RESUMO:
Objetivou-se avaliar a produtividade, o rendimento e a qualidade de fibras de cultivares de algodoeiro herbáceo submetidas a diferentes lâminas de irrigação. Durante dois anos consecutivos foi conduzido um experimento de campo na região de Apodi (RN) disposto em parcelas subdivididas com quatro lâminas de irrigação (130, 100, 70 e 40% da evapotranspiração da cultura - ETc) e quatro cultivares de algodoeiro (FiberMax 993, BRS 286, BRS 336 e BRS 335), em delineamento de blocos casualizados com quatro repetições. Foram avaliadas a produtividade, a percentagem e a qualidade das fibras do algodoeiro. Houve diferença significativa para as características avaliadas entre as cultivares e as lâminas de irrigação. A rega com déficit (70 e 40% ETc) ocasionou declínio na produtividade de algodão em caroço, na percentagem e qualidade das fibras. As cultivares FiberMax 993 e BRS 286 apresentaram as maiores produtividades e percentagem de fibras entre as cultivares avaliadas. Com a lâmina de 40% da ETc as cultivares de fibra média (FiberMax 993, BRS 286 e BRS 335) apresentaram fibras curtas, e a cultivar de fibra longa (BRS 336) apresentou fibra média. De forma geral, a redução na qualidade da fibra não foi severa, haja vista a fibra produzida está dentro da faixa de qualidade aceitável pela indústria têxtil nacional, mesmo em condições de déficit hídrico. Dessa forma, a decisão em irrigar o algodoeiro com ou sem déficit hídrico dependerá dos custos da irrigação e do valor de mercado do produto.
Palavras-chave:
Déficit hídrico; Algodão; Semiárido.
ABSTRACT:
This study was conducted to evaluate seed cotton yield, fiber yield, and fiber quality traits of cotton cultivars grown under different irrigation levels in Brazil. The experiment was conducted over two years in the region of Apodi - RN, with sprinkler irrigation. Treatments comprised of 4 irrigation levels i.e., 130, 100, 70 and 40 % of the crop evapotranspiration (ETc) and 4 cotton cultivars i.e., FiberMax 993, BRS 286, BRS 336 and BRS 335. The experimental design was factorial with randomized complete block design and four replicates. Yield, lint percent and fiber quality traits determined were evaluated. Different responses were observed for cultivars at various irrigation levels. Cultivars grown under limited irrigation exhibited a decline in the seed cotton yield, lint percent, and fiber quality. Cultivars with the highest yield and lint percent were FiberMax 993 and BRS 286. Within irrigation level of 40 % ETc, the medium fiber cultivars produced short fibers whereas the long fiber cultivar, BRS 336, produced medium fiber length. Overall, the different levels of water deficits did not significantly affect fiber quality of the four cultivars tested as all fiber quality traits remained acceptable for the domestic textile industry.
Keywords:
Water deficit; Cotton; Semiarid.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a demanda hídrica nos centros urbanos tem crescido rapidamente decorrente do crescimento populacional e a melhoria de renda da população, criando uma série de problemas, principalmente em regiões onde os recursos hídricos são escassos, como o semiárido do nordeste do Brasil. Essa situação cria a necessidade de se desenvolver pesquisas que visem o uso sustentável daqueles recursos, tanto nas zonas urbanas quanto na agricultura, a qual, com uso da irrigação, é responsável por 54% da água consumida no Brasil (ANA, 2013ANA. Agência Nacional das Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2013. 2013 Disponível em: <http://arquivos.ana.gov.br/institucional/spr/conjuntura/ANA_Conjuntura_Recursos_Hidricos_Brasil/ANA_Conjuntura_Recursos_Hidricos_Brasil_nov.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2014.
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).
Dessa forma, o decréscimo na disponibilidade hídrica pode acarretar uma necessidade de alterações e adaptações nas estratégias de irrigação, visto que em muitas regiões a rega poderá ser limitada pela baixa disponibilidade hídrica (SNOWDEN et al., 2013SNOWDEN, C.; RITCHIE, G.; THOMPSON, T. Water use efficiency and irrigation response of cotton cultivars on subsurface drip in west Texas. The Journal of Cotton Science. Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 1-9, 2013.).
