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Epidemiologia da infecção pós-operatória em pacientes com mielomeningocele, tratados para correção de deformidades da coluna vertebral

Epidemiología de la infección postoperatoria en pacientes con mielomeningocele tratados de corrección de deformidades de la columna

Epidemiology of postoperative infection in patients with myelomeningocele, treated for the correction of spinal deformities

Resumos

OBJETIVO: As cirurgias de coluna realizadas em pacientes com mielomeningocele, apresentam maior risco de infecção pós-operatória. Fizemos um levantamento epidemiológico dessas infecções e fatores possivelmente associados para estabelecer fatores de risco. MÉTODOS: Levantamento retrospectivo de dados de cirurgias de coluna realizadas em pacientes com mielomeningocele, na Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD/Hospital Abreu Sodré. A comparação para possíveis fatores de risco avaliados foi feita através do teste exato de Fisher. Foram considerados significativos os resultados com p < 0,05. RESULTADOS: Avaliamos 27 procedimentos cirúrgicos com um total de sete casos de infecção pós-operatória do sítio cirúrgico (25,92%). Cinco destes pacientes com infecção do sítio cirúrgico apresentaram infecção concomitante do trato urinário (ITU), com p = 0,004. Não encontramos significância estatística para os demais fatores avaliados: via de acesso, tipo de procedimento e linfócitos séricos totais. CONCLUSÃO: a ITU está relacionada à infecção do sítio cirúrgico, mas é necessário um estudo prospectivo com maior número de casos para elucidar esse fator de risco com um possível fator de confusão: estado nutricional e imunológico.

Meningomielocele; Coluna vertebral; Complicações pós-operatórias; Infecção; Fatores de risco


OBJETIVO: Las cirugías de la columna vertebral realizadas en pacientes con mielomeningocele presentan mayor riesgo de infección posoperatoria. Hicimos un estudio epidemiológico de estas infecciones y posibles factores asociados, con el objetivo de establecer los factores de riesgo. MÉTODOS: Revisión retrospectiva de los datos de cirugías realizadas en la columna en pacientes con mielomeningocele, en el instituto Associação de Assistência à Criança [niño(a)] Deficiente-AACD/Hospital Abreu Sodré. La comparación de los posibles factores de riesgo evaluados, se realizó mediante la prueba exacta de Fisher. Se consideró significativa una p <0,05. RESULTADOS: Se analizaron 27 procedimientos quirúrgicos con un total de siete casos de infección posoperatoria de la herida quirúrgica (25,92%). Cinco de estos pacientes, con la infección del sitio quirúrgico, tuvieron una infección concomitante del tracto urinario (ITU) con p = 0,004. No hubo diferencias estadísticas significativas con los otros factores evaluados: vía de acceso, tipo de procedimiento y linfocitos totales del suero. CONCLUSIÓN: la infección urinaria se relaciona con la infección del sitio quirúrgico, pero necesitamos un estudio prospectivo, con más casos, para aclarar este factor de riesgo con un posible factor de confusión: el estado nutricional e inmunológico.

Meningomielocele; Columna vertebral; Complicaciones postoperatorias; Infección; Factores de riesgo


OBJECTIVE: The spinal surgeries performed in patients with myelomeningocele are at higher risk of postoperative infection. We made an epidemiological survey of these infections and factors possibly associated to establish risk factors. METHODS: A retrospective review of data from spinal surgeries performed in patients with myelomeningocele, in the Associação de Assistência à Criança Deficiente -AACD/Hospital Abreu Sodré. The comparison of possible risk factors evaluated was made by Fisher's exact test. Results were considered significant at p<0.05. RESULTS: We evaluated 27 surgical procedures with a total of 7 cases of postoperative surgical site infection (25.92%). Five of these patients with surgical site infection had concomitant urinary tract infection (UTI) with p=0.004. We found no statistical significance for the other factors evaluated: surgical approaches, type of procedure and total serum lymphocytes. CONCLUSION: UTI is related to surgical site infection, but we need a prospective study with more cases to clarify this risk factor with a possible confounding factor: the nutritional and immunologic status.

