Resumo
A proposta deste texto é estabelecer diálogos com os estudos sobre as travestilidades e transexualidades que possam contribuir para as problematizações acerca dos modos de subjetivação e práticas sexuais dissidentes e abjetas. As expressões de gêneros desviantes dos modelos de produção normativos são sublinhadas, neste diálogo, a partir da exploração dos prazeres e práticas sexuais que transbordam visões naturalizadas e reprodutivas, iniciando com a problematização da prostituição como modo de vida, trabalho, socialização e de descoberta de saberes em relação às práticas sexuais. Tais problematizações partem de duas pesquisas realizadas em pós-graduação em Psicologia, ambas sob orientação do método da cartografia e desenvolvidas com participantes do movimento social organizado. Com base em perspectivas teórico-políticas queer, procuramos por posições alternativas que não tomem a dissidência pelo viés da negatividade, mas interessados nas pedagogias alternativas que operam nos territórios de subjetivação trans e que ampliam as noções sobre “ser gente”. Assim, entendemos que estas problematizações podem estabelecer conexões com outras experiências e provocar a ampliação de esquemas de saber que considerem as dissidências como formas de resistências micropolíticas e desejantes.
Palavras-chave:
práticas sexuais; travestilidades e transexualidades; perspectivas queer
Abstract
This paper proposes dialogues with studies about travestis and transsexuals that offered contributions to problematize modes of subjectivation and sexual practices dissidents and abjects. The gender expressions that deviate from normative production models featured, in this paper, from the exploration of pleasures and sexual practices that extrapolate naturalized and reproductive visions, starting with a problematization of prostitution as a way of life, work, socialization and discovery of knowledge regarding sexual practices. Such problematizations come from research developed in Psychology postgraduate courses, under the methodological guidance of cartography and developed with participants from the organized social movement. Based on queer theoretical-political perspectives, we objective alternative positions that do not consider dissent as negativity, but more interested in alternative pedagogical forms in territories of trans subjectivation and that can broaden the notions about being “a person”. These problematizations can establish connections with other experiences and cause the expansion of knowledge schemes that consider dissent as modes of micropolitical and desiring resistance.
Keywords:
sexual practices; travestis and transexuals; perspectivas queer
Introdução
As pessoas que assumem as expressões travestis e transexuais têm, constantemente, suas vidas associadas à prostituição. Os estudos sobre travestilidades e transexualidades, que mergulham nos cotidianos destas pessoas, apresentam aspectos sobre as práticas de prostituição como constituintes de relações sociais enquadradas e estigmatizadas. Como afirma Marcos Benedetti (2004BENEDETTI, Marcos. A batalha e o corpo: breves reflexões sobre travestis e prostituição. Boletín Ciudadania Sexual, Lima, v. 11, p. 5-8, 2004. Disponível em: Disponível em: https://docplayer.com.br/13244484-A-batalha-e-o-corpo-breves-reflexoes-sobre-travestis-e-prostituicao.html . Acesso em: 20 set. 2017.
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, p. 5), em relação às travestis:
[...] apesar destas mudanças no papel e lugar social ocupado por este grupo, ainda é comum a ideia de que as travestis constroem sua identidade sexual e de gênero motivadas apenas pela prostituição e pelos ganhos financeiros que esta atividade pode proporcionar.
As relações que atravessam essas posições tidas como abjetas, como práticas de trabalho, práticas sexuais e de subsistências dissidentes, permeiam as produções de conhecimentos acerca deste grupo. Temos observado produções que têm rompido com padrões heteronormativos, binários e burgueses.
Ao iniciarmos estas problematizações, pensando relações de poder e resistências, tomamos como premissa fazer emergir diálogos sobre o trabalho na prostituição como forma de trabalho, mas também como práticas sociais, estéticas, táticas e políticas de sobrevivência e prazeres; podendo agir como manutenção e/ou subversão dos estilos de vidas heteronormativas, padrões universais e estereótipos biologizantes.
Iniciamos, aqui, nossas defesas sobre o que é ser “puta”,1 1 O termo “puta” é escolhido dentre os diferentes termos utilizados na definição desta atividade: prostituta, profissional do sexo, garota de programa etc. Essa opção encontra-se respaldada na defesa feita por algumas putas (mulheres cis, mulheres trans e travestis) pelo uso do termo como afirmação política do lugar de puta, conforme discussão entre diferentes denominações levantada por Gabriela Leite (SILVA; PERES, 2016). como mais uma atividade mediada por relações comerciais, organizadas de diversas formas e que relacionam poder, força e resistência. Resultam, assim, na produção de múltiplos sentidos que compõem tal atividade, dada a variedade de possibilidades que as manifestações destas questões compreendem. Muitos destes sentidos, ao serem problematizados, nos levam a pautar processos de exclusão que também compõem os modos de ser puta. Nossos interesses, entretanto, estão em outras perspectivas destas relações: as que nos conduzem às potências das vidas, dos desejos, das realizações e de práticas sexuais dissidentes que borram a fixidez identitária binária.
No diálogo proposto, procuramos conexões com perspectivas queer, como as encontradas em Judith Butler (1999BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 151-172., 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.), Paul B. Preciado (2011PRECIADO, Beatriz. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, jan./abr. 2011. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
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Paul B. Preciado, filósofo trans espanhol, relata parte de seu processo de transição no livro Un apartamento en Urano: crónicas del cruce (PRECIADO, 2019). Utilizamos o nome Paul B. Preciado no corpo do texto por ser o modo adequado de tratamento do autor. Com exceção deste livro, mantivemos nas referências bibliográficas o nome Beatriz Preciado por ser a forma encontrada nos bancos de dados e nos livros e textos publicados anteriormente ao uso de nome Paul, pelo autor. Frisamos que, com isso, não descaracterizamos a luta pelo reconhecimento das identidades trans. Esta nota tem a função de esclarecimento, mas também de posicionamento em favor do reconhecimento do nome social como direito das pessoas trans e travestis.
, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.) e Guacira Lopes Louro (2000LOURO, Guacira Lopes (Org.). Pedagogias da sexualidade. In: ______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p. 151-172., 2004LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica , 2004.), pois indicam posições de conhecimentos e práticas mais potentes, e, assim, recusamo-nos a abordar o lugar da dissidência como negatividade. Em Rosi Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.), compartilhamos a ideia de que as transformações de paradigmas, estruturas sociais, econômicas, políticas, sexuais, entre outros aspectos configurados como parte das crises da contemporaneidade, impõem a necessidade de novos esquemas de pensamentos. Segundo a autora, precisamos combinar crítica e criatividade para a criação de novas ontologias possíveis, que possam considerar os desafios contemporâneos e estabelecer relações éticas para a defesa das diferentes formas de vida.
Este artigo propõe um debate teórico sobre as travestilidades e transexualidades enfatizando a visibilidade destas expressões de gêneros para além da associação única com a prostituição. Esta pode considerada um dos atravessadores dos processos de subjetivação de muitas travestis e transexuais, motivo pelo qual a trouxemos para este debate. Mas a vida destas pessoas, no entanto, não se resume a isso. Ampliamos o olhar, tanto no que se refere ao aumento das possibilidades de trabalho e subsistência que esta população tem conquistado quanto no que concerne às atividades de prostituição, não restrito aos aspectos excludentes, considerando a multiplicidade destes processos.
A discussão que propomos tem diálogo com duas pesquisas de pós-graduação em Psicologia finalizadas em 2018, uma de doutorado (SALES, 2018SALES, Adriana B. Travestis brasileiras e escolas (da vida): cartografias do movimento social organizado aos gêneros nômades. 2018. Tese (Doutorado em Psicologia)-Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo, 2018. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/152979 . Acesso em: 28 jun. 2020.
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) e uma de mestrado (LOPES, 2018LOPES, Herbert P. Cartografias de vivências trans: experimentações teatrais e modos de subjetivação. 2018. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo, 2018.), ambas orientadas pelo terceiro autor deste trabalho. As pesquisas foram desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP/Assis). A primeira problematizou a relação de travestis brasileiras e a escola, e dialogou com treze lideranças do movimento nacional de travestis e transexuais, encontrando narrativas de produção de existências na construção de corporalidades, sexualidades na relação com experiências escolares (marcadas por processos de exclusão) e com experiências de militância (marcadas por processos de resistência). Já a segunda interessou-se pelos modos de resistências atravessados por práticas teatrais e desenvolveu-se a partir de oficinas de teatro vivenciadas com participantes do Coletivo ElityTrans, formado por travestis e transexuais da cidade de Londrina, interior do Paraná.