O cultivo de algodão irrigado na região semiárida é uma ótima oportunidade para o setor algodoeiro, visto que devido às características climáticas na região semiárida são produzidas fibras de ótima qualidade, e em áreas irrigadas são alcançadas excelentes produtividades (BRITO et al., 2011BRITO, G. G. et al. Physiological traits for drought phenotyping in cotton. Acta Scientiarum Agronomy, Maringá, v. 33, n. 1, p. 117-125, 2011.). Nesse ínterim, deve-se buscar nas pesquisas melhorias no manejo da irrigação do algodoeiro visando obtenção de elevadas produtividades, alta qualidade de fibra e maior eficiência de uso de água pela cultura.
Uma das práticas que vem sendo difundida para reduzir o gasto de água na irrigação é o uso da rega com déficit hídrico controlado, a qual mantém a produtividade das culturas elevando a eficiência de uso da água, de modo a garantir o retorno da produção por unidade de água aplicada, aumentando a sustentabilidade do sistema.
Segundo Basal et al. (2009BASAL, H. et al. Effects of Deficit Drip Irrigation Ratios on Cotton (Gossypium hirsutum L.) Yield and Fiber Quality. Journal of Agronomy and Crop Science, Berlin, v. 195, n. 1, p. 19-29, 2009.), Dagdelen et al. (2009DAGDELEN, N. et al. Different drip irrigation regimes affect cotton yield, water use efficiency and fiber quality in western Turkey. Agricultural Water Management Amsterdam, v. 96, n. 1, p. 111-120, 2009.) e DeTar (2008DE TAR, W. R. Yield and growth characteristics for cotton under various irrigation regimes on sandy soil. Agricultural water management, Amsterdam, v. 95, n. 1, p. 69-76, 2008. ) o decréscimo na disponibilidade hídrica tem conduzido a pesquisas sobre o requerimento de água de diversos cultivos, bem como ao estudo do impacto da irrigação com déficit no rendimento e na qualidade dos produtos.
Para o algodoeiro, diversos autores como Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.), Brito et al. (2011BRITO, G. G. et al. Physiological traits for drought phenotyping in cotton. Acta Scientiarum Agronomy, Maringá, v. 33, n. 1, p. 117-125, 2011.), DeTar (2008DE TAR, W. R. Yield and growth characteristics for cotton under various irrigation regimes on sandy soil. Agricultural water management, Amsterdam, v. 95, n. 1, p. 69-76, 2008. ) e Pettigrew (2004PETTIGREW, W. T. Moisture deficit effects on cotton lint yield, yield components, and boll distribution. Agronomy Journal Madson, v. 96, n. 2, p. 377-383, 2004.) tem demonstrado que a cultura sofre influência tanto na produtividade quanto na porcentagem e qualidade de fibras quando submetido à irrigação com déficit hídrico. Santana et al. (2008SANTANA, J. C. F. et al. Características da fibra e do fio do algodão. In: BELTRÃO, N. E. M.; AZEVEDO, D. M. P. (Ed.). O agronegócio do algodão no Brasil. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. v.2, cap. 31, p. 1099-1120.) afirmam que apesar de serem condicionadas por fatores hereditários as características tecnológicas da fibra do algodão sofrem decisiva influência dos fatores ambientais (temperatura, luminosidade, disponibilidade hídrica) e dependem das condições de cultivo.
O estudo de diferentes cultivares de algodoeiro irrigado com diferentes lâminas de irrigação na região semiárida é importante, visto ser possível encontrar cultivares que apresentem respostas diferentes quando submetidas ao déficit hídrico, o que acarretará em maior eficiência de uso da água e do sistema produtivo. Além disso, é pertinente testar até que ponto as novas cultivares respondem à irrigação, visto que muitas delas foram desenvolvidas para condições do Cerrado e seus coeficientes de cultivo podem estar subestimados para as condições do Semiárido.
