RESUMO
Objetivos:
Analisar os fatores associados à descontinuidade no uso de método contraceptivos após a vivência de um abortamento.
Método:
Estudo transversal, conduzido com 111 mulheres de 18-49 anos, usuárias de Unidades Básicas de Saúde de São Paulo/SP, Aracaju/SE e Cuiabá/MT, que relataram abortamento nos cinco anos anteriores às entrevistas realizadas entre 2015-2017. Utilizou-se Kaplan-Meier e regressão de Cox para análise dos dados.
Resultados:
Os métodos mais utilizados foram o contraceptivo hormonal oral, preservativo masculino e injetáveis. A taxa de descontinuidade contraceptiva foi 41,8% nos 12 meses. A pílula foi o método mais abandonado (58,3%); o preservativo masculino aquele que mais falhou (72,7%); e injetáveis os mais trocados (50,0%). Ter até 24 anos de idade, mais de 10 anos de escolaridade, três ou mais filhos e querer esperar mais para engravidar associaram-se a descontinuar o uso dos métodos contraceptivos após o abortamento.
Conclusão:
Após o abortamento, as mulheres usaram predominantemente métodos contraceptivos de curta duração. O tipo de descontinuidade, abandono, troca ou falha, variou conforme o método usado. Os fatores associados à descontinuidade contraceptiva foram a idade, a escolaridade, a paridade e a intenção reprodutiva.
Palavras-chave:
Anticoncepção; Aborto; Anticoncepcionais orais; Contraceptivos hormonais; Preservativos; Saúde sexual e reprodutiva
ABSTRACT
Objectives:
To assess factors associated with post-abortion contraceptive discontinuation.
Method:
This cross-sectional study addressed 111 women aged 18-49 attending Primary Health Care Facilities in São Paulo/SP, Aracaju/SE, and Cuiabá/MT, Brazil, who reported an abortion five years before the interview held in 2015-2017. Kaplan-Meier estimates and Cox Regression were used for data analysis.
Results:
Oral hormonal contraceptives, male condoms, and injectable contraceptives were the methods most frequently used. The contraceptive discontinuation rate was 41.8% in the 12 months after the abortion. The pill was the method most frequently abandoned (58.3%); male condoms were the method that failed the most (72.7%), and injectable contraceptives were the method most frequently switched (50.0%). Being up to 24 years old, having ten or more years of education, having three or more children, and a desire to wait longer before becoming pregnant again were associated with post-abortion contraceptive discontinuation.
Conclusion:
Short-acting contraceptive methods were predominant among post-abortion women. The type of discontinuation varied according to the type of method used. The factors associated with contraceptive discontinuation were age, education, parity, and reproductive intention.
Keywords:
Contraception. Abortion. Contraceptives; oral. Contraceptive agents; hormonal. Condoms. Sexual and reproductive health
RESUMEN
Objetivos:
Analizar los factores asociados a la discontinuidad en el uso de métodos anticonceptivos después de un aborto.
Método:
Estudio transversal realizado con 111 mujeres de 18 a 49 años, usuarias de Unidades Básicas de Salud de São Paulo/SP, Aracaju/SE y Cuiabá/MT, quienes reportaron aborto en los cinco años previos a la entrevista realizada entre 2015-2017. Se utilizó Kaplan-Meier y la regresión de Cox para el análisis de datos.
Resultados:
Tras el aborto, los métodos utilizados se centraron en los de corta duración: anticonceptivos hormonales orales, condones masculinos e inyectables. La tasa de discontinuidad en el uso de métodos anticonceptivos fue del 41,8% en los 12 meses posteriores al aborto. La píldora fue el método que se abandonó con más frecuencia (58,3%); el condón masculino en el que ocurrieron más fallas (72,7%); e inyectables intercambiados con mayor frecuencia (50,0%). Tener 24 años o más, 10 o más años de escolaridad, alta paridad (3 o más) y desear esperar para quedar embarazada se asociaron con la discontinuidad en el uso de métodos anticonceptivos después del aborto.
Conclusión:
Las mujeres después de un aborto utilizaron predominantemente métodos anticonceptivos de corta duración, que con mayor frecuencia se suspenden. El tipo de discontinuidad, abandono, intercambio o falla varió según el tipo de método utilizado. La edad, la educación, la paridad y la intención reproductiva se asociaron con la discontinuidad en el uso de métodos anticonceptivos después del aborto.
