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TRADUÇÃO PORTUGUESA DE REFERÊNCIAS CULTURAIS EXTRALINGUÍSTICAS NO MANUAL DE CHINÊS LÍNGUA NÃO MATERNA: APLICAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO PROPOSTAS POR ANDREW CHESTERMAN

PORTUGUESE TRANSLATION OF EXTRALINGUISTIC CULTURAL REFERENCES IN A COURSE IN INTERNATIONAL CHINESE: APPLICATION OF TRANSLATION STRATEGIES PROPOSED BY ANDREW CHESTERMAN

Resumo

No ensino-aprendizagem de uma determinada língua como língua estrangeira, a introdução dos aspectos culturais constitui um passo incontornável. Neste artigo, tomamos como objeto de análise as referências culturais extralinguísticas (RCEs) constantes no livro Manual de Chinês Língua Não Materna Nível Elementar (Volume 1), o primeiro manual destinado exclusivamente para os aprendentes provenientes dos países de língua portuguesa. O objetivo do estudo é encontrar as regularidades da tradução das RCEs do Manual. Para isso, analisamos as estratégias semânticas e pragmáticas de tradução das diversas categorias de RCEs em causa, numa perspetiva de diferenciar a utilização de estratégias de tradução na introdução da cultura chinesa aos aprendentes do chinês língua estrangeira.

Palavras-chave
Estratégia de tradução; Referência cultural extralinguística; Cultura chinesa; Manual do chinês língua estrangeira

Abstract

In teaching and learning a certain language as a foreign language, the introduction of cultural aspects is unavoidable. In this article we take as object of analysis the extralinguistic cultural references (ECRs) in A Course in International Chinese (Volume 1), the first textbook targeted exclusively for learners from Portuguese-speaking countries. The study aims to find the translation regularities of the ECRs in this textbook, by analyzing the semantic and pragmatic translation strategies of various categories of the referred ECRs, so as to differentiate the use of translation strategies during the introduction of Chinese culture to foreign language learners.

Keywords
Translation strategies; Extralinguistic cultural reference; Chinese culture; Chinese textbook for foreign learners

Introdução

Nas últimas décadas, a tradução e o intercâmbio da cultura chinesa para e com as outras diversas culturas no mundo têm sido cada vez mais abordados por académicos chineses; os principais temas abrangem opiniões e questões gerais existentes na área, tradutores e estratégias de tradução e estudos numa perspetiva interdisciplinar (Wu and Hua 105-106Wu, Yaowu; Hua, Meng. “中国文化对外翻译国内研究综述(1980-2013)-基于国内学术期刊的数据分析”. [Revisão da literatura das investigações domésticas sobre a tradução da cultura chinesa (1980-2013) – com base na análise de dados de revistas da China]. Foreign Language Education. 35(6), p. 104-108, 2014.). Além disso, com base na pesquisa na base de dados CNKI, verificamos que, no âmbito dos três principais temas acima referidos, ainda existem vários subtemas específicos que têm sido abordados com frequência, incluindo os modelos de categorização da cultura chinesa estudados por Jiang (2014)Jiang, Haoshu. “对外交化翻译与交流的五个层次”. [Os cinco níveis de tradução e intercâmbio de cultura]. Chinese Translators Journal. 35 (3), p.13-16, 2014., a questão de como traduzir e promover a cultura chinesa de maneira adequada num determinado contexto por Yu (2009)Yu, Xinle. “对外汉语教材文化翻译例说”. [Sobre os exemplos de tradução cultural em manuais de chinês língua não materna]. Chinese Translators Journal. 30(4), p.68-70, 2009. e Wang e Zheng (2019)Wang, Shuju; Zheng & Jingting. “C-E translation of culture-loaded words in teaching Chinese as a foreign language”. Journal of Yunnan Normal University (Teaching and Research on Chinese as A Foreign Language Edition), 17 (3), p. 25-29, 2019. e estratégias de tradução de uma determinada categoria da cultura chinesa por Yang and Wang (2017)Yang, Long & Wang, Binhua. “From Nan Ke Ji to DREAMING Under the Southern Bough: tracing the process of a cultural translation.”. Chinese Translators Journal. 38(3), p.77-83, 2017., Tsai (2018)Tsai, Yvonne. “Patent translation.”. In : In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.). The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 432-448., Pritzker (2018)Pritzker, Sonya E. “Translating Chinese medicine – history, theory, practice.”. In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.) The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 466-481., Fan and Minford (2018)Fan, Shengyu; Minford, John. “The Story of the Stone’s journey to the West – the history of the English translations of Hongloumeng.”. In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.) The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 374-387., Jiang (2018)Jiang, Qiuxia. “敦煌文化翻译:策略与方法”. [Tradução da cultura de Dunhuang: estratégias e métodos]. Chinese Translators Journal. 39 (4), p 103-109, 2018., Fan (2020)Fan, Dingqi. “我国传统美食的英文翻译一一评 《餐饮英语》.” [Tradução inglesa da gastronomia tradicional chinesa-crítica do Inglês no sector de restauração]. The Food Industry. 41(12), p. 351, 2020., Wang and Li (2020)Wang, Yan & Li, Zhengshuan. “English Translation of Sci-Tech Classics under Library of Chinese Classics and its cultural publicity role.”. Shanghai Journal of Translators. 5, p. 53-57, 2020., Jia (2021)Jia, Wenbo. “China’s Political document translation calls for a new mindset.”. Shanghai Journal of Translators. 1, p. 18-22, 2021. e Si & Zeng (2021)Si, Xianzhu & Zeng, Jianping. “对外政治话语翻译: 原则、策略、成效―—以《习近平谈治国理政》的英译为例.” [Tradução de discursos políticos: princípios, estratégias e efeitos – exemplo da tradução inglesa da The Governance of China de autoria de Xi Jinping]. Shanghai Journal of Translators. 2, p. 18-24, 2021..

