Resumos
Úlcera de Marjolin é uma transformação maligna em tecido cutâneo cronicamente inflamado ou traumatizado, que ocorre especialmente após queimaduras. O carcinoma de células escamosas é o tipo histológico mais encontrado nas úlceras de Marjolin, seguido de carcinoma basocelular e melanoma maligno. Sarcomas em úlcera de Marjolin são raros, correspondendo a aproximadamente 5% dessas degenerações malignas. Neste artigo é descrito o caso de paciente do sexo feminino, vítima de queimadura há 42 anos, com grande ulceração em dorso. A biópsia dessa ulceração evidenciou sarcoma pleomórfico de alto grau em úlcera de Marjolin. A paciente foi submetida a ressecção da ulceração e enxerto de pele no local, seguidos de radioterapia e quimioterapia adjuvantes. Em 3 anos de seguimento, a paciente não apresentou recidiva da neoplasia. Úlceras de Marjolin são neoplasias malignas de comportamento agressivo, com alto índice de metástases regionais. A importância de seu entendimento está na necessidade de prevenção das mesmas, com o tratamento adequado dos pacientes queimados, evitando-se a cicatrização por segunda intenção. Sarcomas em úlcera de Marjolin são considerados raros, com poucos casos relatados na literatura, o que demonstra a importância deste relato.
Queimaduras; Sarcoma; Úlcera cutânea
Marjolin's ulcer is a malignant transformation of traumatized or chronically inflamed cutaneous tissue that occurs after burns. The most common histological type of carcinoma found in Marjolin's ulcers is squamous cell carcinoma, followed by basal cell carcinoma and malignant melanoma. Sarcomas in Marjolin's ulcers are rare, representing approximately 5% of these malignant degenerations. In this report, we describe the case of a female patient who was burned 42 years prior, with a large ulceration on her back. Biopsy of the ulceration showed a high-grade pleomorphic sarcoma in the Marjolin's ulcer. The patient underwent resection of the ulceration and a skin graft followed by radiation therapy and adjuvant chemotherapy. In 3 years of follow-up, the patient had no tumor recurrence. Marjolin's ulcers are aggressive and have a high rate of regional metastases. It is important that clinicians develop an understanding of their prevention by properly treating burns. Sarcomas in Marjolin's ulcers are rare and few cases have been reported in the literature, which demonstrates the importance of this report.
Burns; Sarcoma; Skin ulcer
RELATOS DE CASO
Sarcoma pleomórfico em úlcera de Marjolin
Gerson de Mattos Ritz FilhoI; Maria Roberta Cardoso MartinsII
IMembro associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, cirurgião plástico do Hospital Municipal São José de Joinville e do Núcleo de Reabilitação de Lesões Labiopalatais (Centrinho) de Joinville, Joinville, SC, Brasil
IIMédica residente de Cirurgia Geral do Hospital Municipal São José de Joinville, Joinville, SC, Brasil
Correspondência para Correspondência para: Gerson de Mattos Ritz Filho Rua Visconde de Mauá, 1.169 casa 2 América Joinville, SC, Brasil CEP 89501-204 E-mail: gersonritz@hotmail.com
RESUMO
Úlcera de Marjolin é uma transformação maligna em tecido cutâneo cronicamente inflamado ou traumatizado, que ocorre especialmente após queimaduras. O carcinoma de células escamosas é o tipo histológico mais encontrado nas úlceras de Marjolin, seguido de carcinoma basocelular e melanoma maligno. Sarcomas em úlcera de Marjolin são raros, correspondendo a aproximadamente 5% dessas degenerações malignas. Neste artigo é descrito o caso de paciente do sexo feminino, vítima de queimadura há 42 anos, com grande ulceração em dorso. A biópsia dessa ulceração evidenciou sarcoma pleomórfico de alto grau em úlcera de Marjolin. A paciente foi submetida a ressecção da ulceração e enxerto de pele no local, seguidos de radioterapia e quimioterapia adjuvantes. Em 3 anos de seguimento, a paciente não apresentou recidiva da neoplasia. Úlceras de Marjolin são neoplasias malignas de comportamento agressivo, com alto índice de metástases regionais. A importância de seu entendimento está na necessidade de prevenção das mesmas, com o tratamento adequado dos pacientes queimados, evitando-se a cicatrização por segunda intenção. Sarcomas em úlcera de Marjolin são considerados raros, com poucos casos relatados na literatura, o que demonstra a importância deste relato.
