqüência. As formas de tuberculose do aparelho digestivo (peritonite e intestinal), pericardite, geniturinária e cutânea são mais raras.
Controle de Contatos e Diagnóstico de Tuberculose
A investigação de crianças e adolescentes que convivam com adultos com TB é muito importante para se detectar novos casos ou identificar pessoas infectadas pelo M. tuberculosis e que poderiam ser protegidas pela quimioprofilaxia (V. Capítulo próprio). Esta estratégia sanitária é o controle de contatos. A abordagem dos contatos deve ser feita sempre que se diagnostica um caso índice. Todas as pessoas que tenham convívio próximo com este devem ser submetidas a exame clínico, radiológico e à prova tuberculínica, no caso de crianças. Ainda se considera como grupo prioritário para tal investigação os menores de cinco anos.(4,10)
A proposta contida na Figura 1 descreve o controle de contatos, tomando por base as Normas vigentes do MS.(9)
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CAPÍTULO 5
Prevenção
5.1. Vacinação BCG
A vacinação com BCG faz parte das medidas de controle adotadas no Brasil, como o diagnóstico e tratamento dos casos, e a quimioprofilaxia de contatos.
A implantação de um programa de diagnóstico e tratamento teria impacto de 8 a 10%, enquanto que a vacinação com BCG teria impacto na redução do risco de infecção em torno de 2% a 4%, ao ano, considerando-se uma eficácia de 80% e coberturas vacinais elevadas.(1,2)
O uso do BCG é consenso na grande maioria dos países, com diferenças em relação a orientações acerca da faixa etária e número de doses. Apenas dois países (Estados Unidos e Holanda) não adotam seu uso na rotina. A Organização Mundial da Saúde recomenda dose única de BCG, ao nascimento. Esta recomendação se baseia na efetividade elevada da vacina BCG, para proteção de formas graves de tuberculose em crianças, demonstrados por meio de diversos estudos, sendo esta estratégia adotada pela maioria dos países em desenvolvimento. O Reino Unido e alguns países europeus adotam o uso da vacina BCG em escolares, entre 12 e 13 anos de idade, não reatores à prova tuberculínica. Baseia-se no fato de oferecer proteção contra tuberculose nas faixas etárias consideradas ainda de baixa incidência. Outra estratégia tem sido o uso de doses repetidas da vacina BCG, variando de duas doses, a exemplo de Portugal e Suíça, até o uso de cinco doses, como Rússia e outros países do Leste europeu. Não há, entretanto, evidências suficientes de proteção para recomendação dessa medida.(3)
É produzida a partir da cepa Moreau, sendo fabricada pela Fundação Ataulpho de Paiva, no Rio de Janeiro. É considerada de boa potência quando comparada com outras estirpes de BCG produzidas no mundo, possuindo similaridades com outras cepas, o que foi demonstrado através de técnicas de fragmentação do DNA. Caracteriza-se, ainda, por alta virulência residual, ou seja, capacidade de gerar reação tuberculínica mais intensa e por tempo mais longo, quando da aplicação de PPD em vacinados. Sua apresentação é sob a forma liofilizada, podendo ser armazenada entre 4º e 8ºC, sendo muito sensível à luz solar. Aplicada por via rigorosamente intradérmica, no braço direito, na altura da inserção do músculo deltóide. Pode ser administrada simultaneamente com outras vacinas, inclusive com as de vírus vivos.(4)
Estas Diretrizes recomendam manter o conteúdo constante da Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde quanto à vacinação dos seguintes grupos:
todos os recém-nascidos, com 2kg de peso pelo menos e sem intercorrências clínicas, preferencialmente na maternidade;
os recém-nascidos, filhos de mães soropositivas ou com aids;
crianças soropositivas para HIV ou filhos de mães com aids, desde que sejam não reatoras à prova tuberculínica e assintomáticas para a síndrome. Os vacinados sob essa condição deverão ser acompanhados pela vigilância epidemiológica, nos serviços de referência para aids;
contatos de doentes com hanseníase, de acordo com as normas estabelecidas pelo programa de Controle da Hanseníase do MS.
Contra-indicações da Vacinação BCG
Relativas ou temporárias:
Recém-nascidos com peso inferior a 2kg;
Dermatoses no local da aplicação ou generalizadas;
- Uso de medicamentos ou substâncias imunodepressoras;
Absolutas:
- Adultos infectados pelo HIV e crianças sintomáticas para a infecção;
- Imunodeficiências congênitas.
Justificativa da Vacinação
Os diversos ensaios clínicos para avaliar a proteção conferida pela vacina BCG contra tuberculose pulmonar, realizados a partir de 1930, mostram resultados de efetividade variando entre 0% e 80%.(5-11) O maior ensaio clínico sobre efetividade da vacina BCG foi realizado em Madras, Índia, o qual marcou um momento de descrédito na comunidade científica acerca da eficácia da vacina por ter revelado ausência de proteção na população estudada.(9) As diferenças encontradas em relação à proteção conferida pela vacina BCG têm sido atribuídas a diversos fatores relacionados à vacina, como cepa, viabilidade, dose, via de administração e ainda a fatores relacionados ao hospedeiro e que estão sumarizados a seguir:
a) Variabilidade biológica do BCG devido a diferentes cepas.(12-14)
b) Exposição à micobactéria ambiental.(13-15)
c) Via de infecção: a vacina teria um efeito protetor se a doença resulta de infecção primária, a exemplo de meningite tuberculosa e formas disseminadas de tuberculose. A proteção baixa é observada em relação à tuberculose resultante de reinfecção exógena. Se esta hipótese for verdadeira, ocorreria baixa eficácia naquelas populações com alto risco de infecção e elevada ocorrência de reinfecção exógena.(7)
d) Outros fatores, relacionados às condições de utilização da vacina, como viabilidade, dose utilizada, via de administração; fatores relacionados ao hospedeiro, como estado nutricional, outras infecções e aspectos genéticos, também poderiam interferir nas estimativas da eficácia vacinal.(7, 16,17)
No Brasil, até recentemente, não haviam sido realizados estudos sobre a efetividade da vacina BCG na proteção de formas pulmonares da tuberculose. Os estudos caso-controle realizados abordaram especificamente a proteção para formas clínicas de meningite tuberculosa, apresentando efetividade acima de 80%.(18-20) O primeiro estudo realizado no país para avaliar a efetividade da 1ª dose da vacina BCG aplicada no período neonatal, contra formas predominantemente pulmonares, em escolares, revelou uma proteção de 33% (95% CI: 0,01-0,54), passando para 48% (95% CI: 0,01-0,73) contra formas extrapulmonares da doença. Apesar da baixa proteção apresentada para formas pulmonares, este resultado foi consistente com aqueles estudos que avaliaram a efetividade da vacina BCG contra tuberculose pulmonar em áreas tropicais.(21)
Revacinação com BCG
Na década de 90, foi recomendada pela Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária a revacinação de escolares, a partir dos seis anos, visando evitar a ocorrência de tuberculose em adultos jovens. Com o objetivo de responder sobre a taxa de proteção conferida por esta medida, foi iniciado, igualmente por recomendação da CNPS-MS, um ensaio clínico controlado e randomizado em duas capitais do país. Os resultados recentemente demonstrados deste estudo revelam ausência de proteção da segunda dose de BCG.
