Resumos
O objetivo do presente estudo é verificar os efeitos do treinamento aeróbio sobre a reatividade vascular em artéria mesentérica de ratos diabéticos. Ratos Wistar foram divididos em três grupos: controle sedentário (CS), diabético sedentário (DS) e diabético treinado (DT). Alterações na reatividade vascular foram avaliadas após a última sessão de treinamento, por meio da obtenção de curvas concentração-resposta. Os testes t de Student ou análise de variância (ANOVA) de duas-vias, seguida do pós-teste de Bonferroni, foram realizados para avaliar a significância das diferenças entre as médias. Foi observada uma redução dos relaxamentos induzidos por acetilcolina no grupo DS (79,7 ± 3,0 %), quando comparado ao CS (98,8 ± 3,0) e uma manutenção dos valores normais no grupo DT (100,1 ± 5,3 %). Os resultados sugerem que o treinamento aeróbio é capaz de proporcionar efeitos benéficos na função vascular de ratos diabéticos.
Diabetes mellitus; Atividade física; Endotélio vascular
The aim of this study was to investigate the effects of aerobic training on the vascular reactivity in the mesenteric artery from diabetic rats. Wistar rats were divided into three groups: sedentary control (SC), sedentary diabetic (SD) and trained diabetic (TD). Changes in vascular reactivity were assessed after the last training session by obtaining concentration-response curves. Student's t-test or two-way analysis of variance (ANOVA) followed by the Bonferroni post-test were performed to evaluate the significance of differences between means. A reduction was observed in the relaxation induced by acetylcholine in the SD group (79.7 ± 3.0%) compared to SC (98.8 ± 3.0%), and maintenance of normal values in the TD group (100.1 ± 5.3%). The results suggest that exercise training can have beneficial effects on vascular function in diabetic rats.
Diabetes mellitus; Physical activity; Ascular endothelium
ARTIGOS ORIGINAIS
Treinamento aeróbio previne alterações na vasodilatação dependente do endotélio em ratos diabéticos
Aerobic training prevents changes in endothelium-dependent vasodilation of diabetic rats
Marcelo Mendonça MotaI; Tharciano Luiz Teixeira Braga da SilvaI; André Sales BarretoI; Milene Tavares FontesII; Antonio Cesar Cabral de OliveiraIII; Márcio Roberto Viana dos SantosIV
IDoutorando. Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju SE, Brasil
IIMestre.Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju-SE, Brasil
IIIDoutor. Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão-SE, Brasil
IVDoutor. Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão-SE, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcio Roberto V. dos Santos - marcio@infonet.com.br - FACULDADE ESTACIO DE SERGIPE - Rua Teixeira de Freitas, 10 - Salgado Filho - CEP 49000-000 Aracaju, SE
RESUMO
O objetivo do presente estudo é verificar os efeitos do treinamento aeróbio sobre a reatividade vascular em artéria mesentérica de ratos diabéticos. Ratos Wistar foram divididos em três grupos: controle sedentário (CS), diabético sedentário (DS) e diabético treinado (DT). Alterações na reatividade vascular foram avaliadas após a última sessão de treinamento, por meio da obtenção de curvas concentração-resposta. Os testes t de Student ou análise de variância (ANOVA) de duas-vias, seguida do pós-teste de Bonferroni, foram realizados para avaliar a significância das diferenças entre as médias. Foi observada uma redução dos relaxamentos induzidos por acetilcolina no grupo DS (79,7 ± 3,0 %), quando comparado ao CS (98,8 ± 3,0) e uma manutenção dos valores normais no grupo DT (100,1 ± 5,3 %). Os resultados sugerem que o treinamento aeróbio é capaz de proporcionar efeitos benéficos na função vascular de ratos diabéticos.
Palavras-chave: Diabetes mellitus. Atividade física. Endotélio vascular.
ABSTRACT
The aim of this study was to investigate the effects of aerobic training on the vascular reactivity in the mesenteric artery from diabetic rats. Wistar rats were divided into three groups: sedentary control (SC), sedentary diabetic (SD) and trained diabetic (TD). Changes in vascular reactivity were assessed after the last training session by obtaining concentration-response curves. Student's t-test or two-way analysis of variance (ANOVA) followed by the Bonferroni post-test were performed to evaluate the significance of differences between means. A reduction was observed in the relaxation induced by acetylcholine in the SD group (79.7 ± 3.0%) compared to SC (98.8 ± 3.0%), and maintenance of normal values in the TD group (100.1 ± 5.3%). The results suggest that exercise training can have beneficial effects on vascular function in diabetic rats.
