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Trajetórias de enfermeiras obstetras no atendimento ao parto domiciliar planejado: história oral

RESUMO

Objetivo:

Descrever a trajetória da inserção de enfermeiras obstetras no atendimento ao parto domiciliar planejado no Rio Grande do Sul.

Método:

Estudo exploratório, qualitativo, com aplicação da história oral temática. Participaram treze enfermeiras obstetras que atuavam no parto domiciliar planejado no estado. Os dados foram coletados de dezembro/2019 a março/2020, por meio de entrevistas, e analisados com base na análise temática de conteúdo.

Resultados:

Emergiram duas categorias: 1) Experiências pessoais, formativas e profissionais que impulsionaram as enfermeiras obstetras a ingressarem no parto domiciliar planejado; e 2) A busca por autonomia, liberdade, protagonismo e respeito na atenção ao parto e nascimento como propulsores para a inserção das enfermeiras obstetras no parto domiciliar planejado.

Conclusão:

As experiências pessoais, formativas e profissionais e o descontentamento com a atenção obstétrica hospitalar no estado, considerada intervencionista e centrada no médico, foram propulsores para as enfermeiras obstetras inserirem-se no parto domiciliar planejado.

Palavras-chave:
Enfermagem; Obstetrícia; Parto domiciliar

ABSTRACT

Objective:

To describe the trajectory of the insertion of obstetric nurses in the care of planned home childbirth in Rio Grande do Sul.

Method:

An exploratory and qualitative study, with application of thematic oral history. Thirteen obstetric nurses who worked in planned home childbirth in the state participated in the study. Data was collected from December 2019 to March 2020 through interviews and analyzed based on a thematic content analysis.

Results:

Two categories emerged: 1) Personal, training and professional experiences that encouraged obstetric nurses to enter planned home childbirth; and 2) The search for autonomy, freedom, protagonism and respect in the care of delivery and birth as stimuli for the insertion of obstetric nurses in the planned home childbirth.

Conclusion:

Personal, training and professional experiences and dissatisfaction with hospital obstetric care in the state, considered interventionist and physician-centered, encouraged obstetric nurses to enter planned home childbirth.

Keywords:
Nursing; Obstetrics; Home childbirth

RESUMEN

Objetivo:

Describir la trayectoria de la inserción de enfermeras obstétricas en el cuidado del parto domiciliario planificado en Rio Grande do Sul.

Método:

Estudio exploratorio y cualitativo, con aplicación de historia oral temática. Trece enfermeras obstétricas que trabajaron en el parto domiciliario planificado en el estado participaron en el estudio. Los datos se recopilaron entre diciembre de 2019 y marzo de 2020, a través de entrevistas, y se analizaron sobre la base del análisis de contenido temático.

Resultados:

Surgieron dos categorías: 1) Experiencias personales, formativas y profesionales que alentaron a las enfermeras obstétricas a entrar en el parto domiciliario planificado; y 2) La búsqueda de la autonomía, la libertad, el protagonismo y el respeto en el cuidado del parto y el nacimiento como propulsores para la inserción de enfermeras obstétricas en el parto domiciliario planificado.

Conclusión:

Experiencias personales, formativas y profesionales y descontento con la atención obstétrica hospitalaria en el estado, considerada intervencionista y centrada en el médico, impulsaron la entrada de las enfermeras obstétricas en el parto domiciliario planificado.

Palabras clave:
Enfermería; Obstetricia; Parto domiciliario

INTRODUÇÃO

O panorama dos nascimentos no Brasil revela a predominância da ocorrência destes no âmbito hospitalar e a crescente utilização da cirurgia cesariana. Dados recentes do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) mostram que, em 2018, 98% dos nascimentos aconteceram em hospitais, e somente 0,6%, no domicílio, sendo 55,9% por meio de cesárea11. Ministério da Saúde (BR). Nascidos vivos - Rio Grande do Sul. Brasília, DF: Datasus; 2018 [cited 2020 May 15]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvrs.def
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. Tais indicadores mostram o quanto o paradigma tecnocrático, o qual lança mão do uso de alta tecnologia nos processos assistenciais e trata o corpo e mente de forma fragmentada22. Davis-Floyd R. The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of childbirth. Int J Gynaecol Obstet. 2001;75 Suppl1:S5-S23. doi: https://doi.org/10.1016/S0020-7292(01)00510-0
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, é predominante na obstetrícia brasileira.

Na contramão deste cenário, enfermeiras (os) obstetras (EO) têm se empenhado a atender ao processo parturitivo no domicílio, de forma planejada. Essa categoria profissional tem como atribuições prestar assistência ao parto normal de evolução fisiológica e ao neonato; e promover um modelo assistencial, centrado na mulher, bem como ambiência favorável ao parto eutócico, conforme consta na Resolução nº 516/2016 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen)33. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Resolução COFEN nº 516/2016. Normatiza a atuação e a responsabilidade do Enfermeiro, Enfermeiro Obstetra e Obstetriz na assistência às gestantes, parturientes, puérperas e recém-nascidos nos Serviços de Obstetrícia, Centros de Parto Normal e/ou Casas de Parto e outros locais onde ocorra essa assistência e estabelece critérios para registro de títulos de Enfermeiro Obstetra e Obstetriz no âmbito do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem. Brasília: COFEN; 2016 [cited 2020 Jun 21]. Available from: Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-05162016_41989.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
.

As (os) enfermeiras (os) obstetras comumente oferecem o parto domiciliar planejado na modalidade privada, baseando-se em evidências científicas e em guidelines internacionais, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) não possui, até o momento, protocolos ou normativas que subsidiem as/os profissionais que prestam este serviço no país44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125..

O parto domiciliar planejado é uma modalidade de atendimento/nascimento indicada para gestantes de risco habitual, que desejam parir em casa, de maneira programada, sendo prestado por profissionais qualificadas (os)55. Campbell K, Carson G, Azzam H, Hutton E. No. 372 - Statement of planned homebirth. J Obstet Gynaecol Can. 2019 [cited 2020 Jun 15];41(2):223-7. Available from: Available from: https://themidwivesclinic.ca/site/wp-content/uploads/Planned-home-birth-statement-.pdf
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. Ele é tradição em países como Holanda, Canadá e Austrália, sendo reconhecido e estimulado pelo sistema público de saúde44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125.. Já no Brasil, o parto domiciliar planejado não está organizado dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

O Ministério da Saúde (MS) brasileiro preconiza que seja assegurado à mulher e ao recém-nascido uma atenção humanizada ao parto e nascimento, respeitando as boas práticas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as quais incluem a oferta de assistência ao parto e nascimento onde a mulher escolha, sinta-se confortável e seja viável. Contudo, o parto domiciliar planejado não faz parte do rol de procedimentos do SUS. Também não existem indicadores nacionais relacionados a esta modalidade de nascimento, o que dificulta conhecer a sua realidade.

