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RESCREVER BEI DAO: POESIA MENGLONG EM 朦胧诗 LÍNGUA PORTUGUESA

REWRITING BEI DAO: MENG LONG POETRY 朦胧诗 IN PORTUGUESE LANGUAGE

Resumo

Considerado um dos poetas de vanguarda da poesia moderna chinesa, mais especificamente da corrente Menglong 朦胧, Bei Dao desfruta de uma vasta tradução e boa recepção internacional. Aliás, no mundo de língua portuguesa, o poeta ainda não teve a mesma atenção quer na tradução, quer na crítica literária como em outras línguas. Dado esse facto, o presente artigo visa oferecer uma breve panorâmica sobre o poeta Bei Dao, a sua poesia e a época em que viveu para o mundo da língua portuguesa. A partir disso, explora as questões de “traduzibilidade” e “chinesidade” discutidos ao longo da disseminação da poesia de Bei Dao. Com o foco nesses dois elementos, avançamos um estudo sobre a tradução da poesia de Bei Dao ao português à luz do conceito de “reescrita” de André Lefevere (1992), da teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar (1990), e das normas de Gideon Toury (2012).

Palavras-chave
Poesia de Bei Dao; tradução poética; poesia moderna chinesa; chinesidade; reescrita

Abstract

Considered as one of vanguard poets of Chinese modern poetry, specifically speaking, of Menglong poetry, Bei Dao enjoys a vast translation and heartening international reception. However, Bei Dao is yet to see the same attention either in translation or in literary criticism as in other languages. Based on this fact, the present article aims to give a brief presentation to the Portuguese-speaking world about the poet Bei Dao, his poetry, and the era in which he lived. And then, it explores the issues of “translatability” and “chineseness” discussed throughout the dissemination of Bei Dao’s poetry. Focused on these two elements, we’ll advance an academic study on the translation of Bei Dao’s poetry from Chinese to Portuguese in light of André Lefevere’s (1992) concept of “rewriting” and Even-Zhoar’s (1990) polysystems theory, Gideon Toury’s (2012) norms.

Keywords
Bei Dao’s poetry; poetry translation; modern Chinese poetry; chineseness; rewriting

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Fernando Pessoa, “Autopsicografia”

O poeta Bei Dao e a sua recepção internacional

Bei Dao (北岛), pseudónimo de Zhao Zhenkai (赵振开), literalmente significa “ilha do Norte”. Nasceu em 1949, e aos 16 anos, parou o estudo devido à Grande Revolução Cultural (1966-1976). Em 1968, quando prosperava o Movimento de Rusticação1 1 No cume da Grande Revolução Cultural (1966-1976), cerca de 17 milhões de jovens chineses foram obrigados a trabalhar nos campos depois de completar o estudo de escola secundária (Bonnin, 2013: introdução). , Bei Dao foi colocado num local de construção por 11 anos, trabalhou como finalizador de cimento e ferreiro, e começou a escrever enquanto trabalhava lá2 2 Confira Bei Dao (2012) 古老的敌意 [Alte Feindschaft]. Hong Kong : Oxford University Press, p. 73. .

Iniciou a sua trajetória literária com a escrita de poesia clássica chinesa, que nunca foi publicada. Em 1970, virou o seu caminho de escrita em direção à poesia moderna após ter tido contato com os versos de Shi Zhi3 3 Pseudônimo de 郭路生Guo Lusheng, cujo significado é dedo indicador. É considerado o fundador do movimento nova poesia da China. . Desde então, Bei Dao manteve clandestinamente a sua produção até 1978, um ano de viragem política e social na China. Após o fim da Revolução Cultural, em 1976, foi no dia 11 de maio de 1978 que o “GuangMing Daily”, um jornal nacional diretamente liderado pelo Departamento de Publicidade do Comitê Central do Partido Comunista da China, lançou um sinal de abertura política para a publicação civil (Bei Dao & LiBei Dao. 在天涯:北岛诗选 [Nos Confins do Mundo: Seleção de Poemas de Bei Dao] Hong Kong: Oxford University, 1993., p. 39). Em consequência, Bei Dao e Mang Ke, juntamente com outros amigos literatos, criaram a primeira revista civil de literatura da China, a “Today4 4 Em entrevista ao jornalista Tian Zhiling, do “Southern Metropolis Daily”, em 2008, Bei Dao contou a história da revista “Today”, nascida entre uma coterie de literatura de jovens, que praticavam a criação literária clandestinamente e liam as obras ocidentais manuscritas. O cofundador, amigo de Bei Dao, Mang Ke deu o nome 今天 Jīn Tiān, que literalmente significa “Hoje”. Todavia, para a primeira edição, Bei Dao consultou Feng Yidai, tradutor, escritor e editor prestigiado na China, quem traduziu o título para “The Moment” para salientar o tenso estado da época. Porém, posteriormente, mudaram-no para “Today”, título mantido até os dias atuais , e afixaram os seus poemas na Parede da Democracia de Xidan (西单民主墙)5 5 Depois de terminar a Grande Revolução Cultural, houve um curto período (1978-1979) de liberdade de expressão, quando as pessoas colocaram 大字报 Dà Zì Bào (jornais de grandes caracteres) exprimindo as suas opiniões sobre a política, a literatura, a sociedade e a reivindicação da liberdade. Este curto período ficou conhecido posteriormente como “Primavera de Pequim”. . Nesse contexto, Bei Dao publicou pela primeira vez o poema “Resposta”, com que se inicia com dois de seus versos mais emblemáticos: “A vilania é o passaporte dos vis/ A nobreza é o epitáfio dos nobres” (Bei Dao, 2021Bei Dao. 午夜歌手 [Cantor da Meia Noite]. Taiwan: Jiuge, 1995., p. 33), liderando uma nova corrente da poesia moderna chinesa, conhecida por corrente Menglong (obscuro/nebuloso) ou corrente “Today”.

Figura 1
A 1ª edição de Today
Figura 2
Parede da Democracia de Xidan (1978-1979)

Resposta

A vilania é o passaporte dos vis/ A nobreza é o epitáfio dos nobres/ Olha, o céu dourado/ está assombrado pelo reflexo distorcido dos mortos

Passou a idade do gelo/ Por que ainda há sincelos em todo o lado? / Se já foi descoberto o Cabo da Boa Esperança/ Por que ainda se disputam mil velas no Mar Morto?

Nasci neste mundo/ possuindo apenas papéis, cordas e sombras/ Pronto para proferir as vozes condenadas/ antes do julgamento

Escuta, mundo/ eu – não – acre – dito! / Ainda que haja mil provocadores a teus pés serei o milésimo primeiro

Não acredito que o céu seja azul/ Não acredito no eco dos trovões/ Não acredito que o sonho seja falso/ Não acredito que os mortos não se vinguem

Se o mar está fadado a romper o quebra-mar/ deixe que as águas amargas inundem o meu coração/ Se o continente está destinado a ascender/ deixe o Homem escolher de novo o cume do ser

Novas evoluções e estrelas brilhantes/ enfeitam a superfície do céu limpo/ São os ideogramas há cinco mil anos/ são os olhos contemplativos das gerações vindouras

(Bei Dao, 2021Bei Dao. 零度以上的风景 [Paisagem acima do Grau Zero]. Taiwan: Jiuge, 1996., p. 33)

O poema “Resposta” tem uma aparente voz de luta inquirindo e criticando acerbamente a época, o “eu” poético é um lutador e mártir. “Escuta, mundo” (Bei Dao, 2021Bei Dao. 开锁 [Abrir o Cadeado]. Taiwan: Jiuge, 1999., p. 33) é um dos versos do poema, sendo um apóstrofe, “provoca um respeito ou uma intensidade apaixonada, dá ao locutor uma sensação de algo além do ser humano”6 6 Tradução nossa. Texto original: “provokes awe or passionate intensity, gives the speaker a sense of something beyond the human”. (Culler, 1997Culler, Jonathan. Literary Theory: A Very Short Introduction. New York: Oxford University, 1997., p. 76). A seguir a esse verso: “eu – não – acre – dito!”, é considerado quase um ícone do poeta Bei Dao, um jovem irritado, relutante e cheio de dúvidas. Porém, é uma expressão banal de uso diário, apenas por ser posta no contexto da época de alta pressão política é que possui a força expressiva. Tal como o título indica: “Resposta”, o poema não fugia de ser um eco da linguagem propagandista de modo soviético.

