Resumos
Visando ao preparo de farinha de trigo com baixo teor de fenilalanina (Phe), extraiu-se, enzimaticamente as proteínas, empregando-se uma protease alcalina de Bacillus licheniformis. Em seguida, os extratos protéicos foram hidrolisados pela ação de enzimas comerciais (pancreatina e bromelina) e de extratos enzimáticos obtidos da casca de abacaxi (bruto e purificado), avaliando-se alguns parâmetros enzimáticos, tais como tipo de enzima, tipo de ação enzimática, tipo de associação enzimática e ordem de ação enzimática. O carvão ativado (CA) foi empregado como meio adsorvente e a eficiência da remoção de Phe foi avaliada por espectrofotometria derivada segunda, determinando-se o teor de Phe na farinha de trigo e em seus hidrolisados, após tratamento com CA. O melhor resultado foi encontrado ao se empregar a associação sucessiva do extrato bruto seguida da pancreatina, tendo atingido 66,28% de remoção e o teor final de Phe de 522,44 mg/100 g de hidrolisado.
Farinha de trigo; Hidrolisados protéicos; Enzimas; Hidrólise enzimática; Protease alcalina; Fenilalanina; Carvão ativado
With the aim of producing wheat flour with low phenylalanine (Phe) content to be introduced in phenylketonuric's diet, the proteins were enzymaticaly extracted, using an alkaline protease from Bacillus licheniformis. Then, the protein extracts were hydrolyzed by the action of commercial enzymes (pancreatin and bromelain) and of enzymatic extracts obtained from pineapple peel (crude and purified). Some enzymatic parameters were evaluated, such as type of enzyme, type of enzyme action, type of enzymatic association and order of enzyme action. The activated carbon (AC) was used as adsorbent and the efficiency of Phe removal was evaluated by second derivative spectrophotometry measuring the Phe content in wheat flour and in their hydrolysates after AC treatment. The best result was found for the successive association of crude extract followed by pancreatin obtaining 66.28% of removal and a final Phe content of 522.44 mg/100 g of hydrolysate.
Wheat flour; Protein hydrolysates; Enzymes; Enzymatic hydrolysis; Alkaline protease; Phenylalanine; Activated carbon
ARTIGO
Ação de fatores enzimáticos na obtenção de hidrolisados protéicos de farinha de trigo com baixo teor de fenilalanina
Raquel Linhares CarreiraI; Viviane Dias Medeiros SilvaI; José Nélio JanuárioII; Marcos José Burle de AguiarII; Ana Lúcia Pimenta StarlingII; Marialice Pinto Coelho SilvestreI
IDepartamento de Alimentos, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Minas Gerais
IINúcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico- NUPAD, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais
Correspondência Correspondência: M. P. C. Silvestre Departamento de Alimentos Faculdade de Farmácia Universidade Federal de Minas Gerais Avenida Antônio Carlos 6627 - 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil E-mail: malice@farmacia.ufmg.br
RESUMO
Visando ao preparo de farinha de trigo com baixo teor de fenilalanina (Phe), extraiu-se, enzimaticamente as proteínas, empregando-se uma protease alcalina de Bacillus licheniformis. Em seguida, os extratos protéicos foram hidrolisados pela ação de enzimas comerciais (pancreatina e bromelina) e de extratos enzimáticos obtidos da casca de abacaxi (bruto e purificado), avaliando-se alguns parâmetros enzimáticos, tais como tipo de enzima, tipo de ação enzimática, tipo de associação enzimática e ordem de ação enzimática. O carvão ativado (CA) foi empregado como meio adsorvente e a eficiência da remoção de Phe foi avaliada por espectrofotometria derivada segunda, determinando-se o teor de Phe na farinha de trigo e em seus hidrolisados, após tratamento com CA. O melhor resultado foi encontrado ao se empregar a associação sucessiva do extrato bruto seguida da pancreatina, tendo atingido 66,28% de remoção e o teor final de Phe de 522,44 mg/100 g de hidrolisado.
Unitermos: Farinha de trigo/preparo. Hidrolisados protéicos. Enzimas. Hidrólise enzimática. Protease alcalina. Fenilalanina/remoção. Carvão ativado/meio adsorvente.
