RESUMO
Objetivo
Conhecer as situações de vulnerabilidades vivenciadas por crianças e adolescentes com câncer e suas implicações no direito à saúde.
Método
Estudo qualitativo, desenvolvido de 2017 a 2018, em dois hospitais de Santa Catarina. Foram entrevistados 11 familiares de crianças/adolescentes com câncer, doença crônica prevalente identificada nas internações de 2017. Realizou-se análise descritiva e temática ancorada no referencial da vulnerabilidade e dos direitos humanos.
Resultados
As situações de vulnerabilidades foram discutidas considerando as trajetórias na rede de atenção à saúde, os desafios frente à rotina de cuidado e as redes de apoio para o exercício do direito à saúde.
Considerações finais
Doenças crônicas como o câncer infanto-juvenil exigem respostas pontuais, resolutivas e efetivas pelo sistema de saúde com vistas a mitigar as situações de vulnerabilidades e promover os direitos à saúde.
Palavras-chave
Neoplasias; Vulnerabilidade em saúde; Defesa da criança e do adolescente; Assistência à saúde; Enfermagem pediátrica
ABSTRACT
Objective
To know situations of vulnerabilities experienced by children and adolescents with cancer and their implications on health rights.
Method
A qualitative study, developed from 2017 to 2018, in two Santa Catarina hospitals. The interviewees were 11 family members of children/adolescents with cancer, a prevalent chronic disease identified in hospitalizations in 2017. A descriptive and thematic analysis was carried out based on the vulnerability and human rights framework.
Results
Among the chronic diseases, cancer was prevalent. Vulnerability situations were discussed considering the trajectories in the health care network, the challenges facing the care routine and the support networks for the exercise of the right to health.
Final considerations
Chronic diseases such as cancer require timely, decisive and effective responses from the health system with a view to maintaining human rights.
Keywords
Neoplasms; Health vulnerability; Child advocacy; Delivery of health care; Pediatric nursing
RESUMEN
Objetivo
Conocer las situaciones de vulnerabilidad experimentadas por niños y adolescentes con cáncer y sus implicaciones para el derecho a la salud.
Método
Estudio cuantitativo, desarrollado de 2017 a 2018, en dos hospitales de Santa Catarina. Se entrevistó a 11 familiares de niños/adolescentes con cáncer. Se realizó un análisis descriptivo y temático basado en el marco de vulnerabilidad y derechos humanos.
Resultados
Entre las enfermedades crónicas, hubo prevalencia de cáncer. Se discutieron las situaciones de vulnerabilidad considerando las trayectorias en la red de atención de la salud, los desafíos en la rutina de atención y las redes de apoyo para el ejercicio del derecho a la salud.
Consideraciones finales
Las enfermedades crónicas como el cáncer requieren respuestas oportunas, decisivas y efectivas por parte del sistema de salud con miras a mantener los derechos humanos.
Palabras clave
Neoplasias; Vulnerabilidad en salud; Defensa del niño; Prestación de atención de salud; Enfermería pediátrica
INTRODUÇÃO
Estudos sobre Doenças Crônicas (DC) têm se intensificado nos últimos anos devido à sua propagação em distintas populações, evidenciando as DC como um problema de saúde pública11. Azevedo PRA, Sousa MM, Sousa NF, Oliveira SHS. Health education shares in the context of chronic diseases: integrative review. Rev Fund Care Online. 2018;10(1):260-7. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.260-267
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. Dentre as DC, destacam-se as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), sendo quatro as de maior prevalência: doenças cardiovasculares, neoplasias, respiratórias crônicas e diabetes mellitus22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 2019 Nov 18]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/pnaisc/
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. Na infância e adolescência, a incidência de DC está relacionada a fatores genéticos e comportamentais, tais como alimentação irregular e não saudável e falta de realização de atividade física33. Bezerra MRE, Lyra MJ, Santos MAM, Colares V, Menezes VA. Fatores de risco modificáveis para doenças crônicas nao transmissíveis em adolescentes: revisão integrativa. Adolesc Saude. 2018 [cited 2020 Mar 13];15(2):113-20. Available from: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=726#
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A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança em seu Eixo Estratégico IV - Atenção Integral às Crianças com Agravos Prevalentes na Infância e com Doenças Crônicas, também indica mudanças no perfil de morbimortalidade da população brasileira, evidenciada pela redução das doenças infectocontagiosas, aumento das DCNT e, mais recentemente, o aumento de casos de anomalias congênitas22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 2019 Nov 18]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/pnaisc/
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. Essas mudanças ocasionaram novas demandas para o sistema de saúde, que precisa se adequar para o atendimento às crianças e adolescentes com condições crônicas de saúde.