Esse tipo de conteúdo promoveu a disseminação e recepção de Bei Dao no mundo ocidental em virtude do interesse dos leitores ocidentais em ouvir a voz de revolta política contra o governo chinês. Adicionalmente, o poeta chinês Ouyang Jianghe (1996)Ouyang, Jianghe. “Prefácio”. 零度以上的风景 [Paisagem acima do Grau Zero] de Bei Dao, Taipei: Jiuge: 1996. comentou que os leitores ocidentais mantinham sempre uma “ilusão chinesa” (Ouyang, 1996Ouyang, Jianghe. “Prefácio”. 零度以上的风景 [Paisagem acima do Grau Zero] de Bei Dao, Taipei: Jiuge: 1996., p. 9), lendo os poemas do terceiro mundo com uma pressuposição de que esses poemas são dedicados a refletir alguma questão política. Com esta “ilusão chinesa”, os leitores ocidentais consideram Bei Dao primeiro como um literato político e depois disso, como um poeta (Ouyang, 1996Ouyang, Jianghe. “Prefácio”. 零度以上的风景 [Paisagem acima do Grau Zero] de Bei Dao, Taipei: Jiuge: 1996.).

Figura 3
Cena no Movimento Estudantil de 4 de Junho

Na imagem acima, se citou: “Resta-me uma única escolha, o céu/ em vez de me ajoelhar no chão/ para aumentar a altura dos carrascos/ que travam os ventos da liberdade7 7 Apresenta-se aqui a estrofe da versão publicada em 2015, o texto original é 我只 能选择天空/ 绝不跪在地上/ 以显得刽子手们的高大/ 好阻挡那自由的风. ” (Bei Dao, 2021Bei Dao. 失败之书 [Livro de Fracasso]. Shantou: Shantou University Press, 2004., p. 44). Por causa dessas vozes rebeldes contra as autoridades chinesas de então, Bei Dao foi um dos poetas mais citados no Movimento Estudantil de 1989 (McDougall & Louie, 1997McDougall, Bonnie S. e Kam Louie. The Literature of China in the Twentieth Century. Hong Kong: Hong Kong University Press, 1997.). Consequentemente, no mesmo ano, Bei Dao foi exilado quando estavam nas visitas acadêmicas na Alemanha. No início do exílio, o poeta mudou 15 vezes de casa por 7 países. Fez também viagens por vários países participando em festivais de poesia, seminários e convívios de declamação de poesia, desde o Chile até a África do Sul. Pelas viagens e visitas, ficou a conhecer e fez amizade com tradutores, escritores e críticos literários tais como Octávio Paz, Eliot Weinberger e Göran Malmqvist, entre outros.

Em 2001, terminado o exílio de mais de uma década, Bei Dao obteve finalmente autorização para voltar a Pequim. Por questões humanitárias, o governo da China permitiu Bei Dao visitar o pai enfermo. Após um afastamento de 12 anos, ao voltar, o poeta já se sentia um estranho em sua terra natal. Pequim, por sua vez, também mudou. Esta visita provocou um choque em Bei Dao, inspirando o poema “Mapa Negro” (黑色地图). O “mapa” era “negro”, perdeu a função de indicar o caminho e o poeta perdeu-se na sua terra natal. Considerando esses eventos políticos e experiências pessoais que marcaram a vida e a escrita do poeta, dividimos a poesia de Bei Dao em três fases: 1. O poeta Bei Dao na China (1970-1989); 2. O poeta Bei Dao em exílio (1989-2001); 3. O poeta Bei Dao quase de volta8 8 Usa-se a expressão “quase de volta” porque embora tenha obtido a autorização para voltar a Pequim, não pôde entrar na parte continental da China livremente. Sendo um poeta relacionado com os eventos políticos sensíveis como o Movimento Estudantil de Quatro de Junho, acabou por ter apenas autorização para morar em Hong Kong, em vez de voltar permanentemente à terra natal. Para mais informação sobre experiências pessoais de Bei Dao e a sua relação com os eventos históricos do século passado da China, consulte A Reescrita do Micro-Polissistema da Poesia de Bei Dao de Huang Lin, dissertação de mestrado em Estudos de Tradução (português-chinês) da Universidade de Macau, 2020. (2001- 2008).

Em relação à disseminação de Bei Dao no mundo da língua portuguesa, o poeta não teve a mesma atenção quer na tradução, quer pela crítica. Até ao ano 2019, localizamos 10 poemas traduzidos por Yao FengYao, Feng e Régio Bonvicino. Um Barco Remenda o Mar. São Paulo: Martins Fonte, 2007.9 9 Pseudónimo do acadêmico e poeta Yao Jingming. e Régis Bonvicino incluídos em Um Barco Remenda o Mar (2007), 7 poemas traduzidos por Yao FengYao, Feng. “以最合适的方式走近洛尔迦——《梦游人遥》中译本对比评析” [Aproximar-se a Lorca através da maneira mais pertinente: Análise das versões chinesas do “Romance Sonâmbulo”]. Criticism and Creation, Issue 18, 2014: pp.107-113. coletados na revista “Sibila” (08 mar, 2012) e 5 poemas traduzidos por Hu Xudong recolhidos na revista Poesia Sempre” (Núm. 27, ano 14/2007). Como há 2 poemas que foram repetidamente traduzidos10 10 A saber: 回答 Huí Dá (“Resposta”) e 语言 Yǔ Yán (“Línguas”). , no total, apenas 20 traduções de poemas de Bei Dao foram publicadas em língua portuguesa11 11 Em comparação com a situação da tradução de Bei Dao em língua portuguesa, até 2015, registram-se 9 antologias de poemas de Bei Dao traduzidos em inglês. Ainda no século passado, tornou-se um objeto de estudo acadêmico, além dos trabalhos feitos pelos seus tradutores como Wolfgang Kubin, Göran Malmqvist, Bonnie S. McDougall, Eliot Weinberger, académicos como Li Dian, Ronald R. Janssen, e D. E. Pollard também contribuíram para a leitura de Bei Dao; destacam-se também os trabalhos para a obtenção de graus académicos tais como teses de doutoramento Writing in crisis: Translation, Genre, and Identity in Modern Chinese Poetry de Li Dian entregue para a obtenção do grau de doutoramento na Universidade de Michigan e Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo de Chee Lay Tan entregue à Universidade de Cambridge em 2016, e as dissertações de mestrado da Vanessa May Holterman: Translating Chinese Poetry: Bei Dao as a Case Study (2009) e muito mais. Bei Dao tem ainda livros traduzidos para francês, italiano, holandês, finlandês, até árabe. (Huang 19-30) . Em relação aos estudos acadêmicos, encontramos um artigo (Menezes, 2011Menezes Jr., António José Bezerra de. “Bei Dao e a Era Glacial: Tradução e Comentários do Poema ‘A Resposta’”. TradTerm18/2011.1: pp. 89-102.), que analisa a tradução do poema 回答 (Hui Da, Resposta). Entretanto, parece-nos insuficiente a análise do acadêmico brasileiro, dado que analisou apenas um poema do estilo de protesto político. Baseado nesse status quo, iniciamos a tradução de poemas de Bei Dao em 2019 e avançamos aqui um estudo académico em língua portuguesa sobre o poeta e a sua poesia.

A questão de “traduzibilidade” e “chinesidade” na poesia de Bei Dao

Concomitante com a receção internacional, a vasta tradução da poesia de Bei Dao causou também polémicas. Bonnie S. McDougall (2001)McDougall, Bonnie S. “Introdução”. The August Sleepwalker de Bei Dao. New York: New Directions, 2001: pp. 9-14. declarou que a poesia de Bei Dao, em termos do próprio texto, é “traduzível”, ou seja, fácil de traduzir para línguas ocidentais, afirmando: “É justo declarar que a poesia de Bei Dao é traduzível, dado que as caraterísticas mais marcantes são suas imagens fortes e estrutura significante”12 12 Tradução nossa. Texto original: “It is fair to claim that Bei Dao’s poetry is translatable, since its most striking features are its powerful imagery and significant structure”. (McDougall, 2001McDougall, Bonnie S. “Introdução”. The August Sleepwalker de Bei Dao. New York: New Directions, 2001: pp. 9-14., p. 14). O sinólogo Stephen Owen (1990)Owen, Stephen. “What Is World Poetry?”. The New Republic, Nov. 19, 1990: pp. 28-32., especialista na poesia da dinastia Tang, criticou Bei Dao por escrever poemas para serem traduzidos com o objetivo de ser internacionalmente reconhecido, alegando que a poesia de Bei Dao perdeu a tradição da poética chinesa. Adicionalmente, Owen (1990)Owen, Stephen. “What Is World Poetry?”. The New Republic, Nov. 19, 1990: pp. 28-32. acredita que os escritores do terceiro mundo, por exemplo, os da China, mantinham uma obsessão com o Prémio Nobel de Literatura. Entretanto, o prémio é normalmente concedido às obras traduzidas em línguas ocidentais, dado isso, cabe aos poetas uma pressão de escolher vocábulos fáceis de traduzir ao escrever poesia. Para Owen (1990)Owen, Stephen. “What Is World Poetry?”. The New Republic, Nov. 19, 1990: pp. 28-32., Bei Dao foi um deles.