Neste contexto, considerou-se relevante estudar sobre o parto domiciliar planejado atendido por enfermeiras (os) obstetras, tendo como fio condutor a seguinte questão norteadora: como, quando e por que enfermeiras (os) obstetras ingressaram no atendimento ao parto domiciliar planejado?

Definimos como cenário do estudo o estado do Rio Grande do Sul (RS), localizado no Brasil. Segundo o DATASUS11. Ministério da Saúde (BR). Nascidos vivos - Rio Grande do Sul. Brasília, DF: Datasus; 2018 [cited 2020 May 15]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvrs.def
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, no ano 2018, o número de nascidos vivos no RS foi de 140.052. Desse total, 99% (139.450) nasceram em hospitais, e apenas 0,26% (367), em casa. No que se refere ao tipo de nascimento, 62% (87.583) ocorreram por cesariana, e 37% (52.448), por via vaginal11. Ministério da Saúde (BR). Nascidos vivos - Rio Grande do Sul. Brasília, DF: Datasus; 2018 [cited 2020 May 15]. Available from: Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvrs.def
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, elucidando o quanto a assistência obstétrica na região tem sido predominantemente hospitalar, cirúrgica e tecnocrática.

Ressaltamos que não é possível verificar no DATASUS se os partos domiciliares foram planejados ou não, reforçando a importância desta pesquisa em trazer à luz o panorama das profissionais que oferecem este tipo de atendimento em um estado brasileiro.

Diante do exposto, objetivou-se, neste estudo, descrever a trajetória de inserção de enfermeiras obstetras no atendimento ao parto domiciliar planejado no Rio Grande do Sul.

MÉTODOS

Tratou-se de uma pesquisa do tipo exploratória, de abordagem qualitativa. Estudos exploratórios elucidam sobre um novo tema, podendo colaborar para investigações posteriores relacionadas a ele68. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas; 2017..

O cenário do estudo foi o estado do Rio Grande do Sul. Previamente ao desenvolvimento da investigação, foi realizado um levantamento empírico-exploratório das equipes de parto domiciliar planejado do RS, a fim de verificar a sua viabilidade, por meio da rede mundial de computadores, em um website de buscas e em duas redes sociais. Foram identificados cinco grupos, e, posteriormente, as pesquisadoras realizaram o contato telefônico com os mesmos, entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019. A partir deste contato, verificou-se o total de 13 EO no atendimento ao parto domiciliar planejado. Ressaltamos que as EO possuem contato umas com as outras, mantendo uma rede de comunicação, e, por isso, foi confirmado com elas se o número de equipes era exatamente aquele identificado pelas autoras, o que confirmou o achado inicial. No decorrer da pesquisa, tais dados não sofreram modificações.

O levantamento dos dados foi desenvolvido por meio de entrevistas, audiogravadas, aplicando-se o método de história oral temática (autorrelato), com apoio de dois roteiros-guia, sendo um geral, no qual constavam informações referentes à caracterização das convidadas e perguntas norteadoras, que tratavam sobre a participação da profissional no tema parto domiciliar planejado e, outro individual (com informações relacionadas à formação e atuação profissional e às experiências pessoais), elaborado por meio de levantamento biográfico das profissionais que aceitaram participar do estudo77. Mata JAL, Shimo AKK. A arte de pintar o ventre materno: história oral de enfermeiras e obstetrizes. Enferm Actual Costa Rica. 2018 [cited 2020 Jun 28];(35):1-23. Available from: http://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409-45682018000200001
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.

O método da história oral estuda acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais e categorias profissionais, focados nos depoimentos, por meio de entrevistas, das pessoas que deles participaram ou testemunharam. Esse decorre de uma relação com a história e as configurações socioculturais, privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem o experienciou. As contribuições da história oral são sempre maiores nas áreas pouco estudadas e exploradas88. Alberti V. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV; 2013., como o tema do presente estudo, quando se considera o Brasil.

Após o aceite das EO e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram agendadas e aplicadas as entrevistas, com apoio dos roteiros. Estas foram feitas individualmente, entre dezembro de 2019 e março de 2020, pela primeira autora deste trabalho, com apoio de um gravador digital.

As (os) profissionais tiveram duas opções para serem entrevistadas: pessoalmente (no domicílio, no trabalho ou outro local de preferência) ou por videoconferência, por meio do software Skype®. Estes foram determinados conforme a escolha de cada uma das participantes. A opção de entrevista remota foi oferecida pelo fato de as EO possuírem uma rotina de trabalho no parto domiciliar planejado muito variável, sendo esta opção facilitadora para a participação na pesquisa.

Cinco entrevistas foram realizadas pessoalmente, sendo duas na cidade de Pelotas e três em Porto Alegre, com os locais definidos previamente pelas voluntárias e, oito, por meio de videoconferência. O deslocamento para a coleta foi financiado diretamente pelas pesquisadoras.

A análise e interpretação dos dados foi fundamentada na Análise Temática de Conteúdo, proposta por Laurence Bardin99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011., sendo aplicada concomitantemente com a coleta. Esta envolve um conjunto de técnicas de análises das comunicações que objetiva obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo de indicadores (quantitativos ou qualitativos), as condições de produção de variáveis/fenômenos, permitindo a interferência de conhecimentos relativos99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011..

As etapas deste método de análise organizam-se em três polos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e a análise e interpretação99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. Na primeira, foi realizada a leitura flutuante do material coletado e a seleção dos dados a serem submetidos à análise.

Na segunda, aplicou-se a codificação dos achados, transformando-os em unidades de significado (sentenças ou palavras) para a descrição das características pertinentes do conteúdo 99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. Na terceira etapa, os resultados foram sintetizados em grandes categorias de análise, sendo interpretados com base na literatura científica sobre o tema99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011..