Meningomyelocele; Spine; Postoperative complications; Infection; Risk factors


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE ARTÍCULO ORIGINAL

Epidemiologia da infecção pós-operatória em pacientes com mielomeningocele, tratados para correção de deformidades da coluna vertebral

Epidemiology of postoperative infection in patients with myelomeningocele, treated for the correction of spinal deformities

Epidemiología de la infección postoperatoria en pacientes con mielomeningocele tratados de corrección de deformidades de la columna

Alexandre Philippe Boss JaccardI; Paulo Tadeu Maia CavaliII; Marcus Alexandre Mello SantosIII; Alexander Junqueira RossatoIII; Maurício Antonelli LehoczkiIII; Marcelo Italo Risso NetoIV; Ivan Guidolin VeigaIV; Wagner PasqualiniIV; Élcio LandimV; Cely Saad AbboudVI; Rosana Megiolaro BatistaVII

IEstagiário da Disciplina de Cirugia de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo/SP, Brasil

IIMédico Assistente da Disciplina de Cirugia de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP), Brasil

IIIMédico Assistente do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP), Brasil

IVMédico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

VProfessor e Chefe da Disciplina de Cirurgia da Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP e Chefe do Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD

VIMédica infectologista e Chefe do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP), Brasil

VIIEnfermeira do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Avenida Juscelino Kubitscheck, 3.383, 2º andar 86010-540, Centro, Londrina-PR. E-mail: a_jaccard@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: As cirurgias de coluna realizadas em pacientes com mielomeningocele, apresentam maior risco de infecção pós-operatória. Fizemos um levantamento epidemiológico dessas infecções e fatores possivelmente associados para estabelecer fatores de risco.

MÉTODOS: Levantamento retrospectivo de dados de cirurgias de coluna realizadas em pacientes com mielomeningocele, na Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD/Hospital Abreu Sodré. A comparação para possíveis fatores de risco avaliados foi feita através do teste exato de Fisher. Foram considerados significativos os resultados com p < 0,05.

RESULTADOS: Avaliamos 27 procedimentos cirúrgicos com um total de sete casos de infecção pós-operatória do sítio cirúrgico (25,92%). Cinco destes pacientes com infecção do sítio cirúrgico apresentaram infecção concomitante do trato urinário (ITU), com p = 0,004. Não encontramos significância estatística para os demais fatores avaliados: via de acesso, tipo de procedimento e linfócitos séricos totais.

CONCLUSÃO: a ITU está relacionada à infecção do sítio cirúrgico, mas é necessário um estudo prospectivo com maior número de casos para elucidar esse fator de risco com um possível fator de confusão: estado nutricional e imunológico.

Descritores: Meningomielocele/epidemiologia; Coluna vertebral; Complicações pós-operatórias; Infecção; Fatores de risco.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The spinal surgeries performed in patients with myelomeningocele are at higher risk of postoperative infection. We made an epidemiological survey of these infections and factors possibly associated to establish risk factors.

METHODS: A retrospective review of data from spinal surgeries performed in patients with myelomeningocele, in the Associação de Assistência à Criança Deficiente -AACD/Hospital Abreu Sodré. The comparison of possible risk factors evaluated was made by Fisher's exact test. Results were considered significant at p<0.05.

RESULTS: We evaluated 27 surgical procedures with a total of 7 cases of postoperative surgical site infection (25.92%). Five of these patients with surgical site infection had concomitant urinary tract infection (UTI) with p=0.004. We found no statistical significance for the other factors evaluated: surgical approaches, type of procedure and total serum lymphocytes.

CONCLUSION: UTI is related to surgical site infection, but we need a prospective study with more cases to clarify this risk factor with a possible confounding factor: the nutritional and immunologic status.

Keywords: Meningomyelocele/epidemiology; Spine; Postoperative complications; Infection; Risk factors.

RESUMEN

OBJETIVO: Las cirugías de la columna vertebral realizadas en pacientes con mielomeningocele presentan mayor riesgo de infección posoperatoria. Hicimos un estudio epidemiológico de estas infecciones y posibles factores asociados, con el objetivo de establecer los factores de riesgo.