Dentre as DCNT que atingem crianças e adolescentes, destacam-se as neoplasias. No Brasil, dados do Sistema de Informação de Mortalidade no ano de 2014 revelaram que o câncer ocupou a oitava posição entre as causas de óbito em crianças de zero a quatro anos, sendo a principal causa de morte na faixa etária de cinco a 19 anos. Em 2016, representou a primeira causa de morte (8% do total) por doença entre crianças e adolescentes de um a 19 anos44. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (BR). Coordenação de Prevenção e Vigilância. Incidência, mortalidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited 2019 Dec 16]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//incidencia-mortalidade-morbidade-hospitalar-por-cancer.pdf
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. Globalmente, existem em torno de 300.000 casos diagnosticados por ano nessa população, demonstrando a carga substancial da doença, que afeta desproporcionalmente as populações em ambientes com recursos limitados55. GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Oncol 2019; 20(9):1211-25. doi:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(19)30339-0
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A ocorrência desse agravo interfere na dinâmica de vida da criança e do adolescente, desencadeando alterações na convivência familiar, decorrentes da busca do diagnóstico correto, da aceitação do problema de saúde, das modificações estruturais e comportamentais da família e, tratamento em longo prazo. Contudo, mesmo com o aumento da sobrecarga, a família continua sendo a principal rede de apoio da criança e/ou adolescente66. Vaz JC, Milbrath VM, Gabatz RIB, Krug FR, Hirschmann B, Oliveira MM. Care for families of children with chronic disease. Rev Enferm UFPE on line. 2018;12(5):1397-408. doi:https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i5a230852p1397-1408-2018
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Diante desse cenário, constituir estratégias de educação junto a essas famílias auxiliariam na melhoria do cotidiano de cuidado relacionado aos fatores de riscos, complicações e estilo de vida11. Azevedo PRA, Sousa MM, Sousa NF, Oliveira SHS. Health education shares in the context of chronic diseases: integrative review. Rev Fund Care Online. 2018;10(1):260-7. doi: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.260-267
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. Para isso, é necessário qualificar a rede de cuidados para atendimento e controle dessa DC por meio de um cuidado integral pautado no acolhimento humanizado, atendimento multiprofissional, articulação e flexibilidade dos serviços.
Nesta perspectiva, buscou-se o conceito de vulnerabilidade77. Ayres JR, Paiva V, França Jr I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: livro 1: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94. , ancorado no referencial de direitos humanos88. Gruskin S, Tarantola D. Um panorama sobre saúde e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: livro 1: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá ; 2012. p. 23-41. para auxiliar a refletir sobre as questões que envolvem crianças e adolescentes com câncer, inseridas no contexto das Redes de Atenção à Saúde (RAS), visando favorecer as discussões e elucubrar as questões que envolvem o acesso aos cuidados de saúde, agilidade no diagnóstico e acompanhamento em saúde.
O presente estudo foi realizado a partir da seguinte questão de pesquisa: quais situações de vulnerabilidades estão presentes no cotidiano de crianças e adolescentes com câncer? Assim, o estudo teve por objetivo conhecer as situações de vulnerabilidades vivenciadas por crianças e adolescentes com câncer e suas implicações no direito à saúde.
MÉTODO
Estudo qualitativo, desenvolvido em dois hospitais de uma cidade do Oeste de Santa Catarina, sendo um deles referência ao atendimento às crianças com câncer e o outro referência regional de atendimento ao público adulto, incluindo aqui o adolescente, tendo como participantes os familiares de crianças e adolescentes. Visando a caracterizar o perfil de amostra elegível ao estudo, primeiramente, foram investigadas, nos prontuários, as doenças crônicas prevalentes em crianças e adolescentes internadas em setores clínicos desses hospitais (excluindo as unidades de cuidado intensivo). Esse levantamento junto aos serviços de saúde, realizado de janeiro a setembro no ano de 2017, possibilitou identificar 20 crianças e 12 adolescentes com diagnóstico de DC.
A partir dessas informações, a condição crônica prevalente evidenciada foi o câncer (53,1%). De outubro de 2017 a março de 2018, os familiares das crianças e adolescentes com essa patologia foram contatados, após a alta hospitalar, e convidados por telefone a participar do estudo, sendo agendado o encontro de acordo com sua disponibilidade. A entrevista semiestruturada individual ocorreu no próprio hospital em local privativo, antecedida pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo familiar. Foram entrevistados 11 familiares, devido ao óbito de seis crianças, sendo este desfecho considerado critério de exclusão do estudo. As entrevistas duraram de 10 a 30 minutos, foram audiogravadas e, posteriormente, transcritas.