Além da proximidade temática e da interlocução com o movimento social, que marcaram as referidas pesquisas, ambas buscaram no método cartográfico elementos teórico-metodológicos para a construção das experiências geradas nestas interlocuções. A cartografia contribuiu para problematizarmos as relações de pesquisa, questionando certa separação entre sujeito-objeto, partindo da compreensão de que tais relações se constituem no processo de cartografar, não sendo dada de antemão. Ao contrário de isolar o “objeto” de pesquisa, a proposta cartográfica visa estudá-lo em sua composição sócio-histórica, a partir da rede de forças que constitui os fenômenos estudados (ALVAREZ; PASSOS, 2009ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 131-147.).
Nessa linha, nos propomos a compor a relação de pesquisa com as participantes, uma relação que implicou o envolvimento da pesquisadora e pesquisador, uma vez que ambos participavam ativamente dos processos políticos que caracterizam os coletivos pesquisados, estando envolvidos(as) com os territórios existenciais por onde caminharam as pesquisas, e posicionados eticamente em relação ao sentido que tais pesquisas tiveram na promoção e defesa da vida, diante dos cenários de marginalização, exclusão e violência que atingem sistematicamente as populações pesquisadas.
Assim, ao contrário de “saber sobre” as participantes, nos propomos a “saber com” elas, procurando romper com as violências epistemológicas que caracterizam os paradigmas tradicionais de ciência (ALVAREZ; PASSOS, 2009ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 131-147.). As narrativas que trouxemos para a pesquisa foram produzidas com base nesse posicionamento, constituídas nos diversos encontros possibilitados pelo pesquisar. Neste artigo, trouxemos recortes do vasto conjunto de narrativas encontradas. Esses recortes referem-se, especificamente, às experiências da pesquisa de mestrado e foram produzidos durante as oficinas de teatro (LOPES, 2018LOPES, Herbert P. Cartografias de vivências trans: experimentações teatrais e modos de subjetivação. 2018. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade Estadual Paulista, Assis, São Paulo, 2018.). Através de uma cena narrada por uma das participantes, ativista trans, durante as experimentações teatrais constituintes da referida pesquisa, desenvolvemos este artigo, procurando analisar os temas por esta cena suscitados. A partir disso, articulamos olhares sobre travestilidades e transexualidades e indagações sobre práticas sexuais, buscando problematizar os modos de subjetivação atravessados por estas vias, onde se encontram a produção de territórios de exclusão e subversão.
Cenas de territórios de exclusão e subversão
A relegação de travestis e transexuais a territórios de subjetivações específicos, como o do mercado do sexo, é, sem dúvida, traço marcante para apontarmos as violências que constituem seus modos de vida, violências estas que se associam à produção de gêneros e sexualidades. A prostituição se configura, na experiência de vida de muitas travestis e transexuais, como um processo social que vai configurar a transfobia, quando entendida do ponto de vista estrutural. Assim, a ideia da prostituição como um destino comum, considerado o único território possível para a existência de travestis e transexuais, é uma evidência desta violência, conduzida por uma dinâmica social excludente. Somam-se a isso todas as formas de exclusão que são geradas pelo exercício de uma atividade que, não tendo regularização, é submetida a condições inadequadas ao exercício digno de uma atividade profissional. Temos, ainda, as formas de preconceito e discriminação associadas a valores morais e normativos, fatores que aumentam a invisibilidade sobre as duras realidades de trabalho. Os sistemas de invisibilidade, tais como os atuantes sobre o trabalho na prostituição, por sua vez, reforçam as práticas de violência e, muitas vezes, favorecem a impunidade.
Sinalizamos como transfobia todas as formas transpostas de violências físicas, psicológicas e excludentes em relação às pessoas travestis e transexuais que vivem essas expressões de vida, resultando em processos de sofrimento, estigmatização e marginalização, que, somados, promovem a anulação de suas potências. A transfobia, assim, é constituída por diferentes formas de exclusão, que são exercidas em instituições como a família, a escola, o trabalho, entre outros.
As dinâmicas existentes entre as formas de exclusão destacam que expressões de transexualidades e travestilidades não são permitidas dentro dos critérios normativos para as relações sociais e institucionais. Travestis e transexuais têm o acesso aos direitos dificultado ou negado sistematicamente, e isso gera, em muitos casos, exclusão do espaço familiar e da instituição escolar e, por sua vez, barreiras para o ingresso no mercado de trabalho formal. Os processos de exclusão transpõem-se em práticas de violência, pois partem de pressupostos de gênero, sexualidades e relações sociais normativos e binários, que não dão conta de modos de vidas singulares.
Tais formas de imposição de poderes têm buscado organizar as cidades e as relações pessoais (psicossociais), os trânsitos e os ambientes, de modo higienista e normativo. Como encontramos em Benedetti (2004BENEDETTI, Marcos. A batalha e o corpo: breves reflexões sobre travestis e prostituição. Boletín Ciudadania Sexual, Lima, v. 11, p. 5-8, 2004. Disponível em: Disponível em: https://docplayer.com.br/13244484-A-batalha-e-o-corpo-breves-reflexoes-sobre-travestis-e-prostituicao.html . Acesso em: 20 set. 2017.
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, p. 5), uma das ideias que reproduzem o estigma e a exclusão social que cerca este grupo é a de que “a construção do corpo e do gênero das travestis dá-se única e exclusivamente em função do interesse pelos rendimentos financeiros proporcionados pela prostituição”.
Sobre as práticas de prostituição, que se referem às formas de ser puta (conforme anteriormente citado), podemos disparar trânsitos nos seguintes eixos: os territórios onde tais práticas acontecem; como se organizam as relações comerciais; quais relações de poder se exercem e como são estabelecidas as hierarquias; quais as violências cotidianas e as situações de risco que acometem as pessoas que vivenciam tais práticas; entre muitos aspectos. Dentre estes, queremos sublinhar os regimes de verdades que regulam os prazeres e as práticas sexuais. Estes regimes dificultam, inclusive, as possibilidades de produzir significados sociais críticos, múltiplos e complexos sobre o tema, isentos de perspectivas moralistas, discriminatórias e cruéis.
Tais inquietações podem nos levar a caminhos que se guiam pela defesa de territórios que sejam mais democráticos. As denúncias que retratam os controles sobre as vidas destinam-se aos processos de exclusão vividos por travestis e transexuais em seu cotidiano. Mais que isso, tais controles procuram delimitar os territórios permitidos para sua existência. Dentre eles, temos como espaço de status, sobrevivência, relações familiares e afetivas, os universos da prostituição, o assumir-se puta. Nestes caminhos, são mapeadas outras geografias, impulsionadas por perspectivas teóricas marcadas pelas aberturas que os estudos feministas criaram no campo de produções científicas. Evidenciamos, com isso, os posicionamentos éticos/políticos que configuram os olhares sobre os fenômenos estudados e nos responsabilizando pelos conhecimentos produzidos, conforme discutido por Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 . Acesso em: 12 out. 2018.
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).
Estas aberturas reconhecidas por serem avanços na história da humanidade garantem que “as pluralidades de abordagens nesse campo de saber são expressões de sua riqueza teórico-metodológica, e se convertem também em energias que renovam os debates e o avanço científico” (SILVA, 2009SILVA, Joseli Maria. Fazendo geografias: pluriversalidades sobre gênero e sexualidades. In: SILVA, Joseli Maria (Org.). Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidade. Ponta Grossa, PR: Todapalavra, 2009. p. 25-54., p. 50).
Os crescentes estudos, que trazem às configurações de sexualidades os espaços, expressões marginalizadas e estigmas enfrentados pelas pessoas que escapam das “normas”, também dão suporte para acreditarmos que longos caminhos serão necessários para avançarmos neste campo de estudos, de forma a contribuir para a garantia de direitos, pois há necessidade de superarmos metodologias descritivas de mapeamentos apenas em perspectivas sexuais (SILVA, 2009SILVA, Joseli Maria. Fazendo geografias: pluriversalidades sobre gênero e sexualidades. In: SILVA, Joseli Maria (Org.). Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidade. Ponta Grossa, PR: Todapalavra, 2009. p. 25-54.).