Poets who write in the “wrong language” (even exceedingly populous wrong languages, like Chinese) not only must imagine themselves being translated in order to reach an audience of a satisfying magnitude, they must also engage in the peculiar act of imagining a world poetry and placing themselves within it

(Owen, 1990Owen, Stephen. “What Is World Poetry?”. The New Republic, Nov. 19, 1990: pp. 28-32., p. 28).

Na verdade, Bei Dao é um bom candidato para tradução. No entanto, ao explicar as razões da traduzibilidade de Bei Dao, parece-nos redutora a leitura de Owen (1990)Owen, Stephen. “What Is World Poetry?”. The New Republic, Nov. 19, 1990: pp. 28-32. de achar que a traduzibilidade de Bei Dao reside no seu desejo de ser mais facilmente traduzido e disseminado e na obsessão de ganhar o Prémio Nobel. Li Dian (1996)Li, Dian. “Ideology and Conflicts in Bei Dao’s Poetry”. Modern Chinese Literature, Fall, Vol. 9, No. 2, 1996: pp. 369-385., ao citar Fredric Jameson (1981), ofereceu um princípio para estudar a poesia de Bei Dao, que é “Sempre historizar!”13 13 Tradução nossa. Texto original: “Always historicize!”. (Jameson apud Li, 1996Li, Dian. “Ideology and Conflicts in Bei Dao’s Poetry”. Modern Chinese Literature, Fall, Vol. 9, No. 2, 1996: pp. 369-385., p. 369). Assim sendo, percorrer-se-á os acontecimentos históricos durantes os anos 1970 e 1980 que Bei Dao viveu.

Desde a queda do Império (02/12/1912) até a época de Bei Dao, houve duas ocasiões em que os renomados escritores chineses trabalharam como tradutores, uma foi o Movimento de Nova Cultura14 14 Em chinês: 新文化运动 (Xīn Wén Huà Yùn Dòng), após a queda do Império Qing (data), existia ainda na sociedade problemas como pensamentos demasiado conservadores, então, um grupo de acadêmicos tais como Lu Xun, Guo Moruo e Dai Wangshu, entre outros, começou a fazer traduções com o intuito de introduzir na cultura chinesa novos elementos avançados do ocidente, com a ciência e a democracia como o tema do Movimento. , em 1915, e a outra aconteceu logo depois da fundação da República Popular da China (10/01/1949). Depois de 1949, um grande número de escritores não seguia a postura literária oficial e os rígidos requisitos da criação literária, portanto acabaram por trabalhar como tradutores. O que eles principalmente traduziam era obras das culturas consideradas mais avançadas daquela época, principalmente provindas dos países ocidentais. O Movimento de Nova Cultura contribuiu para a ampliação do reportório literário chinês e a modernização da língua chinesa, levando ainda à transformação o estilo literário chinês. Quando Bei Dao começou a escrever poemas nos anos 1970, a língua usada por ele e por outros poetas coevos, era o chinês moderno, conhecido como 白话文 (bái huà wén). Os vocábulos, morfologia, sintaxe e muitos outros aspetos do chinês moderno foram influenciados pelos trabalhos de tradução e era uma língua mais fácil para ser traduzida em línguas indo-europeias. De acordo com Cao (2004)Cao, Eryun. “翻译实践与现代白话文运动 [Práticas tradutórias e o movimento de Baihuawen moderno].” Fujian Tribune ·The Humanities & Social Sciences, n.8 (2004): 65-69., “a linguagem de tradução e o chinês europeizado reconstrói a imaginação cultural dos chineses sobre a cultura moderna ocidental e chinesa”15 15 Tradução nossa. Texto original: “翻译”的语言与欧化的国语重构了 “五四” 时代国人对于西方现代文化及中国现代文化想象” (Cao, 2004Cao, Eryun. “翻译实践与现代白话文运动 [Práticas tradutórias e o movimento de Baihuawen moderno].” Fujian Tribune ·The Humanities & Social Sciences, n.8 (2004): 65-69., p. 68).

Em relação à criação de poemas, a maior influência que Bei Dao absorveu foi das traduções de obras literárias dos modernistas e simbolistas. Em julho de 1957, foram publicados nove poemas de Charles-Pierre Baudelaire16 16 Publicados no jornal 《译文yì wén》(Escritas Traduzidas), que depois veio a ser 《世界文学Shì Jiè Wén Xué》(Literatura Mundial). Naquela época, quando Bei Dao ainda era jovem, era o único jornal literário oficial que publicava textos literários estrangeiros na China. , dos quais Bei Dao bebeu a inspiração para a sua escrita, por exemplo, um dos nove poemas Spleen:

Quand le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle/ Sur l’esprit gémissant en proie aux longs ennuis, / Et que de l’horizon embrassant tout le cercle/ II nous verse un jour noir plus triste que les nuits;

[...]

Quand la pluie étalant ses immenses traînées/ D’une vaste prison imite les barreaux, / Et qu’un peuple muet d’infâmes araignées/ Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,

[...]

(Baudelaire, 2015Baudelaire, Charles Pierre. Les Fleurs du Mal. Ligaran: Paris, 2015., p. 113)

No poema “Uma Noite de Chuva” de Bei Dao, lê-se versos como: “Quando a noite partida no charco/ balançava uma tenra folha/ como se embalasse no sono do seu bebê/ Quando uma luz da lâmpada tecia as gotas de chuva/ para enfeitar-lhe os ombros/ com gotas luminosas, rebolando para o chão” (Bei Dao, 2021Bei Dao. 时间的玫瑰 [Rosa do Tempo]. Pequim: Chinese Literature and History Press, 2005., p. 99). Primeiramente, evidencia-se uma semelhança na estrutura dos versos, repetindo uma oração subordinada adverbial temporal começado com “quando17 17 Aqui usa-se a tradução para português, mas o poema original usa 当 Dāng, se se traduzir este carater, será “quando” ou “enquanto”. / quand”. Na última estrofe do poema “Uma Noite de Chuva”, tem o seguinte verso: “Ó grades de ferro, podem cortar-me o céu” (ibid., 2021, p. 99), se o relaciona com a chuva, aqui se vê uma comparação entre os fios de chuva e as grades da prisão, e esta comparação entre as duas imagens vem exatamente do Spleen de Baudelaire, que é: “Quand la pluie étalant ses immenses traînées/D’une vaste prison imite les barreaux”.

Falando sobre a traduzibilidade da sua poesia, o próprio Bei Dao (1993)Bei Dao. 在天涯:北岛诗选 [Nos Confins do Mundo: Seleção de Poemas de Bei Dao] Hong Kong: Oxford University, 1993. também confessou que as escritas da sua geração eram de “estilo de tradução”:

It can be said that the formation of modern Chinese benefited first from translation rather than vernacular language. The style of translation became, almost at the very beginning, the guide of the transformation of modern Chinese literary style

(Bei Dao, 1993Bei Dao. “Translation Style: A Quiet Revolution”. Inside Out: Modernism and Postmodernism in Chinese Literary Culture, editado por Wendy Larson e Anne Wedell-Wedellsborg, Aarhus: Aarhus University, 1993: pp. 60-64., p. 60).