ABSTRACT
With the aim of producing wheat flour with low phenylalanine (Phe) content to be introduced in phenylketonuric's diet, the proteins were enzymaticaly extracted, using an alkaline protease from Bacillus licheniformis. Then, the protein extracts were hydrolyzed by the action of commercial enzymes (pancreatin and bromelain) and of enzymatic extracts obtained from pineapple peel (crude and purified). Some enzymatic parameters were evaluated, such as type of enzyme, type of enzyme action, type of enzymatic association and order of enzyme action. The activated carbon (AC) was used as adsorbent and the efficiency of Phe removal was evaluated by second derivative spectrophotometry measuring the Phe content in wheat flour and in their hydrolysates after AC treatment. The best result was found for the successive association of crude extract followed by pancreatin obtaining 66.28% of removal and a final Phe content of 522.44 mg/100 g of hydrolysate.
Uniterms: Wheat flour/preparation. Protein hydrolysates. Enzymes. Enzymatic hydrolysis. Alkaline protease. Phenylalanine/removal. Activated carbon/adsorbent.
INTRODUÇÃO
A fenilcetonúria ou PKU é uma doença genética cujo tratamento é realizado, quase que exclusivamente, através de uma alimentação restrita de alimentos protéicos, e do controle da ingestão de fenilalanina ou Phe (Mira, Marquez, 2000; Malloy-Diniz et al., 2004, Hamman et al., 2005; Monteiro, Cândido, 2006; Wasserstein et al., 2006).
A farinha de trigo, apesar de ocupar um lugar relevante na alimentação do brasileiro, faz parte dos alimentos de uso controlado para PKU (Aguiar, 2002). Neste sentido, é de grande interesse desenvolver uma farinha de trigo contendo teor reduzido de Phe, para ser incorporada, sem restrições, na dieta de fenilcetonúricos (Brasil, 2002). As etapas deste processo envolvem a extração e hidrólise enzimática das proteínas e posterior remoção de Phe, empregando-se o carvão ativado (Capobiango et al., 2006b), seguida da sua quantificação por espectrofotometria derivada segunda ou EDS (Ichikawa, Terada, 1981a,b; Grant, Battacharyya, 1985; Rojas et al., 1998; Barbosa et al., 2002). No presente trabalho testou-se, no preparo dos hidrolisados protéicos, além de enzimas comerciais, extratos enzimáticos preparados nesse laboratório, visando a redução dos custos do processo.
Este estudo teve como objetivo otimizar a hidrólise das proteínas extraídas enzimaticamente da farinha de trigo, para facilitar sua posterior remoção pelo carvão ativado. Para tal, foram testados diversos parâmetros enzimáticos, tais como tipo de enzima, tipo de ação enzimática, tipo de associação enzimática e ordem de ação enzimática.
MATERIAL E MÉTODOS
Material
A farinha de trigo tipo I foi adquirida no comércio de Belo Horizonte, MG. A protease Protemax® 580 L (EC 3.4.21.14, uma serino-endopeptidase de origem bacteriana - cepa do Bacillus licheniformis, atividade 580 KDU/g, estável em pH entre 7 e 10 com pH ótimo em 9,5, temperatura ótima de 60 ºC e temperatura de inativação acima de 85 °C por 10min) foi adquirida da Prozyn (São Paulo, SP, Brasil). A pancreatina (Corolase® PP) (complexo enzimático obtido do pâncreas - EC 3.4.21.4, constituído pelas serina-endopeptidases tripsina e quimotripsina, e pelas metalo-exopeptidases carboxipeptidases A e B, atividade 200.000 LVE/g, pH ótimo de 9 e temperatura ótima de 50 ºC), foi adquirida da AB Enzymes Brasil Comercial Ltda (Barueri, SP, Brasil). A Bromelina comercial - EC 3.4.22.32 , uma cisteína-endopeptidase e os aminoácidos L-fenilalanina, L-tirosina e L-triptofano foram adquiridos da Sigma-Aldrich (St. Louis, MO, USA). O carvão ativado (granulado n° 119, 20 x 50 mesh,12x25 mesh, 6 x 12 mesh) foi adquirido da Carbomafra S.A. (Curitiba, PR, Brasil). Os extratos enzimáticos bruto (EB) e purificado (EP) da casca do abacaxi (Ananas comosus) variedade Pérola, foram preparados no laboratório. Utilizou-se o Liofilizador Freezone, (modelo 77500, Labconco, Kansas City, MI, EUA), o compressor (Diapump, Fanem, mod. 089-A, série BE11778, São Paulo, SP, Brasil), e o cutter (Sire, modelo Super Cutter, São Paulo, Brasil). Os demais reagentes foram de grau analítico.