Keywords: Diabetes mellitus. Physical activity. Ascular endothelium.
INTRODUÇÃO
Diabetes mellitus (DM) é uma desordem metabólica crônica caracterizada não apenas por alterações no metabolismo dos carboidratos, das proteínas e dos lipídios, como também causa a disfunção endotelial (DE) (NACCI; TARQUINIO; MONTAGNANI, 2009; VAN DEN OEVER et al., 2010). Do ponto de vista prático, a DE é definida como uma alteração do relaxamento vascular dependente do endotélio (BAHIA et al., 2006). O desenvolvimento da DE tem sido repetidamente demonstrado em vários leitos vasculares, tanto em humanos, quanto em animais induzidos quimicamente ao DM (JOHNSTONE et al., 1993).
A DE tem sido considerada como um evento precoce na patogênese das complicações vasculares do Diabetes mellitus tipo 1 (DM1) (DE VRIESE et al., 2000). Ela reflete a presença de um fenótipo propenso à aterogênese e pode, dessa forma, servir de marcador de risco para aterosclerose. Além disso, tem sido demonstrado que a DE constitui-se em um fator de risco independente para eventos cardiovasculares (JÄRVISALO et al., 2004). Diante disso, os estudos que buscam investigar o tratamento da DE assumem um importante papel (JUONALA et al., 2004; LEE, 2010).
Estudos pré-clínicos que avaliam os efeitos do treinamento aeróbio sobre a DE têm comumente utilizado artérias de condutância, como, por exemplo, artéria aorta torácica. (KOHL, 2001; JASPERSE; LAUGHLIN, 2006). Devido a isso, são necessários mais estudos para estimar qual a repercussão do treinamento aeróbio sobre as artérias de resistência, como, por exemplo, artéria mesentérica, em várias condições patológicas, incluindo o DM. Com base nessas informações, o objetivo do estudo realizado foi verificar os efeitos do treinamento aeróbio sobre a reatividade vascular em artéria mesentérica superior de ratos diabéticos induzidos por aloxano.
MATERIAIS E MÉTODOS
Aspectos éticos do estudo
O presente trabalho atende as normas para a realização de pesquisa em animais e todos os procedimentos estão de acordo com os princípios éticos da experimentação animal preconizados pela Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL). Esse projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal da Universidade Federal de Sergipe (CEPA/UFS) com o número de protocolo 01/2008.
Animais e delineamento experimental
Foram utilizados 30 ratos Wistar machos (Rattus norvegicus), com idade entre dois e três meses, pesando entre 250 g e 300 g, provenientes do Biotério Central da UFS. Os animais foram acomodados em número de cinco animais por caixa, mantidos sob condições controladas de temperatura (22 ± 1ºC) e ciclo claro-escuro de 12 horas, tendo livre acesso à alimentação e água. Os animais receberam água filtrada e foram alimentados com ração específica para roedores, Labina da marca Purina®.
Os animais foram divididos em três grupos com 10 animais cada: grupo controle sedentário (CS), grupo diabético sedentário (DS) e grupo diabético treinado (DT). Os animais do CS e DS foram mantidos em suas caixas sem exposição ao treinamento, enquanto que os animais do DT foram submetidos a oito semanas de treinamento aeróbio.
Drogas utilizadas
As drogas utilizadas foram: cloreto de acetilcolina (ACh), L-fenilefrina (FEN), nitroprussiato de sódio (NPS) (Todos da Sigma® Chemical Co, St Louis, MO, USA) e aloxano (ALX) (INLAB®, São Paulo, Brazil). O ALX foi completamente dissolvido em solução salina a 0,9%, enquanto que as demais drogas foram livremente dissolvidas em água destilada. Todas as soluções estoques foram armazenadas a 4ºC e diluídas minutos antes dos experimentos.
