RESUMO
Objetivo:
Comparar elementos de segurança e a compreensão de orientações na alta da Unidade Terapia Intensiva Neonatal entre hospitais público e privado.
Método:
Estudo transversal, desenvolvido em duas Unidades Terapia Intensiva Neonatal do Centro-Oeste do Brasil. Foram empregados o Checklist para segurança do paciente no preparo para alta da Unidade Terapia Intensiva Neonatal e a Escala de Avaliação da Compreensão do Paciente sobre Orientações de Alta a uma amostra (n=105) de cuidadores dos neonatos. Realizou-se análise estatística descritiva e inferencial.
Resultados:
O item do Checklist “cuidados com a pele e higienização corporal” obteve maior conformidade no setor privado (96,9%) que no público (73,2%) (p-valor<0,000) e a compreensão de orientações de alta teve média geral de 62,9±8,3 pontos, sem diferença significativa entre os locais.
Conclusão:
O atendimento a elementos de segurança e a compreensão de orientações na alta foram equânimes entre os hospitais.
Palavras chave:
Alta do paciente; Comunicação em saúde; Recém-nascido; Segurança do paciente; Unidade de terapia intensiva neonatal
ABSTRACT
Objective:
To compare safety elements and the understanding of guidelines at discharge from the Neonatal Intensive Care Unit between public and private hospitals.
Method:
Cross-sectional study, developed in two Neonatal Intensive Care Units in the Midwest of Brazil. The Checklist for patient safety in preparing for discharge from the Neonatal Intensive Care Unit and the Assessment Scale of Patient Understanding about Discharge Guidelines were used for a sample (n=105) of caregivers of newborns. Descriptive and inferential statistical analysis was performed.
Results:
The Checklist item “skin care and body hygiene” had greater conformity in the private sector (96.9%) than in the public sector (73.2%) (p-value<0.000) and the understanding of discharge guidelines had an overall mean of 62.9±8.3 points, with no significant difference between the locations.
Conclusion:
Compliance with safety elements and understanding of guidelines at discharge were equal among hospitals.
Keywords:
Patient discharge; Health communication; Infant, newborn; Patient safety; Intensive care units, neonatal
RESUMEN
Objetivo:
Comparar elementos de seguridad y comprensión de las guías para el alta de la Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales entre hospitales públicos y privados.
Método:
Estudio transversal, desarrollado en dos Unidades de Cuidados Intensivos Neonatales del Medio Oeste de Brasil. La Lista de verificación para la seguridad del paciente en la preparación para el alta de la Unidad de Cuidados Intensivos Neonatales y la Escala de Evaluación de Comprensión del Paciente sobre Pautas de Alta se utilizaron para una muestra (n=105) de cuidadores de recién nacidos. Se realizó análisis estadístico descriptivo e inferencial.
Resultados:
El ítem de la lista de verificación “cuidado de la piel e higiene corporal” tuvo un mayor cumplimiento en el sector privado (96,9%) que en el sector público (73,2%) (valor de p <0,000) y la comprensión de las pautas de alta tuvo una media general de 62,9 ± 8,3 puntos, sin diferencia significativa entre las ubicaciones.
Conclusión:
La atención a los elementos de seguridad y la comprensión de las guías al alta fueron iguales entre los hospitales.
Palabras clave:
Alta del paciente; Comunicación en salud; Recién nacido; Seguridad del paciente; Unidades de cuidado intensivo neonatal
INTRODUÇÃO
Apesar do avanço exponencial do conhecimento científico que permite aumentar a sobrevida de recém-nascidos (RNs) de alto risco, ainda existem muitas condições favoráveis para a ocorrência de eventos adversos nesta população, tanto pela sua alta complexidade clínica, como por serem manipulados por diversos profissionais, submetidos a múltiplas intervenções diagnóstico-terapêuticas e possuírem elevado tempo de internação, inclusive em setores críticos como as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTI-N)11. Yu M, Park CG. Factors associated with patient safety in neonatal intensive care units: A multicenter study using ordinal logistic regression. Jpn J Nurs Sci. 2021;18(1):e12374. doi: https://doi.org/10.1111/jjns.12374.