À luz das considerações ora pontuadas, o objetivo deste trabalho foi avaliar a produtividade e a qualidade de fibras em cultivares de algodoeiro de fibras média e longa, cultivadas na região semiárida, submetidas a diferentes lâminas de irrigação.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido durante os anos de 2012 e 2013 na Fazenda Experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), localizada no município de Apodi (RN), cujas coordenadas geográficas são 5º37'19" S de latitude e 37º49'06" W de longitude, com altitude variando entre 128m e 132m. O clima da região é caracterizado como tropical quente e semiárido, com predominância do tipo BSw´h´, segundo classificação climática de Köppen, e estação chuvosa iniciando no outono. O solo da área experimental foi classificado como Cambissolo eutrófico, de textura argilo-arenosa, com 49% de areia, 45% de argila e 6% de silte.
Adotou-se o delineamento experimental em blocos ao acaso, em esquema fatorial 4 x 4, com parcelas subdivididas e quatro repetições, sendo o experimento conduzido em dois ciclos de cultivo. Os tratamentos foram constituídos por quatro lâminas de irrigação alocadas nas parcelas (40, 70, 100 e 130% da evapotranspiração da cultura - ETc) e quatro cultivares de algodão herbáceo (BRS286, BRS335, BRS336 e FiberMax 993) alocadas nas subparcelas. Cada unidade experimental foi constituída por seis fileiras espaçadas de 0,84 metros, com 7,5 metros de comprimento, totalizando uma área de 37,8 m2, sendo considerado como área útil as 4 fileiras centrais, excluídos 1,25 m de cada extremidade.
Do plantio até o início dos tratamentos (Tabela 1) as irrigações foram realizadas de forma igual em todas as parcelas, de modo a garantir o pleno estabelecimento das plantas, sendo a lâmina de irrigação determinada em função da evapotranspiração da cultura, com turno de rega de 3 dias. As irrigações se encerraram quando a cultura apresentou 60% de capulhos abertos.
O cultivo foi realizado no sistema plantio direto (SPD), sendo o plantio realizado com plantadeira mecanizada de 4 linhas, não sendo necessário a realização de desbaste.
Os dados agronômicos e da irrigação são apresentados na Tabela 1.
As irrigações foram realizadas com um sistema de aspersão convencional fixo, com espaçamento entre aspersores de 12 x 15 m, intensidade de aplicação de 10 mm h-1 e coeficiente de uniformidade de Christiansen (CUC) igual a 85%, sendo as irrigações realizadas a cada 4 dias. Para evitar que houvesse aplicação de água nas parcelas vizinhas, ou seja, entre os tratamentos, foi deixado um espaçamento de 15 metros entre cada, de modo que as parcelas de cada tratamento fossem isoladas dos demais.
Para o cálculo da lâmina de reposição utilizou-se a seguinte expressão:
em que Lirrig é a lâmina bruta de irrigação, mm; ETc é a evapotranspiração da cultura acumulada (4 dias), mm; e f é a eficiência de aplicação (considerada igual a 0,85, valor do CUC), decimal.
A evapotranspiração da cultura (ETc) foi dada pela equação 2:
em que ET0 é a evapotranspiração de referência baseado na metodologia de Penman-Monteith (ALLEN et al, 1998); e Kc - coeficiente de cultivo para a cultura do algodão, estimado pela expressão obtida por Bezerra et al. (2010), em função do número de dias após a emergência.
em que DAE são os dias após emergência.
Copos coletores foram distribuídos nas parcelas experimentais para acompanhamento da lâmina média precipitada nos tratamentos, logo após a realização de cada evento de irrigação.
Foram procedidos os tratamentos fitossanitários necessários quando apareceram os primeiros sintomas de pragas e doenças, assim como o controle de plantas daninhas.
Foram avaliados os dados de produtividade de algodão em caroço (colheita da área útil da parcela), porcentagem de fibra e características inerentes à qualidade da fibra (determinadas a partir de amostra de 20 capulhos, colhidos no terço médio das plantas da área útil da parcela) como: comprimento (UHM); uniformidade (UNF); índice de fibras curtas (SFI); resistência (STR); alongamento (ELG); índice micronaire (MIC); reflectância (Rd); e grau de amarelecimento (+b). As características de qualidade das fibras foram analisadas no Laboratório de Fibras e Fios da Embrapa Algodão, através do equipamento HVI (High Volume Instrument).