Essa pesquisa foi analisada e aprovada pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem (registro n. 37726), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e por seu Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (CAAE: 21165219.9.0000.5347). A fim de preservar o anonimato das participantes codificou-se as suas identificações como: EO1, EO2, EO3... EO13. Foram respeitados todos os preceitos éticos da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde1010. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Brasília, DF; 2016 [cited 2020 May 20] Available from: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Categorização das Participantes

No quadro 1, apresentamos a categorização das participantes do estudo.

Quadro 1 -
Caracterização das participantes do estudo. Porto Alegre, 2020

Todas as participantes eram do sexo feminino. A maioria das EO (11) possuía o registro de especialista no Conselho Regional de Enfermagem (COREN) do RS e, aquelas que ainda não o tinham (2) referiram como motivo terem terminado recentemente a especialização. Cabe destacar que todas as profissionais que atendem ao parto domiciliar planejado devem ter previamente o devido registro no seu Conselho profissional44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125..

Quando questionadas sobre terem atuado como enfermeiras em áreas diferentes da obstétrica, cinco disseram que não e, oito citaram os campos: atenção básica, centro cirúrgico, cuidados intensivos, emergência, internação cirúrgica e clínica, pediatria e psiquiatria. Seis das 13 entrevistadas atuavam exclusivamente no parto domiciliar planejado e, oito, em diferentes áreas hospitalares e na atenção básica.

Categorias de Análise

Nessa seção, apresentaremos as duas categorias de análise que emergiram das unidades de significado extraídas dos dados, a saber: 1) Experiências pessoais, formativas e profissionais que impulsionaram as enfermeiras obstetras a ingressarem no parto domiciliar planejado no RS; e 2) A busca por autonomia, liberdade, protagonismo e respeito na atenção ao parto e nascimento como propulsores para a inserção das enfermeiras obstetras no parto domiciliar planejado.

Experiências pessoais, formativas e profissionais que impulsionaram as enfermeiras obstetras a ingressarem no parto domiciliar planejado no RS

Os discursos elucidaram que experiências pessoais, formativas e profissionais das participantes impulsionaram o ingresso no parto domiciliar planejado.

Eu iniciei no parto domiciliar com o meu parto domiciliar! [...] Quando eu comecei a pós-graduação em obstetrícia, eu não conhecia muito esse mundo do parto domiciliar, durante a pós [pós-graduação] eu fui conhecendo um pouco sobre o parto normal, vendo o processo natural e vi que, opa, por que estamos perdendo isso? Aí fui resgatando muita coisa. No meio da pós [pós-graduação] eu fiquei grávida [...] e aí surgiu a ideia de um parto domiciliar. Eu e meu marido estudamos muito. Eu fui nas rodas de conversa. [...] Conheci as gurias nesse momento, eu grávida. Já criei um vínculo com elas e, após o nascimento da minha filha, a gente ficou muito encantado. Aí, meu marido falou assim: Bom, então, quando ela entra na equipe? Porque a EO10 falava “olha nós temos uma vaga”, eu sempre ficava “vamos ver” e ficou assim. Depois do nascimento da minha filha eu pensei melhor sobre o assunto, que eu queria entrar. Enfim, conhecer mais. [...] Aí foi, eu entrei na equipe. (EO6)

A fala acima revela que, a partir da experiência pessoal de planejamento do parto domiciliar planejado e de parir no domicílio, a EO6 sentiu-se motivada a iniciar nessa modalidade de atendimento, oferecendo às mulheres aquilo que experimentou de forma positiva, contando inclusive com o incentivo por parte do seu companheiro. A experiência positiva no processo parturitivo provoca emoções, satisfação e empoderamento nas mulheres1111. Muñoz-Dueñas C, Contreras-García Y, Manríquez-Vidal C. Vivencias de mujeres con asistencia de parto personalizado. Rev Chil Obstet Ginecol. 2018;83(6):586-95. doi: https://doi.org/10.4067/S0717-75262018000600586
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-1212. Larkin P, Begley CM, Devane D. Women’s preferences for childbirth experiences in the Republic of Ireland; a mixed methods study. BMC Pregnancy Childbirth. 2017;17:19. doi: https://doi.org/10.1186%2Fs12884-016-1196-1
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. Neste caso, entende-se que a EO6 empoderou-se a ponto de tomar a decisão de ingressar em uma área, teoricamente, pouco conhecida por ela naquela ocasião, mas profundamente vivenciada em sua experiência parturitiva.

O apoio das profissionais que atenderam a EO6 e o vínculo estabelecido com elas também podem ter colaborado para que ela se vislumbrasse como uma enfermeira atuante no parto domiciliar planejado. Esses são elementos que favorecem a melhoria da experiência materna1111. Muñoz-Dueñas C, Contreras-García Y, Manríquez-Vidal C. Vivencias de mujeres con asistencia de parto personalizado. Rev Chil Obstet Ginecol. 2018;83(6):586-95. doi: https://doi.org/10.4067/S0717-75262018000600586
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, e os quais provavelmente também impulsionaram a enfermeira a se integrar à equipe que a atendeu.

Constatamos que a maior parte das voluntárias não tiveram durante a sua formação de enfermagem, na graduação e especialização, a abordagem do tema parto domiciliar planejado. Destacamos o discurso a seguir para demonstrar este achado:

Na minha especialização nunca se falou em parto domiciliar, e nem na graduação. Então, eu nunca tive contato com isso, nunca foi falado em aulas, nada a respeito. Mas durante a especialização uma colega já tinha uma familiaridade com isso, de ouvir falar. […] Enfim, ela nos convidou para [um curso com] uma parteira mexicana, Naoli Vinaver, que viria fazer uma imersão. Acho que eram 4 dias de imersão, para falar da prática dela e como era e, aí, eu fui, mas muito sem expectativas. Fui para conhecer uma coisa diferente. E quando ela começou a falar do trabalho dela, com o parto domiciliar, de uma forma com um vínculo muito forte com esse trabalho, com muita emoção envolvida, muito voltado para o natural, para a fisiologia. Eu tive um despertar. Naquele final de semana, eu pensei assim: meu Deus, é isso que eu quero fazer, é isso que eu tenho que fazer. (EO1)

Como citado pela EO1, o contato com o tema aconteceu em um curso específico com uma parteira internacional, Naolí Vinaver, a qual tem difundido sobre o parto domiciliar planejado no Brasil e, provavelmente, influenciado muitas profissionais nesta prática.