A análise das informações foi realizada a partir de análise temática99. Minayo CSM. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; 2013. ancorada no referencial dos direitos humanos88. Gruskin S, Tarantola D. Um panorama sobre saúde e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: livro 1: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá ; 2012. p. 23-41. e nas três dimensões da vulnerabilidade77. Ayres JR, Paiva V, França Jr I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: livro 1: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94. : individual - como intersubjetividade, se refere às informações que os indivíduos têm sobre o seu problema de saúde e à capacidade de agir de modo protetivo a seu favor, reconhecendo a pessoa como sujeito de direito; social - como contextos de interação, relacionado ao acesso às informações e à capacidade de intervir socialmente e politicamente para a obtenção de segurança e proteção; programático - como formas institucionalizadas de interação, isto é, relação com a oferta, acesso, funcionalidade e qualidade dos programas e serviços de saúde, análise quanto e como governos protegem e promovem o direito à saúde88. Gruskin S, Tarantola D. Um panorama sobre saúde e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: livro 1: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá ; 2012. p. 23-41. .
Foram respeitados os aspectos éticos previstos na Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos. A pesquisa foi aprovada por dois Comitês de Ética CAAE nº 54517016.6.3002.5530 e CAAE nº 54517016.6.3002.5530.
RESULTADOS
Participaram do estudo 11 familiares de crianças e adolescentes com diagnóstico de câncer (Leucemia, Meduloblastoma, Carcinoma neuroendócrino, Tumor ósseo, Neoplasia maligna da região sacra e coccígea, Linfoma de Hodking). As idades variaram de seis a 17 anos. Destes familiares, a mãe apresentou-se como a principal cuidadora.
Ao olhar para os dados sob a ótica da vulnerabilidade e dos direitos humanos elaborou-se duas categorias temáticas: Situações de vulnerabilidades na descoberta da doença: peregrinação na rede de atenção à saúde e os desafios em relação à rotina de cuidados: redes de apoio para o exercício do direito à saúde.
Situações de vulnerabilidades na descoberta da doença: trajetória na rede de atenção à saúde
As situações de vulnerabilidades e suas implicações nos direitos humanos estiveram presentes nas falas dos familiares ao relembrarem os primeiros sinais e sintomas antes da descoberta da doença. Nesse sentido, fizeram menção à utilização de diferentes pontos da RAS, iniciando, em sua maioria, na Atenção Primária a Saúde (APS), mas o diagnóstico e a continuidade do cuidado ocorreram no nível secundário e/ou terciário.
Nós estávamos pesquisando há um tempo, por causa da dor de cabeça dele muito forte diária e foi encaminhado pra ver se era alguma coisa de visão e foi indo, até que ele foi perdendo o movimento das pernas, daí [...] mandaram [...] pra consultar uma neurologista e fazer uma ressonância, aí que foi descoberto o tumor [Meduloblastoma]. [...] Foi direto no hospital, posto de saúde eles só vão levando. (F2)
Ela tinha sono, dormia bastante e dor nas costas. [...] No começo foi no posto de saúde, depois ela foi consultar no oftalmologista, lá foi descoberta a doença [Leucemia linfoblástica aguda], o médico pediu uma tomografia, e já encaminhou pra fazer a primeira cirurgia na cabeça. (F4)
As situações de vulnerabilidades programáticas ficaram evidentes diante da peregrinação dos envolvidos no cuidado da criança e adolescente devido às dificuldades encontradas nos serviços de saúde e à demora na realização do diagnóstico. Os familiares enfatizaram a necessidade de haver maior agilidade no atendimento na APS, referindo-se ao diagnóstico e encaminhamento para profissionais especialistas e/ou outros pontos da RAS, situação essa que possibilita um melhor prognóstico futuro.