Descritores: Queimaduras. Sarcoma. Úlcera cutânea.
INTRODUÇÃO
Úlcera de Marjolin é uma transformação maligna em tecido cutâneo cronicamente inflamado ou traumatizado, que ocorre especialmente após queimaduras1-6. O termo foi inicialmente empregado por Marjolin, em 1828, para descrever úlceras malignas decorrentes exclusivamente de queimaduras1-3,5. Atualmente, o termo também é utilizado para lesões malignas decorrentes de outras injúrias teciduais, como vacinação, picadas de cobra, osteomielite, úlceras de pressão ou venosas, fístulas ou outras feridas traumáticas, embora as queimaduras sejam descritas como responsáveis por aproximadamente 75% dos casos1-3,5.
A gênese da úlcera de Marjolin ainda permanece desconhecida, mas acredita-se que a irritação crônica ao tecido é um dos principais fatores desencadeadores do processo de malignização2. Outros fatores etiológicos também vêm sendo estudados, como toxinas, fatores imunológicos, oncogenes, regeneração linfática deficiente, anticorpos e mutações1,2,5.
Kerr-Valentic et al.3, em revisão de 443 casos, reportaram média de idade dos pacientes no momento do diagnóstico da doença de 52 anos, com um período médio entre a queimadura e o diagnóstico de 29 anos. Esses autores observaram o desenvolvimento de metástases em 27,5% dos pacientes.
Os membros inferiores são os mais acometidos pela doença (53%), seguidos de membros superiores (19%) e tronco (12%)3. Os homens são os mais acometidos pela doença, numa relação homem:mulher de 2:11.
O carcinoma de células escamosas é o tipo histológico mais encontrado, seguido de carcinoma basocelular e melanoma maligno1,7. Os sarcomas associados a úlceras de Marjolin, incluindo o sarcoma pleomórfico de alto grau também conhecido como histiocitoma fibroso maligno , são extremamente raros. Kim et al.7 encontraram apenas 7 sarcomas pleomórficos de alto grau descritos em úlceras por queimaduras e descreveram o primeiro caso desenvolvido no dorso. Acredita-se que a rara incidência em relação aos carcinomas se deve à localização mais profunda das células mesenquimais na derme ou tecido celular subcutâneo, o que o torna menos vulnerável ao trauma e necessita de menos regeneração tecidual que a epiderme superficial7.
Em extensa revisão de literatura, Kowal-Vern & Criswell1 identificaram, entre 412 casos de úlcera de Marjolin, que 71% correspondiam a carcinomas de células escamosas, 12%, a carcinomas basocelulares, 6%, a melanomas, 2%, a carcinomas de células escamosas associados a carcinomas basocelulares, 1%, a carcinomas de células escamosas associados a melanomas, 5%, a sarcomas, e 4%, a outras neoplasias. Dentre os 20 sarcomas, 8 eram sarcomas pleomórficos de alto grau, 3 fibrossarcomas, 2 lipossarcomas e 2 dermatofibrossarcomas.
Özyazgan & Kontas6, em revisão da literatura sobre sarcomas em úlceras decorrentes de queimaduras, encontraram 13 casos de sarcomas em úlcera de Marjolin, sendo 4 fibrossarcomas, 3 sarcomas pleomórficos de alto grau, 2 lipossarcomas, 1 carcinossarcoma, 1 osteossarcoma, 1 schwannoma maligno, 1 leiomiossarcoma e 1 neoplasia mesenquimal.
RELATO DO CASO
Paciente de 48 anos, sexo feminino, branca, foi encaminhada ao Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Municipal São José de Joinville (Joinville, SC, Brasil) por apresentar grande lesão lombar esquerda de aproximadamente 12 cm de diâmetro, ulcerovegetante, com exsudato purulento e áreas de necrose, de aparecimento há aproximadamente 6 anos (Figura 1).