Palabras clave:
Anticoncepción; Aborto; Anticonceptivos orales; Agentes anticonceptivos hormonales; Condones; Salud sexual y reproductiva
INTRODUÇÃO
Entre 2010 e 2014, estima-se que tenham ocorrido, a cada ano, quase 56 milhões de abortos induzidos em todo o mundo, dos quais 45% podem ter sido abortamentos inseguros11. Ganatra B, Gerdts C, Rossier C, Johnson Junior BR, Tunçalp Ö, Assifi A, et al. Global, regional, and subregional classification of abortions by safety, 2010-14: estimates from a Bayesian hierarchical model. Lancet. 2017;390(10110):2372-81. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(17)31794-4
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, ou seja, realizados por indivíduos sem treinamento ou em ambientes sem conformidade com padrões sanitários mínimos para realização do procedimento, o que se constitui em uma das principais causas de morbimortalidade materna22. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [cited 2020 Jan 12]. Preventing unsafe abortion; [about 8 screens]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preventing-unsafe-abortion
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. O aborto inseguro é frequente em países onde há restrições legais ao aborto22. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [cited 2020 Jan 12]. Preventing unsafe abortion; [about 8 screens]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preventing-unsafe-abortion
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, como é o caso do Brasil. Mesmo com tais restrições, a Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2016 com mulheres brasileiras de 18 a 49 anos de idade, evidenciou que, aos 40 anos de idade, quase uma em cada cinco mulheres já interrompeu uma gestação33. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. National abortion survey 2016. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(2):653-60. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016
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. Quanto ao abortamento espontâneo, estima-se que ocorra em cerca de 13% das gestações, atingindo 10% das mulheres44. Quenby S, Gallos ID, Dhillon-Smith RK, Podesek M, Stephenson MD, et al. Miscarriage matters: the epidemiological, physical, psychological, and economic costs of early pregnancy loss. Lancet. 2021;397(10285):1658-67. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00682-6
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.
Com o intuito de melhorar a assistência às mulheres que vivenciam um abortamento - espontâneo ou induzido - e reduzir a morbimortalidade materna decorrente desse evento, o Ministério de Saúde (MS) reeditou em 2014 a segunda edição da norma técnica Atenção Humanizada ao Abortamento55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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. Dentre as recomendações para as mulheres que passaram por um abortamento, destaca-se a atenção em contracepção, que consiste na oferta imediata de métodos contraceptivos, ainda durante a hospitalização, de forma a contemplar a intenção reprodutiva da mulher/casal, tanto quanto a necessidade de se aguardar, no mínimo, três meses até a próxima gravidez. Em caso de abortos induzidos, o uso de métodos contraceptivos é crucial também para diminuir o risco de novos episódios de abortamento22. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [cited 2020 Jan 12]. Preventing unsafe abortion; [about 8 screens]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preventing-unsafe-abortion
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.
Estudo conduzido no Brasil mostrou que dentre as mulheres que passaram por um abortamento, a maior parte usou método contraceptivo de curta duração, como o preservativo masculino ou pílula anticoncepcional oral66. Borges ALV. Contracepção pós-abortamento: relação com a atenção em contracepção e intenção reprodutiva. Cad Saúde Pública. 2016;32(2):e00102015. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00102015
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. Esses métodos são os que que apresentam as maiores taxas de descontinuidade no uso, por exigirem disciplina e motivação da usuária, não requererem a ação de profissionais de saúde para sua interrupção e demandarem negociação com o parceiro, no caso do preservativo masculino77. Ali MM, Cleland J. Oral contraceptive discontinuation and its aftermath in 19 developing countries. Contraception. 2010;81(1):22-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2009.06.009
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. Isso significa que, embora, a maior parte das mulheres utilizem métodos contraceptivos nos meses subsequentes ao abortamento, há uma parcela significativa de mulheres que não os utiliza continuamente, seja porque abandonam ou trocam de método, ou ainda, engravidam usando o método, fatos conhecidos como descontinuidades contraceptivas88. Bradley SEK, Schwandt HM, Khan S. Levels, trends, and reasons for contraceptive discontinuation [Internet]. Calverton: ICF Macro; 2009 [cited 2020 Feb 12]. Available from: https://www.dhsprogram.com/publications/publication-as20-analytical-studies.cfm
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, sendo esse o conceito em que este estudo se baseou.