MÉTODOS: Revisión retrospectiva de los datos de cirugías realizadas en la columna en pacientes con mielomeningocele, en el instituto Associação de Assistência à Criança [niño(a)] Deficiente-AACD/Hospital Abreu Sodré. La comparación de los posibles factores de riesgo evaluados, se realizó mediante la prueba exacta de Fisher. Se consideró significativa una p <0,05.

RESULTADOS: Se analizaron 27 procedimientos quirúrgicos con un total de siete casos de infección posoperatoria de la herida quirúrgica (25,92%). Cinco de estos pacientes, con la infección del sitio quirúrgico, tuvieron una infección concomitante del tracto urinario (ITU) con p = 0,004. No hubo diferencias estadísticas significativas con los otros factores evaluados: vía de acceso, tipo de procedimiento y linfocitos totales del suero.

CONCLUSIÓN: la infección urinaria se relaciona con la infección del sitio quirúrgico, pero necesitamos un estudio prospectivo, con más casos, para aclarar este factor de riesgo con un posible factor de confusión: el estado nutricional e inmunológico.

Descriptores: Meningomielocele/epidemiología; Columna vertebral; Complicaciones postoperatorias; Infección; Factores de riesgo.

INTRODUÇÃO

As causas de infecção pós-operatória em pacientes com mielomeningocele são multifatoriais, como em outras patologias. Entretanto, é documentado que no manejo cirúrgico de deformidades neuromusculares da coluna, mielomeningocele apresenta a maior taxa de complicações1-3, ocorrendo em porcentagem muito variável na literatura, dependendo dos critérios de avaliação. Benson et al.1 avaliaram 50 casos de artrodese da coluna por escoliose neuromuscular e encontraram uma taxa de infecção profunda de 23,07% em pacientes com mielomeningocele (3 em 13 pacientes). Dois desses pacientes foram submetidos a artrodese anteroposterior estagiada e um paciente a cifosectomia. Sponseller et al.2 relataram 16 casos de infecção da ferida operatória de pacientes com mielomeningocele, em 210 casos pós-operatórios para correção de escoliose neuromuscular, porém sem relatar o total de casos de mielomeningocele avaliados, nem especificar o tratamento cirúrgico realizado.

Há suporte na literatura de que a disfunção do trato urinário, presente em 90% dos pacientes com mielomeningocele4 com consequente colonização bacteriana e infecção do trato urinário, as condições debilitadas de pele e musculatura em torno do sítio cirúrgico1,4 e o estado nutricional deficiente5-7, são os principais fatores de risco que aumentam a incidência de infecção pós-operatória. Entretanto, Sponseller et al.2 relataram o uso de aloenxerto e graus mais severos de déficit cognitivo como fatores de risco, não encontrando valores estatisticamente significativos para os demais fatores avaliados: infecção prévia do trato urinário, estado nutricional, magnitude da curva escoliótica, cirurgia prévia, tipo de antibioticoterapia profilática e tempo entre a administração e a incisão, dupla via de acesso e volume de perda sanguínea. Um estudo de Modi et al.8 avaliou complicações cirúrgicas em 50 casos de escoliose neuromuscular tratados por via posterior somente (não havendo pacientes com mielomeningocele) e constatou 6% de complicações com a ferida operatória, sendo um caso de infecção profunda, um superficial e um caso de deiscência da ferida. Considerando os fatores de risco para complicações gerais, eles concordaram com Sponseller et al.2 que a magnitude da curva escoliótica não aumenta o risco de complicações porém, discordaram em outros fatores, relatando que o uso de aloenxerto não é fator e que a perda sanguínea maior que 3500ml é um fator de risco. Sanchez-Sotelo et al.3 avaliaram 30 casos de deformidades neuromusculares da coluna tratadas com a instrumentação tipo Cotrel-Dubousset. Participaram do estudo seis pacientes com mielomeningocele, sendo que 100% desenvolveu infecção profunda. Dias et al.9 realizaram um estudo na mesma instituição da presente pesquisa, avaliando o tratamento cirúrgico da cifose congênita na mielomeningocele com o uso da via posterior pela técnica de Dunn-McCarthy modificada. Eles avaliaram 12 pacientes e observaram uma taxa global de complicações de 46%, sendo 33% complicações com a ferida operatória: dois casos de infecção superficial, um caso de necrose da pele e um caso de infecção profunda. Na mesma instituição, Landim et al.10 avaliaram o uso da prótese expansível de titânio para costela (VEPTR) para tratamento da escoliose neuromuscular em 17 pacientes, dos quais 11 apresentavam mielomeningocele. A taxa global de complicações foi de 23,5% com infecção profunda em três pacientes (17,6%). Destes, dois pacientes necessitaram a remoção do implante e apresentavam mielomeningocele. O terceiro paciente não necessitou retirada do implante e foi submetido a retalho cirúrgico miofascial para cobertura da ferida.