Quanto à categorização da cultura chinesa, existem diversos modelos de categorização da cultura chinesa, dos quais se destaca o modelo de Jiang (2014)Jiang, Haoshu. “对外交化翻译与交流的五个层次”. [Os cinco níveis de tradução e intercâmbio de cultura]. Chinese Translators Journal. 35 (3), p.13-16, 2014.. Na sua abordagem (Jiang 13), propõem-se os cinco níveis culturais, a saber: 1) pensamentos, religiões, crenças e valores nucleares; 2) culturas e artes, criatividade e obras representativas; 3) sistemas de regime, jurídicos, industriais e educacionais; 4) linguagens de natureza, ciência e tecnologia, e informática; 5) pessoas, vocábulos, vida e costume.

Em relação à questão de como traduzir e promover a cultura chinesa de maneira adequada em determinado contexto, alguns refletem nos princípios de tradução inglesa da cultura chinesa em contexto de ensino do chinês como língua estrangeira. Yu (2009)Yu, Xinle. “对外汉语教材文化翻译例说”. [Sobre os exemplos de tradução cultural em manuais de chinês língua não materna]. Chinese Translators Journal. 30(4), p.68-70, 2009. analisa alguns exemplos de tradução inglesa de palavras chinesas com carga cultural em manuais de chinês língua não materna e defende que tradução neste contexto deve respeitar os três requisitos seguintes: 1) é necessário transmitir corretamente informações culturais; 2) é necessário garantir a aceitação e compreensão de aprendentes; 3) é necessário acrescentar informações culturais que faltem no texto de partida de acordo com a necessidade de aprendentes. Para Wang e Zheng (2019)Wang, Shuju; Zheng & Jingting. “C-E translation of culture-loaded words in teaching Chinese as a foreign language”. Journal of Yunnan Normal University (Teaching and Research on Chinese as A Foreign Language Edition), 17 (3), p. 25-29, 2019., a tradução inglesa de palavras chinesas com carga cultural no ensino-aprendizagem do chinês língua estrangeira deve tomar em conta os diferentes níveis linguísticos dos aprendentes do chinês. Quanto aos aprendentes principiantes, é preciso que a tradução tome em conta os padrões linguísticos e textuais do inglês e aproxime-se da cultura materna deles para facilitar a compreensão e a aceitação da cultura chinesa. Quanto aos alunos dos níveis linguísticos intermédios e avançados, a tradução deve priorizar a autenticidade da cultura chinesa e levar os aprendentes a sentir a diferença entre a língua inglesa e a chinesa, bem como as respetivas culturas.