Estudos sobre as descontinuidades contraceptivas que ocorrem após a vivência de um abortamento são escassos no Brasil. Estudos conduzidos em contextos social e culturalmente diversos, como Índia, Nepal e China, mostraram que as taxas de descontinuidade são relativamente frequentes entre seis a doze meses após o abortamento, sendo mais altas entre mulheres menos escolarizadas e entre usuárias do contraceptivo hormonal oral99. Zavier AJF, Padmadas SS. Postabortion contraceptive use and method continuation in India. Int J Gynecol Obstet. 2012;118(1):65-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.02.013
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-1111. Puri M, Henderson JT, Harper CC, Blum M, Joshi D, Rocca CH. Contraceptive discontinuation and pregnancy postabortion in Nepal: a longitudinal cohort study. Contraception. 2015;91(4):301-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2014.12.011
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.
A realização deste estudo teve como pergunta norteadora “Quais são os aspectos associados a descontinuar o uso de métodos contraceptivos entre mulheres que vivenciaram um abortamento?”. Desse modo, para responder tal questão, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores associados à descontinuidade no uso de método contraceptivos após a vivência de um abortamento.
MÉTODO
Trata-se de um estudo quantitativo do tipo transversal, que integra uma investigação mais ampla intitulada “Padrões e determinantes das descontinuidades contraceptivas e o papel da anticoncepção de emergência”, conduzida com amostra de mulheres com idades entre 18 e 49 anos, usuárias de Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios de São Paulo/SP (2015), Aracaju/SE (2016) e Cuiabá/MT (2017). As três capitais foram escolhidas como cenário do estudo por serem de regiões diferentes do Brasil (Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste), o que permitiu conhecer o uso de métodos contraceptivos entre mulheres com perfis sociais e culturais heterogêneos que utilizam serviços públicos de saúde da atenção primária organizados de forma diversa.
O cálculo amostral do estudo maior foi baseado nos seguintes parâmetros: proporção de mulheres que usava método contraceptivo1212. Ministério da Saúde (BR), Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Ciência e Tecnologia. PNDS 2006, pesquisa nacional de demografia e saúde da criança e da mulher: relatório [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2008 [cited 2021 May 21]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/pnds/img/relatorio_final_PNDS2006_04julho2008.pdf
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, nível de 95% de confiança, erro de amostragem de 5% e efeito do delineamento (deff) igual a 2 (ou seja, n=768 mulheres em São Paulo e n=385, em Aracaju e em Cuiabá). Foram acrescidos 25% para repor possíveis recusas ou perdas e 33% para repor as mulheres não elegíveis para a entrevista por conta dos critérios de exclusão (nunca ter tido relação sexual e ter feito laqueadura ou ter parceiro vasectomizado há mais de cinco anos), o que resultou na necessidade de se obter, ao menos, 1.000 entrevistas válidas em São Paulo e 482 em Aracaju e em Cuiabá.
O plano amostral foi conduzido por meio de amostragem por conglomerados, em duas etapas. Na primeira etapa, as UBS foram sorteadas com probabilidade proporcional ao tamanho, medido pelo número de exames citopatológicos cérvico-vaginais realizados em 2014. Por esse critério, 78 UBS foram selecionadas: 38 em São Paulo, do total de 441 UBS; 19 em Aracaju, dentre 43; e 19 em Cuiabá, dentre 93. Na segunda etapa, foram selecionadas por amostragem não probabilística as mulheres a serem entrevistadas em cada UBS, de acordo com os seguintes critérios: 1) mulheres que aguardavam atendimento para realização do exame citopatológico cérvico-vaginal; 2) mulheres que aguardavam consulta médica ou de enfermagem; 3) mulheres que aguardavam atendimento para qualquer outra atividade na UBS.
Nas três capitais, a pesquisa foi realizada em três dias consecutivos em cada UBS e, em cada dia, foram entrevistadas nove mulheres, totalizando 27 entrevistas válidas por dia por UBS. Por fim, foram obtidas 1.030 entrevistas válidas em São Paulo, 508 em Aracaju e 513 em Cuiabá, totalizando 2.051 mulheres.