Em 2014, eu fiz uma imersão com a Naoli. Foram 3 dias que mudaram tudo! Eu vi que era no parto domiciliar que eu ia encontrar aquilo que eu estava procurando. (EO10)

A residência em enfermagem obstétrica apareceu como um propulsor para parte das EO adentrarem nessa área.

O Sofia [Hospital Sofia Feldman] foi um negócio muito muito louco e muito transformador na minha vida, porque até hoje, assim, a gente diz que é muito difícil falar de como foi a nossa experiência lá na residência [no Hospital Sofia Feldman], que só quem passa por isso consegue entender, né? O quão louco é viver intensamente as 60h semanais de uma residência num lugar que trabalha tão freneticamente, né? Com essa assistência [ao parto humanizado]. Aquilo que eu tinha experienciado aqui no Rio Grande do Sul, né? O que o curso de doulas me escancarou por uma janela, era só a pontinha do iceberg. No Sofia foi que eu consegui fazer uma imersão de fato. Eu me lembro o primeiro dia que eu estava na sala de parto. Era o meu primeiro dia realmente na sala de parto. Me falaram: ah, vai lá e entra naquele quarto que vai nascer um bebê. Aí eu pedi para a preceptora que estava lá dentro para eu entrar e ela me ergueu o dedo e disse assim: eu quero…ela sabia que eu era R1, que eu estava entrando lá só para olhar e, então, me ergueu o dedo e disse assim: eu quero silêncio absoluto dentro desse quarto, ninguém aqui vai dar um pio, tu vais ficar aqui no cantinho, só observando. Eu falei: tá, fiquei no meu canto só observando. Aí, a mulher dentro de uma banheira maravilhosa, plena, e o bebê nasceu ali. Foi um parto lindo e, tipo, eu só chorei, chorei, chorei muito. Aí a preceptora chegou pra mim e disse assim: pelo amor de Deus o que está acontecendo? Eu falei para ela que eu nunca vi um parto tão lindo na minha vida. Aí ela me abraçou e tal e disse: meu Deus, de que mundo você está vindo, né? Aí eu falei: Rio Grande do Sul. Tu não estás entendendo o que é um parto lá. (EO3)

Na residência a gente já tem contato com o parto domiciliar. Lá no Sofia [Hospital Sofia Feldman] existe o parto domiciliar pelo SUS, né? Então, a gente já tem na nossa formação o contato com o parto domiciliar, com a casa de parto, né? Que é aquele parto que é numa instituição que não é dentro do hospital. Então, a gente já tem contato. Eu já tinha contato prévio com parto domiciliar porque eu já tinha ido em alguns partos com outras enfermeiras mais antigas, de auxiliar assim, e eu sempre me identifiquei com o parto domiciliar. (EO7)

Uma vez, eu estava de plantão na casa da gestante [no Hospital Sofia Feldman] e uma das enfermeiras falou assim: Ah, tem uma paciente em trabalho de parto, do PD [Parto Domiciliar] e quem sabe tu queres ir com a gente. E, assim, era janeiro, a minha residência [no Hospital Sofia Feldman] terminaria em fevereiro e eu disse: eu vou! Porque eu sabia que existiria a possibilidade de trabalhar com parto domiciliar em POA [Porto Alegre]. Porque eu não queria ficar lá, eu queria voltar para cá. Aí eu falei: ah, é a minha chance, eu vou! Aí fui. Cheguei na casa da paciente, ela estava com 7 centímetros [de dilatação] e era uma gesta II, ela já tinha tido um parto domiciliar do primeiro neném. Então, foi super rápido assim. Ela já estava com 7, nasceu acho que em menos de 2 horas que a gente estava lá e foi maravilhoso, o máximo. Porque eu não tinha essa visão, por ser dentro do hospital, de que a mulher ali no chuveiro dela, no banheiro dela, sabe? Aí ela tinha a filha pequena de 4 anos que ficou junto, a mulher ali com as coisas dela, sabe? Se ela estava com vontade de qualquer coisa tinha disponível na casa dela, então, isso foi uma coisa que eu fiquei assim encantada quando eu vi. (EO13)

Desde 2013, o Hospital Sofia Feldman é o único no Brasil a oferecer o parto domiciliar planejado dentro do SUS e a residência em enfermagem obstétrica da instituição oportunizou às participantes o contato com essa modalidade de atendimento, contribuindo para a decisão em atuarem neste campo. Os programas de residência envolvem a formação em serviço como estratégia de ensino-aprendizagem, objetivando formar profissionais para superar a segmentação do conhecimento e do cuidado na atenção à saúde e atender às diretrizes das políticas saúde que buscam modificar o modelo obstétrico tecnocrático, para instituir cuidados humanizados, estimular o parto normal e melhorar os indicadores de qualidade na assistência materna e neonatal1313. Pereira ALF, Guimarães JCN, Nicácio MC, Batista DBS, Mouta RJO, Prata JA. Perceptions of nurse-midwives of their residency training and professional practice. Rev Min Enferm. 2018;22:e1107. doi: https://doi.org/10.5935/1415-2762.20180035
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O perfil da (o) enfermeira (o) obstetra formada por meio da residência apresenta-se em uma construção de novos conhecimentos, com a finalidade de demarcar um espaço de transformação do cenário da obstetrícia, prima pela busca da autonomia e compromisso, além do conhecimento científico para nortear a prática sustentada nas evidências1414. Fernandes e Silva F, Moura MAV, Almansa Martinez P, Souza IEO, Queiroz ABA, Pereira ALF. Training in the obstetric nursing residency modality: a hermeneutic-dialectic analysis. Esc Anna Nery. 2020. 24(4):e20190387. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0387
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. Todos estes aspectos foram verificados nas entrevistas das EO3, EO7 e EO13.

O ensino dentro da residência foca nas políticas de saúde vigentes, embora, no caso do parto domiciliar planejado, não exista no Brasil uma política específica para este serviço. Logo, as residências do país provavelmente não têm formado EO para este campo. A realidade do Hospital Sofia Feldman é inovadora, porém isolada, já que é o único serviço do SUS a contemplar o parto domiciliar planejado. O mesmo deve acontecer com as especializações, as quais também visam à formação dentro do espectro das políticas nacionais de atenção ao parto e nascimento, que é predominantemente hospitalar.