Por essa razão, parece-nos lícito dizer que a poesia de Bei Dao é influenciada pela poesia traduzida, em vez de considerar que fez de propósito para a poesia ser “traduzível”. Sobre o Prémio Nobel de Literatura, Bei Dao (2004)Bei Dao. 失败之书 [Livro de Fracasso]. Shantou: Shantou University Press, 2004. é sensato e assume uma atitude neutra:

A escrita não fica mais importante por receber um prémio, nem menos importante por não o receber. O Prémio Nobel é apenas um prémio decidido por dezoito pessoas com mais dinheiro e privilégio, porém, representa apenas a opinião daquelas dezoito

(Bei Dao, 2004Bei Dao. 失败之书 [Livro de Fracasso]. Shantou: Shantou University Press, 2004., p. 85).

Apesar de a poesia de Bei Dao ser influenciada pela literatura ocidental, e tal como o próprio poeta confessou, que é de “estilo de tradução”, não é de negar que ainda se mantém a “chinesidade” (van Crevel, 1996Van Crevel, Maghiel. Language Shattered: Contemporary Chinese Poetry and Duoduo. Leiden: Research School CNWS, 1996., p. 121) na poesia de Bei Dao. Na sua análise da poesia de Duoduo18 18 Pseudônimo de 栗世征 Lì Shì Zhēng (1951-), um poeta da mesma geração de Bei Dao. , Maghiel van Crevel (1996)Van Crevel, Maghiel. Language Shattered: Contemporary Chinese Poetry and Duoduo. Leiden: Research School CNWS, 1996. usou o termo “Chineseness” para referir o 中国性 (zhōng guó xìng), ou seja, qualidade essencial da poesia chinesa. Ele definiu-o como “determined by what one needs to know of China for a successful reading [of a poem]” (ibid., p. 121). No contexto da língua portuguesa, o termo “chinseseness” é traduzido por “chinesidade” (Pozzana & Russo, 2007Pozzana, Claudia and Russo, Alessandro. “Esta é uma outra China”. Trad. Andréia Guerini. Poesia Sempre, Núm. 27, ano 14/2007: pp.9-13., p. 9). Para Pozzana & Russo (2007)Pozzana, Claudia and Russo, Alessandro. “Esta é uma outra China”. Trad. Andréia Guerini. Poesia Sempre, Núm. 27, ano 14/2007: pp.9-13., fizeram uma distinção entre 中国性 (zhōng guó xìng) e 中文性 (zhōng wén xìng)19 19 Consultar Jatobá, 2013, 2019. . Enquanto 中国性 (zhōng guó xìng) é “as determinações particulares da língua e da cultura chinesa” (ibid., p. 9), 中文性 (zhōng wén xìng) é “os processos de verdade artística que vêm de, e voltam param este particular espaço linguístico-cultural” (ibid., p. 9),). Aliás, ambas essas palavras chinesas podem ser traduzidas como “chineseness” / “chinesidade”. Na verdade, essa distinção foi proposta inicialmente por Yang Lian (1997), um poeta da mesma geração de Bei Dao. Ele acredita que 中国性 (zhōng guó xìng) é um termo demasiado vago e não vale a pena discutir, e define 中文性 (zhōng wén xìng) como “as particularidades da língua chinesa em relação às outras línguas” e “as particularidades da linguagem do poeta (do poema) em relação aos outros poetas ou aos outros poemas”20 20 Tradução nossa. O texto:“正与笼统含混的 “中国性” 相对,这里强调的是 “中文性” 。或者说,两个层次上的文化个性:一.中文相对于其他语言的独特;二.这个诗人(这首诗)的语言相对于其他诗人诗作的独特。”. Disponível em: http://yanglian.net/yanglian/pensee.html. Acesso em: 19 de jun. de 2020. (Yang, 1997Yang, Lian. “中文之内[Dentro da língua-cultura chinesa]”. Yang Lian. Disponível em: http://yanglian.net/yanglian/pensee.html. Acesso em: 24 junho de 2022.
http://yanglian.net/yanglian/pensee.html...
). Ao analisar a dupla rebelião na poesia de Bei Dao, Tan (2016)Tan, Chee Lay. Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016. deu a sua interpretação e a seguinte definição, isto é:

Hence, “Chineseness” here encompasses notions including the official Maoist nation-state, the literary-cultural fields, and most crucially, linguistic origins. Linguistically, my usage of the concept of “Chineseness” can further be divided into official Chineseness, which refers to the socialist realist transparent language advocated by Mao; while cultural Chineseness, in comparison, refers to the linguistic patternings more dominant in Chinese literary and linguistic traditions, including classical poetry and prose, and more specifically, for instance, idioms (chengyu) and literary quotations (diangu)

(Tan, 2016Tan, Chee Lay. Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016., p. 73).

Pode-se ver que há uma interseção complexa entre as discussões sobre o termo “chinesidade” 中国性 (zhōng guó xìng) / 中文性 (zhōng wén xìng). Aliás, como aqui se apresenta a chinesidade como um elemento comparativo em relação ao “estilo de tradução” da poesia de Bei Dao, alegando que em vez de perder a tradição da poética chinesa, a poesia de Bei Dao é caraterizada pelas particularidades da língua e cultura chinesa. Em consequência disso, voltemos à definição original de van Crevel (1996) sobre “chinesidade” 中国性 (zhōng guó xìng) que é “determinado por o que alguém precisa de saber sobre a China para uma leitura bem-sucedida de um poema”. Adotando a “chinesidade” 中国性 (zhōng guó xìng) definida por Pozzana & Russo (2007)Pozzana, Claudia and Russo, Alessandro. “Esta é uma outra China”. Trad. Andréia Guerini. Poesia Sempre, Núm. 27, ano 14/2007: pp.9-13. e a interpretação de Tan (2016)Tan, Chee Lay. Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016. sobre “chinesidade oficial” versus “chinesidade cultural”, aqui se afirma que a “chinesidade” na poesia de Bei Dao é, primeiramente, a linguagem transparente realista do socialismo, como aquela linguagem usada no poema “回答 (Resposta)”; a seguir, é a qualidade atribuída pela tradição literária e linguística da China, ou seja, as imagens tradicionais na poética chinesa e expressões feitas na língua chinesa; por fim, refere-se a alusões a certos eventos na história da China moderna ou aos topónimos e antropónimos chineses. A chinesidade na poesia de Bei Dao é evidente em vários poemas, por vezes, expressa-se desde logo nos títulos, por exemplo, os poemas intitulados por “青灯(Lâmpada Cião)”, “天问 (Pergunta Celeste)” e “中秋节 (Festival da Lua Cheia)”21 21 青灯 (Lâmpada Cião) é uma palavra típica tradicional chinesa e literalmente significa “lâmpada cião”. Aliás, tem uma conotação cultural forte, porque antigamente queimava-se óleo vegetal nas lâmpadas e a luz apresenta cor cião, simbolizando condições de vida difíceis (Tu 2008). O título 天问 Tiān Wèn (Pergunta Celeste) vem diretamente do longo poema com o mesmo título de 屈原 Qū Yuán (340-278 a.C.). O título 中秋节 (Festival da Lua Cheia) é homónimo de um festival tradicional da China, que ocorre no dia 15 de agosto do calendário lunar. Nesse dia, a lua está normalmente cheia e a forma redonda contém a conotação de reunião na cultura chinesa. Por essa razão, os chineses preferem ficar com os familiares no Festival da Lua Cheia, entretanto o poeta estava em exílio. .

Normalmente, quando uma literatura traduzida entra em um sistema literário, assume uma posição periférica. Aliás, há três casos em que a literatura traduzida participa ativamente no polissistema que a acolhe e toma o lugar central, isto é, quando um sistema literário é jovem, fraco e periférico ou quando o polissistema literário está num ponto de viragem. Essa referida afirmação de Even-Zohar (1990)Even-Zohar, Itamar. “Polysystem Studies”. Poetics Today, Vol. 11, No. 1, 1990: pp.1-268. sobre o papel da literatura traduzida no polissistema pode ser corroborada pelo que aconteceu ao sistema poético moderno da China nos anos 70. A tradução das obras ocidentais, sobretudo traduções de Charles Baudelaire e Federico García Lorca, participou na reconstrução da ordem literária moderna da China, alargando o reportório literário chinês. Ao mesmo tempo, os intelectuais chineses herdam os recursos intrínsecos na língua e cultura chinesa e dão-lhes continuidade através da sua escrita moderna.