Este estudo utilizou uma subamostra do projeto maior e considerou apenas as 111 mulheres que relataram abortamento nos cinco anos anteriores à entrevista, independentemente se espontâneos ou induzidos. A opção por não questionar a etiologia do abortamento justifica-se porque o abortamento induzido tem restrições legais no Brasil, o que poderia subestimar o relato1313. Menezes GMS, Aquino EML, Fonseca SC, Domingues RMSM. Abortion and health in Brazil: challenges to research within a context of illegality. Cad Saúde Pública. 2020;36(1 Suppl):e00197918. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00197918
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. Ainda, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) define abortamento como a interrupção da gravidez até a 20ª-22ª semana22. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [cited 2020 Jan 12]. Preventing unsafe abortion; [about 8 screens]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preventing-unsafe-abortion
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, houve a preocupação em considerar apenas as mulheres cujos abortamentos ocorreram no primeiro trimestre da gestação. No entanto, não foi necessário excluir nenhuma mulher por essa razão, tendo em vista que todos os abortamentos relatados se encaixavam nesse critério.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas face-a-face, por meio de tablets, por pesquisadoras graduadas na área da saúde, em consultórios dentro das UBS. As pesquisadoras foram devidamente treinadas pelas coordenadoras do estudo de forma presencial em cada uma das capitais. As entrevistas duraram aproximadamente 20 minutos. Além de coletar dados sociodemográficos e história reprodutiva por meio de instrumento estruturado, obteve-se informações sobre a dinâmica contraceptiva com uso do Calendário Contraceptivo, que é um histórico retrospectivo mensal sobre gestações, nascimentos, abortamentos e episódios de uso de métodos contraceptivos nos cinco anos anteriores à entrevista, instrumento amplamente usado nas pesquisas de Demographic and Health Survey (DHS)88. Bradley SEK, Schwandt HM, Khan S. Levels, trends, and reasons for contraceptive discontinuation [Internet]. Calverton: ICF Macro; 2009 [cited 2020 Feb 12]. Available from: https://www.dhsprogram.com/publications/publication-as20-analytical-studies.cfm
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. Para cada mês do calendário (72 meses, no total), uma informação sobre o tipo de método contraceptivo usado deve ser inserida, inclusive o não uso. É possível informar também casos de não uso de métodos nas situações específicas de gravidez, abortamento ou parto.
Todas as informações analisadas neste estudo a respeito da descontinuidade contraceptiva dizem respeito aos segmentos de uso de métodos contraceptivos iniciados após o abortamento. O segmento de uso do método contraceptivo é a unidade de análise e é definido como o período contado a partir do mês em que o uso do método é iniciado até o mês em que é descontinuado, por abandono, troca ou falha. Isso significa que uma mulher pode ter contribuído com vários segmentos de uso de métodos após o abortamento, caso tenha interrompido e iniciado o uso mais de uma vez. Algumas mulheres podem também não ter contribuído com nenhum segmento, caso não tenham iniciado o uso de métodos contraceptivos até 12 meses após o abortamento. Segmentos finalizados em gravidez foram censurados.
A análise estatística foi realizada no software R para Windows em duas etapas: a primeira investigou o intervalo de tempo até o início do uso de método contraceptivo após o abortamento, e a segunda investigou o intervalo de tempo até ocorrer alguma descontinuidade após iniciar o uso do método, nos 12 meses de observação. Considerou-se apenas o primeiro método contraceptivo iniciado. Foram também coletadas informações sobre quais as razões para ter descontinuado o uso do método, quando o evento ocorreu. A variável dependente foi o intervalo de tempo em ambas as etapas. Na análise univariada, utilizou-se o gráfico de Kaplan-Meier para estimar as curvas de sobrevivência dos desfechos de interesse: início de uso do método e descontinuidade no uso do método.
Para avaliar os efeitos das variáveis conjuntamente no tempo até a descontinuidade no uso do método, utilizou-se o modelo de riscos proporcionais de Cox, também denominado modelo de regressão de Cox. Inicialmente, o modelo ajustado foi o completo, isso é, com todas as variáveis de interesse incluídas simultaneamente (idade no aborto, escolaridade, grupo econômico - segundo o critério Brasil1414. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério Brasil 2015 [Internet]. São Paulo: ABEP; 2014[cited 2021 May 21]. Available from: http://www.abep.org/criterio-brasil
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- idade na primeira gravidez, raça/cor, união estável, trabalho, número de filhos e intenção reprodutiva), que não é apresentado aqui. Para obter o modelo que melhor explicasse o intervalo de tempo até descontinuar o uso do método, utilizou-se como critério de seleção a exclusão de variáveis, uma de cada vez, até a obtenção do modelo final, que incluísse somente variáveis significativas (o nível de significância para avaliar as covariáveis nos modelos ajustados foi 0,05). A pressuposição de proporcionalidade foi avaliada por meio do gráfico dos resíduos de Cox-Snell, também não apresentados.
O projeto foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde do Município de São Paulo (CAAE 40558714.8.3001.0086). Como Aracaju e Cuiabá não contavam com CEP nas suas secretarias de saúde, as solicitações para coleta de dados nessas capitais foram analisadas por meio de adendo ao processo referido (CAAE 40558714.8.0000.5392). Todas as mulheres assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após explicação dos objetivos e procedimentos da pesquisa. Após a realização da entrevista, as mulheres receberam orientação sobre os métodos contraceptivos e todas suas dúvidas foram respondidas. Nos tablets usados para as entrevistas, havia material audiovisual sobre planejamento reprodutivo que podia ser usado caso houvesse necessidade.