O estudo tem como objetivo levantar dados da incidência de infecção, agentes etiológicos, tratamento realizado e o papel da infecção do trato urinário como fator de risco para infecção do sítio cirúrgico.

MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo se refere às cirurgias realizadas em 2009, nos pacientes com diagnóstico de mielomeningocele, pelo grupo de escoliose da AACD/Hospital Abreu Sodré, uma entidade privada, sem fins lucrativos. A instituição mantém um programa de controle de infecção hospitalar, com um Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) que realiza vigilância epidemiológica ativa das infecções hospitalares, de acordo com os critérios de notificação do "Center for Disease Control and Prevention" (CDCP)11:

Infecção do sítio cirúrgico (ISC)

1 - Superficial: infecção que ocorre dentro de 30 dias após o procedimento cirúrgico, envolve somente a pele e tecido subcutâneo da incisão e o paciente apresenta pelo menos um dos seguintes:

a - Secreção purulenta da incisão superficial

b - Organismo isolado de uma cultura obtida assepticamente de fluido ou tecido da incisão superficial

c - Pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas de infecção: dor ou hipersensibilidade, secreção localizada, eritema ou hiperemia e incisão superficial é aberta pelo cirurgião, a menos que a cultura da incisão seja negativa

d - Diagnóstico de infecção superficial do sítio cirúrgico pelo cirurgião ou médico atendente

2 - Profunda: infecção que ocorre dentro de 30 dias após o procedimento cirúrgico se nenhum implante foi deixado ou um ano se implante e a infecção aparenta estar relacionada ao procedimento e envolve tecidos moles profundos da incisão (fáscia e músculo) e o paciente apresenta pelo menos um dos seguintes:

a - Secreção purulenta da incisão profunda, mas não do componente órgão/espaço (vértebra, canal medular, cavidade torácica ou abdominal) do sítio cirúrgico

b - Uma incisão profunda com deiscência espontânea ou que é aberta pelo cirurgião quando o paciente apresenta pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas: febre (>38ºC), ou dor/hipersensibilidade localizada, a menos que a cultura da incisão seja negativa

c - Um abscesso ou outra evidência de infecção envolvendo a incisão profunda é encontrada por exame direto, durante reoperação, ou por exame histopatológico ou radiológico

d - Diagnóstico de infecção profunda do sítio cirúrgico pelo cirurgião ou médico atendente

3 - Órgão/espaço: infecção que envolve qualquer tecido aberto ou manipulado durante o procedimento cirúrgico, exceto pele, subcutâneo, fáscia e músculo, e deve atingir os seguintes critérios: ocorrer dentro de 30 dias após o procedimento cirúrgico se nenhum implante foi deixado ou um ano se implante e a infecção aparenta estar relacionada ao procedimento. O paciente apresenta pelo menos um dos seguintes:

a - Secreção purulenta de um dreno colocado através de uma "stab" ferida dentro do órgão/espaço

b - Organismo isolado de uma cultura obtida assepticamente de fluido ou tecido do órgão/espaço

c - Um abscesso ou outra evidência de infecção envolvendo o órgão/espaço que é encontrada por exame direto, durante reoperação, ou por exame histopatológico ou radiológico

d - Diagnóstico de infecção de órgão/espaço do sítio cirúrgico pelo cirurgião ou médico atendente