A OMS não recomenda o uso de mais de uma dose de BCG na proteção contra tuberculose, considerando ausência de evidências que sustentem esta conduta.(22) Entretanto, alguns países adotam o uso de doses repetidas de BCG para o controle de tuberculose pulmonar, a exemplo de Rússia e Portugal. Na Hungria, a partir de 1959, foi adotada revacinação com BCG nos com menos de 20 anos de idade e não reatores ao PPD. Observou-se rápido declínio da incidência de tuberculose em crianças, quando comparadas com a população de adultos, sendo atribuído este declínio às políticas adotadas.(23) No Chile, estudo caso-controle não evidenciou proteção após doses adicionais de BCG.(18) Na Finlândia, a partir de 1990, após descontinuidade do uso da segunda dose da vacina BCG, em crianças não reatoras ao PPD, não se observou elevação no número de casos, quando comparado à coorte de revacinados com BCG.(24) Ensaio clínico controlado, randomizado, realizado no Malawi, para avaliar a efetividade da segunda dose da vacina BCG contra tuberculose, não mostrou proteção.(25) No Japão, um estudo econômico realizado sobre a segunda dose da vacina BCG concluiu que, naquele país, a política de revacinação foi considerada uma estratégia ineficiente de prevenção, considerando-se a baixa prevalência de tuberculose, os custos estimados e os resultados de ausência de proteção conferida pela segunda dose.(26)
Recomendações
A literatura revisada aponta para altos níveis de efeito protetor (acima de 80%) da 1ª dose da vacina BCG, ao nascer, na prevenção de formas graves de tuberculose. Esta proteção perdura durante, pelo menos, um período de 10 a 15 anos, devendo a 1ª dose da vacina BCG ser administrada em crianças que não tenham sido vacinadas com BCG.(27)
A proteção conferida pela 1ª dose da vacina BCG para formas de tuberculose pulmonar apresentou enorme variação nas diversas regiões do mundo, estimada através de ensaios clínicos controlados, randomizados e estudos caso-controle, não havendo Diretrizes sobre a proteção conferida para formas pulmonares.(21,27)
Em relação à proteção conferida pela segunda dose da vacina BCG para formas pulmonares, ensaio clínico controlado, randomizado, apontou ausência de proteção. No Brasil, aproximadamente 80% dos casos em adolescentes e adultos jovens são devidos à forma pulmonar, sendo esta a forma clínica responsável pela cadeia de transmissão da tuberculose. Apesar da incidência de tuberculose, em nosso meio, elevar-se principalmente na adolescência e em adultos jovens, a literatura consultada não permite orientar, até o momento, o uso da segunda dose de BCG na prevenção de formas pulmonares da doença.
A revacinação está indicada apenas em lactentes que foram vacinados ao nascer que não apresentem cicatriz vacinal após seis meses de idade.
Do mesmo modo, não se encontra justificativa científica para se recomendar vacinação BCG em adultos profissionais de saúde reatores ou não reatores à prova tuberculínica.
O efeito protetor da 1ª e 2ª doses da vacina BCG contra hanseníase tem sido demonstrado na literatura. Nesse contexto, a utilização de doses repetidas de BCG visando o controle deste agravo devem ser avaliadas.
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5.2. Quimioprofilaxia
A quimioprofilaxiaNota da tuberculose (TB) é uma medida terapêutica que consiste no uso de medicamentos para a prevenção da infecção pelo M. tuberculosis ou para evitar o desenvolvimento da doença naqueles infectados. Baseia-se na administração de isoniazida em pessoas não infectadas para prevenir a infecção (quimioprofilaxia primária) ou em pessoas já infectadas, mas sem sinais de doença, para prevenir a evolução da infecção à doença (quimioprofilaxia secundária). Outros medicamentos e regimes vêm sendo estudados.(1)
Estas Diretrizes pretendem revisar questões referentes ao tratamento preventivo da tuberculose, identificando a efetividade da utilização da isoniazida nos diferentes grupos de risco (incluindo o de infectados pelo HIV), as possibilidades de resistência bacteriana, as alternativas do uso de outros esquemas, a duração do tratamento, as evidências que o justifiquem e os efeitos adversos que devem ser considerados.
Segundo a sensibilidade e a especificidade da prova tuberculínica (PPD) e a prevalência de TB nos diferentes grupos de risco, têm sido recomendados três pontos de corte para definir a positividade da reação à tuberculina: > 5mm, > 10mm, e > 15mm de enduração. Para pessoas com alto risco de desenvolver TB ativa, se infectados com M. tuberculosis, em particular os infectados pelo HIV, uma enduração > 5mm é considerada positiva.
Para aqueles com maior probabilidade de ter infecção recente ou para os que apresentam alguma condição clínica que eleve o risco de progressão à doença, uma enduração > 10mm é considerada positiva. Para pessoas de baixo risco, grupo para o qual geralmente não é indicado o teste, uma enduração > 15mm deve ser considerada positiva.(2,3)
Quimioprofilaxia em não infectados (primária)
No Brasil, o MS recomenda o uso da isoniazida em recém-nascidos contatos de adulto com doença ativa. Deve ser administrada durante três meses, após o que se faz a prova tuberculínica. Se o resultado for positivo (> 10mm), a quimioprofilaxia deve ser mantida por mais três meses. Se negativo, interrompe-se o uso da droga e aplica-se a vacina BCG.(2,4,5)
Quimioprofilaxia em infectados (secundária)
No Brasil ainda, recomenda-se o uso da isoniazida nos com menos de 15 anos, não vacinados com BCG, contato de TB pulmonar bacilífera, sem sinais da doença ativa e forte reatores à prova tuberculínica (> 10mm). A isoniazida é indicada também para aquelas crianças vacinadas com BCG nos últimos três anos e com resposta à prova tuberculínica igual ou superior a 15mm(4) (Ver capítulo TB na criança).