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. Ademais, são indivíduos com sistemas orgânicos em desenvolvimento e maior fragilidade diante do atendimento inseguro, consequentemente, com mais suscetibilidade à ocorrência de danos22. Lanzillotti LS, De Seta MH, de Andrade CLT, Mendes Junior WV. Adverse events and other incidents in neonatal intensive care units. Cien Saude Colet. 2015;20(3):937-46. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.16912013
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No cenário de UTI-N, são descritos com frequência os seguintes eventos adversos de gravidade e evitabilidade diversa: infiltrações de cateter intravenoso, infecções relacionadas à assistência à saúde, extubação acidental, hemorragias intraventriculares, lesões cutâneas, erros de identificação entre bebês nascidos múltiplos, distúrbios da termorregulação e da glicemia, e lesões nasais por ventilação não invasiva. Tais eventos foram constatados em diferentes contextos geográficos e econômicos como Brasil22. Lanzillotti LS, De Seta MH, de Andrade CLT, Mendes Junior WV. Adverse events and other incidents in neonatal intensive care units. Cien Saude Colet. 2015;20(3):937-46. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015203.16912013
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, Espanha33. Redondo MA, López ES, Blanca ARS, Ros IM, Gómez LC, Redondo AD, et al. Mejorando la seguridad del paciente: utilidad de las listas de verificación de seguridad en una unidad neonatal. An Pediatr. 2017;87(4):191-200. doi: https://doi.org/10.1016/j.anpede.2017.08.004
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, França44. Caeymaex L, Lebeaux C, Roze JC, Danan C, Reynaud A, Jung C, et al. Study on preventing adverse events in neonates (SEPREVEN): a stepped-wedge randomised controlled trial to reduce adverse event rates in the NICU. Medicine. 2020;99(31):e20912. doi: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000020912
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e Estados Unidos da América55. Hatch LD III, Scott TA, Slaughter JC, Xu M, Smith AH, Stark AR, et al. Outcomes, resource use, and financial costs of unplanned extubations in preterm infants. Pediatrics. 2020;145(6):e20192819. doi: https://doi.org/10.1542/peds.2019-2819
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Para além dos eventos adversos que podem afetar os RNs durante a internação em UTI-N, aqueles que sobrevivem e recebem alta destes serviços, frequentemente apresentam problemas de saúde complexos e evoluem com morbidades crônicas, como leucomalácia periventricular, perda auditiva, retinopatia da prematuridade e displasia broncopulmonar, os quais podem acarretar em atraso no crescimento e desenvolvimento11. Yu M, Park CG. Factors associated with patient safety in neonatal intensive care units: A multicenter study using ordinal logistic regression. Jpn J Nurs Sci. 2021;18(1):e12374. doi: https://doi.org/10.1111/jjns.12374.
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. Por esta e outras razões, dentre os processos de segurança que envolvem o neonato e sua família é necessária a viabilização da transição do cuidado na alta hospitalar de forma eficiente e segura66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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A transição do cuidado refere-se a um conjunto de ações destinadas à coordenação e à continuidade do cuidado na transferência de pacientes entre diferentes locais do sistema de saúde ou entre diferentes unidades dentro de uma mesma instituição77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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. É uma atividade multifatorial por envolver indivíduos com diferentes aptidões, como o paciente e seus cuidadores, os profissionais/serviços de saúde que realizaram a assistência e os que darão continuidade ao atendimento88. Kaplan HC, Edwards EM, Soll RF, Morrow KA, Meyers J, Timpson W, et al. Variability in the systems of care supporting critical neonatal intensive care unit transitions. J Perinatol. 2020;40(10):1546-53. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-020-0720-3
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. Quando a transição do cuidado ocorre de forma ineficaz, pode favorecer a ocorrência de eventos adversos graves, com incremento nas taxas de morbidade e mortalidade, gerar o sentimento de insatisfação em todos os atores envolvidos no processo, além de onerar os custos dos serviços e sistemas de saúde66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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,77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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No que tange à assistência neonatal, nota-se que ainda existe espaço para melhorias das estratégias utilizadas para garantir que o cuidado tenha continuidade após a alta hospitalar. Diante disso, um estudo recente realizado nas UTI-N da Rede Vermont Oxford definiu transição crítica ideal como aquela que ocorre de forma segura, oportuna, eficiente, eficaz, equitativa, centrada no paciente e na família e socialmente responsável. No estudo, foram propostos quatro contribuintes para transições críticas “ideais”: trabalho em equipe, integração familiar, comunicação em saúde direta e padronizada, e padronização do cuidado, por meio de uso de instrumentos como checklists e diretrizes da prática clínica88. Kaplan HC, Edwards EM, Soll RF, Morrow KA, Meyers J, Timpson W, et al. Variability in the systems of care supporting critical neonatal intensive care unit transitions. J Perinatol. 2020;40(10):1546-53. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-020-0720-3
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A alta da UTI-N deve ser realizada pela equipe multiprofissional e contemplar as condições clínicas do RN: alimentação por via oral coordenada com a respiração e em quantidade suficiente para bom ganho de peso ou nos casos em que a criança necessitar de outros métodos de alimentação, que o cuidador esteja devidamente capacitado para fornecê-la; manutenção da normotermia em ambiente doméstico e estabilidade da função cardiorrespiratória. Deve-se atentar às necessidades pós-alta: disponibilidade de medicamentos e equipamentos; preparo dos familiares para a realização dos cuidados de rotina com o bebê, como técnica de alimentação, administração de medicamentos e identificação de sinais de risco; fornecimento de sumário de alta completo; e garantia de seguimento na rede de saúde99. Green J, Fowler C, Petty J, Whiting L. The transition home of extremely premature babies: an integrative review. J Neonatal Nurs. 2021;27(1):26-32. doi: https://doi.org/10.1016/j.jnn.2020.09.011
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. Para tanto, o preparo dos familiares para continuarem os cuidados com o RN após a alta da UTI-N deve ocorrer durante todo o período de internação, e não apenas no dia da alta da unidade1010. Hannan KE, Hwang SS, Bourque SL. Readmissions among NICU graduates: who, when and why? Semin Perinatol. 2020;44(4):151245. doi: https://doi.org/10.1016/j.semperi.2020.151245
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,1111. Sadeck LSR. Seguimento do recém-nascido prematuro. In: Segre CAM, Costa HPF, Lippi UG, editores. Perinatologia: fundamentos e prática. 3. ed. São Paulo: Sarvier; 2015. p. 243-50..