Extração das proteínas
Empregou-se um método de extração enzimática das proteínas da farinha de trigo tipo I, utilizando o procedimento descrito pelo Laboratório de Bromatologia/Pesquisa da Faculdade de Farmácia da UFMG (Capobiango et al., 2006a).
Assim, o pH de uma suspensão aquosa da farinha de trigo foi ajustado para 9,5 e a temperatura para 40 ºC. Adicionou-se a protease de Bacillus licheniformis (E:S 10:100) e agitou-se por 2h. O extrato protéico da farinha de trigo (EPFT) foi separado do resíduo por centrifugação a 25 ºC, por 15 min, a 1700 x g. O rendimento da extração foi calculado indiretamente, determinando-se o teor de proteínas do resíduo (AOAC, 1995), após sua secagem em estufa ventilada a 65 ºC.
onde: A = Teor de proteína na farinha de trigo especial; B = Quantidade de farinha de trigo especial utilizada na extração; C = Peso de resíduo obtido na extração; D = Teor de proteína no resíduo.
Preparo, purificação e caracterização do extrato enzimático da casca de abacaxi
Para o preparo do extrato enzimático bruto da casca de abacaxi (EB), as amostras foram lavadas, descascadas e as porções de casca foram processadas em cutter e filtradas em gaze. Posteriormente, foram centrifugadas a 6000 x g por 15 min, a 4 ºC. O sobrenadante foi adicionado de 10 mL de uma solução contendo EDTA (4,0 x 10-3 mol/L) e cisteína (10-2 mol/L) sendo, em seguida, congelado.
A purificação do EB foi feita por precipitação com etanol. A um volume conhecido (50 mL) do extrato bruto, adicionou-se dois volumes equivalentes de etanol a 4 ºC. A adição foi realizada sob agitação constante em banho de gelo, mantendo-se a temperatura próxima de 4 ºC, por 40 min. Após a agitação, a mistura foi centrifugada a 2660 x g por 35 min, a 4 ºC. O sobrenadante foi retirado e o precipitado ressuspenso em água destilada, dialisado em membranas de diálise, com corte molecular de 12.000-14.000 Da, contra água destilada, por 24h, a 4 ºC, obtendo-se assim, o extrato purificado (EP).
A caracterização dos extratos enzimáticos abrangeu as determinações dos valores ótimos de pH, temperatura e tempo dos extratos enzimáticos, as quais foram feitas de acordo com a metodologia descrita por Tremacoldi e Carmona (2005), com algumas modificações relacionadas ao substrato e ao tampão empregados.
Preparo dos hidrolisados protéicos
Foram preparados dez hidrolisados enzimáticos, tendo sido variados os seguintes parâmetros: tipo de enzima (EB, EP, bromelina e pancreatina), tipo de ação enzimática (isolada ou em associação), tipo de associação enzimática (simultânea ou sucessiva) e ordem de ação enzimática na associação sucessiva (Tabela I). Nos estudos das associações enzimáticas, empregou-se o extrato enzimático juntamente com a enzima comercial, que promoveram maior remoção de Phe na ação isolada.
Inicialmente, 50 mL do EPFT foram colocados em um erlenmeyer e os valores de pH foram ajustados empregando-se uma solução de NaOH a 3 moL/L ou de HCl a 0,1 mol/L, como descrito a seguir. Na ação isolada das enzimas, usaram-se os valores ótimos para cada enzima, sendo que para o EB foram testados dois valores de pH, o seu ótimo e o ótimo da bromelina comercial. Para o estudo da associação enzimática simultânea, empregou-se o valor de pH para o extrato enzimático (EP ou EB) que promoveu maior remoção de Phe na ação isolada. No caso da associação enzimática sucessiva, empregaram-se os valores ótimos de pH dos extratos e das enzimas comerciais que promoveram maior remoção de Phe, ao atuarem isoladamente.
Após o ajuste do pH, o EPFT foi levado ao banho de vaselina líquida sob agitador magnético, com agitação constante, variando-se os valores de temperatura, seguindo os mesmos princípios empregados no ajuste do pH.
Uma vez tendo sido ajustados os valores de pH e temperatura, as enzimas foram adicionadas, de maneira a obter a relação enzima:substrato (E:S) desejada, ou seja, de 4:100 para as enzimas comerciais (bromelina e pancreatina) e de 10:100 para os extratos enzimáticos (EB e EP).