Capacitações, como cursos de doulas, por exemplo, ressignificaram a temática do parto para a maioria das participantes, promovendo o autoconhecimento. Tais vivências culminaram em mudanças de aspecto pessoal e na prática profissional.

Eu fiz a capacitação como doula. Aí janela que Michel Odent abriu, o curso de doulas escancarou, foi um caminho muito sem volta na minha vida, eu falo que foi um grande divisor de águas para mim! (EO3)

[...] eu fui fazer um curso de doulas, em 2007, com o Ricardo Jones em Porto Alegre e com a Zeza, e aquilo foi me despertando que tinha outro caminho a não ser a violência [...]. (EO9)

Encontrei uma amiga um dia, que fazia 10 anos que eu não via, e ela disse: vamos fazer o curso de doula. E eu disse: o que que é isso? E ela me explicou e disse: tu tens que fazer! E aí isso foi na metade do ano, três meses depois abriu em Porto Alegre e eu fui fazer o curso do Ricardo Jones e a minha vida simplesmente se transformou. E a partir daí eu terminei toda minha faculdade voltada para obstetrícia. (EO12)

Comumente, os cursos de doula (palavra de origem grega que significa “aquela que serve”) envolvem dinâmicas e atividades relacionadas às experiências pessoais, sendo elas positivas ou negativas, fazendo com que as cursistas entrem em contato com seus “próprios fantasmas” e elaborem suas histórias de vida, desencadeando emoções, desenvolvimento pessoal e autoconhecimento1515. Silva FL, Russo JA. A porta da transformação só abre pelo lado de dentro: notas etnográficas sobre o processo da (trans)formação de si em cursos de capacitação de doulas. Cad Gênero Divers. 2019 [cited 2020 May 14];5(4):162-80. Available from: Available from: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/29456/20641
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Uma pesquisa científica, a qual objetivou analisar como as subjetividades das mulheres são transformadas ao longo de cursos de capacitação de doulas, concluiu que, a partir deles, os entendimentos das participantes acerca dos processos de gestar, parir e maternar sofrem mudanças significativas1515. Silva FL, Russo JA. A porta da transformação só abre pelo lado de dentro: notas etnográficas sobre o processo da (trans)formação de si em cursos de capacitação de doulas. Cad Gênero Divers. 2019 [cited 2020 May 14];5(4):162-80. Available from: Available from: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/29456/20641
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. Também destacou que “a porta da transformação só abre pelo lado de dentro”1515. Silva FL, Russo JA. A porta da transformação só abre pelo lado de dentro: notas etnográficas sobre o processo da (trans)formação de si em cursos de capacitação de doulas. Cad Gênero Divers. 2019 [cited 2020 May 14];5(4):162-80. Available from: Available from: https://cienciasmedicasbiologicas.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/29456/20641
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, trazendo à luz que, para adentrar no mundo da humanização do parto e nascimento, é preciso olhar para dentro de si, desenvolver autoanálise e se ressignificar, para se abrir para uma filosofia de cuidado que transcende o que está posto no cenário obstétrico brasileiro. É o que parece ter ocorrido com as EO do presente estudo.

Outro achado significativo é que muitas falas fizeram eco ao referido pela EO3 sobre o modelo de atenção ao parto do RS, o qual se mostra predominantemente hospitalar e tecnocrático, como suposto no início deste trabalho.

As EO, muitas vezes naturalizadas com o modelo hospitalar, com intervenções desnecessárias, nocivas e presenciando a violência obstétrica, tiveram que se (des)construir e se transformar pessoalmente e profissionalmente para oferecer o atendimento ao parto domiciliar planejado.

Para mim foi um desafio muito grande […] Eu tenho dificuldade até hoje porque, assim, é muito difícil tu desconstruir tudo que tu já construíste em 7 anos. Eu já vi muito kristeller, eu já vi muita violência, eu já vi muito desrespeito e tu desconstruir tudo isso e achar que um parto tudo bem demorar 12h, tudo bem demorar 20h. Para mim é surreal, é surreal mesmo. Não colocar a mão na mulher é muito difícil. São desafios que eu vou construindo, desconstruindo todos os dias e isso é o mais legal. É o desafio de ser uma profissional diferente para cada mulher. (EO4)

Na verdade, foi uma construção, né? Porque quando a gente trabalha muito tempo dentro do CO, a gente fica achando que o parto dá muito errado. Então, é perigoso e tal. É um processo de desconstrução quando tu entendes que, na verdade, o que causa a maioria dos eventos não legais no parto não é no parto em si e sim as intervenções que são feitas e que causam uma fatalidade. Alguma coisa quando vira a chave, né? De entender que não fazer intervenção é protetivo para a mulher e para o neném. Aí a gente vira a chave, né? Daí foi mais ou menos essa história. É meio que as enfermeiras que são raízes mesmo, que querem atender ao parto no modelo que acreditam, que acabam indo para o parto domiciliar. Porque realmente o nosso modelo aqui no estado [Rio Grande do Sul] não é bom, né? Só o Conceição que existe uma abertura leve para essa inserção da enfermeira, mas não é algo autônomo, né? Assim, a gente sempre tem ali um profissional médico no cangote e tal. E no parto domiciliar não. No parto domiciliar a gente é autônoma, né? A gente não pede aval de ninguém para nada. Mas seria mais nesse sentido mesmo. (EO7)

A violência obstétrica envolve todos os tipos de agressão sofridos pelas mulheres durante o trabalho de parto, pós-parto e abortamento e pode ser definida por uma situação em que a (o) profissional de saúde apropria-se dos processos reprodutivos e do corpo das mulheres por meio de relações desumanizadoras, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, o que traz como consequência a perda de autonomia e capacidade de decidir livremente pelo seu corpo e sexualidade, gerando um impacto negativo na vida das mulheres. Este tipo de violência envolve todos os tipos de agressão sofridos pelas mulheres durante o trabalho de parto, pós-parto e abortamento1616. Brandt GP, Souza SJP, Migoto MT, Weigert SP. Violência obstétrica: a verdadeira dor do parto. Rev Gestão Saúde. 2018 [cited 2020 Jun 28];19(1):19-37. Available from: Available from: http://www.herrero.com.br/files/revista/file2a3ed78d60260c2a5bedb38362615527.pdf
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-1717. Tesser CD, Andrezzo HFA, Diniz SG, Knobel R, et al. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev Bras Med Fam Comun. 2015;10(35):1-12. doi: https://doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1013
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.