Indução do diabetes
A indução do diabetes experimental foi realizada conforme descrito por Silva Costa et al. (2008). Os animais receberam ALX, na dose única de 40 mg/kg, injetado na veia dorsal do pênis, duas semanas antes do início do protocolo de treinamento. Após a administração da droga, os animais receberam uma solução de glicose a 15% dissolvida em água de torneira. Essa medida previne a hipoglicemia severa causada pela ação aguda do aloxano (MOURA et al., 2012). No grupo CS, foi injetado somente solução salina (0,9%) num volume igual ao injetado nos animais dos grupos que receberam aloxano. Após uma semana da realização da indução, todos os animais foram colocados em jejum de 12h, no período noturno, e a glicemia foi medida, utilizando fitas reagentes para glicemia (ACCU-CHEK Advantage II, Roche, São Paulo/SP, Brasil), acopladas a um glicosímetro portátil digital (ACCU-CHEK Advantage II, Roche, São Paulo, SP, Brasil). Os animais com glicemia ≥ 200 mg/dL foram selecionados como diabéticos.
Protocolo de treinamento
O treinamento aeróbio foi realizado em esteira ergométrica programável e adaptada para ratos (AVS®, São Paulo, Brasil), com oito raias individuais de aço inox, providas de orifícios para ventilação e cobertas individualmente por tampas móveis de acrílico transparente. Todos os animais foram submetidos a uma familiarização com o treinamento (10 min/dia, 0,3 km/h) uma semana antes do início do protocolo experimental. O grupo DT foi submetido a uma sessão de treinamento por dia, três vezes por semana, durante oito semanas (DIRETRIZES DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2009). A duração do treinamento foi de 60 minutos com a intensidade moderada (60% da velocidade máxima), obtido a partir do teste de corrida máxima (RODRIGUES et al., 2007). Os testes de corrida máxima foram realizados no início do experimento, na quarta e oitava semanas do protocolo de treinamento, com o objetivo de estimar o nível de condicionamento físico dos animais, bem como reajustar, de forma periódica, a intensidade do treinamento. Os animais do grupo CS e DS foram mantidos em suas caixas sem exposição ao treinamento, porém submetidos ao mesmo grau de manipulação dos animais do grupo DT.
Medida da glicemia
As medidas de glicemia foram realizadas no início do estudo e 48 horas após a realização da última sessão do treinamento. Amostras sanguíneas foram coletadas da cauda dos animais de todos os grupos, e a glicemia foi medida como descrito anteriormente.
Estudos de reatividade vascular
Após o sacrifício dos animais, anéis do primeiro segmento da artéria mesentérica superior (1 - 2 mm) foram obtidos, livres de tecido conjuntivo e adiposo, e foram mantidos em cubas contendo 10 mL de solução nutritiva de Tyrode (concentração em mM: NaCl 158,3; KCl 4,0; CaCl2 2,0; NaHCO3 10,0; C6H12O6 5,6; MgCl2 1,05 e NaH2PO4 0,42), a 37º C e gaseificada com uma mistura carbogênica (95% de O2 e 5% de CO2). Os anéis foram suspensos por linhas de algodão fixadas a um transdutor de força (Letíca, Modelo TRI 210, Espanha). As tensões isométricas foram registradas através de um sistema de aquisição de dados (BD-01, AVS®, SP, Brasil). Cada anel foi submetido a uma tensão constante de 0,75 g por um período de, no mínimo, 60 minutos (período de estabilização). Durante esse tempo, a solução nutritiva foi trocada a cada 15 minutos para prevenir a interferência de metabólitos. Quando necessário, o endotélio foi removido mecanicamente através do atrito nas paredes internas do vaso com o auxílio de uma haste de aço. A funcionalidade endotelial foi verificada pela habilidade, medida em percentagem (%), da ACh (1 µM) em relaxar mais do que 75% os anéis pré-contraídos com FEN (1 µM). A ausência do relaxamento à ACh foi considerada como prova de que os anéis estavam sem endotélio funcional (FURCHGOTT; ZAWADZKI, 1980).
As alterações na reatividade vascular foram avaliadas 48 horas após a última sessão de treinamento através da obtenção de curvas concentração-resposta para os agentes contráteis FEN (10-9 3x10-5 M), um agonista α1- adrenérgico, e KCl (10 80 mM), um agente contracturante inespecífico; e agentes relaxantes ACh (10-9 10-4 M), um agonista muscarínico não seletivo e nitroprussiato de sódio (NPS) (10-10 10-6 M), um doador de NO. Os agentes relaxantes foram testados em anéis pré-contraídos com FEN (1 µM).