[...] os médicos diagnosticavam que era coluna, porque ela tinha dor nas costas. [...] Depois de um ano e meio, tratando pra coluna, escoliose, começou a dor descer pra barriga. [...] Até que um dia começou a estourar espinhas no rosto, levei numa dermatologista que disse que [...] era problema hormonal. A ginecologista que percebeu que no ovário ela tinha uma coisinha errada. Isso foi numa quinta-feira. Quando foi no domingo ela começou a convulsionar [...]. (F3)
Fomos no posto de saúde [...] Ela tinha bastante dor na perna e caminhava mancando [...] Eu levei ela umas três, quatro vezes, com a mesma dor, o médico dizia que era fase de crescimento, que ela estava crescendo e os ossos doíam. Por último, começou a dar febre nela e ele disse que era apendicite, encaminhou pra fazer a cirurgia, fizeram ultrassom e viram que não era [...] foi de uns três a quatro meses. (F7)
Ele estava se tratando no postinho [...] ele tinha uma dor na garganta, não comia mais, estava emagrecendo, perdendo peso daí levei pra fazer os exames [...] acharam que era a tireoide, só que ele estava com as plaquetas baixas, a imunidade baixa, e o médico não enxergou [...] Aí ele começou a piorar e a gente começou a procurar médicos particulares [especialistas] [...] foi aonde ele que descobriu a doença. (F10)
Precisa de agilidade [...] pra fazer o diagnóstico certo, então o quanto antes conseguir, com certeza melhor o resultado do tratamento. E também que precisa de muita persistência. (F11)
Desafios em relação à rotina de cuidados: redes de apoio para o exercício do direito à saúde
As situações de vulnerabilidades, especialmente individuais e sociais, foram identificadas nas dificuldades vivenciadas pelos familiares no decorrer de todo o período do tratamento, especialmente pelo fato de terem que ficar no hospital, muitas vezes, distante de suas residências, afastando-os do lar e de outros filhos menores por um longo período. Contudo, ressaltaram que as redes de apoio disponíveis, como casas de apoio, foram essenciais para que pudessem acompanhar e manter-se perto da criança e/ou adolescente durante o tratamento, contribuindo para o exercício do direito à saúde.
A maior dificuldade nossa é ficar aqui [...] Só no hospital, direto. (F1)
Foi complicado [...] eu tenho um neném pequeno também e foi bem difícil no começo. [...] dificuldade foi transporte pra fisioterapia dele [...], até hoje não consegui. (F2)
A gente tinha que tá indo e vindo [...] Até de local de ficar, porque a gente não sabia de casa de apoio, não sabia nada, tudo novo, não tinha conhecimento, daí a gente tinha que pagar pousada pra ficar. (F6)
Eu tive que parar de trabalhar e cuidar dela, acompanhar ela. [...] A gente praticamente agora vive de favor [...] como ela é uma menina e eu sou um homem às vezes tem lugar que fica meio aquele impasse [...] tem que entrar no banheiro de mulher. Mas o resto, a gente encara, dá pra se virar. (F8)
Os familiares declararam que as crianças e adolescentes precisaram se afastar da escola devido às internações hospitalares e à sua condição de saúde. Tal situação foi contornada com a contratação de um professor para ir até o domicílio, para que não perdessem o ano letivo.
Graças a Deus, eu consegui uma professora em casa, aí ela já está acompanhando ele desde o ano passado. [...] Ele não pode parar [de estudar]. (F2)
Como ele não pode ir na aula, o estado contratou uma professora particular pra ele, que vai em casa. (F10)
Ela tinha um professor domiciliar, que vinha todo dia lá em casa. Isso eu achei muito bom, mas é pelo estado. [...] Ela conseguiu acompanhar, passaram os conteúdos pra ela, depois ela começou a ir de novo na escola. (F11)
Em meio às dificuldades, as famílias revelaram o apoio recebido dos vizinhos, familiares e amigos. Essa ajuda efetivou-se no apoio moral, nas atividades do cotidiano e na questão financeira que impactaram na vida da família.
Em geral todo mundo ajuda. Vizinho, amigo, não faltou. [...] A gente fica até assim emocionada, de tantas pessoas que vieram e ajudaram. Tanto aqui [hospital] também, um apoio total. (F3)
A gente tem o carro da saúde lá, buscando só ela, nesse ponto eu não posso me queixar que eu tive dificuldade, [...] eles dão os remédios pra ela, se não tem pelo SUS a prefeitura paga. (F5)
A família quando precisar ficar aqui, eles vêm e ficam. [...] tivemos ajuda do prefeito da cidade. Com a saúde, com o transporte e com dinheiro também eles ajudavam. Casa pra nós ficar, casa de apoio, tudo. [...] [as muletas] são emprestadas. O andador tivemos que comprar. (F7)
A família deu bastante apoio, os vizinhos, os amigos dela. Ajuda moral, suporte. (F9)
As pessoas do hospital, os enfermeiros, aconselhando, ensinando, ajudando [...] porque eles sabiam o que a gente estava passando. (F10)
DISCUSSÃO
O estudo revelou que o câncer prevaleceu entre as doenças crônicas, demostrando um cenário de dificuldades experienciadas pelos familiares de crianças e adolescentes acometidos por essa enfermidade. A leucemia, seguida pelo câncer que atinge o sistema nervoso central e o sistema linfático foram os tipos que mais acometeram as crianças e/ou adolescentes. Estudo44. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (BR). Coordenação de Prevenção e Vigilância. Incidência, mortalidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited 2019 Dec 16]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//incidencia-mortalidade-morbidade-hospitalar-por-cancer.pdf
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indica que 80% das crianças e adolescentes acometidos por algum tipo de câncer podem ser curados se diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados, com boa qualidade de vida após o tratamento adequado.