O estudo é retrospectivo, ocorrendo através da coleta de dados do SCIH, do arquivo do Grupo de Escoliose e por revisão sistemática dos prontuários de todas as cirurgias de coluna em pacientes com mielomeningocele, realizadas na AACD no ano de 2009. Avaliamos a via de acesso, o procedimento realizado, a contagem de linfócitos séricos e a infecção do trato urinário (ITU), como possíveis fatores de risco para infecção do sítio cirúrgico. Todos os pacientes foram submetidos a exame de urina no pré-operatório (ambulatorialmente até dez dias antes da internação) e eram internados com resultado de urocultura negativo. Na internação, foram submetidos a novo exame de urina. As cirurgias foram suspensas quando a leucocitúria encontrada era maior ou igual a 100.000/mm3, e os pacientes foram tratados ambulatorialmente para ITU, conforme resultado de urocultura e antibiograma, para posterior reagendamento cirúrgico. Os pacientes que apresentavam leucocitúria na internação entre 10 e 100.000/m3 e não tinham nenhum sinal clínico de infecção, eram liberados para cirurgia, considerando que muitos pacientes com mielomeningocele tem bacteriúria persistente sem ITU. O diagnóstico de ITU foi dado a todo paciente com urocultura positiva12,13. Neste estudo, consideramos apenas as ITUs diagnosticadas na internação referente ao procedimento avaliado, com resultado de urocultura posterior à cirurgia.

A instituição mantém um protocolo de profilaxia antibiótica que foi realizado em todos pacientes: cefuroxima 50mg/kg, via endovenosa, na indução anestésica e de 4/4 horas até o término da cirurgia. Após, o antibiótico é mantido de 8/8 horas, por 48 horas.

A análise estatística foi realizada através do teste exato de Fisher. Foram incluídos neste estudo, pacientes submetidos às seguintes cirurgias primárias: instalação de prótese vertical expansível de titânio para costela (Vertical Expandable Prosthetic Titanium Rib - VEPTR); artrodese via posterior associada à instrumentação com parafusos pediculares (VP), artrodese via anterior (VA) e cifosectomia mais artrodese com parafusos pediculares torácicos associados à fixação sacral, segundo a técnica de Dunn-McCarthy modificada (Cifosectomia). Os implantes utilizados foram da empresa Synthes (Synthes Spine Co®., West Chester, Pennsylvania, USA). Foram excluídos os procedimentos: distração de VEPTR, instalação de halo craniano, tração esquelética e reoperações pela mesma via de acesso (desbridamentos e retirada de material de síntese; falha de implante ou pseudartrose; segundo procedimento na mesma internação por interrupção de cirurgia devido a instabilidade clínica e fistulorrafia liquórica).

RESULTADOS

Foram avaliados 27 procedimentos em 25 pacientes: seis instalações de VEPTR, 11 artrodeses via posterior (VP), oito cifosectomias e dois artrodeses via anterior (VA). Treze pacientes eram do sexo feminino e 12 masculino, sendo a média de idade 11 anos (4 a 18 anos).

Encontramos sete casos de infecção nos 27 pacientes avaliados (25,92%). Seis casos de infecção profunda, um caso de infecção superficial e nenhum caso de infecção de órgão/espaço (Tabela 1).

Separando por cirurgia realizada, uma infecção ocorreu nos seis pacientes submetidos a instalação de VEPTR (16,66%), quatro em 11 das artrodeses via posterior (36,36%), duas em oito pacientes submetidos a cifosectomia (25%) e nenhuma em artrodese via anterior (Figura 1).


Dos sete pacientes com infecção: quatro pacientes tiveram isolados mais de um agente etiológico, sendo Staphylococcus aureus (S. aureus), Escherichia coli (E. coli), Enterococcus spp e Sataphylococcus plasma coagulase negativo (S. coag. neg.) os mais prevalentes. O tempo de incubação foi inferior ou igual a 15 dias em 71,43% dos casos. Nenhum desses pacientes apresentou contagem de linfócitos inferior a 1.500/mm3.