Apesar do avanço no conhecimento sobre segurança do paciente em neonatologia, ainda há a necessidade de mais estudos que considerem o processo de alta em diferentes modelos de organização e gestão do trabalho1212. Andrade LEL, Lopes JM, Souza Filho MCM, Vieira Júnior RF, Farias LPC, Santos CCM, et al. Cultura de segurança do paciente em três hospitais brasileiros com diferentes tipos de gestão. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(1):161-72. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.24392015
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,1313. Silva DCZ. Construção e validação de conteúdo dos checklists de segurança do paciente no cuidado de enfermagem em unidades de terapia intensiva neonatal. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2019 [cited 2021 Apr 20]. Available from: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/30260
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. Isso é importante porque, para o planejamento e implementação de ações que visam a qualidade e a segurança do paciente e, portanto, que tenham o potencial de reduzir prejuízos físicos, emocionais e até mesmo financeiros para o paciente e às organizações, é necessário modelos de gestão robustos e ações sistematizadas que visem racionalizar a assistência com esse enfoque1212. Andrade LEL, Lopes JM, Souza Filho MCM, Vieira Júnior RF, Farias LPC, Santos CCM, et al. Cultura de segurança do paciente em três hospitais brasileiros com diferentes tipos de gestão. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(1):161-72. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.24392015
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Tendo em vista a peculiaridade do cuidado prestado em UTI-N, a importância da transição do cuidado nesse contexto, e que disparidades relacionadas entre o desempenho dos serviços prestados por hospitais com diferentes setores e/ou modelos de gestão podem ocorrer, em particular nas questões relacionadas à qualidade e segurança do cuidado1212. Andrade LEL, Lopes JM, Souza Filho MCM, Vieira Júnior RF, Farias LPC, Santos CCM, et al. Cultura de segurança do paciente em três hospitais brasileiros com diferentes tipos de gestão. Ciênc Saúde Colet. 2018;23(1):161-72. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018231.24392015
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, entende-se que é social e cientificamente relevante conhecer como se dá o processo de alta entre UTI-N de segmentos distintos. Assim, o estudo objetivou comparar elementos de segurança e a compreensão de orientações na alta da Unidade Terapia Intensiva Neonatal entre hospitais público e privado.
MÉTODO
Estudo transversal. Foi realizado em duas UTI-N, sendo uma de um hospital público e outra de um hospital privado. Ambas as unidades eram situadas na capital de um dos estados da região Centro-oeste do Brasil. O hospital público é um hospital geral universitário de médio porte com atendimento 100% vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e possuía uma UTI-N do tipo II, com 10 leitos. Já o hospital privado é um hospital geral de médio porte que não atende SUS e contava com uma UTI-N também do tipo II, com 15 leitos.
A população de estudo foi constituída por cuidadores de neonatos que tiveram alta dos referidos campos de estudo, no período entre 2 de setembro e 17 de dezembro de 2020, e que cumpriram os seguintes critérios de elegibilidade: ser cuidador (independente do grau de parentesco/vínculo) que participou ativamente dos cuidados ao neonato na UTI-N - o que em vigência da pandemia por COVID-19, significou o cuidador estar presente na unidade nos horários agendados para receber o boletim médico enquanto o RN estava clinicamente instável ou permanecer na unidade para fazer os cuidados diários com o RN quando este passou a apresentar estabilidade clínica - e esteve presente na alta da UTI-N para o domicílio; e ser cuidador de RN que permaneceu no mínimo 48 horas internado na UTI-N. Os critérios de exclusão foram: cuidadores menores de 18 anos; portadores de deficiência intelectual ou que faziam uso de drogas ilícitas com poder de modificar o funcionamento do sistema nervoso central; cuidadores de neonatos sob intervenção do conselho tutelar; cuidadores de gemelares em que um dos gêmeos evoluiu para óbito; e aqueles que não responderam à três tentativas de contato telefônico.
Nos casos que envolveram gemelaridade, foi feito contato telefônico com o cuidador apenas após a alta do último gemelar, e foram utilizados os dados de caracterização do recém-nascido referentes a este. Quando a alta dos gemelares ocorreu no mesmo momento, foi elegido o gemelar “1” como referência para a extração dos dados deste RN. Tendo em vista os critérios expostos, a amostra foi conformada por conveniência, consecutiva, prospectiva.
No hospital público, 48 cuidadores deixaram a UTI-N com seus neonatos no período estabelecido para a pesquisa. Destes, sete não eram elegíveis, pois um estava sob intervenção do conselho tutelar, um evadiu, um permaneceu menos de 48 horas internado na unidade, três tinham menos de 18 anos de idade e um não atendeu às três tentativas de contato para a coleta de dados. Da UTI-N do hospital privado, saíram no período 75 cuidadores, dos quais 11 não foram elegíveis, uma vez que 10 permaneceram menos de 48 horas na unidade e um não participou dos cuidados com o recém-nascido durante a internação. Portanto, 105 cuidadores constituíram a amostra final do estudo, sendo 41 provenientes do hospital público e 64 do hospital privado.