Em seguida, os tempos de reação hidrolítica foram ajustados, seguindo os mesmos princípios do pH e da temperatura. Entretanto, para a bromelina, foram testados dois valores, ou seja, o seu ótimo e o ótimo da pancreatina. Ainda, na associação simultânea, testou-se tanto os valores ótimos de tempo para EB e EP, quanto o tempo ótimo da pancreatina. Na associação sucessiva, testou-se o tempo ótimo de ação hidrolítica para o EB e EP, sendo que para as enzimas comerciais empregou-se o tempo necessário para completar 5 horas de hidrólise.
Finalmente, a reação hidrolítica foi interrompida por aquecimento em banho-maria a 90 °C, por 20 min, e os hidrolisados foram submetidos ao processo de liofilização, sendo que seus teores de Phe (Lopes et al., 2005) e de proteína (AOAC, 1995) foram determinados por espectrofotometria derivada segunda e micro-Kjedahl, respectivamente.
Remoção de fenilalanina dos hidrolisados protéicos
A Phe foi removida dos hidrolisados protéicos de farinha de trigo pela utilização do carvão ativado (CA), como meio adsorvente, usando a relação proteína:carvão ativado 1:88,5 utilizada anteriormente no mesmo laboratório deste trabalho (Capobiango et al., 2006b).
Foi empregado o procedimento de passagem por coluna, descrito neste mesmo laboratório por Soares et al. (2004). Dois gramas de CA de granulometrias diferentes (granulado n°119, 20 x 50 mesh,12 x 25 mesh, 6 x 12 mesh) foram hidratados com água destilada por 10 min sob agitação constante e, em seguida, colocados em seringa descartável de 10 mL contendo filtro de nylon com lã de vidro. Em seguida, os hidrolisados foram passados pela coluna e submetidos à pressão, tendo sido recolhidos os eluatos.
A avaliação da eficiência de remoção de Phe pelo CA foi realizada pela medida do teor de Phe na farinha de trigo e em seus hidrolisados, após tratamento com CA, empregando-se a espectrofotometria derivada segunda, como descrito anteriormente em trabalho realizado no Laboratório de Bromatologia/Pesquisa da Faculdade de Farmácia da UFMG (Lopes et al., 2005).
A eficiência da remoção de Phe foi calculada de acordo com a equação (2):
sendo: A = Teor de Phe na farinha de trigo; B = Teor de Phe no hidrolisado protéico, após tratamento com CA; C = Teor de proteína na farinha de trigo; D = Teor de proteína no hidrolisado protéico.
Análise estatística
Todos os experimentos foram feitos em 3 repetições, no mesmo dia, e as análises realizadas em triplicata. Utilizou-se a Análise de Variância (ANOVA fator único) e o Teste de Duncan a 5% de probabilidade, para comparar entre si os teores finais de Phe nos hidrolisados, após tratamento com CA. A curva padrão foi obtida por análise de regressão (Pimentel-Gomes, 2000).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Parâmetros enzimáticos
Os valores ótimos de pH, temperatura e tempo encontrados para os extratos enzimáticos da casca de abacaxi foram: EB (pH = 8,0; 70 ºC e 1 h 30 min), EP (pH = 7,0; 30 ºC e 1 h 30 min), bromelina comercial (pH 8,0, 70 ºC, 2 h). Para a pancreatina comercial, os dados foram fornecidos pela AB Enzymes (pH =7,0; 50 ºC, 5 h).
Eficiência da remoção de fenilalanina
Na Tabela I estão apresentados os resultados obtidos para a remoção de Phe dos diferentes hidrolisados protéicos da farinha de trigo tipo I. O teor de Phe na farinha de trigo foi de 354 mg Phe/100 g (com 8,57% de proteína).
Como pode ser observado nesta tabela, obteve-se um percentual de remoção de Phe variando de 2,52 a 66,28%, e o teor final de Phe de 522,44 a 1515,94 mg Phe/100 g de hidrolisado.
Embora a taxa de remoção de Phe não tenha sido muito elevada, deve-se considerar que o desenvolvimento da farinha de trigo com baixo teor de Phe envolverá uma etapa posterior, que consiste na mistura do hidrolisado aqui obtido, contendo o menor teor de Phe, com o resíduo (amido) que foi separado no início da extração protéica. Sendo assim, o teor final de Phe poderá ser reduzido, de maneira a ajustá-lo ao limite permitido pela legislação brasileira (Brasil, 2002) para produtos para PKU (0,1g/100g).