Os dados das variáveis avaliadas foram submetidos à análise de variância pelo teste F a 1 e 5% de probabilidade, sendo realizada a análise para cada ano e com os dados agrupados (análise conjunta). Quando verificado efeito significativo na análise de variância os dados obtidos nos diferentes tratamentos de natureza qualitativa (cultivares) foram comparadas através do teste de Tukey a 5% de probabilidade e os de natureza quantitativa (lâminas de irrigação) submetidos ao estudo de regressão, a 1 e 5% de probabilidade, buscando-se ajustar equações com significados biológicos e que resultassem nos melhores níveis de significância e maiores valores de coeficiente de determinação (R2).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As lâminas de irrigação aplicadas por tratamento nos dois anos de cultivo são apresentadas na Tabela 2.
A análise de variância e teste de médias para a produtividade de algodão em caroço, porcentagem de fibras e rendimento de algodão em pluma para as cultivares BRS 286, BRS 336, BRS 335 e FiberMax 993, sob diferentes lâminas de irrigação, são apresentados na Tabela 3. Como a relação entre os quadrados médios dos dois anos foi menor que 7 (CRUZ; CARNEIRO, 2003CRUZ, C. D.; CARNEIRO, P. C. S. Modelos biométricos aplicados ao melhoramento genético. 2. ed. Viçosa, MG: UFV, 2003. 585 p.) optou-se pela realização da análise conjunta dos dados. A interação lâminas de irrigação versus cultivares não foi significativa, assim como houve diferença significativa para as cultivares e para as lâminas de irrigação, as quais foram discutidas separadamente.
As cultivares que apresentaram as maiores produtividades médias de algodão em caroço foram a FiberMax 993 e a BRS 286, produzindo 4.926,3 e 4.634,6 kg ha-1, respectivamente. As cultivares BRS 335 e BRS 336 apresentaram produtividade média de 4.183,8 e 4.070,5 kg ha-1, nessa ordem (Tabela 3). Os resultados demonstram a ampla adaptabilidade dessas cultivares, a qual apesar de terem sido desenvolvidas para a região do cerrado brasileiro apresentaram potencial para cultivo no Semiárido em condições irrigadas. Outrossim, observa-se que mesmo as cultivares BRS 336 e BRS 335, que apresentaram as menores médias, suas produtividades médias foram superiores à média nacional na safra 12/13, que foi de 3662 kg ha-1 (CONAB, 2013CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da Safra Brasileira: Grãos. Décimo Segundo Levantamento, Setembro - 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.conab.gov.br
>. Acesso em: 13 mar. 2014.
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).
Com relação a porcentagem de fibras nota-se que somente a cultivar BRS 336 diferiu das demais, com percentagem de fibras igual a 38,8%. O rendimento de algodão em pluma diferiu estatisticamente entre as cultivares, sendo a FiberMax 993, BRS 286 e a BRS 335 as que apresentaram os melhores resultados, quais sejam, 2.149,4 e 2.014,7 e 1.791,2 kg ha-1, respectivamente (Tabela 3). O resultado do rendimento de algodão em pluma foi influenciado pela produtividade de algodão em caroço e pela percentagem de fibras das cultivares. Nota-se que a BRS 336 apresentou o menor desempenho no rendimento de algodão em pluma (1.594 kg ha-1), como também os menores desempenhos com relação a porcentagem de fibras e produtividade de algodão em caroço. Apesar do menor desempenho deve-se ressaltar ainda que a referida cultivar apresentou rendimento de algodão em pluma superior à média nacional, que foi de 1.444 kg ha-1 na safra 2012/2013 (CONAB, 2013CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da Safra Brasileira: Grãos. Décimo Segundo Levantamento, Setembro - 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.conab.gov.br
>. Acesso em: 13 mar. 2014.
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). Na Figura 1 são apresentados os gráficos que relacionam a produtividade de algodão em caroço, a porcentagem de fibras e o rendimento de algodão em pluma com as lâminas de irrigação aplicadas independentemente da cultivar utilizada.
Produtividade de algodão em caroço (A), porcentagem de fibras (B) e rendimento de algodão em pluma (C) em função das lâminas de irrigação aplicadas para quatro cultivares de algodoeiro (dados agrupados).