RESULTADOS
As variáveis sociodemográficas e reprodutivas das mulheres que vivenciaram um abortamento são apresentadas na Tabela 1.
Ao todo, foram relatados 118 casos de abortamentos no período analisado (cinco anos antes da entrevista), o que significa que algumas mulheres relataram mais de um abortamento (n=6). Em 38 desses casos, nenhum método contraceptivo foi usado nos 12 meses posteriores. Portanto, os dados sobre o uso de métodos contraceptivos e de descontinuidade contraceptiva dizem respeito a 80 segmentos de uso de método após o abortamento. Em mais de 40% dos episódios, houve o uso de método contraceptivo ainda no primeiro mês de observação. No fim do período de 12 meses, mais de 70% dos casos de abortamento foram acompanhados pelo uso de método contraceptivo, sendo a pílula e o preservativo masculino os métodos mais usados.
Considerando os 80 segmentos em que houve o uso de método contraceptivo após o abortamento, pode-se observar na Figura 1 que o contraceptivo hormonal oral foi o método com maior probabilidade de ser utilizado, seguido pelo preservativo masculino e, posteriormente, pelos injetáveis. Esse gráfico mostra ainda, que decorridos 12 meses após o abortamento, há um quadro de estabilidade na proporção de uso dos métodos a partir do momento em que o uso é iniciado: a pílula foi usada em 30% dos segmentos e o preservativo masculino por pouco mais de 20%.
Funções de incidência acumulada do tempo até iniciar o uso do método contraceptivo, para os quatro tipos de eventos possíveis (tipos de métodos), nos municípios de São Paulo, Aracaju e Cuiabá, no período 2015-2017
Dentre os 80 segmentos pós-abortamento em que um método contraceptivo foi usado nos 12 meses após o evento, 29 foram descontinuados. Ao analisar a função de distribuição acumulada, observa-se que, no 3o mês após o início do uso do método, 12,5% dos segmentos de uso já haviam sido descontinuados. No final do período de 12 meses, a taxa de descontinuidade no uso dos métodos contraceptivos foi 41,8% (Figura 2).
Função de distribuição acumulada, estimada por Kaplan-Meier, do tempo até ocorrer alguma descontinuidade no uso de métodos contraceptivos, nos municípios de São Paulo, Aracaju e Cuiabá, no período 2015-2017
As razões para descontinuar o uso do método contraceptivo foram porque a mulher ficou grávida enquanto usava o método (34,6%), porque queria engravidar (17,2%), por conta dos efeitos colaterais (17,2%), e por outras razões (31,0%), tais como sexo infrequente ou opção por um método mais eficaz. Ainda considerando todos os segmentos de uso, 15,0% foram finalizados por abandono do método; 13,7% por falha e 7,5% finalizaram em troca por outro método contraceptivo. O tipo de descontinuidade variou conforme o método contraceptivo utilizado: a pílula foi o método que apresentou maior proporção de abandono (58,3%); a falha do método foi mais frequentemente observada entre as usuárias do preservativo masculino (72,7%); e a troca por outro método ocorreu entre metade das usuárias dos injetáveis (50,0%) (Tabela 2).
O modelo final de regressão de Cox, que permite analisar o efeito conjunto das variáveis no tempo decorrido até a descontinuidade no uso do método contraceptivo (Tabela 3), mostrou que o risco de descontinuar o uso do método para mulheres que tiveram o abortamento com menos de 25 anos de idade foi 3,84 vezes àquele das mulheres que tiveram o abortamento entre 25 e 35 anos de idade (p=0,030) (284% maior). Quanto à escolaridade, observa-se que o risco de descontinuar o uso do método contraceptivo após o abortamento entre mulheres com mais de dez anos de estudo é 7,46 vezes o risco de descontinuar o uso para mulheres com até sete anos de estudo (p=0,016) (646% maior). Por sua vez, considerando a variável número de filhos vivos, em que a categoria “nenhum filho” é a referência, observa-se que o risco de descontinuar o uso do método é 18,08 vezes entre mulheres com três ou mais filhos (p=0,001) (1708% maior). Por último, o risco de descontinuar o uso do método contraceptivo nas mulheres que queriam esperar mais para engravidar foi 3,45 vezes o risco de descontinuar entre mulheres que não queriam ter (mais) filhos (p=0,043) (245% maior). O ajuste do modelo foi analisado por meio dos resíduos de Cox-Snell e observou-se que o modelo para explicar o tempo decorrido do início do uso de método contraceptivo até a ocorrência da descontinuidade é adequado.