Em relação à associação entre prostituição e travestis e transexuais, recorremos à fala de uma atriz transexual, ativista do movimento trans, no interior do Paraná, e participante da pesquisa de mestrado mencionada anteriormente. Esta fala descreve mais diretamente o que tentamos argumentar. Diz ela: “Quando me questionam por que nossa imagem é associada à prostituição, costumo questionar de volta: com quantas travestis você estudou na escola?”3 3 Esse depoimento e os demais presentes neste texto referem-se a um extrato da fala de uma participante da pesquisa de mestrado e compõem os materiais de pesquisa. Ressalta-se que a pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética.
No meio das variadas formas de denúncia, reconhecemos que mesmo posições de contestação aos efeitos perversos de um sistema que cria gêneros e dispõe-se a regular as vidas podem ser capturadas por perspectivas moralizadoras. As lutas que se levantam contra as variadas formas de opressão, que destacam a prostituição como evidência da falta de possibilidades, ou destino único, podem em muitos casos estar marcadas por um viés moralizante. Trata-se de uma forma de assimilação, que visa efeito semelhante à da aceitação prometida às travestis e transexuais, com a condição de que suas expressões de gêneros produzidas reproduzam normas binárias universais. Antes de estas observações serem apontadas como aspectos que desqualifiquem tais lutas, consideramos, por outro lado, importante pensá-las como questões que atravessam os modos de subjetivação nas expressões dissidentes.
Às pessoas, de modo geral, são destinados modelos do que seja mulher e homem, respectivamente. Com suas variações, são modelos fixos e padrões identitários destas expressões, e, do mesmo modo, modelos identitários são destinados às pessoas trans e travestis. Por outro lado, as expressões de gêneros a que nos referimos são múltiplas e transbordantes, pois excedem regras tidas como necessárias à existência pessoal.
Recorremos à prostituição para iniciar esta empreitada e, a partir dessa associação e de apontamentos iniciais, queremos fazer outras perguntas. E se uma pessoa travesti ou transexual que se prostitui (pois não são, obviamente, todas as pessoas travestis e transexuais que o fazem) não o faz por necessidade ou falta de oportunidades? E se manifestar desejo pessoal por este tipo de prática? Obviamente, não podemos reduzir os atravessamentos que agem nos referidos modos de subjetivação a dois eixos polarizados: necessidade ou desejo. Assim, cabe uma última pergunta: como, nesse caso, poderia o sistema de regulação de gêneros desvar tais pessoas desta subversão?
Para nossa problematização, o tema se revela um interessante ponto de partida, pelo tipo de relações que evidencia e pelo que oculta. O que nos interessa são as práticas sexuais, mais especificamente as que não se conformam ao modelo reprodutivo normatizado, biologicamente, popularmente conhecido como “papai-mamãe”, adequado para as pessoas fazerem bebês. “Papai-mamãe” é conhecida como uma posição sexual em que o homem, que assume papel ativo, se deita sobre a mulher, que tem papel sexual passivo. Outra definição, em Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010.), aborda o “papai-mamãe” como uma forma de reducionismo atribuído ao modelo de triangulação psíquica, que se instaura como modelo universal de subjetividade. Optamos por brincar com esse termo, utilizando-o como imagem para descrever as formas de realização de práticas sexuais que relacionam, de maneira crítica, estes sentidos.
As práticas sexuais pressupõem uma relação de duas ou mais pessoas. Nas atividades de prostituição, elas sugerem, ainda, a realização de desejos que vão além das proporcionadas na vida cotidiana comum. Não somente travestis e transexuais, mas muitas putas cisgêneras são procuradas para realizar os desejos que não são realizados nas relações conjugais domésticas. Um desejo além do “papai-mamãe”. Em busca de travestis e mulheres trans, é frequente grande variação de homens casados ou solteiros, ativos ou passivos, bofes ou mariconas,4 4 Estes termos fazem parte da linguagem utilizada entre grupos LGBT, muito usada em contextos travestis e transexuais. Em linhas gerais, “bofes” são homens jovens e ativos; “mariconas” são homens mais velhos e passivos. em busca destas práticas, prazeres e relações para além-sexo. Enfim, trata-se de experiências diversas, mas que em alguma medida provocam as normativas estabelecidas pelo sistema sexo/gênero/desejos/práticas sexuais, proposto por Judith Butler (2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.). Que tipo de subversão tais práticas concretas geram no sistema? Quais tempos lhe são ofertados e em quais geografias são permitidos seus acessos?
As formas subversivas do “papai-mamãe”, na exploração dos prazeres sexuais, que possibilitam o universo da prostituição, geralmente são associadas a travestis ou transexuais, não aos clientes. O mundo de experimentações vividas no quarto de motel, ou dentro do carro, ou no terreno baldio, ou onde for possível realizar o afã sexual - que é vivido entre essas pessoas -, pouco se associa (no imaginário social) aos clientes que procuram as travestis e os transexuais.
A discrição e o anonimato, que permeiam tais modos de relação, são reforçadores de processos de invisibilização, que agem num duplo ocultamento: por um lado, oculta o “Outro/Outra” da relação sexual, invertido em relação a(o) sujeita(o) da diferença: no caso, o cliente, resguardado de seu valor moral perante a sociedade. Por outro lado, oculta condições de existências que agem sobre algumas vidas negando a elas (porque não vê) o acesso a direitos, inclusive direitos básicos e sexuais.
Trata-se de processos de ocultamento e invisibilidade que engendram as produções dos prazeres e desejos sexuais dentro de dispositivos que regulam as sexualidades, definem o que deve ser silenciado ou, em outras palavras, o que não deve existir. Processos como esses operam contradições como a que faz o Brasil estar no topo do ranking de acesso à pornografia transexual, de acordo com o site RedTube,5 5 Conforme dados do levantamento publicado pelo site RedTube (REDTUBE..., 2016), que analisa o perfil do Brasil no acesso ao site de pornografia ao mesmo tempo que, em outro ranking, aparece como um dos países de maior violência transfóbica.6 6 Conforme dados atualizados em 2016 do relatório Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring da organização Transgender Europe. O relatório, em inglês, está disponível no site: https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016. O que muito se deseja, muito se mata?
Propomos as práticas sexuais e desejantes como linhas de problematizações a serem desfiadas neste texto, primeiro porque essa discussão nos faz considerar os sistemas morais que agem na regulação de tais práticas e reforçam marcadores identitários fixos, não somente em relação às práticas, mas também em relação às pessoas que as vivenciam. Os aspectos desviantes dos prazeres sexuais são associados às formas abjetas produzidas pelo sistema de materialização dos gêneros. Não somente isso, o sistema determina qual expressão/identidade, quais desejos, quais práticas sexuais são permitidas. Tudo que não é permitido não é possível de existir, pois é humanamente impensável.
Queremos apresentar uma cena, para instigar nossa posição e - por que não? - esquentar nosso diálogo. Esta cena foi narrada pela participante da pesquisa de mestrado, anteriormente citada. A participante, que é ativista do movimento trans, narra a seguinte situação, vivida num salão de cabeleireiro de seu bairro:
Eu estava no salão de cabelereiro numa tarde e aquela mulher chegou pra mim e disse:
- Eu quero te fazer uma pergunta íntima!
Provavelmente eu imaginei que ela ia me perguntar se eu era operada ou coisa parecida. Aí ela me disse assim:
- Aí, eu tô muito preocupada, eu não sei o que fazer. Eu preciso saber como é que dá o cu. Porque meu marido quer comer meu cu, mas eu nunca dei o cu. E uma amiga me disse que se eu não desse o cu pra ele, ele ia comer fora. Então, você pode me ensinar a dar o cu?
Aí eu disse:
- Olha, dar o cu é todo um ritual. Você precisa de uma preparação. Então, primeiro você pega e analise o tamanho do pau do seu companheiro, tipo, se for um pau pequeno, você pode fazer todas as posições, se for um pau médio, você já tem que escolher uma posição mais confortável. Agora se for um pau grande, tem que ser determinadas posições porque senão fica muito desconfortável, você precisa saber o que fazer a partir do pau que tem ali na sua frente. A melhor posição, pra você que tá iniciando, é você deitá-lo e subir em cima de coqueirinho.
- O que é coqueirinho? Ela perguntou.