No que se refere à descoberta da doença, nos relatos dos familiares, ficaram evidentes a angústia e o sofrimento pela demora no diagnóstico. A vulnerabilidade programática apresenta-se quando os mesmos se queixaram das condutas errôneas dos profissionais de saúde e da falta de agilidade dos serviços, especialmente, no âmbito da APS perante o quadro clínico que apresentava a criança e/ou adolescente. Referiram entender que, quanto antes houver confirmação do diagnóstico, o tratamento terá melhor eficácia, no entanto, os dados revelaram a dificuldade e o longo período de espera que, na maioria dos casos, resultou na necessidade de acessar outros pontos da RAS, especialmente, o âmbito dos serviços especializados para a obtenção de um cuidado resolutivo e qualificado.
O câncer no público infanto-juvenil apresenta-se, geralmente, com sintomas inespecíficos, o que acarreta no retardo do diagnóstico e no início tardio do tratamento, desse modo, os serviços de saúde precisam ser qualificados com estratégias que contemplem ações de vigilância e prevenção dessa patologia baseadas em diretrizes e evidências científicas1010. Michel G, Mulder RL, Pal HJHV, Skinner R, Bárdi E, Brown MC, et al. Evidence-based recommendations for the organization of long-term follow-up care for childhood and adolescent cancer survivors: a report from the PanCareSurFup Guidelines Working Group. J Cancer Surviv. 2019 Oct;13(5):759-72. doi: https://doi.org/10.1007/s11764-019-00795-5
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Infelizmente, muitos pacientes ainda são encaminhados aos centros de tratamento com a doença em estágio avançado. Neste sentido, é importante a detecção precoce da doença, melhorando as chances de cura, a sobrevida e a qualidade de vida do paciente/família55. GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Oncol 2019; 20(9):1211-25. doi:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(19)30339-0
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. Dessa forma, os profissionais de saúde têm papel essencial na suspeita diagnóstica do câncer, sendo fundamental que os familiares realizem as consultas pediátricas regulares com seus filhos, visando à identificação precoce da doença, bem como o encaminhamento para os centros oncológicos de referência44. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (BR). Coordenação de Prevenção e Vigilância. Incidência, mortalidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited 2019 Dec 16]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//incidencia-mortalidade-morbidade-hospitalar-por-cancer.pdf
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Contudo, há, em algumas situações, pouco preparo dos profissionais de saúde em identificar e investigar mais profundamente os sinais e sintomas que a criança apresenta, situação que conduz as famílias a longas peregrinações pelos diversos serviços de saúde até a obtenção de um diagnóstico preciso. Nesse contexto, o enfermeiro é compreendido como um profissional que pode contribuir significativamente para o diagnóstico precoce do câncer infantil1111. Lima BC, Silva LF, Góes FGB, Ribeiro MTS, Alves LL. The therapeutic pathway of families of children with cancer: difficulties faced in this journey. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180004. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180004
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Pelo exposto, constataram-se fragilidades nos serviços de saúde e a importância da inserção de programas de educação permanente aos profissionais de saúde na perspectiva de qualificar com conhecimentos e tecnologias para o diagnóstico e tratamento precoce de doenças crônicas, visto que é fundamental para o prognóstico de cura55. GBD 2017 Childhood Cancer Collaborators. The global burden of childhood and adolescent cancer in 2017: an analysis of the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet Oncol 2019; 20(9):1211-25. doi:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(19)30339-0
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. Sendo assim, são necessários recursos materiais, humanos e ações dos serviços de saúde para que promovam um cuidado integral e pautado em uma clínica efetiva e atual. É imprescindível que os profissionais de saúde, entre eles, os enfermeiros que atuam nas classificações de risco das emergências e na APS, conheçam os sinais e sintomas do câncer infantil e utilizem os recursos que o sistema de saúde dispõe na RAS, assim como reconhecer a criança e o adolescente em sua totalidade1111. Lima BC, Silva LF, Góes FGB, Ribeiro MTS, Alves LL. The therapeutic pathway of families of children with cancer: difficulties faced in this journey. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e20180004. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.20180004
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Frente a essas questões, identificaram-se situações de vulnerabilidades programáticas, uma vez que essas famílias passaram por dificuldades para obter o diagnóstico. A oferta dos serviços de diagnóstico, o acesso a eles e à sua funcionalidade aparentaram ter limitações, considerando que houve familiares que optaram por acessar a rede privada, tomando decisões próprias na busca de solucionar o problema de saúde de seus filhos. Esta situação denota, ainda, falhas na atribuição da APS em atuar como coordenadora do cuidado à saúde dos usuários adscritos1212. Cecilio LCO, Reis AAC. Notes on persistent challenges for basic health care in Brazil. Cad Saúde Pública. 2018;34(8):e00056917. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00056917
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. Além disso, para acionar com efetividade os sistemas de transferência do paciente entre os pontos da RAS, estudo44. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (BR). Coordenação de Prevenção e Vigilância. Incidência, mortalidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited 2019 Dec 16]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//incidencia-mortalidade-morbidade-hospitalar-por-cancer.pdf
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recomenda que existam fluxos de atendimento definidos com o intuito de agilizar o diagnóstico de doenças crônicas, como o câncer.