Os discursos também despertam para traços do cotidiano do trabalho dentro de hospitais do RS, locais onde grande parte das informantes atuou previamente ao ingresso no parto domiciliar planejado. Identifica-se uma prática que já é proscrita da assistência, a manobra de Kristeller, mas que ainda estava sendo praticada. Além disso, foi descrita a hegemonia médica no manejo do parto e nascimento (assistência médico-centrada), oferecendo uma percepção de vigilância contínua às EO.

Tal achado elucida o modelo biomédico prevalente nos hospitais onde as participantes trabalharam, em determinado período. Este é caracterizado pela assistência à parturição centrada no médico e a valorização de técnicas que não apreciam a participação ativa da mulher1818. Santos FAPS, Enders BC, Brito RS, Farias PHS, Teixeira GA, Dantas DNA, et al. Autonomy for obstetric nurse on low-risk childbirth care. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;19(2):471-9. doi: https://doi.org/10.1590/1806-93042019000200012
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. Por esse motivo, não facilita o protagonismo feminino, aspecto fundamental para o cuidado humanizado1919. Silva U, Fernandes BM, Paes MSL, Souza MD, Duque DAA. Nursing care experienced by women during the childbirth in the humanization perspective. J Nurs UFPE. 2016 [cited 2020 Aug 20];10(4):1273-9. Available from: Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/11113/12587
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.

Esse modelo torna a cena do parto lugar de disputa entre as categorias médica e da enfermagem obstétrica, e isso gera conflitos no cotidiano da prática das EO, afetando o processo de cuidar. Destacamos que tal situação ocorre desde a formação, seja na residência1414. Fernandes e Silva F, Moura MAV, Almansa Martinez P, Souza IEO, Queiroz ABA, Pereira ALF. Training in the obstetric nursing residency modality: a hermeneutic-dialectic analysis. Esc Anna Nery. 2020. 24(4):e20190387. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0387
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ou na especialização, o que dificulta a execução de um plano sistematizado da assistência em enfermagem às parturientes.

Ao serem questionadas sobre como começaram a atuar no parto domiciliar planejado, as participantes citaram também o convite realizado por parte de outras EO, tanto para criar uma nova equipe quanto para compor uma existente no RS.

Na verdade, sempre foi o sonho da EO12 [ter uma equipe de parto domiciliar planejado], ela estava procurando pessoas para entrar no barco com ela, acredito ter sido a escolhida. (EO5)

Ela me convidou para compor a equipe com ela porque ela estava atendendo sozinha [sem equipe definitiva], levava algumas enfermeiras auxiliares, mas não tinha formatado a equipe como ela gostaria. (EO7)

O Royal College of Midwives, organização britânica de parteiras, recomenda que o parto domiciliar planejado seja assistido por, pelo menos, duas parteiras, a fim de garantir a segurança na assistência2020. Royal College of Midwives (UK). The Role and Responsibilities of Maternity Support Workers. London: RCM; 2016 [cited 2020 May 15]. Available from: Available from: https://www.rcm.org.uk/media/2338/role-responsibilities-maternity-support-workers.pdf
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. Não tendo normativas sobre este aspecto no Brasil, as equipes de parto domiciliar planejado do RS foram criadas respeitando essa recomendação internacional, tendo no parto sempre duas enfermeiras, sendo pelo ao menos uma delas EO.

Nos últimos anos, tem se observado uma crescente demanda relacionada ao parto domiciliar planejado no país, principalmente nos grandes centros urbanos, pela insatisfação das mulheres com o sistema obstétrico hospitalar2121. Cursino TP, Benincasa M. Parto domiciliar planejado no Brasil: uma revisão sistemática nacional. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(4):1433-44. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.13582018
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. No RS, esta demanda também pode ser observada pelo aumento de profissionais atuando nesta modalidade de atendimento entre 2019 e 2020.

Algumas delas foram convocadas por equipes que necessitavam de um número maior de EO para expandir e desempenhar os seus atendimentos de forma segura às mulheres e famílias interessadas nessa modalidade de parto e nascimento, respeitando as evidências científicas e recomendações internacionais.

[...] A EO7 entrou em contato comigo porque tem uma demanda crescente pelo parto domiciliar, e elas eram em quatro na equipe e, a EO7, estava sentindo falta de ter mais alguém, porque três das enfermeiras ficam na equipe e ainda trabalham em hospital. (EO11)

Comecei a mandar currículo. Aí a EO3 era minha R2 e já estava inserida em uma equipe de parto domiciliar que já tinha uma caminhada. Já tinha uns 4 anos eu acho que a equipe estava formada. [...] Então ela me perguntou: tu não queres entrar para o PD? Porque a gente precisa, a gente está aumentando muito os atendimentos. [...] Aquilo me interessou bastante, eu pensei que era uma super oportunidade. Vou entrar! (EO13)

Está crescendo o número de mulheres que estão se interessando pelo parto domiciliar. Está crescendo bastante e, agora, com essa questão de COVID, nós do parto domiciliar, vai bombar muito. Abril e maio a gente está com muito parto domiciliar porque as mulheres agora realmente não querem ir para o hospital [...] as mulheres agora vão ver que realmente, parto domiciliar é possível, é seguro. (EO11)

Durante a pandemia da COVID-19, o parto domiciliar planejado também foi impactado no RS, assim como outras áreas de atuação da enfermagem. As participantes destacaram a crescente procura desta opção de atendimento por parte das mulheres, após o aparecimento da doença no Brasil, com o propósito de evitar o ambiente hospitalar neste momento. Uma pesquisa brasileira aponta que, devido à pandemia de COVID-19, as mulheres brasileiras têm reconhecido o domicílio como um local possível para o nascimento de seus filhos2222. Volpato F, Costa R, Lima MM, Verdi MIM, Gomes IEM, Scapin SP. Parto domiciliar planejado no contexto da covid19: informações para a tomada de decisão. SciELO Preprints 496 [Preprint]. 2020 [cited 2020 Jun 10]. Available from: Available from: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/496/version/506 doi: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.496
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.