- É uma posição sexual onde você comanda a situação indo por cima do seu parceiro. Isso é coqueirinho, um sobe e desce em cima do seu parceiro, até gozar (Trecho do Diário de Campo, materiais de pesquisa).
Se esta cena (uma conversa picante de salão) revela libertação ou reconfiguração de uma demanda machista de realização sexual - que reforça a responsabilidade da mulher sobre o prazer do marido - não nos cabe discutir nesse momento. No entanto, consideramos importante pontuar essa questão na problematização da reprodução do machismo, inclusive na regulação das relações sexuais conjugais. Mais que o consentimento, é importante considerar o desejo, ambos compartilhados, nas negociações cotidianas das práticas sexuais. Isso no sentido de evidenciar e desconstruir relações assimétricas de poder existentes entre quatro paredes.
Porém, além deste destaque, outras coisas esta cena cotidiana revela: uma mulher, casada, pedindo conselhos a uma travesti sobre sexo anal. Primeiro, refere-se à busca por um tipo de relação sexual “não-natural”. Segundo Paul B. Preciado (2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.), a natureza humana, enquanto eixo constitutivo dos sexos e sexualidades, é uma tecnologia social que busca reproduzir a equação natureza = heterossexualidade nos corpos e nos espaços, organizando-os e direcionando as possibilidades de prazeres. Segundo a autora,
O sistema heterossexual é um dispositivo social de produção de feminilidade e masculinidade que opera por divisão e fragmentação do corpo: recorta órgãos e gera zonas de alta intensidade sensitiva e motriz (visual, tátil, olfativa...) que depois intensifica como centros naturais e anatômicos da diferença sexual (PRECIADO, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014., p. 25).
Para o sistema de produção de gêneros, as formas não reprodutivas das sexualidades opõem-se à normalidade heterossexual. Logo, as práticas anais nas relações sexuais não são bem vistas pelos essencialismos universais que defendem hegemonias biológicas entre pênis e vagina. O cu se torna lócus de contestação destas práticas binárias sexuais e, por compor todas as corporalidades humanas, salvaguardados casos de deficiências corporais, possibilita democráticas formas de explorar estes corpos.
Em contrapartida, tais práticas usando o cu nas relações sexuais são marcadas pelo que é marginal, sujo, inadequado e do universo do feminino, pois tal exploração anal está vinculada ao que é ser passivo (feminino, que recebe o pênis) e ser ativo (masculino, que introduz no ânus). Logo, defendemos que, por todo o contexto de negação, de exclusão e usos dos corpos trans, as pessoas travestis e transexuais já trazem seus cus na cara, porque estas pessoas embaralham os códigos legíveis nas práticas sexuais e usos de seus corpos, desorganizando a ordem dominante machista e falocêntrica.7 7 Sobre esta questão, citamos o livro Por el culo: políticas anales, de Javier Sáez e Sejo Carrascosa (2011), onde os autores pretendem uma problematização sobre como se articula a política do cu permeada por uma rede de poder marcada também pelo ódio, machismo, transfobia e racismo.
O segundo ponto de destaque sobre a cena, refere-se à referência da imagem da travesti, associada pela mulher que a procurou. Podemos dizer que, neste caso, a travesti age como uma professora: um outro tipo de professora em outro tipo de escola, que ensina coisas “da vida”. Outras pedagogias de sexualidades e gêneros encontram espaço nos terrenos que o sistema heteronormativo pretendeu áridos e impotentes. Nos territórios de subjetivação de travestis e transexuais, e aqui frequentemente tendo a prostituição como participante, toda uma espécie de educação não-formal se desenvolve, possibilitando diferentes expressões de gêneros, sexualidades e, no caso de nosso interesse, prazeres e práticas sexuais.
Existem pedagogias de sexualidade, conforme discutido por Guacira Lopes Louro (2000LOURO, Guacira Lopes (Org.). Pedagogias da sexualidade. In: ______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p. 151-172.), que agem na produção das expressões de gêneros, no disciplinamento dos corpos, no direcionamento do desejo e na regulação das práticas sexuais. As pedagogias procuram dar sentidos sociais aos corpos. Estas pedagogias agem como parte do dispositivo da sexualidade, como apresentado por Foucault (1984FOUCAULT, Michel. Sobre a história da sexualidade. In: ______. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984. p. 243-276., p. 244), “um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas”.
As verdades produzidas sobre as sexualidades se inscrevem nos corpos como marcas. Conforme Louro (2000LOURO, Guacira Lopes (Org.). Pedagogias da sexualidade. In: ______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p. 151-172., p. 16), as múltiplas instâncias sociais (escola, família, mídia, igreja, lei, entre outras) fazem um investimento sobre os corpos, “reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas” na constituição binária de homens e mulheres.
Nesse sentido, cabe pensar sobre as pedagogias alternativas sobre os desejos e práticas sexuais. Uma vez desviantes as sexualidades e já não admitidas como naturais, passam a gerar novos saberes acerca das sexualidades e das práticas sexuais. As professoras, no nosso caso as travestis e transexuais, são formadas na “vida”, de onde produzem seus saberes teórico-práticos. Como na cena acima narrada, podem ser procuradas por mulheres, casadas ou não, para conversar sobre a experiência do sexo anal. Assim como podem ser procuradas por homens, casados ou não, pelo mesmo motivo. Mas, no caso, não necessariamente para conversar.
Práticas sexuais abjetas e objetos de desejo
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor
(CHICO BUARQUE, 1973CHICO BUARQUE. Não existe pecado ao Sul do Equador. Intérprete: Chico Buarque. In: CHICO BUARQUE; GUERRA, Ruy. Chico Canta. [S.l.]: Phonogram, 1973. 1 CD (30 min). Faixa 6 (3 min 57 s). )
Boaventura de Souza Santos (2009SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENEZES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina-CES, 2009. p. 23-73.) descreve a concepção humanista de sujeito como parte de uma episteme própria da modernidade, forjada com base numa cisão ontológica. Tal cisão parte de uma dicotomização necessária: o pensamento moderno, na linha do autor, é um pensamento abissal. De um lado da linha, a experiência oficial de sujeito, aquele que pode ser visibilizado e que recebe, nesse sentido, estatuto absoluto de existência humana. Do outro lado, a experiência ininteligível de sujeitas e sujeitos “selvagens” dos povos coloniais, povos “descobertos”. Tais experiências de vida não têm os direitos próprios de “gente”, segundo parâmetros propostos naquele modelo. Uma linha divisória separa os de lá e os de cá, selvagens e civilizados, sociedades industriais e povos não industriais, sujeitos e abjetos, normais e anormais.
Não se situando fora das regulagens sociais e sexuais, os territórios da prostituição, assim como outros habitados por travestis e transexuais, permitem a criação de regras diferentes para o jogo, no caso, os jogos sexuais. A existência de pedagogias alternativas (não ausentes de violências) para as expressões e práticas sexuais permite um universo desconhecido e fascinante: mundos a descobrir envoltos de fantasias, fetiches e jogos sexuais a serem explorados.
Ampliam-se as fronteiras do proibido, como na música de Chico Buarque “Não existe pecado ao sul do Equador”, que compõe a obra cênico-musical escrita pelo artista em parceria com Ruy Guerra. A peça, escrita em 1972 durante a ditadura militar, traz como cenário o Brasil do século XVII, na época dos conflitos entre portugueses e holandeses na disputa pela colonização de Pernambuco. A música citada, cantada pela personagem Anna de Amsterdam, prostituta que embarca para o Brasil, revela uma moral cristã questionada por sua herança eurocêntrica, e que encontra limites na liberdade de costumes - tanto vivenciada pela prostituta quanto pelas relações sociais vividas na terra brasileira.
A existência desses universos sexualizados, “excessivamente” sexualizados, é o paralelo constituinte dos universos de relações dessexualizadas, ou de sexualidades “mornas”. As travestis e os transexuais muitas vezes são considerados “indivíduos míticos” por carregarem uma sexualidade negada ou reprimida. Esta atribuição mítica está ligada à relação que Guacira Lopes Louro (2000LOURO, Guacira Lopes (Org.). Pedagogias da sexualidade. In: ______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p. 151-172.) faz da análise das queixas de uma instituição escolar sobre o comportamento de uma adolescente, considerado excessivamente sexualizado. Essa percepção da sexualidade como “excessiva” é possibilitada pelo seu oposto, uma dessexualização sistemática da instituição. Nesse paralelo estabelecido, onde encontramos uma sexualidade presente/ausente nos diferentes lugares sociais, como nos seios das relações sexuais conjugais, elas, as excessivas, se constituem como a “outra”, que deve ser estigmatizada, mas também exerce certa fascinação.