DISCUSSÃO
Embora o grupo de mulheres que relatou abortamento nos cinco anos anteriores tenha sido pequeno, provavelmente porque se trata de evento bastante estigmatizado no Brasil, as mulheres participantes do estudo parecem representar um espectro amplo da população feminina em geral, em termos de características sociodemográficas, que vão desde jovens a mulheres no fim da vida reprodutiva, pouco escolarizadas a muito escolarizadas, pertencimento a diferentes grupos econômicos e com distintas trajetórias reprodutivas, residentes em três capitais localizadas em distintas regiões do país.
O uso de métodos contraceptivos no período pós-abortamento foi similar ao reportado no Brasil66. Borges ALV. Contracepção pós-abortamento: relação com a atenção em contracepção e intenção reprodutiva. Cad Saúde Pública. 2016;32(2):e00102015. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00102015
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, na Índia99. Zavier AJF, Padmadas SS. Postabortion contraceptive use and method continuation in India. Int J Gynecol Obstet. 2012;118(1):65-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.02.013
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e em outros dez países asiáticos e africanos1515. Benson J, Andersen K, Healy J, Brahmi D. What factors contribute to postabortion contraceptive uptake by young women? a program evaluation in 10 countries in Asia and sub-Saharan Africa. Glob Health Sci Pract. 2017;5(4):644-57. doi: https://doi.org/10.9745/GHSP-D-17-00085
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. O início do uso de métodos contraceptivos ocorreu em torno do primeiro ao segundo mês e houve concentração do uso da pílula e da camisinha, que se manteve na segunda posição ao longo do tempo. Embora a fertilidade possa retornar até duas semanas após o abortamento55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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, é desaconselhável engravidar antes dos três meses, segundo o MS55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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, e até mesmo antes dos 6º mês pós-aborto, de acordo com a OMS1616. World Health Organization. Report of a WHO Technical Consultation on Birth Spacing [Internet]. Geneva: WHO ; 2006 [cited 2020 Aug 10]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/69855/WHO_RHR_07.1_eng.pdf
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, por conta de maior possibilidade de repetição de abortamento, mas há ainda controvérsias na literatura internacional1717. Borges ALV, Chofakian CBN, Viana OA, Divino EA. Descontinuidades contraceptivas no uso do contraceptivo hormonal oral, injetável e do preservativo masculino. Cad. Saúde Pública. 2021;37(2):e00014220. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00014220
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. O fato das mulheres em período pós-abortamento terem usado majoritariamente métodos de curta duração, que acarretam maior risco de falhas, pode colocá-las em maior vulnerabilidade a uma nova gravidez antes do período recomendado.
A comparação da taxa de descontinuidade no uso de métodos contraceptivos pós-abortamento aqui observada com outros estudos é delicada, pois a maior parte deles foi conduzida em contextos em que o abortamento induzido é legal. Neste estudo, não foi possível diferenciar os episódios de abortamento espontâneo do induzido, tendo em vista que uma pergunta direta sobre a etiologia do abortamento provocaria respostas socialmente desejáveis, ou seja, enviesadas1313. Menezes GMS, Aquino EML, Fonseca SC, Domingues RMSM. Abortion and health in Brazil: challenges to research within a context of illegality. Cad Saúde Pública. 2020;36(1 Suppl):e00197918. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00197918
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. De toda forma, o estudo conduzido na Índia observou uma taxa de descontinuidade igual a 27,2%99. Zavier AJF, Padmadas SS. Postabortion contraceptive use and method continuation in India. Int J Gynecol Obstet. 2012;118(1):65-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.02.013
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, ao passo que no Nepal foi 62,0%1111. Puri M, Henderson JT, Harper CC, Blum M, Joshi D, Rocca CH. Contraceptive discontinuation and pregnancy postabortion in Nepal: a longitudinal cohort study. Contraception. 2015;91(4):301-7. doi: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2014.12.011
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. Importante ressaltar que uma parte dos episódios descontinuados foram justificados pelo fato que havia o desejo de engravidar. Tal resultado indica que a intenção reprodutiva no período pós-abortamento parece ter influência na adoção do uso de métodos no período pós-abortamento tanto quanto na descontinuidade do seu uso, sendo o último posteriormente confirmado na nossa análise múltipla.