Deve-se ressaltar que a presença de certa quantidade de Phe no produto final para fenilcetonúricos é desejável do ponto de vista nutricional, uma vez que, por ser um aminoácido essencial, a Phe é fundamental para o crescimento normal de crianças. Além disso, as condições operacionais necessárias para atingir cerca de 100% de remoção de Phe, aumentariam demasiadamente os custos do processo (Soares et al., 2006; Lopes et al., 2007).
Não foram encontrados na literatura relatos sobre a remoção de Phe da farinha de trigo. Assim, pode-se comparar os resultados aqui apresentados com os anteriormente obtidos para outro cereal, no mesmo laboratório e empregando-se protocolo semelhante. Observa-se, então, que alguns dos valores encontrados (63,4 e 66,3%) situam-se próximo ao percentual de 68,63 de remoção de Phe obtido para o fubá de milho (Capobiango et al., 2006b).
Efeito de parâmetros enzimáticos sobre a remoção de fenilalanina
Tipo de enzima e ação enzimática isolada
Para avaliar estes parâmetros, pode-se comparar os hidrolisados preparados com o EP (hidrolisado 1), EB (hidrolisados 2 e 3), bromelina (hidrolisado 4 e 5) e pancreatina (hidrolisado 6). Nota-se, inicialmente, na
Tabela I que, dentre os hidrolisados obtidos com o EB, o que foi preparado no pH 8,0 apresentou maior remoção de Phe (41,86%) do que no pH 6,0 (37,4%), apesar de este último corresponder ao seu valor ótimo de ação. Por outro lado, para o caso da bromelina, não houve diferença significativa entre os resultados obtidos para a remoção de Phe no seu tempo ótimo de ação, 2h (14%) e no tempo ótimo da pancreatina, 5h (14,36%).
Além disso, observa-se nesta tabela que, dentre os quatro tipos de enzimas testados, o EB foi o mais eficiente. Assim, em relação ao EP, o percentual de remoção de Phe usando o EB, nos dois valores de pH estudados (média de 39,64%), foi muito superior ao obtido com o EP (2,52%). Este resultado se deve, provavelmente, à qualidade da atividade enzimática presente no EB e que foi removida no processo de purificação. O EB também foi bem mais eficiente que a bromelina comercial no processo de remoção de Phe (média de 39,64% e 14,36%, respectivamente). Por outro lado, não houve diferença significativa entre os resultados obtidos com o EB no valor de pH 8,0 (hidrolisado 3) e a pancreatina comercial (hidrolisado 6), tendo sido encontrados os valores de 41,86 e 42,52% de remoção e 904,15 e 893,89 mg Phe/100 g de hidrolisado, respectivamente. Assim sendo, estabeleceu-se a utilização do extrato enzimático bruto, atuando no pH 8,0, e da pancreatina comercial para o estudo do efeito dos outros parâmetros hidrolíticos sobre a remoção de Phe.
Não foram encontrados na literatura estudos abordando o efeito do tipo de enzima sobre a remoção de Phe da farinha de trigo ou de outro cereal.
Associação enzimática simultânea
Os resultados apresentados na Tabela I indicam que a associação simultânea que empregou o tempo ótimo de ação do EB (hidrolisado 7), levou à maior remoção de Phe (63,41%), do que a que utilizou o tempo de 5 h de reação (hidrolisado 8 - 54,74%).
Não foram encontrados na literatura trabalhos que avaliaram o efeito da associação enzimática simultânea sobre a remoção de Phe da farinha de trigo ou de qualquer outro cereal.
Associação enzimática sucessiva
A associação sucessiva foi conduzida de forma a ter 5 horas como tempo máximo de hidrólise, a fim de se evitar a contaminação microbiana (Chataud et al., 1988). Ainda, neste tipo de associação, pode-se avaliar o efeito da ordem de ação das enzimas sobre a remoção de Phe. Assim, comparando-se os hidrolisados obtidos para os hidrolisados 9 (EB+ Pancreatina) e 10 (Pancreatina + EB), observa-se na Tabela I que foi obtido maior percentual de remoção (63,41%) e menor teor final de Phe (562,02 mg/100 g de hidrolisado), quando o EB atuou primeiro, do que no caso em que a ordem das enzimas foi invertida (54,74% de remoção e 703,90 mg de Phe/100 g de hidrolisado).