A questão aqui não é considerar que travestis e transexuais, naturalmente pelo lugar social a que são cotidianamente submetidos, vivenciam suas sexualidades livres das normas de gêneros. Mesmo porque há uma tendência de que suas corporalidades, valores e crenças sejam subjetivados a partir das linhas de subjetivação normatizadoras. São linhas que impõem, como modo de construção única, a reprodução dos modelos dados a respeito de como expressar as masculinidades e feminilidades de acordo com os padrões vigentes e impostos pela lógica binária, reducionista e universal.
Ao transformarem seus corpos, na busca por outra sexualidade, as travestis e os transexuais desafiam abertamente os aparatos de controle da sexualidade. Esta posição não determina, por outro lado, uma forma, uma identidade-modelo de transgressão e resistência à produção normativa. Judith Butler (2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.) aborda esse ponto de discussão no prefácio à segunda versão inglesa, apresentado também na edição em espanhol, de seu famoso livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.8 8 Em espanhol, El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad. Segundo ela, não é sua intenção
Celebrar el travestismo como la expression de un género modelo y verdadero (si bien es imporante oponerse a la denigracion del travestismo que a veces tiene lugar), sino demonstrar que el conocimiento naturalizado del género actúa como una circunscripción com derecho preferente y violenta de la realidade (BUTLER, 2007BUTLER, Judith. Prefácio (1999). In: ______. El género em disputa: el feminismo y la subversión de la identidade. Barcelona: Paidós, 2007. p. 7-33. , p. 28).
A ênfase de Butler é destinada à extensão da legitimidade de gêneros para os corpos que têm sido vistos como falsos, irreais e ininteligíveis. Como afirma a autora, “el travestismo es un ejemplo que tiene por objeto establecer que la ‘realidad’ no es tan rígida como creemos” (BUTLER, 2007BUTLER, Judith. Prefácio (1999). In: ______. El género em disputa: el feminismo y la subversión de la identidade. Barcelona: Paidós, 2007. p. 7-33. , p. 29). A transgressão das fronteiras de gêneros ocorre a partir das transformações realizadas no processo de construção dos corpos de travestis e transexuais. Eles cometem essa transgressão, mesmo sem o saber, e colocam em debate a naturalização das sexualidades e dos gêneros, naquilo que é tido como mais “essencial”: o corpo. Segundo Larissa Pelúcio (2004PELÚCIO, Larissa Maués. Travestis, a (re)construção do feminino: gênero, corpo e sexualidade em um espaço ambíguo. Revista AntHropológicas, Recife, ano 8, v. 15, n. 1, p. 123-154, 2004. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaanthropologicas/article/view/23613 . Acesso em: 24 set. 2018.
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
, p. 138), os travestis “são o que construíram, essa é sua ‘natureza’. Não uma natureza anatômica, mas a do saber e do desejo”.
As normas de gêneros são representadas por elementos como: o dimorfismo ideal, a complementariedade heterossexual dos corpos ideais e o domínio de concepções de masculinidade e de feminilidade adequadas e inadequadas (BUTLER, 2007BUTLER, Judith. Prefácio (1999). In: ______. El género em disputa: el feminismo y la subversión de la identidade. Barcelona: Paidós, 2007. p. 7-33. ). Esse processo, colocado em curso pelo dispositivo biopolítico da sexualidade, como discutido por Foucault (1988FOUCAULT, Michel. História de sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal , 1988. v. 1.), é operado por um sistema de produção de corpos sexuados e generificados como sistema de sexo e gênero, conforme apresentado incialmente por Gayle Rubin (1975RUBIN, Gayle. O tráfico de mulheres: notas sobre a economia política dos sexos. Tradução de Christine Rufino Dabat. Recife: SOS CORPO - Gênero e Cidadania, 1975.) e retomado por Judith Butler (2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.), com a adição de mais duas categorias de produção, passando-se a denominar sistema sexo/gênero/desejos/práticas sexuais.
A “verdade” sobre os gêneros, as expressões permitidas segundo normas e valores, garantem a produção de “gêneros inteligíveis” como referências para masculinidades e feminilidades. Referem-se a produções que buscam continuidade e coerência entre sexo biológico, as formas culturalmente constituídas de gêneros e a manifestação de desejos realizados por meio de práticas sexuais admitidas e restritas à procriação.
Essas regras normativas que agem na materialização dos gêneros compõem parte dos atravessamentos que constroem nossas experiências de vida. Segundo Butler (2007BUTLER, Judith. Prefácio (1999). In: ______. El género em disputa: el feminismo y la subversión de la identidade. Barcelona: Paidós, 2007. p. 7-33. , p. 29), “determinan lo que será inteligiblemente humano y lo que no, lo que se considerará “real” y lo que no, establecen el campo ontológico en que se puede atribuir a los cuerpos expresión legitima”.
Esses processos fazem com que as travestis e transexuais sejam rainhas durante a noite e monstros durante o dia. Sua presença é delimitada em espaços e tempos determinados, geografias e temporalidades que definem seus territórios existenciais. No outro lado do dia, do outro lado da rua, ou “abaixo da linha do Equador”, vivem seres “míticos” cuja ontologia é negada pelas relações de poder determinantes para a existência do(a) Outro(a).
Isso é permitido porque este sistema de produção de gêneros e corpos, de matriz heteronormativa, não tem uma origem natural fundadora. Trata-se de uma tecnologia sexual social cujo curso é possível modificar, subverter, alterando-se, assim, a produção das identidades sexuais. As travestis e os transexuais, assim como as bichas, as lésbicas, caminhoneiras, as sapas, as drag queens, dentre outras figurações políticas, são, como provoca Paul Preciado (2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014., p. 31), “brincadeiras ontológicas, imposturas orgânicas, recitações subversivas, de um código sexual transcendental falso”.
Outras ontologias possíveis, brincantes, subversivas, são expressões dissidentes deste modelo e que, por isso, recebem o lugar de abjeção. A ideia de abjeção está ligada àquilo que não pode ser considerado humano, pois é impensável nas categorias-padrão de produção de sujeitos. Para Butler (1999BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 151-172., p. 61),
A construção do humano é uma operação diferencial que produz o mais e o menos “humano”, o inumano, o humanamente impensável. Esses locais excluídos vêm a limitar o “humano” com seu exterior constitutivo, e a assombrar aquelas fronteiras com a persistente possibilidade de sua perturbação e rearticulação.
Sabemos que a “humanidade”, o fato de sermos humanos, não é um dado natural à espécie, mas um processo que separa os mais ou menos humanos, processo que é definido por vários estratos, que agem enquanto linhas de segmentação nas formações subjetivas daquilo que pode ser chamado de humano. Agem nesse processo, em conjunto com as categorias de gênero, outros definidores de “humanidade”, como classe social, cor, raça e estética corporal.
Associadas às produções de expressões de gêneros e sexualidades estão, como já afirmamos, as práticas sexuais. Estas, como pretendemos destacar, também agem na composição dos sujeitos, do que pode ser considerado uma experiência “normal” (ou não) admitida. As perversidades, como consideradas pelas instituições médico-legais desde o século XIX, referem-se às formas não reprodutivas de sexualidade, do fetichismo ao lesbianismo, passando pelo sexo oral e chegando à descoberta do prazer anal (PRECIADO, 2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.).
Essas formas estranhas, desconfiadamente humanas, serão consideradas queer pelo movimento teórico político que ganha terreno nos Estados Unidos e Reino Unido a partir dos anos 90, e do qual fazem parte teóricas como Judith Butler, Paul B. Preciado, Guacira Lopes Louro, entre outras, com quem temos dialogado neste texto.
O movimento queer intenta a desnaturalização das noções de sexualidades e gêneros e critica as identidades sexuais consideradas como fixas e estáveis, conforme o modo de produção apresentado acima. Recorre justamente ao lugar de afirmação da diferença, vista enquanto potencialidade e não como anormalidade. Demarcar um lugar (des)apropriado para abjeção consiste, assim, em demarcar espaços políticos de resistência.