O déficit na irrigação do algodoeiro proporcionou declínio na produtividade de algodão em caroço, sendo este descrito por uma função polinomial com elevado coeficiente de determinação (R2 = 0,99), decrescendo da lâmina de 130% da ETc para a lâmina de 40% da ETc (Figura 1A). A produtividade máxima de 5.732 kg ha-1 foi alcançada com a lâmina de 130% da ETc. Na irrigação com déficit igual a 70% da ETc a produtividade foi reduzida para 4.225kg ha-1, ou seja, uma redução de 26% na produtividade. Quando foi imposto um déficit maior, com lâmina de irrigação correspondente a 40% da ETc, a produtividade foi de 2.225 kg ha-1, o que corresponde a uma redução de 61% em relação a máxima produtividade. Os resultados deste trabalho corroboram com os obtidos por Dagdelen et al. (2006DAGDELEN, N. et al. Water-yield relation and water use efficiency of cotton (Gossypium hirsutum L.) and second crop corn (Zea mays L.) in western Turkey. Agricultural Water Management, Amsterdam, v. 82, n. 1, p. 63-85, 2006.), que ao utilizarem irrigação com lâminas variando de 867 a 257 mm por ciclo verificaram redução na produtividade de 5.490 para 1.780 kg ha-1. DeTar (2008CRUZ, C. D.; CARNEIRO, P. C. S. Modelos biométricos aplicados ao melhoramento genético. 2. ed. Viçosa, MG: UFV, 2003. 585 p.) também observaram redução na produtividade do algodoeiro decorrente do déficit na irrigação, sendo de 50% quando comparadas às lâminas de 50 e 100% da ETc. Onder et al. (2009ONDER, D. et al. Effect of different irrigation water level on cotton yield and yield components. African Journal of Biotechnology, Lagos, v. 8, n. 8, p. 1536-1544, 2009.), testando quatro níveis de irrigação com déficit em 2 ciclos de cultivo, demonstraram que a irrigação com déficit causa decréscimo na produtividade e nos componentes do rendimento, com queda de 40% na produção se comparadas as lâminas de irrigação de 25 e 100% da ETc, estando os resultados de acordo com os apresentados neste trabalho.
Com relação a porcentagem de fibras observa-se que esta característica também foi afetada pelas lâminas de irrigação, com maior porcentagem de fibra na medida em que se aumentou a disponibilidade de água para as plantas, tendo ajuste por modelo linear (R2 = 0,983). Outros autores como Booker et al. (2006BOOKER, J. D. et al. Variable rate irrigation on cotton lint yield and fiber quality. In: BELTWIDE COTTON CONFERENCES, 2006, San Antonio. Anais... San Antonio: The Cotton Foundation, 2006. p. 1768-1776.), Falkenberg et al. (2007FALKENBERG, N. R. et al. Remote sensing of biotic and abiotic stress for irrigation management of cotton. Agricultural Water Management Amsterdam, v. 87, n. 1, p. 23-31, 2007.) e Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.) encontraram resultados que corroboram com os apresentados no presente trabalho. Observa-se que com 70 e 40% da lâmina de irrigação a porcentagem de fibra foi de 41,5 e 40,7%, respectivamente, valores menores se comparados a lâmina de 130% da ETc (43%). Pettigrew (2004PETTIGREW, W. T. Moisture deficit effects on cotton lint yield, yield components, and boll distribution. Agronomy Journal Madson, v. 96, n. 2, p. 377-383, 2004.) relataram em seu estudo que o algodoeiro apresenta variação na porcentagem de fibra quando irrigado com menos que 50% da ETc. Meng et al. (2008MENG, Z. et al. Effect of regulated deficit irrigation on growth and development characteristics in cotton and its yield and fiber quality. Cotton Science, Henan, v. 20, n. 1, p. 39-44, 2008.) também apresentaram resultados que demonstram que em déficits hídricos severos (<50%ETc) o algodoeiro apresenta queda na produção de fibras.
Observa-se na Figura 1C que o rendimento de algodão em pluma também se ajustou ao modelo polinomial, sendo resultado da influência da produtividade de algodão em caroço e da percentagem de fibra em função das lâminas de irrigação. A maior lâmina de irrigação (130%ETc) promoveu rendimento de algodão em pluma na ordem de 2.676,4 kg ha-1, enquanto que nas lâminas de 40 e 70 % ETc esses valores foram de 1.098 e 1.624 kg ha-1, ou seja, 58 e 40% menores, respectivamente, se comparados a maior lâmina de irrigação (130% ETc). Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.), testando diversas cultivares de algodão com irrigação sob déficit hídrico, encontraram decréscimos no rendimento de algodão em pluma da ordem de 28 e 33% para irrigações com 70 e 50% ETc quando comparadas a lâmina controle e afirmam que esses resultados demonstram que as lâminas de irrigação foram inadequadas para as cultivares em estudo.