Sete pacientes foram submetidos a cirurgia e tiveram diagnóstico de ITU na internação, sendo que, cinco desenvolveram infecção do sítio cirúrgico. Porém, nenhum dos pacientes com infecção concomitante teve agente etiológico semelhante no trato urinário e no sítio cirúrgico (Tabela 2).

DISCUSSÃO

As cirurgias que apresentaram a maior taxa de infecção (VP e Cifosectomia) foram as realizadas por via posterior na linha média, que aborda a região da mielodisplasia, principal local da deficiência de tecidos. Para avaliar a via de acesso e procedimento realizado como fator de risco, comparamos as incidências nos diferentes tipos de procedimento, porém não houve resultado estatisticamente significativo [VA versus VP (p=0,461), VP versus Cifosectomia (p=0,494), VP versus VEPTR (p=0,395), VA versus Cifosectomia (p=0,622), VA versus VEPTR (p=0,75) e Cifosectomia versus VEPTR (p=0,615)].

Em consenso com a literatura, a infecção foi polimicrobiana na maioria dos casos, e ocorreu no pós-operatorio precoce. Os agentes etiológicos S. aureus, E. coli, Enterococcus spp e Sataphylococcus plasma coagulase negativo, tiveram a mesma incidência.

A avaliação do estado nutricional é fator importante a ser testado, quando estudamos infecção pós-operatória. Observamos que os critérios de avaliação diferem nos estudos, quando avaliam nível de albumina sérica e contagem de linfócitos totais2,5,7 ou hematócrito6 ou ainda, níveis de albumina, pré-albumina, linfócitos, transferrina e proteínas totais14. Nota-se que não há um consenso de avaliação "padrão-ouro". Assim, torna-se necessário a uniformização dos critérios de avaliação, com contagem sérica de linfócitos totais, albumina e hematócrito e, em nossa opinião, incluindo contagem de imunoglobulinas séricas. Assim, teremos parâmetros mais abrangentes de estado nutricional e imunológico, para serem usados nos próximos estudos. Apesar de aumentarem os custos imediatos, esses exames podem ter, a longo prazo, um bom custo-benefício se nortearem o manejo preventivo de infecção.

Aplicando-se o teste de Fisher, observamos que ITU é fator de risco para infecção do sítio cirúrgico (p=0,004). Novamente, consideramos apenas os casos de ITU na internação e não casos com histórico de infecção prévia, fato que talvez seja responsável pela discordância de alguns estudos1-3. Assim notamos que, em pacientes com mielomeningocele, devemos obter exame de urina mais próximo à data da cirurgia (até três dias antes), para que o procedimento seja liberado apenas com uma urocultura negativa no pré-operatório imediato.

É relevante o fato de a infecção concomitante do sítio cirúrgico e do trato urinário ocorrer, em todos os casos, por patógenos diferentes. Assim, não houve infecção cruzada ou contaminação direta da ferida cirúrgica pela urina contaminada do paciente. Isso nos remete à observação de que há um possível fator de confusão e, provavelmente, não seja a infecção específica do trato urinário o fator de risco e sim, um estado nutricional e/ou imunológico deficiente subjacente, o verdadeiro responsável pela propensão desses pacientes à infecção.

CONCLUSÃO

As cirurgias realizadas em pacientes com mielomeningocele, para correção de deformidades da coluna vertebral, apresentam alta taxa de infecções pós-operatórias. Essa incidência está relacionada à infecção do trato urinário e possivelmente, ao estado nutricional e imunológico, à via de acesso e tipo de procedimento. Porém, é necessário um estudo prospectivo com maior número de casos, utilizando ainda, uma avaliação uniformizada de estado nutricional e imunológico dos pacientes. Assim, será possível elucidar esses potenciais fatores de risco, com intuito de manejo preventivo, para diminuir a incidência e morbidade associadas à infecção pós-operatória.

Recebido em 26/09/2010, aceito em 10/09/2011.

Trabalho realizado no Grupo de Escoliose da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD/Hospital Abreu Sodré - São Paulo/SP, Brasil.

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  • Correspondência:

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    86010-540, Centro, Londrina-PR.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2010
    • Aceito
      10 Set 2011
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