O abandono foi o tipo de descontinuidade mais observado, quase na mesma magnitude que a falha. Os tipos de descontinuidades variaram conforme o tipo de método contraceptivo utilizado, da mesma forma que observado na China1010. Hou SP, Zhu WL, Li SM, Teng YC. Acceptance and continuation of contraceptive methods immediate postabortion. Gynecol Obstet Invest. 2017;82(1):86-95. doi: https://doi.org/10.1159/000445292
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. A pílula foi o método que apresentou maior proporção de abandono tal e qual observado entre mulheres em geral de outros países77. Ali MM, Cleland J. Oral contraceptive discontinuation and its aftermath in 19 developing countries. Contraception. 2010;81(1):22-9. doi: https://doi.org/10.1016/j.contraception.2009.06.009
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), mas diferentemente do que já foi observado no Brasil1717. Borges ALV, Chofakian CBN, Viana OA, Divino EA. Descontinuidades contraceptivas no uso do contraceptivo hormonal oral, injetável e do preservativo masculino. Cad. Saúde Pública. 2021;37(2):e00014220. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00014220
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. A falha do método foi mais frequentemente observada entre as usuárias do preservativo masculino, assim como na Índia99. Zavier AJF, Padmadas SS. Postabortion contraceptive use and method continuation in India. Int J Gynecol Obstet. 2012;118(1):65-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.02.013
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, tendo em vista que se trata de um método de baixa eficácia1818. World Health Organization. Medical eligibility criteria for contraceptive use [Internet]. Geneva: WHO ; 2015 [cited 2020 Feb 21]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/181468/9789241549158_eng.pdf?sequence=9
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. A troca por outro método ocorreu mais frequentemente entre usuárias de injetáveis, o que também é observado em estudos com mulheres fora do período pós-abortamento, provavelmente por conta dos inúmeros efeitos colaterais associados ao uso desse tipo de método1919. Barden-O’Fallon J, Speizer IS, Calhoun LM, Corroon M. Women’s contraceptive discontinuation and switching behavior in urban Senegal, 2010-2015. BMC Womens Health. 2018;18(1):35. doi: https://doi.org/10.1186/s12905-018-0529-9
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.
As análises mostraram que as mulheres com maior probabilidade de descontinuar o uso de métodos contraceptivos foram as mais jovens, mais escolarizadas, com três ou mais filhos e as que queriam esperar mais para engravidar quando o abortamento ocorreu. Na Índia, também foi observado que a paridade esteve associada à descontinuidade no uso do método, assim como a intenção reprodutiva99. Zavier AJF, Padmadas SS. Postabortion contraceptive use and method continuation in India. Int J Gynecol Obstet. 2012;118(1):65-70. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.02.013
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.
Neste estudo, as mulheres podem ter descontinuado o uso de métodos por duas razões aparentemente antagônicas, mas que fazem sentido num contexto de restrição legal ao aborto, em que não se consegue distinguir a etiologia do abortamento com precisão1313. Menezes GMS, Aquino EML, Fonseca SC, Domingues RMSM. Abortion and health in Brazil: challenges to research within a context of illegality. Cad Saúde Pública. 2020;36(1 Suppl):e00197918. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00197918
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,2020. Veiga‐Junior NN, Cavalari CA, Eugeni C, Kajiura BD, Stefano N, Baccaro LF. Post‐abortion contraception before hospital discharge after installation of a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2020;150(2):200-205. doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13170
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: algumas mulheres talvez quisessem engravidar logo após o abortamento e, por isso, iniciaram o uso do método, mas descontinuaram rapidamente para engravidar; outras queriam evitar engravidar novamente e iniciaram o uso de método que é de mais fácil acesso, como a camisinha e a pílula, adotados em princípio até que outro método mais eficaz fosse acessado. Isso pode explicar a acentuada descontinuidade entre usuárias desses métodos de curta duração. Se as mais jovens ou mais escolarizadas descontinuaram por uma ou outra razão, não foi possível determinar, tendo em vista o número pequeno de episódios para permitir uma análise estratificada. Todavia, não se descarta que a descontinuidade possa ter ocorrido para que outro método fosse adotado algumas semanas ou meses depois. Certamente, pesquisas qualitativas que possam auxiliar na compreensão sobre a relação entre a história/intenção reprodutiva e a ocorrência de descontinuidade contraceptiva são necessárias, principalmente tendo como foco o grupo de mulheres que passaram por um abortamento.