As condições crônicas exigem um desenho do Sistema Único de Saúde (SUS), ordenado, integrado em rede e focado no usuário. O modelo a ser consolidado é o de uma APS forte e qualificada, que opere como ordenadora da rede, complementada por uma atenção especializada ambulatorial e hospitalar que garanta um cuidado à saúde com qualidade para as crianças, adolescentes e suas famílias1313. Souza RR, Vieira MG, Lima Junior CJF. The integral child health care network in the Federal District - Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(6):2075-84. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018246.09512019
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Nesse modelo, entende-se que a acessibilidade, o cuidado contínuo, as relações de confiança entre usuários e profissionais de saúde, a identificação dos problemas que envolvem o processo de saúde/doença e a garantia da resolutividade precoce são fundamentais para o cuidado à criança e/ou adolescente com câncer. Em outras palavras, infere-se que, para atender os direitos das crianças e adolescentes, em termos de saúde, previstos no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), é necessário que essas demandas sejam colocadas em prática de modo integralizado e efetivo1414. Presidência da República (BR). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF; 2019 [cited 2020 Mar 16]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/mmfdh/eca_atualizado_mmfdh_2019.pdf
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Nessa perspectiva, reflexões sobre como se articulam as trajetórias das situações de vulnerabilidades, individual, social e programática, e a sua interlocução com os direitos humanos tem sido empreendidas. Essas dimensões da vulnerabilidade são compreendidas como suscetibilidade ao adoecimento a que a pessoa está exposta, e de modo conexo, a disponibilidade de recursos diversos para a proteção de sua saúde. Dessa forma, os direitos humanos agregam no sentido de garantir que as pessoas possam acionar o Estado quando algum direito não estiver sendo protegido ou promovido, tornando-as menos vulneráveis ao adoecimento1515. Castellanos MEP, Baptista TWF, Ayres JR. Entrevista com José Ricardo Ayres. Saúde Soc. 2018;27(1):51-60. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902018000002
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Ressalta-se que faz parte da condição humana ser vulnerável, pelo fato da pessoa estar viva e sujeita às incertezas dessa condição1515. Castellanos MEP, Baptista TWF, Ayres JR. Entrevista com José Ricardo Ayres. Saúde Soc. 2018;27(1):51-60. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902018000002
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. Contudo, é imperativo que uma pessoa se torne menos vulnerável quando conhece seus direitos e é capaz de interpretar criticamente contextos que podem colocá-la em situações de desproteção e desvantagens. Do mesmo modo, o inverso é verdadeiro, as situações de vulnerabilidade podem se intensificar se ela não é capaz de interpretar esse contexto e agir sobre ele de modo crítico1010. Michel G, Mulder RL, Pal HJHV, Skinner R, Bárdi E, Brown MC, et al. Evidence-based recommendations for the organization of long-term follow-up care for childhood and adolescent cancer survivors: a report from the PanCareSurFup Guidelines Working Group. J Cancer Surviv. 2019 Oct;13(5):759-72. doi: https://doi.org/10.1007/s11764-019-00795-5
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A infância e a adolescência são fases do desenvolvimento humano demarcadas por normas e princípios civis e políticos que visam a atentar à concepção de uma pessoa de direito ao exercício da cidadania. O direito fundamental à saúde constitui um direito social implementado mediante políticas públicas. As vivências e experiências relatadas pelos familiares nesse estudo remetem à necessidade de debater sobre os direitos das crianças e dos adolescentes conforme institui o ECA1414. Presidência da República (BR). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF; 2019 [cited 2020 Mar 16]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/mmfdh/eca_atualizado_mmfdh_2019.pdf