Na Tabela 4 são apresentados os resultados da análise de variância e teste de médias para as variáveis relacionadas a qualidade tecnológica da fibra em função das lâminas de irrigação e cultivares. Para todas as variáveis avaliadas houve diferença significativa entre as cultivares. Com relação as lâminas de irrigação, não houve diferença significativa para as variáveis alongamento (ELG) e índice de micronaire (MIC) (Tabela 4). Também é observado que não ocorreu interação significativa entre os fatores e, portanto, serão apresentados de forma separada os valores médios da qualidade das fibras para as cultivares e para as lâminas de irrigação. Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.) também não encontraram diferenças significativas pera alongamento e micronaire, quando comparadas a irrigação total com irrigações com até 50% de déficit.
Análise de variância e teste de médias para as variáveis comprimento (UHM), uniformidade (UNF), índice de fibras curtas (SFI), resistência (STR), alongamento (ELG), índice micronaire (MIC), reflectância (Rd) e grau de amarelo (+b) em função das cultivares e lâminas de irrigação (dados agrupados 2012/2013).
Na Tabela 4 verifica-se que o comprimento da fibra (UHM) variou, no geral, de 27,9 a 31,5 mm (fibras médias), sendo o maior valor encontrado para a BRS 336. Para as demais características, de acordo com Santana et al. (2008SANTANA, J. C. F. et al. Características da fibra e do fio do algodão. In: BELTRÃO, N. E. M.; AZEVEDO, D. M. P. (Ed.). O agronegócio do algodão no Brasil. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. v.2, cap. 31, p. 1099-1120.), pode-se fazer as seguintes inferências: a uniformidade (UNF) foi elevada, em torno de 84%, sendo o maior valor obtido pela BRS 336 (85,2%) e o menor valor pela FiberMax 993 (83,7%). O índice de fibras curtas (SFI) foi muito baixo (<6%), a resistência (STR) para todas as cultivares foi classificada como forte (30-33 gf tex-1). O alongamento (ELG) foi muito baixo (<5%) para a BRS 335, baixo para FiberMax 993 e BRS 286 (5,0 a 5,8%) e médio (5,9 a 6,7%) para BRS 336. O índice micronaire variou de médio (4,0 a 4,9) para BRS 335 e BRS 286 a grosso (5,0 a 5,9) para BRS 336 e FiberMax 993, revelando que as fibras apresentaram desenvolvimento normal e completo, com fibras maduras, porém de grande perímetro. O grau de amarelo (+b) e reflectância (Rd) também foram diferenciados entre as cultivares, sendo a FiberMax 993 com maior reflectância (82,6%) e a BRS 286 com maior grau de amarelo (8,5), sendo todos classificados como branco. Essas diferenças encontradas entre as cultivares eram esperadas, pois segundo Bradow e Davidonis (2000BRADOW, J. M.; DAVIDONIS, G. H. Quantitation of fiber quality and the cotton production-processing interface: a physiologist's perspective. The Journal of Cotton Science, Baton Rouge, v. 4, n. 1, p. 34-64, 2000.), a maioria das características de qualidade da fibra é dependente do genótipo.
De acordo com os resultados supracitados, com exceção do índice micronaire (MIC) para as cultivares BRS 336 e FiberMax 993, considerado grosso, as demais características estão dentro do padrão desejado pela indústria têxtil, com ênfase para a resistência (STR), que ficou acima de 30 gf tex-1, sendo que o mínimo exigido pela indústria têxtil é 24 gf tex-1. Santana et al. (2008SANTANA, J. C. F. et al. Características da fibra e do fio do algodão. In: BELTRÃO, N. E. M.; AZEVEDO, D. M. P. (Ed.). O agronegócio do algodão no Brasil. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2008. v.2, cap. 31, p. 1099-1120.) afirmam que nos atuais e modernos processos de fiação as características mais importantes das fibras são a finura (micronaire) e resistência. É importante salientar que mesmo o índice micronaire (MIC), sendo classificado como grosso (BRS 336 e FiberMax 993), as mesmas se encontram dentro de uma faixa de qualidade aceitável pela indústria têxtil nacional.