Essa recomendação está de acordo com as evidências de um ensaio clínico controlado, no qual se observou que, entre os contatos domiciliares de casos de TB, a maior incidência da doença ocorreu na faixa etária de < 5 anos, quando comparada com a incidência em outros grupos etários. Sabe-se que a ocorrência de tuberculose nesse grupo é sempre considerada como infecção recente, condição em que a isoniazida demonstrou alta eficácia (87%).(6,7)
Um grupo considerado de risco pela American Thoracic Society (ATS) é o formado por pessoas com viragem tuberculínica recente (últimos 12 meses) e que apresentam aumento na resposta tuberculínica de no mínimo 10mm em relação à enduração inicial. Nos Estados Unidos, onde não se aplica a vacinação com BCG em recém-natos, a ATS afirma também que os com menos de quatro anos e com reação positiva ao teste (> 10mm) devem ser considerados reatores recentes. No Brasil, em particular, com a recomendação de não se vacinar os profissionais de saúde não reatores, torna-se imperioso realizar inquéritos tuberculínicos em unidades de saúde para administrar a prova tuberculínica de modo seriado e indicar a quimioprofilaxia aos profissionais de saúde que apresentem viragem tuberculínica; esta igualmente deve ser considerada como um aumento de 10mm na reação à prova tuberculínica em testes em dois momentos diferentes (intervalos de seis e 12 meses).(2)
Em populações indígenas, no Brasil, recomenda-se que todo contato de tuberculose bacilífero, forte reator à prova tuberculínica (> 10mm), independentemente da idade e do estado vacinal, após avaliação clínica e afastada a possibilidade de tuberculose doença através de baciloscopia e exame radiológico, deve receber terapia preventiva. As populações indígenas, a exemplo dos Yanomami, no Brasil, apresentam elevada prevalência de tuberculose ativa (6,4% de 625 pessoas), relatada como cerca de cem vezes superior àquelas observadas no Estado de Amazonas em geral (68/100.000), o que requer medidas de prevenção específicas para esse grupo.(8,9)
Apesar da escassez de dados em países em desenvolvimento, são também orientados para submeter-se a quimioprofilaxia, em Unidades de Saúde que tenham condições de realizar um acompanhamento adequado, os reatores fortes à prova tuberculínica, sem tuberculose ativa, mas em situações clínicas associadas a alto risco de desenvolvê-la, como: diabetes mellitus insulino-dependente, silicose, nefropatias graves, neoplasias malignas de cabeça e pescoço, sarcoidose, linfomas, uso prolongado de corticosteróides em doses imunossupressoras, quimioterapia antineoplásica, tratamento com medicamentos imunodepressores, portadores de imagem radiológica compatível com tuberculose inativa sem história de quimioterapia prévia.(2,3,10)
Em relação à gravidez, a quimioprofilaxia deve ser adiada para após o parto.(20) A ATS considera necessária a sua implementação nas gestantes infectadas pelo HIV com exposição atual à tuberculose ativa ou que em algum momento tenham sido reatoras à tuberculina, após o primeiro trimestre de gravidez.(2,12)
Avaliação do uso da quimioprofilaxia com isoniazida através de ensaios clínicos
A efetividade do uso da quimioprofilaxia com isoniazida, na dose de 5mg/kg e dose máxima de 300mg/dia, foi estabelecida através de ensaios clínicos randomizados, placebo-controlados e duplo-cegos, realizados a partir da década de 1960.(6,7,13-16)
Recente metanálise, que incluiu 11 ensaios clínicos controlados, mostrou um RR de 0,40 (IC 95% 0,31-0,52), correspondendo a uma proteção de 60%, nos diversos grupos de risco conhecidos. Esse resultado é consistente se comparado com os dos demais estudos realizados, sendo, entretanto, importante considerar que a proteção conferida é suficiente, pensando-se em populações de baixo risco de tuberculose. Nas populações de alto risco, essa proteção teria um impacto menor na prevenção de casos novos, ao se considerar a duração do tratamento. Nos resultados da metanálise comparando os tratamentos de seis meses (RR 0,44; IC 95% 0,27 0,73) e 12 meses (RR 0,38; IC 95% 0,28 0,50), não foram observadas diferenças significativas. Apesar disso, essa diferença pode ser importante a depender do risco de desenvolver tuberculose ativa. Por exemplo, em situações de baixo risco de desenvolver tuberculose (população de pessoas adultas, com testes cutâneos positivos, RX normais e risco de hepatite inferior a 0,5%), foi estimado que seria necessário tratar 179 pessoas, durante seis meses, para prevenir um caso de TB. Utilizando-se o esquema de 12 meses de duração, seria necessário tratar 161 pessoas para prevenir um caso. Supondo-se um risco elevado de TB (20%), foi estimado que a cada oito ou nove pacientes tratados, um caso é prevenido. Outro aspecto a considerar é que, quanto menor a duração do tratamento, maior a adesão, ou seja, mais pessoas completam o tratamento (78% em seis meses e 68% em 12 meses).(17)
Quimioprofilaxia com outros esquemas terapêuticos