Normas para a reescrita

Um grande contributo de Gideon Toury (2012)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2012. para os Estudos de Tradução é a elaboração de suas normas de tradução. Segundo o autor, as normas são categorizadas em dois grupos: preliminar e operacional. As normas preliminares incluem duas séries de considerações sobre políticas de tradução que regula, a escolha do tipo de textos a ser traduzidos e de considerações sobre o grau de franqueza de tradução que reflete o limite mínimo para a tolerância da tradução indireta. As normas operacionais, como o nome indica, enfocam-se nas decisões feitas durante a ação de tradução (a operação). Essas definem o que não se pode alterar mesmo com as transformações no processo de tradução. As normas operacionais são divididas em dois tipos: normas matriciais e normas textuais-linguísticas. As normas matriciais salientam as propriedades de tradução relativas à matriz, ou seja, a existência do material/corpus para substituir o texto de partida (TP). Assim, orientam omissões, adições e mudanças de distribuição das unidades textuais (UTs), por exemplo, durante o processo de tradução. As normas textuais-linguísticas, por sua vez, afetam a seleção dos textos da língua de chegada (LC) para substituir os TPs, por exemplo, o estilo de linguagem (coloquial ou formal) e o uso de expressões idiomáticas na LC.

Agora, voltemos à discussão sobre o papel da literatura traduzida num polissistema. Sendo influenciado pelos pensamentos de Itamar Even-Zohar, Toury (2012)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2012. descreveu dois casos semelhantes aos descritos na teoria dos polissistemas:

the production of a text in a particular culture/language which is designed to occupy a certain position, or fill a certain slot, in the host culture,

while, at the same time,

constituting a representation in that language/culture of a text already existing in some other language, belonging to a different culture and occupying a definable position within it

(Toury, 2012Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2012., p. 69, grifo original).

Assim sendo, Toury (2012)Toury, Gideon. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2012. cunhou os princípios respetivamente para esses dois casos como “acceptability vs. adequacy” (ibid., p. 70). Por conseguinte, deduz-se que para uma literatura traduzida que está na posição central do polissistema da LC, o/a tradutor/a deve tentar chegar a uma tradução “adequada”, caso contrário, a tradução deve ser “aceitável”. Para uma tradução adequada, não haverá mudanças na sua matriz, entretanto para uma tradução ser aceitável, cabe ao/à tradutor/a a tarefa de criar textos que os leitores da LC esperam, por isso, haverá no texto traduzido omissões, adições, alteração da distribuição das UTs e mudança de estilo de linguagem.

De acordo com Yao (2015)Yao, Feng. 中外文学交流史·中国-葡萄牙卷 [História do Intercâmbio Literário entre a China e outros países: China-Portugal]. Jinan: Shandong Education Press, 2015., a literatura chinesa tem estado sempre numa posição marginal no sistema literário de Portugal (Yao, 2015Yao, Feng. 中外文学交流史·中国-葡萄牙卷 [História do Intercâmbio Literário entre a China e outros países: China-Portugal]. Jinan: Shandong Education Press, 2015., p. 167). Este fenómeno pode ser explicado adaptando o esquema do polissistema literário de Even-Zohar (1990)Even-Zohar, Itamar. “Polysystem Studies”. Poetics Today, Vol. 11, No. 1, 1990: pp.1-268.:

INSTITUIÇÃO [instituition]

POÉTICA [repertoire]

TRADUTOR [producer] -------------------------- LEITOR [consumer]

MERCADO [market]

TRADUÇÃO [product]

(a designação em letra minúscula é do modelo original na teoria dos polissistemas)

Para uma obra chegar à mão do leitor, é necessário haver instituições que dão formações aos tradutores. Depois, os tradutores devem seguir a “poética” (Lefevere, 1992Lefevere, André. Translation, Rewriting, & the Manipulation of Literary Fame. London: Routledge, 1992., p. 26) pertinente para transmitir o TP na LC. Além disso, é preciso um mercado que serve como uma plataforma para o leitor ter acesso ao produto (à tradução). Porém, segundo Yao (2015)Yao, Feng. 中外文学交流史·中国-葡萄牙卷 [História do Intercâmbio Literário entre a China e outros países: China-Portugal]. Jinan: Shandong Education Press, 2015., até os dias de hoje, há poucas instituições académicas em Portugal que se dedicam à formação de tradutores chinês-português, como também não é fácil para os leitores ocidentais entenderem o contexto literário chinês devido à grande barreira poética. O mercado editorial português não tem muito interesse na publicação de literatura chinesa, com a exceção das obras já internacionalmente conhecidas. A maioria das traduções portuguesas de literatura chinesa é feita de forma indireta. No caso do Brasil, apesar da ampliação da língua chinesa feita pelo Instituto Confúcio e por outras organizações educacionais brasileiras, carecem de ensinos institucionais de nível superior que formam tradutores literários qualificados, dado o facto de que existe apenas um único curso de graduação no Brasil, oferecido pela USP (Lima, 2012Lima, Ligia Wey Neves. O Ensino de Mandarim no Brasil: Um Estudo Comparativo entre os Sistemas pinyin e zhuyin fuhao. Dissertação de Pós-Graduação em Linguagem e Educação. Universidade de São Paulo, 2012., p. 38). De acordo com o estudo de Bueno (2020)Bueno, André. “Sinologia e orientalismo no Brasil.” In: André Bueno (org.). Sinologia Hoje. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo (1998-2020), 2020: p. 151-159. sobre a sinologia no Brasil:

90% dos materiais foram produzidos pelas áreas de relações internacionais e economia, e todos versam sobre problemas contemporâneos. Somente 10% da produção concentram estudos sobre história, filosofia, literatura e artes, denotando um claro pragmatismo dos interessados na China

(Bueno, 2020Bueno, André. “Sinologia e orientalismo no Brasil.” In: André Bueno (org.). Sinologia Hoje. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo (1998-2020), 2020: p. 151-159., p. 158).

Mesmo com as traduções de obras chinesas amplamente difundidas, tais como as de Giorgio Sinedino, Amilton Reis, Marcia Schmaltz e de Yao Feng, Huang Lin, Manuela Carvalho e José Luís Peixoto22 22 Sinedino, Giorgio. Os Analectos. São Paulo: Editora Unesp, 2012; Reis, Amilton. Mudança. São Paulo: Saraiva, 2014; Reis, Amilton. As rãs. São Paulo: Companhia das Letras, 2015; Schmaltz, Marcia. Viver. São Paulo: Companhia das Letras, 2008; Schmaltz, Marcia. O Garoto do Riquixá. São Paulo: Estação Liberdade, 2017. Vale destacar ainda a estreia da antologia de poesia de Bei Dao, publicada em 2021 pela editora Moinhos, com tradução de Yao Feng, Huang Lin, Manuela Carvalho e revisão de José Luís Peixoto. , a literatura chinesa não apresenta um dinamismo muito forte no mundo da língua portuguesa, ou pelo menos, não possui um papel tão influente como as literaturas ocidentais em relação ao sistema literário chinês nos anos 1970. Resumindo, a literatura traduzida chinesa situa-se numa posição periférica no polissistema literário da língua portuguesa.

Para mais, os leitores das traduções da poesia de Bei Dao apresentada neste artigo são os que leem em língua portuguesa que não são necessariamente especialistas na língua e literatura chinesas, mas têm interesse em conhecer a poesia chinesa contemporânea. Com efeito, ao traduzir a poesia de Bei Dao para português, convém que optemos por fazer uma “tradução aceitável”, seguindo o princípio de aproximar a tradução à poética portuguesa e facilitar a leitura dos portugueses não especialistas em chinês. Em consideração disso, o trabalho é feito em três etapas. Primeiramente, a tradutora, depois de uma investigação integral sobre a vida e a poesia de Bei Dao, fez a primeira versão. Seguiram-se reuniões com Yao Feng, um poeta e também tradutor experiente chinês-português e Manuela Carvalho, professora de estudos literários e literatura comparada da Universidade de Macau. Antes da publicação (ano 2021) dos 81 poemas traduzidos, através da editora brasileira Moinhos, convidamos o poeta José Luís Peixoto a fazer a última revisão e fizemos adaptações linguísticas aproximando os versos ao uso habitual de português dos leitores brasileiros.