Não foram encontrados na literatura relatos sobre o efeito da associação sucessiva de enzimas sobre a remoção de Phe da farinha de trigo ou de outro cereal.
Associação enzimática simultânea x sucessiva
Comparando-se os melhores resultados obtidos com a associação simultânea (hidrolisado 7 - 63,41%) e com a sucessiva (hidrolisado 9 - 66,28%), observa-se que não houve diferença significativa entre estes dois tipos de associação enzimática, sendo que estes correspondem aos valores mais elevados de remoção de Phe. Não foram encontrados dados na literatura que compararam o efeito da associação enzimática simultânea e sucessiva na remoção de Phe de hidrolisados protéicos de farinha de trigo ou de qualquer outra fonte protéica.
Associação X Ação isolada
Para avaliar o efeito destes dois tipos de tratamento enzimático sobre a remoção de Phe, pode-se comparar os melhores resultados obtidos na associação simultânea ou sucessiva (hidrolisados 7 e 9 - média de 64,85%) com os da ação isolada (EB e pancreatina - hidrolisados 3 e 6, média de 54,18%). Estes valores demonstram a vantagem da utilização destas enzimas, em associação, simultânea ou sucessiva, sobre a sua ação isolada.
CONCLUSÃO
O estudo empregando dois extratos enzimáticos obtidos da casca de abacaxi (bruto e purificado) e duas enzimas comerciais (bromelina e pancreatina), para hidrolisar as proteínas da farinha de trigo, assim como utilizando o carvão ativado como meio adsorvente, mostrou ser possível reduzir o teor de Phe de 1555,13 mg Phe/100 g para 522,44 mg Phe/100 g, o que corresponde a 66,28% de remoção. Este resultado foi obtido utilizando a associação sucessiva do extrato enzimático bruto, seguida da ação da pancreatina.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro da CAPES, CNPq e FAPEMIG.
Recebido para publicação em 27 de novembro de 2007.
Aceito para publicação em 27 de novembro de 2008.
- AGUIAR, M. J. B. Experiências dos programas de triagem neonatal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GENÉTICA CLÍNICA, 14, 2002, Ribeirão Preto. Anais. Ribeirão Preto: SBGC, 2002, p.16.
- AOAC (ASSOCIATION OF OFFICIAL AGRICULTURAL CHEMISTS). Official methods of analysis 16 ed. Arlington: AOAC International, 1995. 1141p.
- BARBOSA, C. M. S.; MORAIS, H. A.; MANSUR, Herman S.; OLIVEIRA, M. C.; SILVESTRE, M. P. C. Padronização de método analítico para avaliação do grau de exposição da fenilalanina em hidrolisados de caseína, por espectrofotometria derivada segunda. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo, v.38, n.1, p.113-119, 2002.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 847 de 31 de outubro de 2002. Aprova o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas - Fenilcetonúria - Fórmulas de aminoácidos isenta de fenilalanina. Diário Oficial, Brasília, 04 novembro 2002. Disponível em: <http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.php?id=17631&word=>. Acesso em: 10 Mar. 2007.
- CAPOBIANGO, M.; VIEIRA, C. R.; SANTIAGO E SILVA, A. L.; COELHO, J. V.; SEGALL, S. D.; SILVESTRE, M. P. C. Extração química e enzimática das proteínas do fubá de milho. Ciênc. Tecnol. Aliment., Campinas, v.26, n.5, p.884-890, 2006a.
- CAPOBIANGO, M.; SILVA, V. D. M.; MACHADO, M. A. A.; COELHO, J. V.; SEGALL, S. D.; SILVESTRE, M. P. C. Ação da corolase pp e uso do carvão ativado na obtenção de hidrolisados protéicos de fubá de milho com baixo teor de fenilalanina. Rev. Bras. Nutr. Clín., São Paulo, v.21, n.4, p.259-266, 2006b.
- CHATAUD, J.; DESREUMEUX, S.; CARTWRIGHT, T. Procédé de fabrication d'un hydrolysat enzymatique de proteins riche en di- et tri-peptides, utilizable notamment en nutrition artificielle et en dietétique. Laboratório Roger Bellon, Neuilly-sur-Seine-FR. A23J3/00. FR87402837.6, 0.274946A1. 14/12/1987, 20/07/1988.