Nos Estados Unidos, durante 30 anos, utilizou-se a quimioprofilaxia isoniazida por períodos de seis e 12 meses. Essa recomendação foi revisada, devido à redução do número da incidência de tuberculose, e do registro de casos de óbitos por hepatite fulminante associados à isoniazida. Além disso, a baixa adesão ao tratamento devido à sua longa duração e à co-infecção HIV/aids tem motivado estudos sobre a efetividade da quimioprofilaxia com outros medicamentos. Em 2000, a ATS emitiu recomendações sobre a quimioprofilaxia, indicando a utilização da rifampicina e da pirazinamida por dois meses em substituição à da isoniazida, com base em ensaios clínicos e experimentos em animais.(3) A Sociedade Britânica de Tórax (BTS) recomendou, em 1998, a quimioprofilaxia com isoniazida por seis meses ou a associação entre isoniazida e rifampicina por três meses. Em 2000, foi indicada a redução do tempo deste esquema para dois meses, sendo suspenso o uso de isoniazida isolada na prevenção. Em pessoas não infectadas pelo HIV e de alto risco, o tratamento com isoniazida e rifampicina durante três meses mostrou-se tão efetivo quanto o uso de isoniazida durante seis meses. O esquema de dois meses de rifampicina e pirazinamida é menos tolerado que os esquemas de isoniazida ou rifampicina isoladamente. Em razão da elevava freqüência de efeitos hepatotóxicos em indivíduos não infectados pelo HIV que fizeram uso de dois meses de rifampicina e pirazinamida, tal esquema não deve ser utilizado em tais situações. Nas crianças, a associação isoniazida e rifampicina é bem tolerada por um período de três meses ou mais. Contudo, a BTS continua recomendando três meses de rifampicina e isoniazida como alternativa aos seis meses de isoniazida.(5,18)
Isoniazida na prevenção da tuberculose em infectados pelo HIV
A quimioprofilaxia em pessoas infectadas pelo HIV, recomendada pelo Ministério da Saúde, no Brasil, tem como fármaco de eleição a isoniazida, em dosagem de 5 a 10mg/kg/dia (dose máxima: 300mg/dia), durante seis meses consecutivos.(1-4,12, 19-22)
Em metanálise, foram sumarizados os resultados de sete estudos, com 2.367 pessoas tratadas com isoniazida e 2.162 pessoas no grupo controle. O risco relativo de desenvolver tuberculose entre as pessoas tratadas com isoniazida em relação ao RR no grupo controle foi de 0,58 (IC 95% 0,43-0,80), correspondendo a uma eficácia de 42%. O RR entre aqueles que apresentaram resposta positiva à tuberculina foi de 0,40 (IC 95% 0,24-0,65), sendo de 0,84 (IC 95% 0,54-1,30) naqueles com resposta negativa, correspondendo a uma eficácia de 60% e 16%, respectivamente. O RR estimado para a prevenção da ocorrência de óbito foi de 0,94 (IC 95% 0,83-1,07), correspondendo à proteção de 6%, sendo de 0,79 (IC 95% 0,37-1,70) em pessoas tuberculino-positivas e de 1,0 (IC 95% 0,90-1,17) nas tuberculino-negativas. Esse estudo concluiu que o uso de isoniazida, durante seis meses, em pessoas HIV-positivas, reatoras ao PPD, reduz a incidência de TB em 60%.(23)
O efeito protetor da quimioprofilaxia com isoniazida sobre a incidência de doenças causadas por micobactérias em usuários de drogas intravenosas, infectados pelo HIV, foi avaliado em regime de 24 meses de tratamento, nos Estados Unidos, sendo observada a diminuição do risco de tuberculose em 83% deles, com doses intermitentes duas vezes por semana.(24)
Conclusões e recomendações
Os diferentes estudos consultados demonstraram que a isoniazida continua sendo efetiva na prevenção da tuberculose, tanto na população não infectada pelo HIV como nos pessoas infectadas pelo HIV. Os resultados gerados pela literatura até o momento são estatisticamente significantes e de relevância clínica.
O tempo de tratamento e a dose da isoniazida utilizada na maioria dos estudos foram de seis a 12 meses com 300mg/dia ou 5 a 15mg/kg/dia; a proteção é similar em ambos os períodos de tratamento, sendo significativamente menor em regimes com duração inferior a seis meses, e não apresenta incremento significante quando dura mais de 12 meses. O esquema de 12 meses poderia ser recomendado naqueles grupos de muito alto risco.
O risco de aparecimento de efeitos tóxicos da isoniazida, principalmente a ocorrência de hepatite, apesar de importante, é menor que o benefício da utilização da quimioprofilaxia. A idade superior a 35 anos e o uso de álcool estão associados a um maior risco de desenvolver hepatite.
A terapia preventiva com isoniazida é efetiva em pessoas infectadas pelo HIV com prova tuberculínica positiva, porém não interfere no curso da aids.
Os programas que utilizam a quimioprofilaxia na prevenção da tuberculose são mais efetivos quando se dispõe dos recursos para a exclusão da doença e quando se tem um monitoramento apropriado dos pacientes com co-infecção TB-HIV.
Em nosso meio, são necessários mais estudos que avaliem a efetividade destes e de outros esquemas diferentes dos que incluem a isoniazida naquelas populações de alto risco de desenvolver tuberculose.
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Nota
1 A ATS vem substituindo os termos quimioprofilaxia ou terapia preventiva pelo termo tratamento da infeção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (treatment of LTBI). A introdução deste termo responderia que 'terapia preventiva' e 'quimioprofilaxia' se referem ao uso da monoterapia exclusiva com isoniazida para a prevenção do desenvolvimento da doença em pessoas infectadas, não incluindo necessariamente a prevenção primária (prevenção da infeção em pessoas expostas a pessoas com tuberculose infecciosa). (ATS, 2000)
2 Estas Diretrizes optam por manter a terminologia Quimioprofilaxia, considerando a sua indicação prioritária em pessoas infectadas pelo M. tuberculosis e, ainda, consistentemente com a recomendação de ratificar a isoniazida como o regime de escolha.