O termo queer é uma palavra da língua inglesa, utilizada comumente como insulto a população LGBT. Segundo Louro (2004LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica , 2004., p. 7-8),
Queer é tudo isso: estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito da sexualidade desviante - homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o excêntrico que não deseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira ao centro nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina.
Queer é outra forma de conceber experiências de política sexual que não cabem nos moldes do humanismo clássico. As práticas sexuais consideradas como queer não afirmam, pelo contrário, questionam concepções atribuídas como naturais às relações sexuais. O desconforto gerado pelo questionamento da ideia de natureza atribuída às sexualidades afeta alguns dos princípios da concepção clássica do sujeito moderno, universal, essencialista, eurocentrado e masculino.
Sustentado por diferentes posições binárias, como as oposições homem/mulher, heterossexual/homossexual, ativo/passivo, normal/anormal, o sistema de produção dos gêneros vai encontrar na oposição natureza/cultura um importante sustentáculo para o modelo heteronormativo, cuja legitimidade está na (aparentemente estreita) ligação entre sexualidade e natureza humana. Em suas formas adequadas, e não por acaso associadas a valores apropriados dos regimes morais, são vistas como expressão de uma natureza humana.
As formas dissidentes são consideradas perversões ao modelo natural. As vidas que se encaixam nesta descrição não são convidadas a participar do banquete da humanidade. Não recebem o mesmo tratamento destinado aos humanos, sendo submetidas a formas de desqualificação, discriminação, estigmatização, negação de direitos, violências e, inclusive, à morte. Os crimes contra a vida de motivação transfóbica geralmente apresentam traços de crueldade - além da violência própria de tirar a vida de outrem. Em muitos casos, as vítimas têm os olhos perfurados ou os membros decepados, ou são enterradas de cabeça para baixo,9 9 Estas três situações de homicídio transfóbico ocorreram recentemente na cidade de Londrina, Paraná. ou quaisquer marcas físicas que revelam ódio aos corpos que ousaram atravessar as fronteiras da natureza.
Para as pessoas: direitos desviantes e subjetividades impossíveis
As tecnologias corporais utilizadas, muitas vezes, por travestis e transexuais, como aplicação de próteses, silicone, hormônios, entre outras alterações, assim como as tecnologias sexuais que geram subversão ao modelo do sexo procriativo, configuram-se como parte das idealizações “míticas” dessas identidades rotuladas e estigmatizadas. Em diálogo com Preciado (2014PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.), significamos as tecnologias sexuais e corporais acompanhadas pelas histórias das sexualidades, desde suas versões mais naturalizadas. Neste caso, é importante tomar estas expressões a partir dos efeitos de questionamento que apresentam aos regimes de verdade que reiteram marginalidades a que são submetidas travestis e transexuais:
A partir de nociones de diferencia y margen, se reiventa lo que entendemos por naturaleza. Se producen narrativas de resistencia con posiciones de sujetos híbridas, contradictorias, encarnadas, flexibles, parciales, fragmentadas, provisionales, nómadas, heterogéneas, atentas a sus efectos esencializantes y excluyentes (RODRIGO; TORRES, 2005RODRIGO, Desiré; TORRES, Helena. Ciborgqueers, o de cómo deshacer al homo sapiens. In: CÓRDOBA, David; SÁEZ, Javier; VIDARTE, Paco (Org.). Teoría Queer: Políticas bolleras, maricas, trans, mestizas. Madrid: Egales, 2005. p. 187-211., p. 206).
Aqui, a crítica ao sujeito10 10 Aqui, o termo “sujeito” é usado unicamente na flexão masculina de gênero gramatical, dada a estreita relação que a concepção moderna de sujeito tem com o gênero masculino, no caso com a categoria Homem. universal e essencialista, que contém uma natureza humana, é colocada. É tão “natural” a concepção de humano quanto antinatural a relação anal, para humanas e humanos - se tomarmos esta ótica. De fato, são questionáveis as noções de humanidade que podem ser encontradas nas relações que constroem as vidas de travestis e transexuais. Paradoxalmente, muitos espaços de militância, onde são consideradas as reivindicações dessa população, levam o título de Direitos Humanos. Secretarias, Comissões, Grupos de Trabalho, Departamentos, entre outros espaços de Direitos Humanos, se encarregam de pautas advindas das ditas “minorias”, dentre elas a população LGBT11 11 Pessoas lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transexuais. e, mais especificamente, as travestis e os transexuais. Sobre a categoria “humano”, afirma Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013., p. 11):
Este término disfruta de un amplo consenso y conserva la tranquilizadora familiaridad del lugar común. Nosotros afirmamos nuestro apego a la especie como si fuera um dato de hecho, um presupuesto. Hasta el punto de construir en torno a lo humano la noción fundamental de Derecho. Pero, ¿las cosas son de verdad así?
Logo, a frase: “Direitos humanos para humanos direitos” traz à tona o incômodo frente às lutas em favor destas minorias. Lutas por direitos que seriam privilégios, segundo tal posição binária e universal. Um maior senso crítico e inteligência nos levariam logo a reconhecer que, infelizmente, a frase não representa uma reivindicação, mas a constatação de um sistema injusto no uso dos direitos das pessoas.
Uma grande quantidade de pessoas que não são direitas (estão “à esquerda”) e, por consequência, estão à margem do acesso aos direitos garantidos aos humanos representam, conforme denomina Preciado (2011PRECIADO, Beatriz. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 1, p. 11-20, jan./abr. 2011. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201100...
), uma multidão dos anormais. Essa noção de humano/humana realmente não abarca todas as multiplicidades de experiências de vidas, como defende Rosi Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013., p. 11):
No si por “humano” entendemos esa criatura que se nos há vuelto tan familiar a partir de la Ilustracion y de su herencia: el sujeto cartesiano del cogito, la kantiana comunidad de los seres racionales, o, em términos más sociológicos, el sujeto-cuidadano, titular de direitos, proprietário, étctera, étctera.
Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.) coloca como central a problematização sobre os limites do humano, a partir de críticas anti-humanistas, para podermos pensar relações no mundo contemporâneo, marcado pelo que denomina por condições pós-humanas. O termo pós-humano, talvez uma brincadeira ontológica (nos termos de Paul B. Preciado), é descrito como um termo útil para indagar os novos modos de se comprometer com o presente.
Dentre as considerações que podemos trazer para o nosso diálogo estão, em primeiro lugar, as posições críticas frente ao humanismo. O conceito de Humano tem como imagem principal o Homem, “medida certa de todas as coisas”. O enunciado de Protágoras, simbolizado por Leonardo Da Vinci no “homem vitruviano”, é resgatado por Braidotti para referir-se ao sujeito masculino associado ao termo “humano”. O ideal humanista, com essa e outras premissas excludentes, se instaura como um modelo universal que, de maneira hegemônica, tem determinado relações binárias entre Identidade e Diferença.
Es central, por esta actitud universalista y por su lógica binaria, la noción de diferencia, entendida en sentido peyorativo. El sujeto equivale a la consciencia, a la racionalidade universal y al comportamiento ético autodisciplinante, mientras que la alteridad es definida como su contraparte negativa y especular (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013., p. 27).
Atrelado à produção da diferença, sendo seu outro oposto, encontra-se o conceito de humano como sujeito racional, livre e de direitos. Esta noção produzida numa ordem de relações capitalistas reforça modelos identitários que, por sua vez, instauram séries de violências sistematicamente dirigidas para as expressões das diferenças. Nas sociedades modernas ocidentais, estas noções estão na base de relações coloniais, patriarcais, machistas, racistas, classistas, lgbtfógicas, xenofóbicas, higienistas etc.
La toma de conciencia de la violencia epistémica va al mismo ritmo que el reconocimiento de la violencia en la vida real, que era y aún es practicada contra los animales, los no-humanos y los otros agentes sociales y políticos deshumanizados por la norma humanista (BRAIDOTTI, 2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013., p. 43).
Os efeitos excludentes e violentos serão, no século XX, vivenciados em escala catastrófica (a exemplo das guerras mundiais) tanto quanto cotidiana (por exemplo, se considerarmos as violências transfóbicas). Também no século XX, mais especificamente na segunda metade, vemos emergir no cenário político sujeitas e sujeitos da diferença reivindicando seus direitos de existência (movimentos feministas, de trabalhadores e trabalhadoras, movimentos de luta de gays, lésbicas, transexuais e travestis, entre outros). A emergência destes novos atores e atrizes, para nossa discussão, cria denúncias sobre os limites que o conceito de “humano” carrega, dada a desumanização presente nos modos de subjetivação destas minorias, como passaram a ser chamadas. O termo “minorias”, inclusive, é alvo de crítica pelos movimentos sociais, pois, dentre outros fatores, sugere atribuição de algo “menor” ao seu sentido.