Análises estatísticas
Os valores foram expressos como média ± erro padrão da média (E.P.M.). A potência dos experimentos de reatividade vascular foi expressa em pD2 e obtida a partir do logaritmo negativo da CE50 (concentração efetiva capaz de induzir 50% da resposta máxima) através de regressão não linear das curvas concentração-resposta. Quando necessário, os testes t de Student ou análise de variância (ANOVA) de duas-vias, seguida do pós-teste de Bonferroni, foram realizados para avaliar a significância das diferenças entre as médias. Os valores foram considerados estatisticamente significativos quando p < 0,05. Para todos esses procedimentos, foi utilizado o programa estatístico GraphPad Prism versão 3.02 (GraphPad Software, San Diego,CA, E.U.A.).
RESULTADOS
Glicemia
As variações de glicemia antes e após as oito semanas do experimento são mostradas na Tabela 1. Ao final do estudo, não foram observadas variações significativas nas glicemias dos animais do CS, mas foi observado um aumento significativo (p<0,05) da glicemia no grupo DS, e uma redução significativa (p<0,05) da glicemia no grupo DT.
Teste de Velocidade Máxima
Para avaliar a evolução do treinamento aeróbio, foi utilizado o teste de velocidade máxima. Como observado na Tabela 1, no início dos experimentos, os níveis de velocidade máxima foram similares em todos os grupos. Após as oito semanas de estudo, apenas os animais do grupo DT obtiveram um aumento significativo (p<0,001) nos níveis de velocidade máxima (Tabela 1).
Efeito do treinamento aeróbio sobre a resposta a FEN e KCl
Em anéis isolados de artéria mesentérica superior sem endotélio funcional, as contrações induzidas por FEN ou KCl apresentaram uma resposta concentração-dependente (Figura 1 A e B). Porém, não foram observadas diferenças entre as respostas máximas (Rmáx) nas contrações induzidas por nenhum dos agentes contráteis em todos os grupos estudados (Figura 1 A e B).
Efeito do treinamento aeróbio sobre a resposta a ACh
Como mostra a figura 2, a ACh foi capaz de induzir relaxamento concentração-dependente em anéis isolados de artéria mesentérica superior de rato com endotélio intacto de todos os grupos. Não foram observadas diferenças significativas entre as pD2 (CS: 7,0 ± 0,08; DS: 7,3 ± 0,1; DT: 7,0 ± 0,1). No entanto, a Rmáx no grupo DS foi significativamente reduzida (p<0,05) de 98,8 ± 3,0 para 79,7 ± 3,0 %, quando comparado com o grupo CS. Essa redução foi preservada pelo treinamento aeróbio de 80,4 ± 2,0 para 100,1 ± 5,3 % (Figura 2).
Efeito do treinamento aeróbio sobre resposta ao NPS
A Figura 3 demonstra os relaxamentos induzidos por NPS em anéis de artéria mesentérica superior sem endotélio funcional pré-contraídos com FEN em todos os grupos. Como pode ser observado, a pD2 do grupo DS foi aumentada significativamente (p<0,001) de 7,9 ± 0,1 para 8,4 ± 0,05, quando comparado com a pD2 do CS (Fig. 3). Nenhuma mudança na pD2 foi observada no grupo DT (pD2: 8,2 ± 0,05), quando comparado com o DS (pD2: 8,4 ± 0,05) (Fig. 3). Não foram observadas diferenças significativas nas Rmax em nenhum dos grupos.
DISCUSSÃO
O objetivo do estudo apresentado foi verificar os efeitos do treinamento aeróbio sobre a reatividade vascular em artéria mesentérica superior de ratos diabéticos induzidos por ALX. O ALX e a estreptozotocina são as substâncias mais conhecidas e utilizadas para a indução do DM tipo 1 em animais (LENZEN, 2008). Essas drogas proporcionam alterações morfológicas e funcionais das células secretoras de insulina (células beta) e, subsequentemente, levam à perda do controle sobre o metabolismo da glicose (FISCHER, 1985). Essas alterações, como já mencionado, podem causar DE e, consequentemente, reduzir o relaxamento dependente do endotélio (DE VRIESE et al., 2000).