- GRANT, A.; BHATTACHARYYA, P. K. Application of derivative spectroscopy to the determination of chromatographic peak purity. J. Chromatog. A, Amsterdam, v.347, p.219-235, 1985.
- HAMMAN, K.; CLARK, H.; MONTINI, E.; AL-DHALIMY, M.; GROMPE, M.; FINEGOLD, M.; HARDING, C. O. Low therapeutic threshold for hepatocyte replacement in murine phenylketonuria. Mol. Therapy, Seattle, v.12, n.2, p.337-344, 2005.
- ICHIKAWA, T.; TERADA, H. Determination of phenylalanine, tryptophan and tyrosine in a mixture of amino acids by second derivative spectrophotometry. Chem. Pharm. Bull., Tokyo, v.29, n.2, p.438-444, 1981a.
- ICHIKAWA, T.; TERADA, H. Effect of dodecyl sulfate on the spectral properties of phenylalanil residues in serum albumin detected by second derivative spectrophotometry. Biochim. Biophys. Acta, Amsterdam, v.671, n.1, p.33-37, 1981b.
- LOPES, D. C. F.; DELVIVO, F. M.; SILVESTRE, M. P. C. Use of activated carbon for removing phenylalanine from skim milk powder. Food Sci. Technol., Davis, v.38, n.5, p.447-453, 2005.
- LOPES, D. C. F.; DELVIVO, F. M.; JANUÁRIO, J. N.; AGUIAR, M. J. B.; STARLING, A. L. P.; SILVESTRE, M. P. C. Phenylalanine removal from whey hydrolysates. J. Food Technol., Oxford, v.5, n.2, p.191-197, 2007.
- MALLOY-DINIZ, L. F.; CARDOSO-MARTINS, C.; CARNEIRO, K. C.; CERQUEIRA, M. M. M.; FERREIRA, A. P. A.; AGUIAR, M. J. B.; STARLING, A. L. Funções executivas em crianças fenilcetonúricas. Arq. Neuro-psiquiatr., São Paulo, v.62, n.2-B, p.473-479, 2004.
- MIRA, N. V. M.; MARQUEZ, U. M. L. Importância do diagnóstico e tratamento da fenilcetonúria. Rev. Saúde Públ., São Paulo, v.34, n.1, p.86-96, 2000.
- MONTEIRO, L. T. B.; CÂNDIDO, L. M. B. Fenilcetonúria no Brasil: evolução e casos. Rev. Nutr., Campinas, v.19, n.3, p.381-387, 2006.
- PIMENTEL-GOMES, F. Curso de estatística experimental. 14. ed. Oxford: Piracicaba, 2000. 477 p.
- ROJAS, F. S.; OJEDA, C. B.; PAVON, J. M. C. Derivative ultraviolet-visible region absorption spectrophotometry and its analytical applications. Talanta, London, v.35, n.10, p.753-761, 1988.
- SOARES, R. D. L.; DELVIVO, F. M.; DE MARCO, L. M.; AGUIAR, M. J. B.; JUNQUEIRA, R. G.; FIGUEIREDO, A. F. S.; SILVESTRE, M. P. C. Emprego do carvão ativado para a remoção de fenilalanina de leite em pó. Bol. Centro Pesq. Process. Alim., v.22, n.1, p.65-84, 2004.
- SOARES, R. D. L.; BIASUTTI, E. A. R.; CAPOBIANGO, M.; VIEIRA, C. R.; SILVA, V. D. M.; JANUÁRIO, J. N.; AGUIAR, M. J. B.; SILVESTRE, M. P. C. Preparation of enzymatic skim milk hydrolysates with low phenylalanine content. Acta Farm. Bon., Buenos Aires, v.25, n.3, p.325-332, 2006.
- TREMACOLDI, C. R.; CARMONA, E. C. Production of extracellular alkaline proteases by Aspergillus clavatus World J. Microbiol. Biotechnol., v.21, n.2, p.169-172, 2005.
- WASSERSTEIN, M. P.; SNYDERMAN, S. E.; SANSARICQ, C.; BUCHSBAUM, M. S. Cerebral glucose metabolism in adults with early treated classic phenylketonuria. Mol. Genet. Metabol., v.87, n.3, p.272-277, 2006.
Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Set 2009 -
Data do Fascículo
Mar 2009
Histórico
-
Aceito
27 Nov 2008 -
Recebido
27 Nov 2007