Na Figura 2 são apresentados os gráficos que relacionam as variáveis da qualidade da fibra com as lâminas de irrigação aplicadas.
Índice de fibras curtas (A), resistência (B), reflectância - Rd (C), grau de amarelo - +b (D), uniformidade (E) e comprimento (F) das fibras do algodoeiro em função das lâminas de irrigação aplicadas para quatro cultivares de algodoeiro (dados agrupados).
O índice de fibras curtas (SFI) diminui com o aumento das lâminas de irrigação (Figura 2A). De acordo com Bradow e Davidonis (2000BRADOW, J. M.; DAVIDONIS, G. H. Quantitation of fiber quality and the cotton production-processing interface: a physiologist's perspective. The Journal of Cotton Science, Baton Rouge, v. 4, n. 1, p. 34-64, 2000.), apesar do comprimento da fibra ser um traço primariamente genético o índice de fibras curtas é dependente, além do genótipo, das condições de cultivo, dentre elas a disponibilidade hídrica.
Com relação a resistência das fibras (STR) (Figura 2B), observa-se que a mesma apresentou aumento, de acordo com a função ajustada, até a lâmina de 104%ETc, com valor máximo de 32,69 gf tex-1. A partir desse ponto houve decréscimo na resistência das fibras com o aumento na lâmina de irrigação. Dagdelen et al. (2009DAGDELEN, N. et al. Different drip irrigation regimes affect cotton yield, water use efficiency and fiber quality in western Turkey. Agricultural Water Management Amsterdam, v. 96, n. 1, p. 111-120, 2009.) também encontraram maior resistência das fibras com a lâmina de 100% da ETc quando comparada com as demais lâminas e citam que a resistência das fibras decresce com o aumento do déficit hídrico. Esse mesmo comportamento foi apresentado por Johnson et al. (2002JOHNSON, R. M. et al. Variability in cotton fiber yield, fiber quality, and soil properties in a southeastern coastal plain. Agronomy Journal Madson, v. 94, n. 6, p. 1305-1316, 2002.) ao encontrarem correlação positiva entre a resistência da fibra e a disponibilidade de água no solo. Com relação ao excesso de água, alguns estudos demonstram que a resistência das fibras decresce com o aumento da precipitação/irrigação, o que pode ser comprovado com o decréscimo nos valores para irrigações superiores a 104% da ETc (Figura 2B). Com base em resultados de três anos de estudos, Bradow e Davidonis (2000BRADOW, J. M.; DAVIDONIS, G. H. Quantitation of fiber quality and the cotton production-processing interface: a physiologist's perspective. The Journal of Cotton Science, Baton Rouge, v. 4, n. 1, p. 34-64, 2000.) concluíram que a resistência das fibras apresenta correlação negativa com a produtividade, corroborando com os resultados deste ensaio, visto que na lâmina de 130%ETc foram obtidas as maiores produtividades (Figura 1A). Dessa forma, pode-se inferir que tanto o déficit quanto o excesso de água pode influenciar negativamente a resistência das fibras.
Com relação às características reflectância (Rd%) e grau de amarelo (+b), as quais estão relacionadas a cor da fibra, ambas tiveram o mesmo comportamento, aumentando com o incremento da lâmina de irrigação (Figura 2C e D), sendo que o grau de amarelo (+b) não apresentou resultados conclusivos, variando muito em função das lâminas de irrigação. Segundo Bradow e Davidonis (2000BRADOW, J. M.; DAVIDONIS, G. H. Quantitation of fiber quality and the cotton production-processing interface: a physiologist's perspective. The Journal of Cotton Science, Baton Rouge, v. 4, n. 1, p. 34-64, 2000.), a cor da fibra está diretamente ligada a fatores ambientais durante a estação de cultivo, que neste trabalho foi o estresse hídrico. Outros fatores podem ter influenciado esses valores, como a aplicação de desfolhantes e dessecantes, ataque de pragas, entre outros.