A coleta de dados foi realizada em dois momentos, na vigência do recorte temporal citado. O primeiro momento, que ocorreu todos os dias da semana, em ambos os campos de estudo, foi caracterizado por meio de contato individualizado no ambiente hospitalar da pesquisadora com os cuidadores dos neonatos para convidá-los a participarem da pesquisa, por meio de apresentação do projeto, esclarecimentos sobre a investigação e entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para leitura e assinatura daqueles que assim desejaram. Após o consentimento, era feito pela pesquisadora o preenchimento do formulário de caracterização dos participantes, por meio de entrevista com o cuidador para a coleta das variáveis referentes ao próprio cuidador: sexo, raça, idade, grau de parentesco com o neonato, renda familiar e grau de escolaridade, além da anotação do contato telefônico. Na sequência, por meio de pesquisa em prontuário, fazia-se a coleta das variáveis referentes ao RN do respectivo cuidador: sexo, idade gestacional e peso de nascimento.
O segundo momento de coleta de dados transcorreu após confirmação in loco da alta do neonato acompanhado de seu cuidador preliminarmente integrante da pesquisa. Foi realizada entrevista com o cuidador por telefone não gravada em até 72h após a alta do RN, completando-se os dados do formulário de caracterização preenchidos na primeira etapa, com a informação do tempo total de internação do neonato na UTI-N, e aplicado dois instrumentos previamente validados no Brasil.
O primeiro instrumento aplicado foi o “Checklist para a segurança do paciente no preparo para a alta da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal", que tem como objetivo verificar os elementos de segurança na alta da UTI-N. Este é constituído por sete perguntas que contemplam metas internacionais de segurança do paciente, com respostas dicotômicas de atendimento “sim” ou “não” e é de domínio público por acesso online1313. Silva DCZ. Construção e validação de conteúdo dos checklists de segurança do paciente no cuidado de enfermagem em unidades de terapia intensiva neonatal. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2019 [cited 2021 Apr 20]. Available from: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/30260
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O checklist foi validado em estudo recente desenvolvido em Minas Gerais, Brasil, com um Índice de Validade de Conteúdo ideal de 0,95. As sete perguntas do checklist se relacionam aos seguintes elementos de segurança: identificação do paciente, comunicação, segurança medicamentosa, prevenção de infecções associadas ao cuidado de saúde, prevenção de quedas e de lesões de pele1313. Silva DCZ. Construção e validação de conteúdo dos checklists de segurança do paciente no cuidado de enfermagem em unidades de terapia intensiva neonatal. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2019 [cited 2021 Apr 20]. Available from: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/30260
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. Para tanto, a conformidade destes elementos foi questionada pela pesquisadora e referida pelo cuidador com base na sua participação no processo de alta da UTI-N. Ou seja, o cuidador referia se o elemento de segurança foi ou não cumprido no processo de alta.
O segundo instrumento aplicado, denominado “Escala de Avaliação da Compreensão do Paciente sobre Orientações de Alta” foi validado recentemente por meio de um estudo desenvolvido no estado de São Paulo, Brasil. O valor de Alfa de Cronbach global para a Parte I da escala, utilizada neste estudo, foi considerado excelente (α=0,918) e, em relação à avaliação dos juízes, os resultados mostraram que houve avaliação positiva do instrumento1414. Mota RJBS, Puggina ACG. Construção e validação da escala “Avaliação da compreensão do paciente sobre orientações de alta”. Enferm Foco. 2020;11(1): 118-25 . doi: https://doi.org/10.21675/2357-707x.2020.v11.n1.2748
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. Trata-se de uma escala do tipo Likert de concordância, com pontuação de 1 a 5, conforme a percepção do paciente sobre a sua compreensão em relação às orientações de alta. Na parte I do instrumento, a pontuação “1” refere-se a não recebi orientação, “2” discordo, “3” discordo parcialmente, “4” concordo parcialmente, “5” concordo.1414. Mota RJBS, Puggina ACG. Construção e validação da escala “Avaliação da compreensão do paciente sobre orientações de alta”. Enferm Foco. 2020;11(1): 118-25 . doi: https://doi.org/10.21675/2357-707x.2020.v11.n1.2748
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A escala utiliza como indicador o processo de comunicação centrada na percepção do paciente, portanto, mensura a compreensão do paciente sobre as orientações fornecidas pelos profissionais de saúde, sobre o seu tratamento pós-alta hospitalar.
O instrumento é composto por 14 itens subdivididos em quatro fatores: 1) compreensão sobre medicamentos; 2) compreensão sobre tratamento e diagnóstico; 3) compreensão sobre restrição; e 4) compreensão sobre retorno1414. Mota RJBS, Puggina ACG. Construção e validação da escala “Avaliação da compreensão do paciente sobre orientações de alta”. Enferm Foco. 2020;11(1): 118-25 . doi: https://doi.org/10.21675/2357-707x.2020.v11.n1.2748
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. Destaca-se que, neste estudo, a compreensão do paciente refere-se à compreensão do cuidador do RN. Registra-se que não se utilizou o instrumento completo, em razão de uma de suas partes avaliar reações não verbais do participante, condição inviável para coleta de dados por meio telefônico. Esta opção se deu para não atrapalhar com mais incisão a dinâmica de rotina dos cuidadores e também, devido ao contexto de pandemia por COVID-19.