Análises das reescritas

Nesta seção, apresentaremos uns exemplos de tradução (ET) com o intuito de mostrar as estratégias para a reescrita dos conteúdos com a presença da cultura ocidental (ET-1) e com a chinesidade (ET-2, 3, 4). Aproveitamos aqui o conceito de “reescrita” proposto por André Lefevere (1992)Lefevere, André. Translation, Rewriting, & the Manipulation of Literary Fame. London: Routledge, 1992. porque julgamos que a tradução da poesia de Bei Dao não é uma transferência simples entre as línguas, ao contrário, é uma reescrita considerando integralmente os fatores linguísticos, poéticos, culturais e ideológicos, entre outros.

1. Presença da cultura ocidental

Poema Original Reescrita 二月 Fevereiro […] 23 […] 谁在日子的裂缝上歌唱,水变苦火焰失血山猫般奔向星星必有一种形式才能做梦 Quem canta nas brechasda vida? A água se torna amargae as chamas sangram até à cinzao monte corre rumo às estrelas como gatos selvagensÉ preciso encontrar uma formapara sonhar […] […] 书中的二月:某些动作与阴影 Fevereiro a folhear o livro:atos e sombras(Bei Dao, 2021, p. 21)

A presença da cultura ocidental neste poema existe possivelmente no verso “山猫般奔向星星”. Não podemos afirmar porque há duas hipóteses para marcar a pausa ao ler o verso: 山猫/般/奔向星星e 山/猫般/奔向星星. No primeiro caso, “山猫” é o nome chinês de um animal que também existe na cultura de Portugal, que é o “gato montês”. Se se faz a pausa assim, a unidade textual (UT) “山猫/般/” serve como adjunto adverbial de meio enquanto o sujeito para a ação “奔” (correr) é a chama. A ideia sob essa hipótese é: a chama sangra correndo rumo às estrelas como gato montês. No segundo caso, o verso é uma frase individual e completa, entretanto a unidade “山” (monte) é o sujeito dessa frase, “猫般” (como gato) serve como adjunto adverbial de meio. Essa imagem foi originalmente usada por Federico García Lorca no verso de “Romance Sonâmbulo”, que é “y el monte, gato garduño” (Lorca, 1966Lorca, García Federico. “Romance Sonâmbulo”. Antologia Poética, tradução de Afonso Felix de Sousa. Rio de Janeiro: Editora Leitura S. A., 1966., p. 236). É bem possível que o poeta Bei Dao tenha bebido inspiração desse verso e comparou o monte com um gato eriçando as costas.

Através da tradução do poeta chinês Dai Wangshu (戴望舒, 1905-1950), a poesia de Lorca influenciou significativamente a escrita dos poetas contemporâneos da China nos anos 70 do século passado, incluindo os de Bei Dao. Como ele confessou no seu livro Rosa do Tempo (2005): “Lorca assombrou por certo período a criação poética clandestina de Pequim” (Bei Dao, 2005Bei Dao. 时间的玫瑰 [Rosa do Tempo]. Pequim: Chinese Literature and History Press, 2005., p. 3). Além disso, Bei Dao escreveu um ensaio analisando a tradução de Dai e propôs alternativas para a tradução de algumas UTs. Na versão de Dai, o verso “y el monte, gato garduño” é traduzido em chinês como “山像野猫似的耸起了 (a montanha eriça as costas parecida com gato selvagem)” (Dai, apud Yao, 2015Yao, Feng. 中外文学交流史·中国-葡萄牙卷 [História do Intercâmbio Literário entre a China e outros países: China-Portugal]. Jinan: Shandong Education Press, 2015., p. 109, grifo nosso). Por coincidência, na versão portuguesa traduzida por Afonso Felix de Sousa (1966), este verso é introduzido em língua portuguesa como “e o monte, gato selvagem” (De Sousa, 1966, p. 53, grifo nosso).

Enfim, para aproximar a tradução aos leitores de língua portuguesa, adotamos a segunda hipótese, que é comparar “o monte” com o gato eriçando as costas. Assim sendo, a reescrita do verso neste poema será “o monte corre rumo às estrelas como gatos selvagens”. Na última estrofe, reescrevemos o primeiro verso como “Fevereiro a folhear o livro:” porque assim, o verso pode ser interpretado em mais sentidos do que a banal tradução “Fevereiro no livro:”. O processo de pensar procurando as possibilidades de interpretação dá mais diversão à leitura.

2. Chinesidade

2.1 Linguagem transparente realista socialista

Poema Original Reescrita 回答 A Resposta 卑鄙是卑鄙者的通行证,高尚是高尚者的墓志铭,看吧, 在那镀金的天空中,飘满了死者弯曲的倒影。 A vilania é o passaporte dos vis,A nobreza é o epitáfio dos nobres,Olha, o céu dourado,está assombrado pelo reflexo distorcido dos mortos, […] […] […] […] 告诉你吧, 世界我 - 不 - 相 - 信!纵使你脚下有一千名挑战 者,那就把我算作第一千零一 名。 Escuta, mundoeu – não – acre – dito!Embora haja mil provocadores a teus pés,serei o milésimo primeiro. […] […] […] […] […] […](Bei Dao, 2021, p. 33)

Um dos tradutores mais experientes da poesia de Bei Dao, McDougall (1991)McDougall, Bonnie S. “Problems and Possibilities in Translating Contemporary Chinese Literature”. The Australian Journal of Chinese Affairs, No. 25, jan., 1991: pp. 37-67., considera que a poesia de Bei Dao é traduzível. Além disso, para McDougall (1991)McDougall, Bonnie S. “Problems and Possibilities in Translating Contemporary Chinese Literature”. The Australian Journal of Chinese Affairs, No. 25, jan., 1991: pp. 37-67., a poesia de Bei Dao contém um número considerável de conteúdos de diretos protestos políticos e cenários extraliterários, e poemas desse tipo são “suficientemente fortes para superar tradução pobre”24 24 Tradução nossa. Texto original: “powerful enough to overcome poor translation”. (1991, p. 38). “Resposta” é um poema mais típico. Por isso, quando se traduz este poema, seguimos a tradução literal e usamos uma linguagem mais direta e transparente possível. O protesto político é aparente com a declaração “我(wǒ)–不(bù)–相(xiāng)–信(xìn)! (eu não acredito!)”. Neste verso, o poeta isola cada caracter com a ligação de hífen, ressaltando a negação com forte emoção de fúria. Para a sua tradução, no verso em português, divide-se os morfemas das palavras aproximando a estrutura àquela do TP.

2.2 Chinesidade cultural

Quadro 3

Cada estrofe deste poema é iniciada com uma expressão feita de quatro caracteres e no total contém nele 6 expressões feitas. É um dos poemas de Bei Dao que contêm mais chinesidade cultural. Pozzana & Russo (2007)Pozzana, Claudia and Russo, Alessandro. “Esta é uma outra China”. Trad. Andréia Guerini. Poesia Sempre, Núm. 27, ano 14/2007: pp.9-13. explicaram que as três caraterísticas principais da língua chinesa eram: “a peculiar musicalidade ‘tonal’, a poli-funcionalidade sintática dos caracteres e certamente a opulência visual da escrita” (2007, p. 10). A expressão 故国残月(gù guó cán yuè) é um bom exemplo para mostrar as três caraterísticas. Primeiramente, a expressão pode ser dividida em duas partes: 故国(gù guó) e 残月(cán yuè), com uma simétrica distribuição dos tons. 故国(gù guó) parte do quarto tom e acaba com o segundo tom, enquanto 残月(cán yuè) começa com o segundo tom e acaba com o quarto.

Figura 4
Quatro tons da língua chinesa

A seguir, um único caracter chinês pode ser polivalente. No caso de 故国残月(gù guó cán yuè), 故() é um adjetivo cujo significado pode ser “velho, do passado” ou “originário”, enquanto 故() pode ser “país” ou “pátria”. 故国 (gù guó), por sua vez, é uma palavra frequente na literatura clássica chinesa e significa “país de longa história”, “pátria” e “terra natal”. As imagens dessa expressão são colocadas paralelamente, no entanto, contruímos uma relação possessiva entre “a pátria” e “a lua” e tornamos única “a lua” como o sujeito que se afunda na lagoa, porque o mais importante é fazer reaparecer a cena com as imagens na LC, trazendo a “opulência visual da escrita” (Pozzana & Russo, 2007Pozzana, Claudia and Russo, Alessandro. “Esta é uma outra China”. Trad. Andréia Guerini. Poesia Sempre, Núm. 27, ano 14/2007: pp.9-13., p. 10) em frente dos leitores da língua portuguesa. Considerando os três aspetos da língua chinesa, a reescrita dos primeiros dois versos ficou: Da pátria velha, a lua minguante/ afunda-se na lagoa.