Um trabalho internacional, o qual estudou sobre a gestação e o nascimento durante a pandemia de COVID-19 nos Estados Unidos da América (EUA), afirma que tal como acontece com outras calamidades na saúde, a atual situação sanitária revela o panorama tecnocrático e fragmentado das maternidades dos EUA e o crescente interesse em partos em casa e nos centros de parto autônomos2323. Davis-Floyd R, Gutschow K, Schwartz DA. Pregnancy, birth and the COVID-19 pandemic in the United States. Med Anthropol. 2020;39(5):413-27. doi: https://doi.org/10.1080/01459740.2020.1761804
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. O que se deu, provavelmente, devido, principalmente, à exclusão da presença das doulas e dos parceiros nas instituições hospitalares2323. Davis-Floyd R, Gutschow K, Schwartz DA. Pregnancy, birth and the COVID-19 pandemic in the United States. Med Anthropol. 2020;39(5):413-27. doi: https://doi.org/10.1080/01459740.2020.1761804
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.

O que também tem acontecido, por exemplo, no período pós-parto nos hospitais brasileiros, seguindo nova recomendação. De acordo com a Nota Técnica nº 09/2020, do MS, o acompanhante, após o parto, deve ser permitido somente em casos excepcionais, em que exista a instabilidade clínica da puérpera ou condições específicas do recém-nascido, ou ainda menores de idade. Nas demais situações, recomenda-se a suspensão temporária, para redução do fluxo de pessoas dentro do/da hospital/maternidade2424. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde Departamento de Ações Programácas Estratégicas Coordenação-Geral de Ciclos da Vida Coordenação de Saúde das Mulheres. Nota Técnica Nº 9/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. [Dispõe sobre as] recomendações para o trabalho de parto, parto e puerpério durante a pandemia da covid-19. Brasília, DF; 2020 [cited 2020 Jun 10]. Available from: Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/SEI_MS-0014382931-Nota-Tecnica_9.4.2020_parto.pdf
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.

A partir dos resultados e das pesquisas supracitadas, acreditamos que a percepção do risco do parto domiciliar planejado em comparação com o parto hospitalar é relativa e marcada pelos momentos históricos-sociais. Ela pode estar se transformando a partir da experiência vivida durante a pandemia.

No Brasil, talvez em um futuro não tão distante, o parto domiciliar planejado possa ser enxergado como realmente é, pelas mulheres, famílias e corporações da obstetrícia, uma opção viável, de baixo custo para o sistema de saúde e segura2525. Hutton EK, Reitsma A, Simioni J, Brunton G, Kaufman K. Perinatal or neonatal mortality among women who intend at the onset of labour to give birth at home compared to women of low obstetrical risk who intend to give birth in hospital: a systematic review and meta-analyses. EClinicalMedicine. 2019;14:59-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2019.07.005
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para mulheres e recém-nascidos de risco habitual.

A busca por autonomia, liberdade, protagonismo e respeito na atenção ao parto e nascimento como propulsores para a inserção das enfermeiras obstetras no parto domiciliar planejado

Acreditar no modelo de parto domiciliar planejado, ou seja, respeitar a mulher e suas escolhas, poder ofertar um cuidado humanizado e ter disponibilidade para oferecer um novo modelo de assistência foram os motivos mais citados pelas participantes, assim como a discordância com algumas práticas, protocolos e a violência obstétrica presenciada em instituições hospitalares.

Porque é algo assim que eu acredito [...] que é seguro nascer em casa, que é um atendimento mais individualizado que respeita as opções, que respeita a autonomia da mulher e da família. Respeita esse momento. (EO2)

Eu acho que não tem uma escolha melhor que a pessoa e a família possam fazer. De tudo, tanto o respeito com aquela mulher naquele momento, respeitar o corpo dela, o desejo dela e, também, respeitar o nascimento, o processo fisiológico do parto, o processo da recepção do recém-nascido, sem intervenções desnecessárias. (EO6)

A gente viu essa necessidade de mudança de modelo mesmo e de ressignificar esse momento. (EO9)

Em uma revisão sistemática com metanálise, foi constatado que o parto domiciliar planejado de mulheres de risco habitual não aumenta a mortalidade ou morbidade perinatal e neonatal em comparação com aquelas que pretendem parir em um hospital2525. Hutton EK, Reitsma A, Simioni J, Brunton G, Kaufman K. Perinatal or neonatal mortality among women who intend at the onset of labour to give birth at home compared to women of low obstetrical risk who intend to give birth in hospital: a systematic review and meta-analyses. EClinicalMedicine. 2019;14:59-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2019.07.005
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. Ao comparar os grupos domiciliares e hospitalares, não houve diferenças nos seguintes resultados neonatais: admissão em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), escores de Apgar e necessidade de reanimação2525. Hutton EK, Reitsma A, Simioni J, Brunton G, Kaufman K. Perinatal or neonatal mortality among women who intend at the onset of labour to give birth at home compared to women of low obstetrical risk who intend to give birth in hospital: a systematic review and meta-analyses. EClinicalMedicine. 2019;14:59-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2019.07.005
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. Em gestantes de risco habitual, o parto domiciliar planejado é tão seguro quanto o hospitalar44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125..

Presenciar cenas de violência obstétrica por meio de palavras ou ações, e seguir protocolos e rotinas engessados em instituições, mesmo que não estejam de acordo com as evidências científicas atuais2626. Sanfelice CFO, Abbud FSF, Pregnolatto OS, Silva MG, Shimo AKK. From institutionalized birth to home birth. Rev Rene. 2014;15(2):362-70. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2014000200022
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, motivaram as EO a atuarem e a promoverem o parto domiciliar planejado como um modelo de assistência mais humano e respeitoso.

Porque dentro de uma instituição tu presencias e não atua. Tu presencias muita violência obstétrica, muito desrespeito a mulher. Uma maneira muito normal, mas que não é natural e que de normal não tem nada. A vontade de tu fazeres a diferença na vida das mulheres, das pessoas. A gente tem que mostrar para aquelas pessoas que existe uma outra maneira de parir com muito mais respeito, com muito mais fisiologia e com muito mais amor. (EO4)

Profissionais com especialização em enfermagem obstétrica podem prestar o serviço de parto domiciliar planejado, tendo o direito de exercê-lo com liberdade e autonomia, desde que a gestante esteja estratificada como risco habitual44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125..

Para desempenhar este modelo de atendimento, a (o) EO precisa desenvolver competências de ordem técnica, não técnica e gerencial, bem como saber sobre os aspectos legais que abrangem a prática da enfermagem obstétrica, a fim de garantir a sua autonomia, o seu empoderamento, bem como o cumprimento dos seus deveres com responsabilidade e ética44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125..