Ambos os instrumentos utilizados foram enunciados no ato da coleta de dados de forma adaptada apenas para serem compreensíveis no contexto do cuidador do neonato como respondente, sem alterar o conteúdo dos instrumentos. Para a escala ser compreensível no contexto do cuidador do neonato como respondente, foram realizadas adaptações em seu enunciado. Por exemplo, ao invés de se enunciar ao participante “Compreendi o meu diagnóstico médico", enunciava-se "Compreendi o diagnóstico médico do bebê”, e assim sucessivamente em todos os 14 questionamentos realizados. Considerou-se que essas adaptações não alteraram o conteúdo essencial da escala de medida.
Os dados coletados em meio impresso foram digitados com dupla checagem em planilhas eletrônicas do software Microsoft Office Excel® e, posteriormente, realizou-se a análise estatística descritiva e inferencial utilizando o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences, versão 21. As variáveis categóricas foram analisadas por frequência absoluta e relativa (%). As variáveis quantitativas foram descritas por medidas de tendência central e dispersão. As variáveis quantitativas do formulário de caracterização dos participantes, assim como os itens que compõem a Escala de Avaliação da Compreensão do Paciente sobre Orientações de Alta, foram submetidos ao teste de normalidade de Komogorov-Smirnov, sendo “peso de nascimento” a única variável com distribuição normal.
Destaca-se que, na análise da Escala de Avaliação da Compreensão das Orientações de Alta do Paciente, o escore final é obtido pela somatória simples de cada item e, portanto, considerando a parte I do instrumento, este pode variar de 14 a 70, sendo que quanto maior o escore, maior a percepção de compreensão em relação ao seu tratamento e alta, não havendo um ponto de corte para uma boa compreensão1414. Mota RJBS, Puggina ACG. Construção e validação da escala “Avaliação da compreensão do paciente sobre orientações de alta”. Enferm Foco. 2020;11(1): 118-25 . doi: https://doi.org/10.21675/2357-707x.2020.v11.n1.2748
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Na análise inferencial, foram empregados testes de comparação, sendo o Qui-quadrado para as variáveis categóricas sexo, raça e grau de escolaridade do cuidador, renda familiar, grau de parentesco do cuidador com o recém-nascido, sexo do recém-nascido; e também sobre os itens do checklist (primeiro instrumento). O teste t-student foi utilizado para a variável quantitativa com distribuição normal e Mann-Whitney para as variáveis quantitativas com distribuição assimétrica. Em todo processo de análise estatística inferencial foi considerada a significância em 5%, expressa em p-valor≤0,05. Para avaliar a confiabilidade da Escala de Avaliação da Compreensão do Paciente sobre Orientações de Alta, foi calculado o coeficiente Alfa de Cronbach, estabelecido como satisfatório se valor ≥0,70.
Todos os pressupostos éticos e legais estabelecidos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foram atendidos e o projeto de pesquisa foi registrado sob CAEE: 36371420.8.0000.5541 e parecer 4.252.212/2020.
RESULTADOS
Da amostra geral (n=105), predominaram cuidadoras do sexo feminino (98,1%), mães (95,2%), com idade média de 31±7,2 anos, pardas (55,2%), com renda familiar menor que quatro salários mínimos mensais (62,8%). A renda familiar e o nível de escolaridade foram maiores dentre os cuidadores do serviço privado (Tabela 1).
Na amostra geral, a idade gestacional média foi de 35±2,8 semanas e o peso de nascimento médio de 2478,48±727,9 gramas. Conforme expresso na Tabela 2, o tempo de internação dos RNs foi significativamente mais prolongado para os pacientes do serviço público. Não houve diferenças significativas na idade do cuidador, idade gestacional e peso de nascimento do RN entre os hospitais público e privado.
O atendimento dos elementos para a segurança do paciente no preparo para a alta da UTI-N é apresentado na Tabela 3. Evidenciou-se que o item mais atendido nos dois hospitais foi referente ao preenchimento da caderneta e resumo de alta, enquanto que os itens sobre riscos de queda/transporte do RN e sobre treinamento para administração das medicações tiveram menor conformidade. O item sobre cuidados com a pele e higienização corporal foi significativamente mais frequente no hospital privado.
Quanto aos resultados da “Escala de Avaliação da Compreensão do Paciente sobre Orientações de Alta”, salienta-se que houve boa consistência interna na amostra investigada (alfa de Cronbach=0,83). O escore total variou de 37 a 70. A pontuação média geral do hospital público foi de 63,46±8,661 e do hospital privado de 62,56±8,136, não sendo constatada diferença estatística significativa (p=0,466), conforme consta na Tabela 4.
A distribuição das pontuações de cada item da escala não apresentou diferença estatística entre os locais, de acordo com os resultados apresentados na Tabela 5.
DISCUSSÃO
Este estudo contribui na identificação de elementos de segurança e compreensão de orientações na alta da UTI-N entre hospitais público e privado. As constatações permitem racionalizar o planejamento de melhorias no processo de alta nestes locais. No Brasil, não foram encontradas publicações que contemplem fatores associados à qualidade da alta em UTI-N e sua comparação em relação aos diferentes setores de gestão e/ou financiamento.