CAPÍTULO 6
Biossegurança
Medidas de controle ocupacional (biossegurança e controle respiratório)
Estudos realizados no final da década de 90 confirmaram a elevada transmissão de TB em ambientes fechados em países desenvolvidos(1-4) e em desenvolvimento.(5-25) Em razão disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições internacionais propõem que, nesses países, medidas de controle da transmissão da tuberculose sejam adotadas nos chamados "ambientes de risco" (Unidades de Saúde ou não). São assim considerados aqueles locais que proporcionam elevada chance de infecção pelo bacilo da tuberculose, de paciente para indivíduos sadios, de paciente para paciente, ou de paciente para profissionais de saúde.(26-32)
Apesar do perfil diferente da tuberculose no Brasil, isto é, de transmissão mais comunitária, recentemente, em nosso meio, esta elevada taxa de transmissão de TB também foi observada em escolas médicas, em hospitais universitários, em prisões e em casas de saúde psiquiátricas.(5,33-39)
No período de fevereiro de 1994 a setembro de 1997, num estudo transversal seguido de outro longitudinal, foi realizado um inquérito da prova tuberculínica (PT) para avaliar o risco ocupacional de infecção tuberculosa num hospital geral, no Rio de Janeiro.(34) Entre 1.250 profissionais de saúde que participaram da primeira fase do estudo, 649 (52%) apresentaram PT positiva (i.e. > 10mm); o efeito "booster" ocorreu em 7,8% (35/449). No estudo longitudinal, os profissionais de saúde com idade superior a 30 anos apresentaram menor risco de conversão à PT (RR: 0,37, 0,23-0,89, p = 0,01), enquanto que pertencer à categoria profissional de médico e enfermagem este risco foi significantemente maior (RR: 4,21, 1,17-8,94, p = 0,03). Esses resultados confirmaram nesta Unidade Hospitalar um elevado risco ocupacional de TB e sinalizaram para uma urgente implementação de medidas de biossegurança em hospitais gerais com perfis semelhantes que atendam pacientes com tuberculose pulmonar.
Em outro estudo similar realizado no período de 1999 a 2000, com 4.419 profissionais de saúde em atividade em quatro hospitais em três Estados do Brasil, a taxa de PT positiva foi de 63,1% e a conversão da PT foi de 8,7% (10,7 por 1.000 pessoas mês).(36) Na análise multivariada, os fatores de risco associados à conversão da PT (aumento de 10mm em relação à enduração inicial ) foram: exposição nosocomial a paciente com TB pulmonar, categoria profissional de enfermeiro, hospital sem medidas de biossegurança implantadas. Nos casos de vacinação recente com BCG (últimos dois anos), o aumento de 15mm na enduração da PT manteve-se associada com a conversão. Observou-se que taxas de viragem da PT foram maiores em hospitais que não adotavam nenhuma medida de proteção contra a TB (19,8% vs 8,7%). Os profissionais analisados referiram no período do estudo contato com TB na comunidade em 1,5%, enquanto que no seu local de trabalho, em 33%.
Em 2003, num estudo longitudinal realizado na cidade do Rio de Janeiro,(38) 336 pacientes internados numa Casa de Saúde Psiquiátrica foram submetidos à prova tuberculínica; em 185 (55%), ela foi positiva (>10 mm). Entre os 127 com enduração inferior a 10mm, 21 (16,5%) converteram a prova tuberculínica. Decorridos 12 meses, TB ativa foi diagnosticada em 20 pacientes, com incidência de 3.208/100.000hab, 28 vezes maior que a estimada na cidade do Rio de Janeiro (113/100.000hab em 2002) e pouco inferior àquela observada em internos no sistema prisional de São Paulo (5.714/100.000hab).(5) A confirmação bacteriológica foi obtida em 11 (58%) pacientes, sendo positiva apenas na cultura para micobactéria em nove casos.
Em estudo retrospectivo de 1993 a 2000, na cidade de Campinas, foram avaliados 4.293 internos em quatro prisões.(38) A incidência de TB variou de 559 a 1.397/100.000hab. A TB ativa ocorreu mais em jovens (idade entre 25 e 34 anos), associada à infecção pelo HIV em 49,4%; devido à ausência de busca ativa, ocorreu retardo diagnóstico, sendo que 70% dos casos já apresentavam baciloscopia positiva na investigação. Além disso, devido à ausência de atividades coordenadas de controle de TB no sistema prisional, observou-se elevada taxa de abandono de tratamento (49%).
Quaisquer medidas que visem o combate da transmissão da tuberculose devem levar em conta toda a Instituição, de saúde ou não. Essas medidas de controle de transmissão dividem-se em três grupos: a) administrativas; b) ambientais (ou de engenharia) e c) de proteção respiratória e devem ser implantadas de acordo com o tipo de Instituição e o grau de risco de transmissão do bacilo da TB.
Em nosso meio, recomendações para o uso de Normas de Controle de TB foram publicadas nos últimos anos.(26-28,40-45) Entretanto, nenhuma ação efetiva foi adotada em nosso meio, em razão da ausência de legislação específica que oriente os gestores das Instituições, de saúde ou não, da prioridade da implementação de fato dessas medidas. Além disso, são escassas as recomendações em nosso meio para o controle de TB em comunidades fechadas, como prisões, asilos, casas de repouso e hospitais psiquiátricos.(46)
Os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, bem como os Conselhos de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, devem estabelecer, através de legislação específica, os critérios para a criação de uma Comissão de Biossegurança em TB, nas diferentes esferas de governo. Esta Comissão deve ser composta por representantes do Ministério Público, do Sistema SUS, dos Programas de Vigilância Sanitária e de Controle de TB das Secretarias de Saúde, representantes do Controle Social e do Órgão Formador. E deve ter como missão auxiliar na implantação e monitoramento das medidas de biossegurança indicadas para o controle da transmissão de TB, na dependência do grau de complexidade da Instituição, de Saúde ou não. Técnicos alocados nesta Comissão, preferencialmente enfermeiro e médico (pneumologista ou infectologista) com experiência em tuberculose, devem ter como função executiva auxiliar os profissionais, gestores ou não, na adoção de tais medidas administrativas e/ou de engenharia.
Documentos nesse sentido serão encaminhados aos órgãos competentes com a chancela dos membros destas Diretrizes e suas instituições.
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43. Comitê Técnico Científico de Assessoria à Tuberculose (Kritski AL, Ruffino Netto A, Fiúza de Melo FA, Gerhardt GF, Teixeira GM, Afiune JB, Rosemberg J, Britto de Almeida MM, Hijjar MA, Bittencourt W, Ott WP) Comitê Assessor para Co-infecção HIV-Tuberculose (Kritski AL, Toledo Junior AC, Ruffino Netto A, Ramos Filho CR, Rodrigues dos Santos L, Jamal LF, Dalcolmo M, Hijjar MA, Del Bianco R, Cavalcante S). Tuberculose Guia de vigilância epidemiológica. Ministério da Saúde: Fundação Nacional da Saúde, 2002. 100p.