A visão reducionista do conceito de humano, que destacamos aqui como os limites de ser “gente”, é uma das posições-chave para considerar a inflexão pós-humana de Rosi Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.). A autora apresenta tal perspectiva como uma política afirmativa que combina crítica e criatividade na busca por imagens e projetos alternativos.
Para montar sua ficção ontológica do pós-humano, Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.) recorre a diversos elementos contemporâneos que nos indicam tanto preocupações quanto aspirações de um novo campo de pensamento crítico, localizado e preocupado com o presente. Dentre os aspectos apresentados, estão as revoluções científicas guiadas pela biogenética, neurociências e ciências da informação, associadas às novas formações capitalistas, que criam redes de relações econômicas, sociais, culturais, eróticas, etc., não (mais) somente humanas. A complexidade e os paradoxos de nossos dias na produção de novas formas de subjetivação exigem criatividade teórica para acompanhar a produção de tais cenários de maneira crítica aos novos efeitos gerados nesses processos.
A condição pós-humana é apresentada de maneira simultânea, sendo configurada, por um lado, pela fascinação diante dessa condição, um aspecto crucial de nossa historicidade, observadas as formas de potencialização humana advindas do desenvolvimento científico. Por outro lado, é colocada a preocupação com as aberrações, abusos de poder e outros aspectos negativos que geram novas formas de desumanidade. Ao apresentar sua perspectiva pós-humana, Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.) intenta questionar os estatutos do humano e, nesse sentido, reformular a questão da subjetividade, a partir da necessidade de inventar formas de relações éticas adequadas à complexidade dos tempos atuais.
Os pressupostos androcêntricos, antropocêntricos, individualistas e essencialistas a que remontam o conceito de humano são todos eixos importantes a serem tomados por uma visão crítica pós-humana. Central para esse questionamento é a necessidade de retomar a relação natureza-cultura, a que recorremos para desconstruir visões dicotômicas que operam nas concepções de sujeitas e sujeitos, de gêneros e sexualidades.
A posição adotada é a de não pautar a relação entre a natureza e a cultura como marcada por dois polos, tomando distância, inclusive, das vertentes socioconstrutivistas que têm postulado uma distinção categórica entre o dado (natureza) e o construído (cultura). Segundo Braidotti (2013BRAIDOTTI, Rosi. Lo Posthumano. Barcelona: Gedisa, 2013.), os limites entre as categorias de “natural” e “cultural” têm sido fortemente esfumaçados pelos efeitos de desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Uma forma não dualista de abordagem destas categorias se apresenta num continuum natureza-cultura, que reforça, cada vez mais, as posições híbridas constituintes das subjetividades contemporâneas.
Como maneira de exercitar essa forma de conceber a relação natureza-cultura, voltamos às travestis e transexuais que, na construção de seus corpos, gêneros e sexualidades, questionam os limites do que é natural/cultural. Os processos de transformação corporal, como uso de hormônios, próteses, cirurgias de redesignação sexual, entre outros procedimentos, desnaturalizam uma concepção tradicional acerca do corpo “humano”. Em relação às práticas sexuais, conforme discutimos anteriormente, as subversões ao modelo heteronormativos são consideradas abjetas ou, em outras palavras, antinaturais. Fazem parte do leque de categorias que servem para desqualificar algumas vidas, tomando-as como menos dignas de ser “gente”.
Podemos perceber que, se tomadas pela ótica queer, as formas desviantes na busca e realização de prazeres sexuais são indicadores importantes para criarmos perspectivas que produzam menos violências epistemológicas, uma vez que buscamos mudar nossos modos de conceber a experiência subjetiva. Se as instituições que agem na produção de gêneros normativos voltam-se para perspectivas naturalizadas da exploração das sexualidades, os territórios nos quais se subjetivam travestis e transexuais podem ser pensados como espaços mais libertários em relação ao uso dos corpos e prazeres?
As práticas sexuais podem ser consideradas como indicadores de regimes hierárquicos utilizados para classificação de indivíduos, de modo identitário. Gayle Rubin (1989RUBIN, Gayle. Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical de la sexualidad. In: VANCE, Carole (Org.). Placer y peligro: explorando la sexualidad feminine. Madrid: Revolución, 1989. p. 113-190.) propõe uma forma de analisar como as sociedades ocidentais modernas avaliam os atos sexuais de acordo com um sistema valorativo. Estabelecidos em forma de uma pirâmide erótica, encontram-se no topo as formas mais aproximadas de uma visão naturalizada e reprodutiva de sexualidade. Não obstante, essas formas estão alinhadas por regimes de moralidades cuja hipocrisia tenta impedir que se alarguem os limites de normalidade. Na parte mais baixa da pirâmide, encontram-se “as castas sexuais mais desprezadas”, que “correntemente incluem transexuais, travestis, fetichistas, sadomasoquistas, trabalhadores do sexo como as prostitutas [...]” (RUBIN, 1989RUBIN, Gayle. Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical de la sexualidad. In: VANCE, Carole (Org.). Placer y peligro: explorando la sexualidad feminine. Madrid: Revolución, 1989. p. 113-190., p. 16).
Nos níveis mais baixos da escala de valorização sexual estão sujeitas e sujeitos que não são considerados, na maioria das vezes, gente. Estão fora dos padrões de sujeito que o conceito suporta, de acordo com tradições humanistas que reforçam esses aspetos. A determinação de quais experiências de vida podem ser concebidas como válidas e quais são descartáveis se orienta por um sentido comum: valorizar formas tidas como naturais/normais e conceber como impossível as variações possíveis. A ideia de sexualidades produzidas como expressões de uma natureza humana encontra limites sérios quando nos deparamos com as experiências trazidas pelas provocações deste texto: a construção dos corpos travestis e transexuais e práticas sexuais, os modos de ser puta e o desejo de “dar o cu”.
Considerações finais possíveis
A descoberta da relação e do prazer anal, como lição a ser aprendida em espaços e tempos alternativos, sugere problematizar questões como as anteriormente apresentadas. Com base nas experiências encontradas, questionamos: é possível considerar as redes de relações de travestis e transexuais como processos de educação não-formal? As redes de relação e solidariedade que se criam entre essas pessoas, paralelas aos processos de exclusão, não garantem processos de socialização, aprendizagem e convivências menos marcadas por relações transfóbicas, ao contrário das que atravessam as instituições educacionais?
No movimento de afirmação de identidades rotuladas e subjugadas historicamente em nossa sociedade, estar no lugar de dissidência é exercer um ato político. As travestis e os transexuais, como exemplo de sujeitos que cometem essa subversão, pagam caro o preço pela construção de modos singulares de existência. Concebida como fronteira por visões reducionistas e antiquadas, a natureza atribuída ao corpo é transpassada pelos corpos transformados e transtornada por formas de prazer consideradas perversas. A exclusão de travestis e transexuais da escola é um dos preços pagos pela grande maioria, ainda hoje. A morte, ademais, é o preço mais alto a ser pago por quem ousa mudar as regras do jogo.
Resgatando Michel Foucault, ao defender que toda ação de poder implica ação de resistência, vale dar destaque às formas de resistir aos processos de violências pela criação de expressões de vida que existem e resistem, apesar de todas as agressões. No texto “A vida dos homens infames”, Foucault (2006FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estratégia, Poder-Saber. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. Coleção Ditos & Escritos, v. 4, p. 203-222., p. 207-208) faz uma afirmação do lugar de resistência, para as vidas de pessoas que não são dignas de ser consideradas “gente”:
O que as arranca da noite em que elas teriam podido, e talvez sempre devido, permanecer é o encontro com o poder: sem esse choque, nenhuma palavra, sem dúvida, estaria mais ali para lembrar seu fugidio trajeto. O poder que espreitava essas vidas, que as perseguiu, que prestou atenção, ainda que por um instante, em suas queixas e em seu pequeno tumulto, e que as marcou com suas garras, foi ele que suscitou as poucas palavras que disso nos restam; seja por se ter querido dirigir a ele para denunciar, queixar-se, solicitar, suplicar, seja por ele ter querido intervir e tenha, em poucas palavras, julgado e decidido. Todas essas vidas destinadas a passar por baixo de qualquer discurso e a desaparecer sem nunca terem sido faladas só puderam deixar rastros - breves, incisivos, com frequência enigmáticos - a partir do momento de seu contato instantâneo com o poder.