A uniformidade da fibra foi afetada pelas lâminas de irrigação, tendo correlação positiva entre as variáveis (Figura 2E), corroborando com os resultados apresentados por Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.). Ainda segundo o autor ora citado, condições ambientais subótimas, como o estresse hídrico, pode diminuir a taxa de alongamento ou encurtar o período de alongamento das fibras, diminuindo seu comprimento e uniformidade.
O comprimento médio da fibra variou de 27,2 a 30 mm (Figura 2F), havendo incremento com o aumento da lâmina de irrigação, sendo as maiores diferenças encontradas entre a maior lâmina (130%ETc) e a menor lâmina (40%ETc), indicando que com o déficit hídrico acentuado tem-se fibra de qualidade inferior, se comparado aos demais tratamentos. Esse comportamento também foi observado por outros autores, como Wen et al. (2013WEN, Y. et al. Lint yield, lint quality, and economic returns of cotton production under traditional and regulated deficit irrigation schemes in southwest Texas. The Journal of Cotton Science Baton Rouge, v. 17, n. 1, p. 10-22, 2013.) e Dagdelen et al. (2009DAGDELEN, N. et al. Different drip irrigation regimes affect cotton yield, water use efficiency and fiber quality in western Turkey. Agricultural Water Management Amsterdam, v. 96, n. 1, p. 111-120, 2009.), que afirmam que muitas características de qualidade das fibras são influenciadas diretamente por variáveis ambientais, como o estresse hídrico. Autores como Sui et al. (2014SUI, R. et al. Effect of supplemental irrigation and graded levels of nitrogen on cotton yield and quality. Journal of Agricultural Science, Toronto, v. 6, n. 2, p. 119-131, 2014.) e Balkcom et al. (2006BALKCOM, K. S. et al. Cotton yield and fiber quality from irrigated tillage systems in the Tennessee Valley. Agronomy Journal, Madson, v. 98, n. 3, p. 596-602, 2006.) afirmam que o aumento da irrigação implica em aumento no comprimento da fibra.
Segundo Dagdelen et al. (2009DAGDELEN, N. et al. Different drip irrigation regimes affect cotton yield, water use efficiency and fiber quality in western Turkey. Agricultural Water Management Amsterdam, v. 96, n. 1, p. 111-120, 2009.), o efeito do estresse hídrico no comprimento da fibra depende da duração do estresse e do momento no ciclo em que ele ocorre. A ocorrência de estresse hídrico logo após o florescimento e durante a fase de alongamento da fibra pode reduzir seu comprimento devido a ligação direta com os mecanismos mecânicos e fisiológicos de expansão celular (PETTIGREW, 2004PETTIGREW, W. T. Moisture deficit effects on cotton lint yield, yield components, and boll distribution. Agronomy Journal Madson, v. 96, n. 2, p. 377-383, 2004.; RITCHIE et al., 2004RITCHIE, G. L. et al. Cotton growth and development. Georgia: CAES-UGA, 2004. 16 p. (Boletim 1252).). Essas afirmações explicam os resultados aqui encontrados, visto que no tratamento de 40%ETc as plantas sofreram estresse hídrico durante todo o ciclo de cultivo.
CONCLUSÕES
A lâmina de irrigação adequada para as cultivares de algodoeiro herbáceo expressarem o máximo potencial de produtividade e qualidade de fibra, principalmente com relação ao seu comprimento, deve ser maior ou igual a 103%ETc.
As cultivares FiberMax 993 e BRS 286 apresentaram as maiores produtividades.
As cultivares FiberMax 993, BRS 286 e BRS 335 apresentaram as maiores porcentagens de fibras.
No que diz respeito à qualidade da fibra esta decresceu com a redução na lâmina de irrigação.
No geral, a fibra produzida é de boa qualidade, mesmo em condições de déficit hídrico, estando dentro da faixa de qualidade aceitável pela indústria têxtil nacional.
Em regiões com déficit hídrico o algodoeiro pode ser irrigado com lâmina de 70% da ETc, com produtividade média acima de 4.000 kg ha-1 e boa qualidade da fibra.
REFERÊNCIAS
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1
*Autor para correspondência
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
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Recebido
05 Maio 2014 -
Aceito
18 Maio 2015