É de salientar também o processo de tradução do título. O termo “青灯” é uma palavra típica tradicional chinesa e literalmente significa “lâmpada cião”. A cor “青” (cião) é uma cor típica chinesa, uma cor entre o verde e o azul. Existe até na cultura chinesa a expressão idiomática “青出于蓝而胜于蓝 (A cor cião nasce do azul, mas é melhor que o azul)” para descrever uma situação em que o/a aluno/a é melhor/a que o/a professor/a. “青灯”, por sua vez, tem uma forte conotação cultural, porque antigamente se queimava óleo vegetal nas lâmpadas e a luz apresentava cor cião, simbolizando uma vida de condições difíceis (Tu, 2008Tu, Guo Yuan. 外语·翻译·文化 (第九辑) [Línguas Estrangeiras·Tradução·Cultura, Vol.9]. Changsha: Hunan Renmin Press, 2008.). Pensando nisso, é inicialmente traduzido como “Lâmpada Cião”. Posteriormente, considerando que a palavra “cião” pode ser estranha para os leitores do português e o princípio de tradução de aproximar o texto traduzido aos leitores, decidimos usar uma imagem “Lâmpada Verde”, que é mais familiar e frequente no contexto cultural do português.

2.3 Alusões a eventos na história da China moderna

Quadro 4

“Cantor da Meia Noite” é um dos poemas de Bei Dao que possui uma conotação política mais forte relacionada com o Movimento Estudantil de Quatro de Junho. É admirável que este poema tenha escapado à censura e tenha sido publicado na parte continental da China. Uma das razões para isto acontecer reside no facto de os números 6 e 4 estarem separados e para alguém que não esteja tão familiarizado com o evento, ser fácil ignorar este detalhe. Porém, a conotação é deveras forte. Além dos números, a cor “vermelho” faz alusão ao partido comunista, a forma do corpo de “galo” é parecida com o mapa da China e a capital Pequim situa-se justamente na parte do tronco cerebral, aliás, estava louco. À vista disso, para transmitir a mensagem salientando a insinuação àquele evento, na reescrita, escrevemos os números em letras maiúsculas e colocamos a palavra “vermelho” em cor vermelha e em termo negrito.

Resumindo, a maioria dos textos na poesia de Bei Dao é traduzida literalmente. No entanto, certas UTs caraterísticas ainda causam dificuldades para a tradução e exigem reescritas mais requintadas usando as estratégias correspondentes. Primeiramente, relativamente à tradução de chinesidade, se se trata de expressões feitas, a explicitação e a circunlocução são mais frequentemente usadas para transmitir o significado literal para a LC. Se a chinesidade insinua o Movimento Estudantil de Quatro de Junho, é preciso antes recorrer aos materiais históricos para reconhecer as insinuações e depois a reescrever com estratégias pertinentes. Como o princípio da presente tradução da poesia de Bei Dao é fazer uma “tradução aceitável”, algumas estruturas morfossintáticas são modificadas conforme o hábito de uso da língua portuguesa e isto é a estratégia mais usada durante o processo de tradução. Além disso, alguns termos da cultura tradicional chinesa são substituídos por outros mais familiares para os leitores do português. Para as UTs que têm equivalentes na LC, por exemplo, as que foram influenciadas pela cultura chinesa, são substituídas diretamente ou reescritas conforme os seus equivalentes. Além disso, não há uma regra rígida para o uso da estratégia de aumento de efeito ilocutório, é usada caso seja possível e o texto fique mais interessante para a leitura com a sua aplicação.

Considerações finais

A poesia de Bei Dao é marcada por “double rebellion [dupla rebeldia]” (2016, p. 71), assim afirmou Chee Lay Tan (2016)Tan, Chee Lay. Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016.. Por um lado, Bei Dao tem tentado sempre escapar às influências da linguagem propagandística de estilo soviético enquanto a poesia dele não foge da intrusão das vozes da época e contém ecos da linguagem oficial; por outro lado, na poesia de Bei Dao, raramente aparecem especificamente topónimos ou antropónimos chineses, tampouco aparecem nomes de eventos históricos enquanto o poeta não deixa de aproveitar os recursos da língua e cultura chinesa, tais como provérbios, expressões idiomáticas, citações literárias, imagens poética tradicionais e muito mais. Isto representa que, como Tan (2016)Tan, Chee Lay. Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2016. afirmou, a “double rebellion [dupla rebeldia]” (2016, p. 71) também é um “duplo engajamento e integração”26 26 Tradução nossa. Texto original: “a double engagement and integration”. (2016, p. 96). Desde que começou a escrever, Bei Dao tem nutrido um laço íntimo com a língua chinesa e ao mesmo tempo aproveitou a tradução de obras literárias ocidentais como a fonte de inspiração para a sua própria criação poética, o que nas palavras de Bei Dao (2004)Bei Dao. 失败之书 [Livro de Fracasso]. Shantou: Shantou University Press, 2004., é uma “fidelidade na língua e um rebelde contra a cultura” (2004, p. 292).

Nascida numa época de revoluções e de reformas, a poesia de Bei Dao foi inevitavelmente influenciada pelos eventos e mudanças da sociedade. Os leitores de hoje não têm muito contato direto e próximo com as realidades históricas dos anos 80 do século passado, portanto, propomos ler Bei Dao de uma perspetiva aberta e racionalizar cada palavra na sua escrita, apesar de ser fora da convenção familiar. Esta postura permite novos descobrimentos e novas interpretações, beneficiando também a tradução. Caso se presuma Bei Dao como um poeta político antes de ler toda a poesia dele e a relacionar com o contexto histórico em que o poeta viveu, inicia-se a tradução com um entendimento parcial e não se vai pensar em pesquisar possíveis influências ocidentais na escrita do poeta.

Se a consideração do contexto histórico é fundamental para a leitura da poesia de Bei Dao, um processo pré-tradução, o contexto linguístico, ideológico, poético e cultural, por sua vez, é um elemento decisivo para fixar as normas e estratégias da tradução da poesia de Bei Dao e delineia o processo da tradução, o que também é a ideia central da “reescrita”. Dado que será a primeira vez que a tradução da poesia de Bei Dao entra no mercado da língua portuguesa e a cultura chinesa nunca fora uma cultura forte no polissistema literário da língua portuguesa, adotamos o princípio de fazer uma “tradução aceitável” de forma que rescrevemos as chinesidades atendendo aos hábitos dos leitores da língua portuguesa e mantemos as chinesidades compreensíveis. Algumas traduções podem ser uma traição ao texto original ou uma interpretação excessiva, mas é uma estratégia importante para a tradução ser atraente e bem-aceite. No entanto, segundo Júlio Reis Jatobá (2019)Jatobá, Júlio Reis. “Poéticas do Traduzir a, na e para a China: uma Proposta”. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 39, no esp., pp. 120-147, set-dez, 2019. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp10.
https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
: “A poesia é imagem, traduzir é alteridade” (2019, p. 145), a reescrita dos poemas de Bei Dao é justamente um reaparecimento, em vez de uma cópia, das imagens poéticas no contexto do português e a alteridade é imprescindível.