44. Coimbra BR, Zuim R, Guedes de Carvalho RM, Siqueira-Batista R, Bethlem EP, Bevilaqua AATP, Kritski AL, Selig L. Recomendações da Assessoria de Pneumologia Sanitária do Estado do Rio de Janeiro para o controle de tuberculose em hospitais gerais. Pulmão RJ 2003;12(3): 169-73.
45. I Seminário de Biossegurança em Tuberculose; CRPHF/Ministério da Saúde. Bol Pneum Sanit 2001;9(2):87 pags.
46. Recomendações para identificação de tuberculose em Clínicas Psiquátricas Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. 5 p.
CAPÍTULO 7
Linhas prioritárias de pesquisa nacional recomendadas pelas diretrizes nacionais para tuberculose
Epidemiologia
1.Estudos sobre a prevalência de TB em diferentes regiões do país;
2.Estudos sobre a tendência de notificação de TB (casos novos e de óbitos);
3.Análise do risco de infecção anual de TB em diferentes regiões do país;
4.Prevalência de TB em sintomáticos respiratórios atendidos em diferentes Unidades de Saúde;
5.Tendência da TB infecção e doença em grandes metrópoles;
6.Vigilância de óbitos;
7.Inquérito nacional de resistência bacteriana aos medicamentos de primeira e segunda linhas da tuberculose.
Diagnóstico
1.Aplicabilidade de diferentes escores clínico-radiológicos no diagnóstico de TB pulmonar em paciente atendido em diferentes níveis de complexidade e com populações especiais;
2.Aplicabilidade de diferentes escores clínico-radiológicos no diagnostico de TB pulmonar em Pediatria;
3.Identificar estratégias mais eficazes para aumentar a busca ativa de sintomáticos respiratórios em:
a.Centros de Saúde,
b.Hospitais e Unidades de Emergência,
c.Prisões;
4.Impacto da implantação de cultura para micobactéria, método tradicional versus automatizado no resultado do tratamento de paciente:
a.portador de HIV,
b.atendido em unidade hospitalar,
c.presidiários ou
d.internados em hospital psiquiátrico;
5.Impacto da implantação do teste de sensibilidade no resultado do tratamento de paciente:
a.sob retratamento,
b.em falência do esquema I,
c.atendido em unidade hospitalar com elevada taxa de TBMR primária;
6.Estudo de custo-efetividade do uso de diagnóstico radiológico convencional versus digital em pacientes adultos ou não atendidos em diferentes Unidades de Saúde;
7.Identificar estratégias para melhorar o fluxo de procedimentos no diagnóstico de TB no adulto e na criança em diferentes unidades de saúde;
8.Identificar estratégias para melhorar a interação entre as atividades de controle de TB de Hospitais, de Centros Municipais de Saúde e nível central municipal;
9.Identificar estratégias para aumentar o uso de escarro induzido no diagnostico de TB nas regiões metropolitanas;
10.Impacto da implantação de medidas de vigilância epidemiológica de TB em Unidades Hospitalares;
11.Validação de novo teste PPD com utilização de antígeno nacional;
12.Vacinação com BCG de crianças de mães infectadas pelo HIV;
13.Desenvolvimento, validação interlaboratorial, análise de eficácia e de custo-efetividade de novos testes diagnósticos para TB sensível e resistente;
14.Controle de qualidade dos métodos diagnósticos de TB, novos e convencionais;
15.Avaliar melhores estratégias para implantação de sistema de referência e contra-referência no diagnóstico de paciente com TB, em metrópoles.
Tratamento
1.Ensaio clínico para verificação de efetividade de esquemas alternativos para o retratamento (Esquema III);
2.Ensaio clínico pragmático de esquema medicamentoso para falência do tratamento de primeira linha (modificação do E III);
3.Ensaio clínico pragmático de esquema medicamentoso para os casos de retratamento, pós-cura ou pós-abandono;
4.Ensaio clínico pragmático de esquema medicamentoso para os pacientes hepatopatas;
5.Ensaio clínico para verificação de efetividade do EI-R com EMB;
6.Ensaio clínico para verificação de eficácia de redução de doses de medicamentos antituberculose em pacientes com hepatopatias;
7.Ensaio clínico pragmático de esquema medicamentoso para pacientes HIV positivo em Unidades de Saúde de TB e de atendimento ao paciente HIV positivo;
8.Estudos de equivalência farmacêutica: controle de qualidade dos medicamentos anti-TB de primeira e segunda linhas;
9.Estudos de farmacovigilância;
10.Estudos de farmacocinética e farmacogenética;
11.Estudos de custo-efetividade de quimioprofilaxia entre contatos de TB pulmonar;
12.Efetividade de quimioprofilaxia entre indivíduos infectados pelo HIV;
13.Identificar melhores estratégias para aumentar a adesão à quimioprofilaxia entre HIV-positivos, nas diferentes Unidades de Saúde;
14.Efetividade do tratamento da TB ativa entre indivíduos infectados pelo HIV, em diferentes fases de imunodepressão;
15.Fatores associados à ocorrência de maior recidiva entre pacientes infectados e não infectados pelo HIV;
16.Pesquisa operacional sobre diferentes abordagens no tratamento medicamentoso anti-TB em pacientes infectados pelo HIV (DOTS versus auto-administrado);
17.Identificar as melhores estratégias para implantação do DOTS, em diferentes regiões do país, sendo área metropolitana ou não;
18.Estudo sobre os fatores associados e causais do abandono do tratamento em pacientes submetidos ao tratamento supervisionado;
19.Pesquisa operacional sobre o impacto no resultado do tratamento intermitente, em diferentes grupos de pacientes;
20.Ensaio clínico pragmático sobre o tratamento cirúrgico da TB pulmonar (randomizado);
21.Estudos de custo-efetividade da implantação do DOTS;
22.Impacto no resultado do tratamento nos Programas de Saúde da Família;
23.Avaliar melhores estratégias para implantação de sistema de referência e contra-referência no tratamento de paciente com TB, em metrópoles.