A paciente foi vítima de queimadura por fogo em tronco anterior e posterior aos 6 anos de idade. Ao exame físico, não foram identificadas linfonodomegalias axilares ou inguinais.
A paciente foi então submetida a ressecção da lesão com margens de 2 cm e enxerto de pele de espessura intermediária. O laudo anatomopatológico da peça cirúrgica descreveu tumor medindo 12,6 cm, com margens livres e exíguas, distando 1,4 cm da margem lateral mais próxima e 0,3 cm da margem profunda mais próxima, com diagnóstico histológico de sarcoma pleomórfico de alto grau (Figura 2).
A paciente foi encaminhada para realização de quimioterapia e radioterapia adjuvantes. Os quimioterápicos utilizados foram isofosfamida, na dose de 12 mg/m2, e doxorrubicina, na dose de 50 mg/m2, ambas as drogas administradas a cada 3 semanas, durante 6 meses. A radioterapia foi realizada com Cobalto-60, na dose de 60 GY, em 30 frações, concomitantemente à quimioterapia.
A paciente evoluiu com radiodermite na área enxertada, com ulcerações no local, sendo submetida a nova ressecção e rotação de retalho fasciocutâneo toracoabdominal esquerdo, 1 ano e 8 meses após a primeira cirurgia (Figura 3). O exame anatomopatológico dessa última lesão excluiu neoplasia do material examinado.
A paciente permanece em seguimento regular, para acompanhamento de áreas suspeitas, há 3 anos, todavia não apresenta evidência de recidiva.
DISCUSSÃO
A diminuição da incidência das úlceras de Marjolin é decorrente da prevenção e do manejo adequado das queimaduras e outros ferimentos, com realização de desbridamento de áreas profundas e cobertura adequada1-5. A ausência de tratamento adequado das queimaduras e a cicatrização por segunda intenção são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de malignização1-3. Deve ser realizado seguimento rigoroso desses pacientes e biópsias das áreas suspeitas, sempre que possível2-4.
Os sarcomas em úlceras de Marjolin devem ser submetidos ao mesmo tratamento preconizado para os tipos histológicos mais frequentes. Há necessidade do correto manejo dessas lesões, com margens de ressecção adequadas e, quando necessária, associação de radioterapia ou quimioterapia1,2. O comportamento dos sarcomas em úlceras de Marjolin ainda não está bem estabelecido, em decorrência de sua baixa incidência e escassez de relatos na literatura, demonstrando a importância do relato de tais achados, a fim de melhor compreender a doença e propiciar o manejo mais adequado.
Artigo recebido: 30/7/2010
Artigo aceito: 9/1/2011
Trabalho realizado no Hospital Municipal São José de Joinville, Joinville, SC, Brasil.
Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
- 1. Kowal-Vern A, Criswell BK. Burn scar neoplasms: a literature review and statistical analysis. Burns. 2005;31(4):403-13.
- 2. Copcu E. Marjolin's ulcer: a preventable complication of burns? Plast Reconstr Surg. 2009;124(1):156e-64e.
- 3. Kerr-Valentic MA, Samimi K, Rohlen BH, Agarwal JP, Rockwell WB. Marjolin's ulcer: modern analysis of an ancient problem. Plast Reconstr Surg. 2009;123(1):184-91.
- 4. Agale SV, Kulkarni DR, Valand AG, Zode RR, Grover S. Marjolin's ulcer: a diagnostic dilemma. J Assoc Physicians India. 2009;57:593-4.
- 5. Alconchel MD, Olivares C, Alvarez R. Squamous cell carcinoma, malignant melanoma and malignant fibrous histiocytoma arising in burn scars. Br J Dermatol. 1997;137(5):793-8.
- 6. Özyazgan I, Kontas O. Burn scar sarcoma. Burns. 1999;25(5):455-8.
- 7. Kim GI, Lee JH, Kim HK, Park SH, Kim CH. Malignant fibrous histiocytoma in a chronic burn scar: a rare case report and review of the literature. Burns. 2004;30(7):742-5.
Correspondência para:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Set 2013 -
Data do Fascículo
Mar 2013
Histórico
-
Recebido
30 Jul 2010 -
Aceito
09 Jan 2011