  • 1
    No cume da Grande Revolução Cultural (1966-1976), cerca de 17 milhões de jovens chineses foram obrigados a trabalhar nos campos depois de completar o estudo de escola secundária (Bonnin, 2013: introdução).
  • 2
    Confira Bei Dao (2012)Bei Dao. 古老的敌意 [Alte Feindschaft]. Hong Kong: Oxford University Press, 2012. 古老的敌意 [Alte Feindschaft]. Hong Kong : Oxford University Press, p. 73.
  • 3
    Pseudônimo de 郭路生Guo Lusheng, cujo significado é dedo indicador. É considerado o fundador do movimento nova poesia da China.
  • 4
    Em entrevista ao jornalista Tian Zhiling, do “Southern Metropolis Daily”, em 2008, Bei Dao contou a história da revista “Today”, nascida entre uma coterie de literatura de jovens, que praticavam a criação literária clandestinamente e liam as obras ocidentais manuscritas. O cofundador, amigo de Bei Dao, Mang Ke deu o nome 今天 Jīn Tiān, que literalmente significa “Hoje”. Todavia, para a primeira edição, Bei Dao consultou Feng Yidai, tradutor, escritor e editor prestigiado na China, quem traduziu o título para “The Moment” para salientar o tenso estado da época. Porém, posteriormente, mudaram-no para “Today”, título mantido até os dias atuais
  • 5
    Depois de terminar a Grande Revolução Cultural, houve um curto período (1978-1979) de liberdade de expressão, quando as pessoas colocaram 大字报 Dà Zì Bào (jornais de grandes caracteres) exprimindo as suas opiniões sobre a política, a literatura, a sociedade e a reivindicação da liberdade. Este curto período ficou conhecido posteriormente como “Primavera de Pequim”.
  • 6
    Tradução nossa. Texto original: “provokes awe or passionate intensity, gives the speaker a sense of something beyond the human”.
  • 7
    Apresenta-se aqui a estrofe da versão publicada em 2015, o texto original é 我只 能选择天空/ 绝不跪在地上/ 以显得刽子手们的高大/ 好阻挡那自由的风.
  • 8
    Usa-se a expressão “quase de volta” porque embora tenha obtido a autorização para voltar a Pequim, não pôde entrar na parte continental da China livremente. Sendo um poeta relacionado com os eventos políticos sensíveis como o Movimento Estudantil de Quatro de Junho, acabou por ter apenas autorização para morar em Hong Kong, em vez de voltar permanentemente à terra natal. Para mais informação sobre experiências pessoais de Bei Dao e a sua relação com os eventos históricos do século passado da China, consulte A Reescrita do Micro-Polissistema da Poesia de Bei Dao de Huang Lin, dissertação de mestrado em Estudos de Tradução (português-chinês) da Universidade de Macau, 2020.
  • 9
    Pseudónimo do acadêmico e poeta Yao Jingming.
  • 10
    A saber: 回答 Huí Dá (“Resposta”) e 语言 Yǔ Yán (“Línguas”).
  • 11
    Em comparação com a situação da tradução de Bei Dao em língua portuguesa, até 2015, registram-se 9 antologias de poemas de Bei Dao traduzidos em inglês. Ainda no século passado, tornou-se um objeto de estudo acadêmico, além dos trabalhos feitos pelos seus tradutores como Wolfgang Kubin, Göran Malmqvist, Bonnie S. McDougall, Eliot Weinberger, académicos como Li Dian, Ronald R. Janssen, e D. E. PollardPollard, D. E. “Recensão para o livro Notes from the City of the Sun: Poems by Bei Dao, editado e traduzido por Bonnie S. McDougall”. The China Quarterly, Volume 100, dez., 1984: pp. 886-888. também contribuíram para a leitura de Bei Dao; destacam-se também os trabalhos para a obtenção de graus académicos tais como teses de doutoramento Writing in crisis: Translation, Genre, and Identity in Modern Chinese Poetry de Li Dian entregue para a obtenção do grau de doutoramento na Universidade de Michigan e Constructing a System of Irregularities: The Poetry of Bei Dao, Yang Lian, and Duoduo de Chee Lay Tan entregue à Universidade de Cambridge em 2016, e as dissertações de mestrado da Vanessa May Holterman: Translating Chinese Poetry: Bei Dao as a Case Study (2009) e muito mais. Bei Dao tem ainda livros traduzidos para francês, italiano, holandês, finlandês, até árabe. (Huang 19-30Huang, Lin. A Reescrita do Micro-Polissistema da Poesia de Bei Dao. Dissertação de Mestrado em Estudos de Tradução (Português-Chinês). Universidade de Macau, 2020.)
  • 12
    Tradução nossa. Texto original: “It is fair to claim that Bei Dao’s poetry is translatable, since its most striking features are its powerful imagery and significant structure”.
  • 13
    Tradução nossa. Texto original: “Always historicize!”.
  • 14
    Em chinês: 新文化运动 (Xīn Wén Huà Yùn Dòng), após a queda do Império Qing (data), existia ainda na sociedade problemas como pensamentos demasiado conservadores, então, um grupo de acadêmicos tais como Lu Xun, Guo Moruo e Dai Wangshu, entre outros, começou a fazer traduções com o intuito de introduzir na cultura chinesa novos elementos avançados do ocidente, com a ciência e a democracia como o tema do Movimento.
  • 15
    Tradução nossa. Texto original: “翻译”的语言与欧化的国语重构了 “五四” 时代国人对于西方现代文化及中国现代文化想象”
  • 16
    Publicados no jornal 《译文yì wén》(Escritas Traduzidas), que depois veio a ser 《世界文学Shì Jiè Wén Xué》(Literatura Mundial). Naquela época, quando Bei Dao ainda era jovem, era o único jornal literário oficial que publicava textos literários estrangeiros na China.
  • 17
    Aqui usa-se a tradução para português, mas o poema original usa 当 Dāng, se se traduzir este carater, será “quando” ou “enquanto”.
  • 18
    Pseudônimo de 栗世征 Lì Shì Zhēng (1951-), um poeta da mesma geração de Bei Dao.
  • 19
    Consultar Jatobá, 2013Jatobá, Júlio Reis. “Poesia E (in)Traduzibilidade Na Língua Chinesa”. Scientia Traductionis.13, 2013: pp.213-23., 2019Jatobá, Júlio Reis. “Poéticas do Traduzir a, na e para a China: uma Proposta”. Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 39, no esp., pp. 120-147, set-dez, 2019. https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v39nespp10.
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2019v3...
    .
  • 20
    Tradução nossa. O texto:“正与笼统含混的 “中国性” 相对,这里强调的是 “中文性” 。或者说,两个层次上的文化个性:一.中文相对于其他语言的独特;二.这个诗人(这首诗)的语言相对于其他诗人诗作的独特。”. Disponível em: http://yanglian.net/yanglian/pensee.html. Acesso em: 19 de jun. de 2020.
  • 21
    青灯 (Lâmpada Cião) é uma palavra típica tradicional chinesa e literalmente significa “lâmpada cião”. Aliás, tem uma conotação cultural forte, porque antigamente queimava-se óleo vegetal nas lâmpadas e a luz apresenta cor cião, simbolizando condições de vida difíceis (Tu 2008Tu, Guo Yuan. 外语·翻译·文化 (第九辑) [Línguas Estrangeiras·Tradução·Cultura, Vol.9]. Changsha: Hunan Renmin Press, 2008.). O título 天问 Tiān Wèn (Pergunta Celeste) vem diretamente do longo poema com o mesmo título de 屈原 Qū Yuán (340-278 a.C.). O título 中秋节 (Festival da Lua Cheia) é homónimo de um festival tradicional da China, que ocorre no dia 15 de agosto do calendário lunar. Nesse dia, a lua está normalmente cheia e a forma redonda contém a conotação de reunião na cultura chinesa. Por essa razão, os chineses preferem ficar com os familiares no Festival da Lua Cheia, entretanto o poeta estava em exílio.
  • 22
    Sinedino, Giorgio. Os Analectos. São Paulo: Editora Unesp, 2012; Reis, Amilton. Mudança. São Paulo: Saraiva, 2014; Reis, Amilton. As rãs. São Paulo: Companhia das Letras, 2015; Schmaltz, Marcia. Viver. São Paulo: Companhia das Letras, 2008; Schmaltz, Marcia. O Garoto do Riquixá. São Paulo: Estação Liberdade, 2017. Vale destacar ainda a estreia da antologia de poesia de Bei Dao, publicada em 2021 pela editora Moinhos, com tradução de Yao Feng, Huang Lin, Manuela Carvalho e revisão de José Luís Peixoto.
  • 23
    Daqui em diante, devido à limitada extensão, nos exemplos só se apresenta as estrofes essenciais para a análise e outras são omitidas e substituídas com o sinal “[...]”. Para ler os poemas traduzidos inteiros, confira: Bei Dao. Não Acredito no Eco dos Trovões. Trad. Yao, Feng; Huang, Lin & Carvalho, Manuela. Rev. José Luís Peixoto. São Paulo: Moinhos, 2021.
  • 24
    Tradução nossa. Texto original: “powerful enough to overcome poor translation”.
  • 25
    Um acadêmico na história da Ásia Oriental dos Estados Unidos da América, sinólogo e amigo de Bei Dao.
  • 26
    Tradução nossa. Texto original: “a double engagement and integration”.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2022
  • Aceito
    06 Ago 2022
  • Publicado
    Nov 2022
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
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