Entre os cuidadores, verificou-se aspectos socioeconômicos divergentes, pois a maioria daqueles proveniente do hospital público apresentou menor nível de escolaridade e renda familiar mensal, comparando-se aos cuidadores do hospital privado. Diferenças socioeconômicas são importantes de serem consideradas no planejamento de alta e das orientações aos familiares. Nesta direção, estudo prévio identificou que literacia em saúde, renda familiar, desemprego e raça/etnia são fatores associados à percepção de preparação para alta em UTI-N1515. Enlow E, Gray MM, Wallace-Keeshen S, D’Agostino JA, Abbasi S, Lorch SA. Health literacy of parents of very preterm infants at NICU admission and discharge: a prospective cohort study. J Perinatol. 2019;39(6):866-75. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-019-0340-y
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O tempo de internação em UTI-N observado foi significativamente mais prolongado para os pacientes do serviço público. Essa diferença poderia ser explicada por uma maior gravidade clínica dos pacientes provenientes deste local1616. Mendonça JG, Guimarães MJB, Mendonça VG, Portugal JL, Mendonça CG. Profile of hospitalizations in pediatric intensive care units of the Brazilian unified health system in the state of pernambuco, Brazil. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(3):907-16. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.02152017
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. porém, não foram compilados dados dessa ordem. Em contrapartida, considerando a lógica mercadológica do setor privado, como um propulsor para a adoção de estratégias que levam a uma maior produtividade e consequentemente a um maior faturamento1717. Oliveira JLC, Gabriel CS, Fertonani HP, Matsuda LM. Management changes resulting from hospital accreditation. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2851. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1394.2851
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, levanta-se a hipótese de que o hospital privado tenha meios estruturais e gerenciais mais incrementados para aumentar a rotatividade dos seus leitos de UTI-N, como maior agilidade e disponibilidade para a realização de exames complementares, procedimentos e interconsultas com especialistas; além de boa acessibilidade dos pacientes à consulta médica no ambiente extra-hospitalar, reduzindo assim o tempo de internação e aumentando o número de admissões.
O menor tempo de internação pode contribuir negativamente para a capacitação dos cuidadores em relação aos cuidados diários com o RN após a alta hospitalar para o domicílio. Porém, quanto mais prolongada a internação, maior é a exposição do RN para a ocorrência de incidentes com danos77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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Desta forma, são necessários meios que propiciem a assertividade e segurança da assistência neonatal, sobretudo em momentos críticos, como a transição do cuidado. Todo contato assistencial dos profissionais de saúde com o neonato e a família pode ser considerado como oportunidade para troca de informações pertinentes ao cuidado pós-alta.
Constou-se que nos dois cenários de pesquisa houve um bom atendimento dos seguintes itens que compõem o Checklist para a Segurança do Paciente no Preparo para a Alta Hospitalar: preenchimento da caderneta da criança e do resumo de alta; orientações sobre a consulta para acompanhamento do RN e sobre as medicações de uso domiciliar. Porém, ainda há espaço para melhorias em ambos os hospitais, no que tange ao atendimento dos itens: treinamento para a administração dos medicamentos; orientações sobre os riscos de infecção no ambiente extra-hospitalar, e orientações quantos aos riscos de queda e transporte do RN.
Em consonância com a literatura1818. Tubbs-Cooley HL, Riddle SW, Gold JM, Wade-Murphy S, Auger KA, Statile AM, et al. Paediatric clinical and social concerns identified by home visit nurses in the immediate postdischarge period. J Adv Nurs. 2020;76(6):1394-403. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14341
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, observa-se que os erros de administração de medicamentos estão dentre os principais eventos adversos após a alta hospitalar. Estudo recente, realizado nos Estados Unidos com cuidadores de pacientes pediátricos após a alta hospitalar, constatou a segurança dos medicamentos como principal preocupação da equipe de enfermagem durante visita domiciliar, sendo os principais problemas àqueles relacionados com a administração familiar dos fármacos e a reconciliação medicamentosa1818. Tubbs-Cooley HL, Riddle SW, Gold JM, Wade-Murphy S, Auger KA, Statile AM, et al. Paediatric clinical and social concerns identified by home visit nurses in the immediate postdischarge period. J Adv Nurs. 2020;76(6):1394-403. doi: https://doi.org/10.1111/jan.14341
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O único item do checklist em estudo que apresentou diferença significativa entre os dois hospitais foi o que contempla as orientações quanto aos cuidados com a pele e a higienização corporal do RN. O hospital privado apresentou resultados mais satisfatórios, comparando-se à realidade verificada no serviço público. Isso é relevante porque os RNs apresentam como particularidade a imaturidade do estrato córneo, e, portanto, menor barreira funcional da pele, o que os tornam mais vulneráveis às agressões do meio externo, incluindo infecções1919. Albahrani Y, Hunt R. Newborn skin care. Pediatr Ann. 2019;48(1):e11-e55. doi: https://doi.org/10.3928/19382359-20181211-01
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A diferença encontrada entre os serviços sobre o item supracitado poderia ser explicada pelo fato de, na prática dos profissionais do hospital privado, existir a utilização de um modelo de prescrição para a alta do RN da UTI-N, o qual contempla orientações sobre os cuidados gerais com o bebê, incluindo tópicos sobre os cuidados com a pele do RN. Além disso, devido à diferença de escolaridade entre os participantes dos hospitais, existe a possibilidade de um viés de compreensão da pergunta, de forma que participantes com maior escolaridade tenham melhor entendimento das orientações passadas pela equipe de saúde. Esse aspecto emerge como uma possibilidade de aprofundamento por investigações futuras.