Biossegurança
1.Avaliar o risco de infecção entre profissionais de saúde em atividades nos Programas de Saúde da Família, em Centros Municipais de Saúde, e trabalhadores em prisões;
2.Avaliar o impacto da implantação de medidas administrativas de controle de infecção de TB em Hospitais, Unidades de Emergência, Centros Municipais de Saúde, Prisões, Albergues, Hospitais Psiquiátricos, Casas de Apoio ao paciente HIV-reator;
3.Estudo de custo-efetividade da implantação de medidas administrativas e de engenharia de controle de Infecção de TB em Hospitais e em Unidades de Emergência;
4.Avaliar diferentes estratégias de treinamento para aumentar a adesão dos profissionais de saúde no uso de medidas de controle de infecção por TB;
5.Estudo sobre os fatores associados e causais da baixa adesão dos profissionais de saúde no uso de medidas de controle de infecção por TB;
6.Estudo sobre as melhores estratégias para aumentar o compromisso do gestor da Unidade de Saúde, gestor municipal e estadual para viabilizar a implantação de medidas de biossegurança em TB, nas diferentes unidades de saúde.
Medidas consideradas importantes para viabilizar a realização de tais pesquisas
1.Compromisso político do Ministério da Saúde e das Secretarias da Saúde na realização de pesquisa clínica e operacional visando a identificação de medidas mais custo-efetivas no controle da TB;
2.Credenciamento de centros de pesquisa clínica e laboratorial de referência como colaboradores do MS para participar na coordenação e/ou execução de projetos de pesquisa;
3.Criar uma comissão ou correspondente, para assessoria de pesquisa em TB no MS que inclua participantes da sociedade civil (SBPT, Rede-TB, Sociedades de Infectologia e Movimentos Sociais: ONGs de TB/HIV, ou de TB).
ADENDO
Questões recebidas para discussão nas II Diretrizes Nacionais de Tuberculose
As questões a seguir listadas representam um resumo das sugestões recebidas e da revisão de literatura nacional e internacional e serviram para nortear a preparação destas Diretrizes.
Para descrição do perfil e padrão da tuberculose no país, as Diretrizes devem responder: No Brasil, há indicativos de que a tuberculose tenha aumentado na década de 90 e neste início de século ou experimenta uma "desaceleração na sua queda", como observada na década de 80? A região Sudeste mantém a tendência de aumento?
No ano de 2000, o MS e a OPAS/OMS apresentaram um modelo para o país estimando em 35% o percentual de infectados, dos quais 0,025% revelaria adoecimento primário, 1% se reinfectaria e, destes, 2% mostrariam adoecimento secundário; e, dos 65% não infectados, 1% se infectaria e, destes, 10% portariam adoecimento primário. Esse modelo estima +/- 130.000 casos novos por ano. Como se notifica +/- 90.000, haveria cerca de 30.000 casos perdidos, constituindo a TB oculta. Este modelo corresponde à realidade? Como poderia ser confirmado ou questionado?
DIAGNÓSTICO
Como reorganizar a hierarquia da rede de serviços para a tuberculose à luz dos fatos atuais; por exemplo: em São Paulo, o CVE-TB da SES-SP estima que 60% dos casos de TB são inicialmente diagnosticados em serviços hospitalares, porém não discriminam se no ambulatório, pronto-atendimento ou pronto-socorro. No Rio de Janeiro, 30% dos casos de TB são diagnosticados em hospitais da rede, bem como 1/3 dos óbitos são também registrados nas emergências. Estes fatos, se confirmados nacionalmente, interfeririam na proposta de rastreamento da doença, que se inicia pela rede básica? Como ampliar a baciloscopia e cultura nos hospitais de emergência ou não? Como preparar as emergências para receber, diagnosticar e referir pacientes com TB?
Com o recrudescimento da TB em países desenvolvidos, muitos são os estudos publicados sobre novos avanços técnicos e novos métodos diagnósticos na tuberculose. De acordo com o estado da arte, qual é o padrão ouro para diagnóstico de caso? Há nível de evidência para se adotar testes de PCR para o diagnóstico, além dos validados e recomendados na literatura? O diagnóstico confirmado por novos métodos, com grau de acurácia maior que os métodos tradicionais, modifica algumas classificações vigentes, por exemplo, considerar pulmonar positiva um caso em que se detectou o bacilo por métodos biológicos? Será importante hierarquizar a disponibilidade desses métodos.
Seria primordial hoje recomendar a realização de cultura, com identificação e teste de sensibilidade, para todos os casos de retratamento, considerando as limitações e a hierarquia de complexidade dos laboratórios?
Estudos diversos têm mostrado que a expectoração induzida apresenta rendimento significativamente superior à simples coleta orientada. Seria o caso de propor a introdução da expectoração induzida progressiva na rede, prevendo investimentos para sua efetivação e detalhamento de sua técnica?
Sabe-se que a fonte de contágio da TB em crianças na maioria das vezes é um caso familiar/intradomiciliar. Alguns estudos indicam que no caso de crianças notificadas com TB, foi possível descobrir novos casos investigando os adultos sintomáticos respiratórios intradomiciliares. Estaria justificado incluir este tipo de investigação inversa, localizando o foco a partir do contato doente?
Como avaliar o impacto de novas tecnologias diagnósticas, como testes rápidos (ver documento-base de métodos diagnósticos). Cabe a estas Diretrizes fazer esta recomendação? Como hierarquizar desde a unidade básica até a referência?
TRATAMENTO
À luz da revisão da literatura se observa impacto real sobre desfechos do tratamento da TB após a implementação da estratégia DOTS em diversos níveis e sob condições diversas igualmente; esse impacto é atribuível ao conjunto de medidas organizacionais, mais do que à própria observação direta de tomadas de medicamentos. Estas Diretrizes devem se manifestar e explicitar recomendações adaptáveis às condições da realidade brasileira, considerando a diversidade existente no país?
O Esquema RHZ não necessita de uma quarta droga na fase de ataque à luz das informações sobre resistência primária no país? Quais seriam os limites toleráveis para a taxa de resistência associada à R+H, para manter as três e não aumentar para quatro drogas na fase de ataque? Poderíamos estabelecer este limite de tolerabilidade por cálculos de probabilidade matemática, para que o rendimento (eficácia/efetividade) seja mantido nas premissas atuais? Quais?
É valido prolongar o Esquema-1 de seis para nove meses? A negativação em cultura ao final do segundo mês, como adotado em outros Consensos, é razoável? Quando e por que? As orientações atuais do Guia de Vigilância 2002 são suficientes ou poder-se-ia desenvolvê-las melhor?