O parto domiciliar planejado foca a liberdade, a autonomia, o protagonismo e o respeito à filosofia e à cultura da mulher e de sua família44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125.. Intuitivamente, e a partir das experiências vividas, citadas na primeira categoria, as EO mostram reconhecer tais aspectos.

Porque eu queria atender mais. Queria ver um parto fisiológico. Eu queria acompanhar a mulher do início ao fim. E, depois que a gente começa a ver que em casa elas tem um outro trabalho de parto, é tudo diferente. Que não existe interferência externa. E aí que eu acabei me apaixonando mais pelo que eu faço. Por isso, que eu não consigo pensar em trabalhar em outra coisa. (EO10)

Quando escolhem o parto domiciliar planejado, as mulheres e suas famílias procuram um cuidado respeitoso, amoroso, seguro e de qualidade44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125. e as participantes demonstram reconhecer isso.

Os modelos de cuidado ao parto para mulheres de risco habitual envolvendo parteiras (enfermeiras obstetras ou obstetrizes) associam-se a menores taxas de intervenções, ao menor risco de episiotomia e à maior satisfação da parturiente44. Mata JAL. Enfermagem obstétrica no parto domiciliar planejado: responsabilidade legal e organização do serviço. In: PROENF: Saúde Materna e Neonatal. Porto Alegre: Artmed/Panamericana; 2017. p. 75-125.,2727. Sandall J, Gates S, Soltani H, Shennan A, Devane D. Midwife‐ led continuity models versus other models of care for childbearing women. Cochrane Database Syst Rev. 2015;15(9):CD004667. doi: https://doi.org/10.1002/14651858.CD004667.pub4
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, o que revela o quanto é benéfico o atendimento realizado por profissionais desta categoria.

No ambiente domiciliar, as EO possuem uma maior autonomia para atuar se comparado ao hospitalar, onde o modelo biomédico está enraizado, gerando muitas vezes situações de disputa.

E aí eu sempre senti necessidade de fazer essa assistência diferenciada, disponibilizar para as mulheres outras coisas que, muitas vezes, nos hospitais não é possível, não é viável. Claro que a gente sabe que hoje têm vários hospitais que têm partos em diferentes posições do que a litotomia e tudo mais. Mas mais assistido pela equipe médica mesmo, não pela equipe de enfermagem. (EO13)

Questões como ordem cultural, organizacional e estrutural das instituições hospitalares e os conflitos de atuação com médicos interferem diretamente na autonomia da EO. O universo obstétrico funciona de acordo com uma rede de relações sociais e de poder que influenciam na prática de cuidado à mulher no período gravídico-puerperal1818. Santos FAPS, Enders BC, Brito RS, Farias PHS, Teixeira GA, Dantas DNA, et al. Autonomy for obstetric nurse on low-risk childbirth care. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;19(2):471-9. doi: https://doi.org/10.1590/1806-93042019000200012
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,2828. Amaral RCS, Alves VH, Pereira AV, Rodrigues DP, Silva LA, Marchiori GRS. The insertion of the nurse midwife in delivery and birth: obstacles in a teaching hospital in the Rio de Janeiro state. Esc Anna Nery. 2019;23(1):e20180218. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0218
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Apesar de a legislação da enfermagem garantir a atuação das EO de forma autônoma, inclusive no parto domiciliar planejado, as EO vivenciaram momentos de cerceamento quando atuavam no campo hospitalar. Esse fator alimentou nelas a motivação em se inserir em um serviço que oportuniza mais autonomia, liberdade e protagonismo profissional para atuar na obstetrícia.

CONCLUSÃO

A história oral de enfermeiras obstetras na atenção ao parto domiciliar planejado no Rio Grande do Sul, aqui analisadas, apontou que as experiências pessoais, formativas e profissionais impulsionaram as profissionais a se inserirem nesta modalidade de atendimento às mulheres e aos recém-nascidos durante a gestação, parto, nascimento e puerpério.

No aspecto pessoal, a vivência da parturição em domicílio foi um dos fatores contribuintes. Já no âmbito formativo, a residência em enfermagem obstétrica e a participação em cursos livres de doulas foram propulsores para a decisão em seguir no parto domiciliar planejado. Na questão profissional, as enfermeiras obstetras presenciaram e vivenciaram situações de violência obstétrica e limitações para atuarem com autonomia e liberdade na atenção ao parto e nascimento, sendo estes também determinantes para a entrada neste serviço.

A história oral das enfermeiras obstetras revelou que o vivido as levou a olhar para si e se ressignificar para despertar a prática de uma nova modalidade de cuidado obstétrico no seu cotidiano. Emergiu nos discursos, o descontentamento com a atenção obstétrica hospitalar no RS, destacada como intervencionista e centrada na categoria médica, sendo este um propulsor para as enfermeiras obstetras se inserirem no parto domiciliar planejado. As profissionais demonstraram acreditar no modelo humanista, buscando o respeito à fisiologia, às escolhas e ao protagonismo das mulheres/famílias no processo parturitivo.

Além disso, a autonomia e a liberdade são fatores que afetam os dois lados, tanto as mulheres frente à sua gestação e parto quanto as enfermeiras obstetras, por poderem vivenciar o parto domiciliar planejado conforme o paradigma que acreditam e defendem.

Vale destacar que este é o primeiro estudo que revela o panorama das equipes de parto domiciliar planejado do Rio Grande do Sul, as quais atualmente atendem as mulheres e suas famílias na contramão do modelo tecnocrático predominante no país. Portanto, trazer à tona um modelo de assistência na obstetrícia, centrado na mulher e não na (o) profissional, em um cenário predominantemente tecnocrático, e problematizar um tema polêmico como o parto domiciliar planejado, é desafiador e necessário.

Frente a isso, conclui-se que desvelar a trajetória de inserção de enfermeiras obstetras no atendimento ao parto domiciliar planejado no Rio Grande do Sul representa o princípio para (re)pensar sobre a atuação da enfermagem obstétrica nos diferentes âmbitos do sistema de saúde do Estado e dar voz àquelas que estão na vanguarda da humanização do parto e nascimento no domicílio.

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Editado por

Editor associado:

Dagmar Elaine Kaiser

Editor-chefe:

Maria da Graça Oliveira Crossetti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2020
  • Aceito
    16 Out 2020
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