De forma geral, houve resultados positivos em ambos os cenários hospitalares no que diz respeito à compreensão dos cuidadores sobre orientações de alta do RN. O fato de o instrumento de coleta de dados sobre a compreensão das orientações de alta1414. Mota RJBS, Puggina ACG. Construção e validação da escala “Avaliação da compreensão do paciente sobre orientações de alta”. Enferm Foco. 2020;11(1): 118-25 . doi: https://doi.org/10.21675/2357-707x.2020.v11.n1.2748
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ter sido divulgado no mesmo ano da extração dos dados desta pesquisa provavelmente interferiu na inexistência de outras publicações que utilizaram essa escala. Isso, apesar de ser uma limitação da densidade do debate/interpretação dos resultados, também é uma contribuição deste estudo, uma vez que pesquisas futuras poderão obter maior norteamento nesta análise interpretativa. Assim, o estudo pode servir de base comparativa aos escores obtidos em outros cenários.
Interpretou-se que a compreensão sobre os sinais de piora da doença do RN e, portanto, quando deve ser procurado um serviço de emergência, foi um campo com espaço para melhoria, tanto no hospital público como no privado. As preocupações dos pais no cuidado ao RN egresso da UTI-N são direcionadas para as complicações, porque o associam a um ser frágil e indefeso e com maior probabilidade de adoecer, assim, a preocupação com a sobrevivência do bebê durante a hospitalização é substituída pela preocupação com a manutenção da sua saúde66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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. Portanto, é importante que os cuidadores se sintam preparados para identificar os sinais de alerta possíveis de serem apresentados pelo RN, com indício para a procura de um serviço de emergência1010. Hannan KE, Hwang SS, Bourque SL. Readmissions among NICU graduates: who, when and why? Semin Perinatol. 2020;44(4):151245. doi: https://doi.org/10.1016/j.semperi.2020.151245
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São sinais clínicos que denotam a necessidade de busca por serviço de emergência para um RN: hipoatividade, convulsões ou tremores, cianose, palidez, choro fraco ou incontrolável, dificuldade respiratória, apnéia, recusa alimentar, distensão abdominal, regurgitações ou vômitos frequentes, surgimento ou piora da icterícia, diurese inadequada, sinais de desidratação e hipotermia ou hipertermia1010. Hannan KE, Hwang SS, Bourque SL. Readmissions among NICU graduates: who, when and why? Semin Perinatol. 2020;44(4):151245. doi: https://doi.org/10.1016/j.semperi.2020.151245
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A pontuação relativamente baixa no item em pauta pode indicar a necessidade de que os serviços de alta complexidade, como as UTI-N, se corresponsabilizem pela organização e articulação com a rede de atenção, desenvolvendo e aprimorando os mecanismos de referência e contrarreferência, bem como orientando os cuidados nesse aspecto durante a internação, tanto para evitar buscas desnecessárias que causam superlotação e tumulto nos serviços de emergência, como para que um neonato não deixe de ser atendido, por negligência e/ou desconhecimento parental.
Frente ao cenário exposto, pode-se perceber que o estudo avança no sentido de apontar com mais especificidade sobre quais elementos ou aspectos de cuidado podem ser melhorados durante a alta da UTI-N em ambos os hospitais pesquisados, sendo eles: orientações e treinamento para administração de medicamentos; orientações sobre prevenção de quedas/transporte seguro; cuidados com a pele e higienização corporal e necessidade de procurar serviço de emergência. Portanto, os achados deste estudo reforçam a necessidade de aprimoramento na transição do cuidado na alta de UTI-N, principalmente no que concerne à educação em saúde para preparar melhor os cuidadores para alta.
O planejamento de cuidados para a alta, o auxílio na reabilitação social, a educação em saúde, a articulação com os demais serviços e o acompanhamento pós-alta são atividades desenvolvidas pelo enfermeiro e demais membros da equipe multiprofissional para garantir altas seguras e eficientes77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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. Talvez, a própria implementação de listas de verificação, como o checklist utilizado neste estudo, possa servir como aporte de melhoria da qualidade dos serviços, ao passo que estes instrumentos funcionam como contribuintes para uma transição qualificada e segura88. Kaplan HC, Edwards EM, Soll RF, Morrow KA, Meyers J, Timpson W, et al. Variability in the systems of care supporting critical neonatal intensive care unit transitions. J Perinatol. 2020;40(10):1546-53. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-020-0720-3
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Sabe-se que apesar de qualquer preparação por parte da equipe sobre os cuidados com o RN na transição para a casa, na prática, muitas vezes os cuidadores responsáveis se sentem despreparados para a alta99. Green J, Fowler C, Petty J, Whiting L. The transition home of extremely premature babies: an integrative review. J Neonatal Nurs. 2021;27(1):26-32. doi: https://doi.org/10.1016/j.jnn.2020.09.011
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. Estudo de origem australiana demonstrou que mães de RNs internados em UTI-N reconheceram que precisavam ser informadas várias vezes sobre como fazer os cuidados com os seus bebês, pois às vezes ficavam muito estressadas e não conseguiam entender o que estava sendo dito a elas.