Ao compartilharmos a ideia de que o objetivo das instituições educacionais, como dispositivos de poder, é o de disciplinar os corpos, logo observamos que as pedagogias da sexualidade, conforme Louro (2000LOURO, Guacira Lopes (Org.). Pedagogias da sexualidade. In: ______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica. 2000. p. 151-172.), agem na produção de corpos heteronormativos.
Quais espaços e geografias são destinados a quem é excluído(a) dessas instituições? Aprender a “aquendar a neca”,12 12 Termo utilizado no meio LGBT para descrever o ato de esconder o pênis, prendendo-o entre as pernas, parte do ritual de “se montar” feito por travestis, transexuais e drag queens. “fazer a chuca”,13 13 Termo utilizado no meio LGBT para descrever processo de higienização anal e do canal do reto, para evitar “passar cheque”, isto é, deixar rastros de fezes no pênis do parceiro, durante a penetração. “dar o cu”, posições sexuais, jogos sexuais, são algumas das importantes lições para a socialização em contextos trans. Apontam para rituais que envolvem atividades e prazeres sexuais que ganham sentido nas relações trocadas entre as pessoas na realização dos atos sexuais.
As tecnologias sexuais agem conforme o sistema heteronormativo, regulando expressões consideradas normais. Utilizam-se, para isso, de diversas instituições que limitam as potencialidades dos corpos, como a família, a escola, o trabalho, entre outras. Muitos travestis e transexuais precisam encontrar outros espaços de relação e sobrevivência, expulsos destes vários lugares, ou gerando uma presença incômoda, em muitos casos. No tocante às práticas sexuais, voltamos à fala da participante da pesquisa, anteriormente citada:
Acho que práticas sexuais é um segredo, e o sexo é uma arte. Práticas sexuais é a forma como se vive essa arte. Então, quando eu me deparei com aquela pessoa querendo expandir seu universo sexual, obviamente eu me coloquei como uma multiplicadora de informações, porque eu tenho a experiência. [...] As pessoas já imaginam o anal como algo muito doloroso, muito agressivo, muito transgressivo, então tem tudo a ver com esse romper com esses centímetros de canal, de anal, digamos [...] Quando eles encontram esse prazer, é como aquele velho ditado, uma vez que você encontra esse prazer, nunca mais você vai parar, porque é uma delícia. O prazer está depois desse limite, que é a morte pra heterossexualidade, digamos (Trecho de Diário de Campo).
No trecho, a participante compartilha sua percepção de mulher que busca orientações sobre sexo anal e procura dar sentido ao seu lugar de saber. Do mesmo modo, encontramos o reconhecimento sobre tais formas de conhecimento, estranhas aos regimes de saberes-poderes, que ganham destaque e valorização (como no campo das discussões científicas). Mas, por outro lado, são tão presentes nos territórios de subjetivação trans e podem, através de conexões parciais, provocar novos questionamentos acerca dos modos de ser das demais identidades de gêneros. Marcar as práticas sexuais como uma arte é subverter os regimes de moralidades que ocultam e silenciam os universos de práticas sexuais, sempre os relegando ao lugar de abjeção.
Utilizamos essa fala para finalizar nossos diálogos, quem sabe deixando abertas outras questões. Para desenvolvermos posições teóricas e práticas que combinem crítica e criatividade, e que sejam responsáveis e adequadas às questões da atualidade, precisamos ir além do “papai-mamãe” também na forma de elaborarmos nossas questões. Estas aberturas para novas problematizações podem abrir caminhos para a ampliação dos esquemas de saber que consideram as dissidências como formas de resistências micropolíticas e desejantes.
Referências
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» https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016
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1
O termo “puta” é escolhido dentre os diferentes termos utilizados na definição desta atividade: prostituta, profissional do sexo, garota de programa etc. Essa opção encontra-se respaldada na defesa feita por algumas putas (mulheres cis, mulheres trans e travestis) pelo uso do termo como afirmação política do lugar de puta, conforme discussão entre diferentes denominações levantada por Gabriela Leite (SILVA; PERES, 2016SILVA, Luciana Codognoto da; PERES, Wiliam Siqueira. Entre Maria Madalena e Gabriela Leite: diferentes modos de nomeação de mulheres na prostituição. INTERthesis, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 203-221, set.-dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/view/1807-1384.2016v13n3p203/32291 . Acesso em: 20 set. 2017.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/int... ). -
2
Paul B. Preciado, filósofo trans espanhol, relata parte de seu processo de transição no livro Un apartamento en Urano: crónicas del cruce (PRECIADO, 2019PRECIADO, Paul B. Un apartamento en Urano: crónicas del cruce. Barcelona: Anagrama, 2019.). Utilizamos o nome Paul B. Preciado no corpo do texto por ser o modo adequado de tratamento do autor. Com exceção deste livro, mantivemos nas referências bibliográficas o nome Beatriz Preciado por ser a forma encontrada nos bancos de dados e nos livros e textos publicados anteriormente ao uso de nome Paul, pelo autor. Frisamos que, com isso, não descaracterizamos a luta pelo reconhecimento das identidades trans. Esta nota tem a função de esclarecimento, mas também de posicionamento em favor do reconhecimento do nome social como direito das pessoas trans e travestis.
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3
Esse depoimento e os demais presentes neste texto referem-se a um extrato da fala de uma participante da pesquisa de mestrado e compõem os materiais de pesquisa. Ressalta-se que a pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética.
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Estes termos fazem parte da linguagem utilizada entre grupos LGBT, muito usada em contextos travestis e transexuais. Em linhas gerais, “bofes” são homens jovens e ativos; “mariconas” são homens mais velhos e passivos.
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Conforme dados do levantamento publicado pelo site RedTube (REDTUBE..., 2016REDTUBE & Brazil. Pornhub Insights, 5 fev. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.pornhub.com/insights/redtube-brazil . Acesso em: 12 out. 2018.
https://www.pornhub.com/insights/redtube... ), que analisa o perfil do Brasil no acesso ao site de pornografia -
6
Conforme dados atualizados em 2016 do relatório Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring da organização Transgender EuropeTRANSGENDER EUROPE. Trans Murder Monitoring. 2016. Disponível em: Disponível em: https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016 . Acesso em: 27 out. 2020.
https://transrespect.org/en/map/trans-mu... . O relatório, em inglês, está disponível no site: https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016. -
7
Sobre esta questão, citamos o livro Por el culo: políticas anales, de Javier Sáez e Sejo Carrascosa (2011)SÁEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Por el culo: políticas anales. Madrid: Egales , 2011., onde os autores pretendem uma problematização sobre como se articula a política do cu permeada por uma rede de poder marcada também pelo ódio, machismo, transfobia e racismo.
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8
Em espanhol, El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad.
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Estas três situações de homicídio transfóbico ocorreram recentemente na cidade de Londrina, Paraná.
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10
Aqui, o termo “sujeito” é usado unicamente na flexão masculina de gênero gramatical, dada a estreita relação que a concepção moderna de sujeito tem com o gênero masculino, no caso com a categoria Homem.
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Pessoas lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transexuais.
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12
Termo utilizado no meio LGBT para descrever o ato de esconder o pênis, prendendo-o entre as pernas, parte do ritual de “se montar” feito por travestis, transexuais e drag queens.
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13
Termo utilizado no meio LGBT para descrever processo de higienização anal e do canal do reto, para evitar “passar cheque”, isto é, deixar rastros de fezes no pênis do parceiro, durante a penetração.
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14
Os dados completos dos autores encontram-se ao final do artigo.
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Contribuições dos autores:
Todos os autores colaboraram ao longo do processo, desde a elaboração até a revisão final do manuscrito. Os autores aprovaram o manuscrito final para publicação.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Jan 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2020
Histórico
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Recebido
30 Dez 2017 -
Revisado
21 Mar 2020 -
Revisado
23 Jun 2020 -
Aceito
04 Ago 2020