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. Em seu Art. 11 apresenta que o acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente deve ser assegurado por intermédio do SUS, observando o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. O ECA é um instrumento que propicia transformação nos determinantes do processo saúde-doença-cuidado na infância e adolescência. Por meio desse documento legal, os diferentes segmentos sociais, educacionais, políticos e econômicos podem construir e conduzir ações voltadas a esse público1414. Presidência da República (BR). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF; 2019 [cited 2020 Mar 16]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/mmfdh/eca_atualizado_mmfdh_2019.pdf
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Há lacunas na efetivação de leis, programas e políticas nacionais para o público infanto-juvenil que assegurem a proteção e prevenção de agravos na saúde1616. Santos NMFG, Santos JN, Santos DCS, Gonçalves CFG, Sá AKL, Oliveira RV, et al. Defesa dos direitos da criança e adolescente: Vulnerabilidade na aplicação das políticas públicas na saúde. Braz Appl Sci Rev. 2019;3(6):2443-56. doi: https://doi.org/10.34115/basrv3n6-012
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. No âmbito dos serviços de saúde, é importante despender esforços no fortalecimento da APS, sobretudo, na Estratégia da Saúde da Família (ESF), que privilegia o cuidado integral e mais próximo da comunidade. A APS precisa ser uma coadjuvante efetiva e resolutiva na aplicabilidade dos direitos à saúde da criança e do adolescente com vistas à consolidação do ECA1414. Presidência da República (BR). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF; 2019 [cited 2020 Mar 16]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/mmfdh/eca_atualizado_mmfdh_2019.pdf
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Com a instalação da doença, transcorrem modificações e rearranjos na estrutura familiar, na escola e nas questões financeiras, uma vez que, forçadamente, alguns familiares precisaram se afastar do trabalho e afazeres para acompanhar o filho durante o diagnóstico e tratamento da doença crônica. Considerando essa situação, salienta-se que algumas categorias profissionais possuem garantia por lei de acompanhar os filhos doentes ainda que por tempo limitado, enquanto outras não possuem qualquer garantia de manutenção de seus empregos ou de sua renda durante o período de tratamento dos filhos, o que se destaca como um limite importante da atual política de proteção social brasileira1717. Huesca IM, Vargas EP, Cruz MM. Brazilian social protection and demands of children and adolescent cancer treatment. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(11):3965-78. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.26932016
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Assim, os desafios em relação às rotinas de cuidados e a necessidade de conhecimento das redes de apoio disponíveis permitem reconhecer a presença de situações de vulnerabilidades sociais e programáticas, as quais podem repercutir no exercício do direito à saúde. Dentre as redes de apoio, destaca-se a ajuda recebida dos vizinhos e amigos. Estudo1818. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
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enfatiza que eles são importantes, contudo, os familiares são indispensáveis no cuidado, sendo as mães as principais integrantes dessa rede de apoio social à criança e ao adolescente com doença crônica. Os dados encontrados no presente estudo corroboram essa afirmação, pois a mãe apresentou-se como principal cuidadora, no entanto, sua rotina familiar, social e de trabalho foi modificada provocando alterações nas questões socioeconômicas, tendo em vista que a maioria delas precisou se desligar do trabalho, configurando uma vulnerabilidade social da família.