Diante disso, o treinamento aeróbio é uma importante ferramenta terapêutica para o ajuste dos níveis plasmáticos de glicose no DM tipo 1 (LAAKSONEN et al., 2000), devido à sua capacidade de elevar a captação periférica de glicose independente da ação da insulina (REN et al., 1994). Tal fenômeno pode ser explicado pelo aumento da translocação de proteínas transportadoras de glicose (GLUT4), as quais são ativadas durante as contrações musculares realizadas no esforço físico (JESSEN; GOODYEAR, 2005). Nossos resultados demonstram que os níveis elevados de glicose apresentados pelos animais diabéticos no início do estudo foram reduzidos após oito semanas de treinamento aeróbio. Uma possível explicação para essa redução pode estar relacionada com a captação de glicose pelo mecanismo descrito acima, uma vez que os animais avaliados apresentam deficiência na produção de insulina por se tratar de um modelo de DM tipo 1. Resultados similares a estes foram encontrados por Chakraphan et al. (2005) e Silva-Costa et al. (2008), que observaram uma redução na glicemia em animais diabéticos que realizaram o treinamento aeróbio de corrida em esteira e natação, respectivamente. O protocolo de treinamento aeróbio utilizado no presente estudo foi o de corrida, preconizado pelas Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2009). Nossos resultados revelam que os animais submetidos ao treinamento aeróbio apresentaram uma melhora significativa no teste de velocidade máxima, comprovando que os mesmos foram fisicamente condicionados.
Apesar da melhora no condicionamento físico dos animais treinados, nossos resultados mostram que o treinamento aeróbio não modificou a sensibilidade dos receptores α1-adrenérgicos nos animais de todos os grupos. De maneira semelhante, as respostas vasoconstritoras independentes da ativação de receptores adrenérgicos (induzidas por concentrações crescentes de KCl) também não apresentaram diferenças. A ausência de diferenças entre os grupos nas respostas contráteis pode ser atribuída ao tipo ou protocolo (volume, intensidade e duração) de exercício utilizado neste estudo. Chen, Wu e Yen (2001) demonstraram que o exercício de corrida realizado 5 vezes por semana, na intensidade de 65% da velocidade máxima, durante 8 semanas, foi capaz de atenuar a sensibilidade α1-adrenérgica em artérias aorta e mesentérica. De maneira semelhante, Chies et al. (2004) evidenciaram que o exercício de natação realizado durante 30 minutos, em um período de 5 semanas, na intensidade de 2% do peso corporal, promoveu uma redução na sensibilidade α1-adrenérgica em artéria mesentérica. Além das diferenças entre os protocolos de exercício utilizados, vale a pena ressaltar que os estudos supracitados utilizaram animais saudáveis. Em nosso estudo, utilizamos animais induzidos ao DM experimental. Sendo assim, as alterações vasculares apresentadas por esse modelo animal de doença podem ter impossibilitado um efeito positivo sobre as respostas vasculares contráteis. Em um estudo recente, Zguira et al (2013) demostraram que animais diabéticos submetidos ao treinamento em esteira realizado 5 dias/semana, durante 8 semanas, também não foi capaz de promover alterações nas respostas vasoconstritoras. Apesar de tais autores adotarem um protocolo de corrida com frequência e intensidade maior que a utilizada em nosso estudo, ambos não promoveram alterações nas respostas contráteis.
Evidências apontam que o treinamento aeróbio aplicado a alguns estados patológicos proporciona melhorias no quadro da DE em artérias de condutância (JASPERSE; LAUGHLIN, 2006). Porém, os efeitos do treinamento aeróbio sobre as artérias de resistência ainda não são consistentes (KOHL, 2001). Além disso, não está totalmente compreendido o principal mecanismo pelo qual o treinamento aeróbio modula a função vascular nas artérias de resistência em determinadas condições patológicas.
Estudos têm mostrado que o DM promove alterações na vasodilatação dependente de endotélio induzidos por ACh em diferentes leitos vasculares (LASH; BOHLEN, 1991). Essas alterações parecem ser causadas tanto pelo grau da hiperglicemia, como pela duração do DM (SINGH; GROEHN; KAZMERS, 2003). Os resultados obtidos no presente estudo demonstraram que os relaxamentos dependentes de endotélio induzidos por ACh foram reduzidos nos animais diabéticos do grupo sedentário, caracterizando que o modelo de indução do DM experimental adotado no presente estudo foi eficiente em proporcionar um quadro de DE. Por outro lado, oito semanas de treinamento aeróbio foram capazes de impedir a instalação da DE em ratos diabéticos.