É necessária a incorporação de estratégias sistemáticas a fim de garantir que o paciente ou seu cuidador receba o conteúdo certo de cuidados, no lugar certo, na hora certa e da equipe certa.88. Kaplan HC, Edwards EM, Soll RF, Morrow KA, Meyers J, Timpson W, et al. Variability in the systems of care supporting critical neonatal intensive care unit transitions. J Perinatol. 2020;40(10):1546-53. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-020-0720-3
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,1313. Silva DCZ. Construção e validação de conteúdo dos checklists de segurança do paciente no cuidado de enfermagem em unidades de terapia intensiva neonatal. [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2019 [cited 2021 Apr 20]. Available from: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/30260
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Reconhece-se que atividades de educação em saúde são essenciais para uma transição segura do hospital para o domicílio, as quais devem ser realizadas durante a internação do paciente, não sendo recomendado o fornecimento de orientações apenas no momento da alta77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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. Cuidadores devem ser capacitados de forma gradual, ainda na internação, para realizar cuidados pós alta, envolvendo-os no processo de aprendizagem como sujeitos ativos66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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Concorda-se que é necessária, além da definição clara das orientações a serem realizadas, a avaliação da sua compreensão, para que a transição do cuidado seja bem-sucedida66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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. Algumas estratégias podem ser realizadas, incluindo abordagens promotoras de literacia em saúde, como método de comunicação teach-back, linguagem voltada para o nível de leitura da 8ª série e reforço repetido1515. Enlow E, Gray MM, Wallace-Keeshen S, D’Agostino JA, Abbasi S, Lorch SA. Health literacy of parents of very preterm infants at NICU admission and discharge: a prospective cohort study. J Perinatol. 2019;39(6):866-75. doi: https://doi.org/10.1038/s41372-019-0340-y
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. O uso de materiais informativos e outras atividades lúdicas para reforçar orientações dos cuidados também são indicados77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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Entende-se que o acompanhamento dos RNs após a alta de UTI-N é fundamental para a continuidade do cuidado. Recomenda-se que a primeira consulta de enfermagem seja realizada uma semana após a alta para avaliar o estado de saúde do RN e adaptação ao ambiente familiar, bem como esclarecer dúvidas e reforçar orientações de cuidados66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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. Além de consultas presenciais, o acompanhamento pode ocorrer por meio de visitas domiciliares e contatos telefônicos66. Engenheiro OB, Carvalho GMA. Strategies in the continuity of post-discharge care to premature or low-weight newborns. Rev Ibero-Am Saúde Envel. 2020 [cited 2021 Apr 20];6(1):2023-36. Available from: http://www.revistas.uevora.pt/index.php/saude_envelhecimento/article/view/398/679
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,77. Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Maques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm. 2017;22(3):e47615. doi: https://doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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Neste estudo, o momento de coleta de dados foi, também, uma oportunidade de monitoramento dos recém-nascidos e seus respectivos cuidadores, via telefone. Os participantes tiveram suas dúvidas referentes à amamentação, sinais de alerta para procurar serviço de emergência, forma adequada de transportar o RN, riscos de infecção, administração de medicamentos e cuidados com a pele do RN, esclarecidas pela pesquisadora, favorecendo a melhora das competências dos cuidadores e também melhor articulação da pesquisa com a prática clínica.
Por fim, reconhece-se a importância de processos de qualificação dos profissionais envolvidos na transição do cuidado dos RNs e seus cuidadores. Assim, o investimento na educação permanente é uma necessidade, favorecendo um processo de ensino-aprendizagem no cotidiano de trabalho, a fim de ter melhor atendimento a elementos de segurança na alta e fornecimento de orientações sobre os cuidados no domicílio desses indivíduos.
CONCLUSÃO
Conclui-se que, por comparação, o atendimento a elementos de segurança e a compreensão de orientações na alta da UTI-N foi equânime entre os hospitais. Entretanto, ainda existem espaços para melhoria independente do modelo de gestão público/privado, especialmente a respeito dos elementos de segurança relacionados à administração de medicamentos e à prevenção de quedas/transporte seguro.
O item “cuidados com a pele e higienização corporal” teve diferença significativa entre os locais, com melhores resultados no hospital privado. Quanto à compreensão dos cuidadores sobre as orientações de alta, observaram-se bons resultados de forma geral em ambos os cenários hospitalares, porém, interpretou-se que a compreensão sobre os sinais de piora da doença do RN foi um espaço para melhoria, tanto no hospital público quanto no privado.
Esta pesquisa apresenta como limitação possível viés de gratidão, pois, sabendo que os pais/cuidadores certamente tinham algum sentimento positivo pela alta do neonato, talvez, puderam superestimar o atendimento dos itens de segurança e as orientações fornecidas na alta. Neste sentido, estudos futuros com observação in loco são recomendados. A dificuldade de comparação de resultados com estudos nacionais, pela escassez de pesquisas relacionadas, também é uma limitação. Todavia, espera-se que este estudo possa desencadear maiores discussões sobre a transição do cuidado neonatal, além do uso racional de meios e instrumentos que qualifiquem a alta da UTI-N, independente do modelo de gestão hospitalar.
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Publicação nesta coleção
26 Ago 2022 -
Data do Fascículo
2022
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Recebido
10 Set 2021 -
Aceito
30 Dez 2021