Retomando o papel do Estado Brasileiro de dar concretude à promoção e à proteção da saúde, foram instituídas políticas públicas na área da atenção ao câncer, devido à alta gravidade e letalidade da doença e ao aumento de incidência na população1919. Geraldino Filho G, Fermentão CAGR. A efetividade do programa nacional de apoio à atenção oncológica (PRONON) na materialização do direito fundamental à saúde e do princípio da dignidade humana. Rev Dir Soc Pol Públ (UNIFAFIBE). 2019 [cited 2019 Dec 16];7(1):201-26. Available from: http://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/449/pdf
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, como a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas. Apesar disso, ainda há demanda por políticas públicas mais abrangentes e com critérios menos inflexíveis, que possibilitem as condições necessárias para que o tratamento e o cuidado sejam exercidos, como legislações que garantam o transporte para deslocamento do paciente de seu domicílio até a unidade de saúde, a manutenção da rotina do Tratamento Fora de Domicílio e a gratuidade no transporte público, uma vez que esses se constituem como importantes mecanismos de garantia do tratamento oncológico1717. Huesca IM, Vargas EP, Cruz MM. Brazilian social protection and demands of children and adolescent cancer treatment. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(11):3965-78. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.26932016
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Outro ponto a ser discutido é que muitas famílias recebem benefícios governamentais que estão diretamente relacionados à frequência escolar, que pode ficar comprometida devido ao tratamento oncológico prolongado1717. Huesca IM, Vargas EP, Cruz MM. Brazilian social protection and demands of children and adolescent cancer treatment. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(11):3965-78. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.26932016
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. Apesar disso, ressalta-se que há um caminho a percorrer para o cumprimento dos direitos dos estudantes em situações complexas de saúde, principalmente para evitar prejuízos em seu processo de escolarização, pois o atendimento educacional acaba não sendo ofertado como previsto e garantido por lei, seja a domicílio ou à nível hospitalar2020. Pedrino MC, Lourenço GF. Atendimento educacional de crianças e adolescentes em condições complexas de saúde: uma revosão sistemática. Rev Educ Espec. 2019;32:e117. doi: https://doi.org/10.5902/1984686X37493
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Reitera-se a importância de diretrizes na área da educação e também na saúde que regulem e operacionalizem a organização desse serviço, como uma forma de garantir a continuidade do processo de escolarização por meio das ações colaborativas mediadas pela família, pelos professores e pelos profissionais de saúde, em uma relação articulada e consistente, de construção coletiva e de cuidado integral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo trouxe reflexões e subsídios sobre as situações de vulnerabilidades e os direitos humanos no contexto das doenças crônicas, sobretudo no universo oncológico infanto-juvenil, corroborando para a constituição de ações e movimentos que precisam ser incorporadas pelos gestores e profissionais de saúde para que possam implantar e implementar as ações previstas pela Rede de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas.
Revelou que o câncer na infância e adolescência traz demandas específicas assistenciais, exigindo respostas oportunas pelo sistema de saúde, muitas ainda não implantadas de modo efetivo. Esse desafio amplia-se com a associação das desigualdades econômicas, educacionais e sociais que ainda persistem e que precisam ser enfrentadas no país.
Dentre as dimensões das vulnerabilidades, houve destaque para as vulnerabilidades programáticas, tendo em vista a peregrinação das famílias na rede de atenção à saúde, desde o início dos primeiros sintomas ao diagnóstico final. Essa situação revelou o pouco preparo dos serviços de saúde, sobretudo na APS, que, por vezes, não oferta uma abordagem adequada e integrada à promoção da saúde e prevenção de agravos uma vez que, a descoberta da doença ocorreu, na maioria dos casos, em nível especializado e terciário, fato que leva essas famílias a não terem um ponto de referência na APS para serem acompanhadas.
Tal situação, além de gerar impactos financeiros para o sistema, dificulta a formação de vínculo entre o serviço de saúde e o usuário, revelando a não garantia dos seus direitos previstos em Leis e nas políticas públicas nacionais. Contudo, foram identificadas na dimensão das vulnerabilidades programáticas algumas redes de apoio, advindas do meio familiar, social, do hospital e do poder público municipal que entram em cena e auxiliam na rotina de cuidados e na manutenção do acompanhamento em saúde e escolar.
Entende-se como urgente a necessidade de que esforços precisam ser somados continuamente para superar os desafios acerca dos direitos à saúde integral de crianças e adolescentes, especialmente no âmbito da APS, com vistas a desenvolver capacitações aos profissionais de saúde para que possam promover intervenções concretas e efetivas direcionadas a promoção e prevenção em saúde da população infanto juvenil. Além disso, procurar ainda articular movimentos com outros segmentos sociais, especialmente a escola, para que esses também possam ser promotores da saúde e coadjuvantes no cuidado às crianças e adolescentes.
Recomendam-se outros olhares que poderão explorar aspectos ainda incipientes nas investigações, como as dificuldades que os profissionais de saúde possuem frente ao diagnóstico precoce do câncer, ou mesmo como realizam o acompanhamento na APS de crianças e adolescentes que convivem com câncer.
Destaca-se como principal limitação desse estudo a dificuldade de acessar as crianças com doenças crônicas na APS, limitando-se ao âmbito hospitalar, devido ao acompanhamento dos serviços de saúde de modo fragmentado.
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Financiamento
Projeto de pesquisa financiado pela Chamada FAPERGS/MS/CNPq/SESRS n. 03/2017 - PPSUS.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
28 Maio 2020 -
Aceito
16 Out 2020