Para avaliarmos possíveis efeitos do treinamento aeróbio sobre os relaxamentos independentes de endotélio, curvas concentração-resposta foram obtidas para NPS, um doador exógeno de NO. Os resultados desses experimentos mostraram que o DM causou um aumento na sensibilidade da via de sinalização ativada pelo NO nos relaxamentos induzidos pelo NPS. De maneira semelhante, Carvalho et al. (2010) também observaram um aumento na sensibilidade da via de sinalização ativada pelo NO nos animais diabéticos, quando comparados com os animais normoglicêmicos. Esse aumento de sensibilidade pode estar relacionado com uma possível redução na biodisponibilidade de NO causada pelo DM e consequente aumento da atividade da via da guanilil ciclase solúvel (receptor de NO) (DIEDERICH et al., 1994). Essa resposta exacerbada pode mascarar a deficiência do relaxamento dependente de endotélio, normalizando os relaxamentos mediados por receptores muscarínicos (MONCADA et al., 1991). Apesar de termos encontrado um aumento na sensibilidade ao NPS, os relaxamentos dependentes de endotélio nos animais do grupo diabético sedentário apresentaram uma redução significativa nas respostas máximas mediadas por ACh, um agonista muscarínico. Por outro lado, o treinamento aeróbio não foi capaz de prevenir esse aumento na sensibilidade ao NPS.
Apesar do treinamento aeróbio não ter normalizado a sensibilidade dos receptores de NO no músculo liso vascular, o mesmo foi capaz de aumentar os relaxamentos induzidos por ACh nos animais diabéticos treinados. Sabe-se que os relaxamentos induzidos por ACh ativam as cascatas enzimáticas dos três fatores relaxantes derivados do endotélio, que são o óxido nítrico, a prostaciclina (PGI2) e os fatores hiperpolarizantes derivados do endotélio (FHDE) (FÉLÉTOU; VANHOUTTE, 1999). Possivelmente, a normalização dos relaxamentos induzidos por ACh apresentados pelos animais diabéticos treinados pode ter sido ocasionada por um aumento na atividade das vias da PGI2 e FHDE, como forma de compensar uma redução na biodisponibilidade de NO. Porém, outros experimentos deverão ser realizados para esclarecer esse ponto.
É ainda relatado na literatura que a importância do FHDE na vasodilatação aumenta, na medida em que o diâmetro do vaso diminui (SHIMOKAWA et al., 1996). Esse relato confirma a predominância do NO como o principal fator relaxante derivado do endotélio em artérias de condutância, tal como aorta torácica, enquanto que em artérias de resistência, como a mesentérica e femoral, o FHDE tem uma maior participação no controle da circulação local (FÉLÉTOU; VANHOUTTE, 1999).
Essa normalização também pode estar sendo influenciada pela redução da glicemia observada nos animais do grupo treinado, caracterizando uma melhora no estado metabólico desses animais. Além disso, as respostas vasculares ao treinamento aeróbio são complexas e dependem de numerosos fatores, que incluem o programa de treinamento utilizado, o tamanho da artéria estudada, a localização anatômica da artéria e o estado de saúde do indivíduo (JASPERSE; LAUGHLIN, 2006).
Nossos resultados demonstram que o treinamento aeróbio adotado no presente estudo foi capaz de melhorar o condicionamento físico e reduzir o estado hiperglicêmico dos animais diabéticos treinados. Por outro lado, o treinamento aeróbio não foi capaz de modificar as respostas contráteis dependentes e independentes dos receptores α1-adrenérgicos. Porém, o treinamento aeróbio foi capaz de prevenir a redução dos relaxamentos induzidos por ACh em anéis isolados de artéria mesentérica dos animais diabéticos, mas não foi capaz de prevenir o aumento na sensibilidade ao NPS gerado pelo DM.
Dessa forma, os resultados do presente estudo sugerem que o treinamento aeróbio é capaz de proporcionar efeitos benéficos em artérias de resistência, contribuindo efetivamente para a prevenção da DE. Além disso, esses resultados reforçam a hipótese de que o treinamento aeróbio pode servir como uma importante ferramenta para o tratamento não medicamentoso do DM. Todavia, também surge a necessidade de novos estudos para a melhor compreensão dos mecanismos de ação envolvidos nos benefícios proporcionados pelo treinamento aeróbio na reatividade vascular.
AGRADECIMENTOS
Nós agradecemos ao Sr. Osvaldo pelo suporte técnico. Este trabalho foi financiado com subsídios da CNPq, CAPES, FAPITEC-SE, Ministério da Saúde, SES/SE, Brasil.
Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.
Recebido em 10/08/2012
Revisado em 17/06/2013
Aceito em 09/07/2013
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Jun 2014 -
Data do Fascículo
Set 2013
Histórico
-
Recebido
10 Ago 2012 -
Aceito
09 Jul 2013 -
Revisado
17 Jun 2013