Quanto à proposta de abordagem dos casos de hepatite medicamentosa e hepatopatas, qual seria o melhor esquema alternativo? Devemos manter as propostas do I Consenso de TB de 1997? Os mesmos níveis propostos para as transaminases do I Consenso devem ser mantidos ou reformulados? Cabe ajuste de doses e diminuição delas, considerando as observações controladas do Rio Grande do Sul?
Considerando as co-morbidades mais freqüentes, que observações quanto aos tratamentos de curta duração (RHZ ou RHZE), regime, esquema, doses, controle, deveriam ser feitas para: idosos, diabéticos, nefropatas e transplantados de órgão?
O etambutol foi acrescido no retratamento dos que retornam doentes após abandono ou recidivam após cura. As bases para mudanças foram estudos de coortes e não ensaios prospectivos. Diversas coordenações estaduais de tuberculose não concordaram parcial ou totalmente com esse acréscimo. A Coordenação Estadual do Programa de Controle da TB do RS não aceitou esta proposta, conforme carta enviada à reunião de Belém que lançou o Manual em sua 4ª. revisão, em 1995. A coordenação de São Paulo, em norma para o Estado, só recomendou seu uso sob supervisão. Não seria o momento de rever tal inclusão realizando um ensaio clínico e rastreando a resistência à droga (isolada ou associada, primária ou secundária)?
Com base nos resultados observados no tratamento da TBMR nos últimos anos, no Brasil, e nas taxas de resistência verificadas quando do último inquérito nacional realizado em 1996/7, considera-se prioritária a atualização das taxas de resistência ora observadas no país, quer em população ambulatorial, quer hospitalizada, através de inquérito epidemiológico representativo para o país. A esta medida seria acrescida a realização de ensaio clínico pragmático para validação de um novo regime de tratamento, com o objetivo de aumentar a efetividade do ora chamado Esquema III.
Pela magnitude que representa o problema da tuberculose entre pacientes infectados pelo HIV, é fundamental o trabalho conjunto e a compatibilização das recomendações técnicas para diagnóstico, tratamento e prevenção, com o Programa Nacional de DST/aids do Ministério da Saúde.
Quanto à TBMR, pode-se considerar o atual esquema alternativo com rendimento suficiente para sua continuidade ou haveria necessidade de modificações ou acréscimo de novos fármacos?
Em relação à cirurgia, muitas questões permanecem sem resposta e apenas poderão ser elucidadas com o desenvolvimento de estudos bem controlados e desenvolvidos no Brasil.
Há diferenças na morbimortalidade entre cirurgias de ressecção parcial e total de pulmão? Subsidiar com a literatura e estudos.
O regime de tratamento aos poucos muda no país, de auto-administrado para supervisionado. As conseqüências sobre a redução do abandono vem sendo divulgadas em vários Estados da federação. Foi proposto um estímulo financeiro para sua ampliação. Basta este estímulo ou há necessidade de outros como vale-transporte e cestas básicas?
PREVENÇÃO
Vacinação BCG-ID
À luz dos avanços atuais, com melhora do diagnóstico precoce e a ampliação da sobrevida dos portadores do HIV, deve ser mantida a orientação de vacinação BCG-ID para filhos de mães infectadas ao nascer ou retardar a vacina até definição se a criança está ou não infectada pelo vírus?
Desde o início da década de 80 que a vacinação BCG-ID vem sendo feita com altos graus de cobertura no país. Uma série de teses e estudos demonstram uma redução da morbimortalidade da TB na infância, com acentuada diminuição da meningoencefalite. Esta vacinação poderia influenciar na menor ocorrência de casos de TB extrapulmonar nas faixas etárias de 15 a 25 anos, como vem sendo observado especialmente na TB pleural?
A orientação de revacinação tal como está no Guia de Vigilância-2002 deve ser mantida ou o estudo desenvolvido no Brasil já produziu resultados suficientes para alterar a proposta? A revacinação seria seletiva?
A vacinação para os que ingressam nos serviços de saúde deve ser feita ou o controle deve ser realizado pela viragem tuberculínica e acompanhamento clínico radiológico, como propõem alguns grupos no país? Deveria a recomendação ser ampliada para outros profissionais de risco como funcionários de prisões, por exemplo?
Ratifica-se a vacinação para recém-nascidos filhos de mães soropositivas?
Quimioprofilaxia
A quimioprofilaxia para crianças continua como o estabelecido ou deve ser realizada para contatos intradomiciliares, independentemente da vacinação anterior?
Amplia-se a quimioprofilaxia para contatos íntimos e portadores de imagens radiológicas, reatores ao PPD, como propõem as I Diretrizes? Existem mudanças do modelo epidemiológico com incremento de reativação endógena de antigos infectados que sustentem uma nova orientação? O aumento da longevidade no país aumentaria o risco desta reativação endógena, com incremento da TB no idoso que suportaria indicações de quimioprofilaxia seletiva?
Considerando a ausência de respostas pela literatura e pela metanálise elaborada para estas Diretrizes: como proceder na quimioprofilaxia para contatos de TB comprovadamente resistente a H ou H+R? Quais seriam as alternativas?
Biossegurança
Discutir a necessidade de introduzir a biossegurança como norma técnica, elaborando Manual específico com linguagem acessível?
Na medida que se propõe uma série de medidas, inclusive administrativas, tais como uso de máscaras NIOSH N95, exaustores, filtros, outros instrumentos para proteção individual e coletiva, quem deveria provê-los?
Como recomendar medidas de proteção e prevenção para surtos de TB, em ambientes ditos fechados ou de populações institucionais especiais, como em casas de apoio, albergues, hospitais psiquiátricos, etc. Especialmente no sistema prisional, incluindo delegacias e hospitais penais.
O que propor para fortalecer o papel da ANVISA e do Ministério da Saúde no controle de qualidade dos medicamentos ora utilizados no país?
Pesquisas
Tendo em conta o considerável número de grupos e qualidade crescente das pesquisas desenvolvidas no Brasil, e a imperiosa necessidade de formular respostas para o controle da doença no país, que prioridades para investigação deveriam ser recomendadas por estas Diretrizes nos domínios do diagnóstico, da prevenção e do tratamento da tuberculose?
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Out 2004 -
Data do Fascículo
Jun 2004