De toda forma, nossos achados nos possibilitam avançar a partir do que já consta nos protocolos e literatura a respeito do reconhecimento do aconselhamento contraceptivo e da oferta de insumos como parte essencial do cuidado pós-abortamento55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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,1616. World Health Organization. Report of a WHO Technical Consultation on Birth Spacing [Internet]. Geneva: WHO ; 2006 [cited 2020 Aug 10]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/69855/WHO_RHR_07.1_eng.pdf
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. Esse cuidado deve incluir estratégias para subsidiar que a mulher reconheça que estará fértil rapidamente e, por isso, necessita usar métodos contraceptivos por, pelo menos, três meses, antes de engravidar novamente. Para as que não têm intenção de engravidar num futuro próximo, é necessário prover a opção de escolher o método que se adeque às suas metas reprodutivas e ao seu estado de saúde. Dessa forma, não apenas os Long Acting Reversible Contraceptives (LARC) devem estar disponíveis ainda durante a hospitalização22. World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [cited 2020 Jan 12]. Preventing unsafe abortion; [about 8 screens]. Available from: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/preventing-unsafe-abortion
https://www.who.int/news-room/fact-sheet...
,55. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao abortamento: norma técnica. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020 Feb 15]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf
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,2020. Veiga‐Junior NN, Cavalari CA, Eugeni C, Kajiura BD, Stefano N, Baccaro LF. Post‐abortion contraception before hospital discharge after installation of a surveillance network in Brazil. Int J Gynaecol Obstet. 2020;150(2):200-205. doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13170
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, por conta de sua alta eficácia e segurança1818. World Health Organization. Medical eligibility criteria for contraceptive use [Internet]. Geneva: WHO ; 2015 [cited 2020 Feb 21]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/181468/9789241549158_eng.pdf?sequence=9
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, mas todos os demais que compõem o quadro de métodos disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), respeitando os critérios de elegibilidade e a escolha da mulher/casal.
CONCLUSÃO
A taxa de descontinuidade no uso de métodos contraceptivos após o abortamento entre mulheres usuárias de UBS de três capitais brasileiras foi 41,8% nos 12 meses após o evento. A descontinuidade foi diferente de acordo com o tipo de método contraceptivo usado, sendo a pílula o método mais frequentemente abandonado, a camisinha aquele em que ocorreram mais falhas e os injetáveis os mais frequentemente trocados. Características sociodemográficas e reprodutivas como idade (ter até 24 anos de idade), escolaridade (ter mais de 10 anos de estudo), paridade (ter três ou mais filhos) e intenção reprodutiva (querer esperar mais para engravidar) associaram-se à descontinuidade no uso do método após o abortamento.
Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira, já mencionada, é que não foi possível distinguir se o abortamento foi espontâneo ou induzido, fato que certamente interfere na trajetória contraceptiva dessas mulheres nos períodos pós-abortamento. Isso parece ser comum em outros estudos conduzidos no Brasil quando se considera esse grupo. A segunda, é que a população de estudo foi constituída por mulheres usuárias do SUS, ou seja, nossos resultados não se aplicam a mulheres usuárias dos serviços privados de saúde. A terceira é que os dados dependem do relato das mulheres, de forma que pode ter havido relatos imprecisos ou incorretos por conta de se tratar de tema velado na sociedade brasileira. Ademais, apesar de entrevistadoras mulheres, com formação na área da saúde e com treinamento adequado, há que se considerar que se trata de evento bastante estigmatizado e que a tendência é que seja subreportado no Brasil.
Apesar das limitações, este estudo apresenta contribuições relevantes para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres que vivenciam um abortamento. O estudo reforça a importância de se investigar a ocorrência de abortamentos e conhecer a dinâmica contraceptiva após sua ocorrência, fundamental para que os profissionais da atenção básica possam compreender a necessidade reprodutiva de mulheres e casais, com vistas à prevenção de uma nova gravidez antes do período mínimo de três meses recomendado ou antes que tenham a intenção de engravidar. Isso significa que a atenção em contracepção após o abortamento não deve apenas se limitar a estimular a mulher e casal a iniciar o uso de métodos contraceptivos o quanto antes após o procedimento, respeitando-se os critérios de elegibilidade, mas também a usá-los continuamente. Ainda, é preciso particularizar o cuidado em contracepção para as mulheres nessa situação, como as mais jovens e com maior paridade, tendo em vista que têm maior probabilidade de descontinuar o uso de métodos nos 12 meses após o abortamento.
Agradecimentos:
Projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Auxílio Regular processo número: 2014/02447-5) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Edital Universal processo número: 440577/2014-4).
Agradecemos ao Centro de Estatística Aplicada do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, na pessoa da Profa. Dra. Gisela Tunes da Silva e Profa. Dra. Laís Heloísa Pozzo.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
04 Jan 2021 -
Aceito
31 Maio 2021