No que diz respeito a estratégias utilizadas ao traduzir uma determinada categoria cultural, alguns discutem como melhorar o intercâmbio chinês com outros países a nível de diferentes categorias culturais, por exemplo, budismo estudado por Jiang (2018)Jiang, Qiuxia. “敦煌文化翻译:策略与方法”. [Tradução da cultura de Dunhuang: estratégias e métodos]. Chinese Translators Journal. 39 (4), p 103-109, 2018., literatura por Yang e Wang (2017)Yang, Long & Wang, Binhua. “From Nan Ke Ji to DREAMING Under the Southern Bough: tracing the process of a cultural translation.”. Chinese Translators Journal. 38(3), p.77-83, 2017. e Fan e Minford (2018)Fan, Shengyu; Minford, John. “The Story of the Stone’s journey to the West – the history of the English translations of Hongloumeng.”. In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.) The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 374-387., ciência e tecnologia por Tsai (2018)Tsai, Yvonne. “Patent translation.”. In : In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.). The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 432-448. e Wang e Li (2020)Wang, Yan & Li, Zhengshuan. “English Translation of Sci-Tech Classics under Library of Chinese Classics and its cultural publicity role.”. Shanghai Journal of Translators. 5, p. 53-57, 2020., medicina tradicional por Pritzker (2018)Pritzker, Sonya E. “Translating Chinese medicine – history, theory, practice.”. In: Shei, Chris & Gao, Zhao, Ming (Eds.) The Routledge handbook of Chinese translation. New York: Routledge, 2018, pp. 466-481., discurso político por Jia (2021)Jia, Wenbo. “China’s Political document translation calls for a new mindset.”. Shanghai Journal of Translators. 1, p. 18-22, 2021. e Si e Zeng (2021)Si, Xianzhu & Zeng, Jianping. “对外政治话语翻译: 原则、策略、成效―—以《习近平谈治国理政》的英译为例.” [Tradução de discursos políticos: princípios, estratégias e efeitos – exemplo da tradução inglesa da The Governance of China de autoria de Xi Jinping]. Shanghai Journal of Translators. 2, p. 18-24, 2021. e culinária por Fan (2020)Fan, Dingqi. “我国传统美食的英文翻译一一评 《餐饮英语》.” [Tradução inglesa da gastronomia tradicional chinesa-crítica do Inglês no sector de restauração]. The Food Industry. 41(12), p. 351, 2020..

Com tantas investigações que abrangem vários temas, é de realçar que, apesar de serem abundantes os artigos que se debruçam sobre o tema de estratégias de tradução da cultura chinesa, o par de línguas de tradução envolvidas é principalmente de chinês-inglês, continuando a ser poucos os estudos sobre a tradução da cultura chinesa para a língua e a cultura portuguesas. Por outro lado, a maioria das abordagens deste tema, tal como acima se apresenta, é de pendor prescritivo, ou seja, em vez de descrever objetivamente a situação da tradução da cultura chinesa, são propostos comentários e sugestões de próprios investigadores em relação às maneiras que eles acham corretas para traduzir a cultura chinesa, com alguns exemplos concretos que servem de apoio argumentativo. Para além disso, falta a todas estas investigações uma base teórica para analisar as estratégias de tradução de maneira sistemática. Assim, surgiram-nos as perguntas iniciais, a saber: como é, na verdade, a situação da utilização de estratégias de tradução de diferentes categorias da cultura chinesa para a língua portuguesa, sobretudo em contexto do esnino do chinês como língua estrangeira? Quanto aos princípios de tradução defendidos por Yu (2009)Yu, Xinle. “对外汉语教材文化翻译例说”. [Sobre os exemplos de tradução cultural em manuais de chinês língua não materna]. Chinese Translators Journal. 30(4), p.68-70, 2009. e Wang e Zheng (2019)Wang, Shuju; Zheng & Jingting. “C-E translation of culture-loaded words in teaching Chinese as a foreign language”. Journal of Yunnan Normal University (Teaching and Research on Chinese as A Foreign Language Edition), 17 (3), p. 25-29, 2019., como se apresentam acima, também se aplicarão ao ensino-aprendizagem do chinês como língua estrangeira para os aprendentes dos países de língua portuguesa?

Nesta perspetiva, o presente estudo pretende analisar as estratégias utilizadas na tradução portuguesa das diversas categorias de referências culturais extralinguísticas em chinês, recorrendo aos exemplos constantes no Manual de Chinês Língua Não Materna, tendo como objetivo encontrar as regularidades de tradução em contexto de ensino-aprendizagem do chinês como língua estrangeira para os aprendentes dos países de língua portuguesa.

Objeto de estudo

No ano de 2020, foi publicado na China um livro com conteúdos sobre a tradução da cultura chinesa que se encontra detalhadamente categorizada. Trata-se de um manual do chinês língua estrangeira, Manual de Chinês Língua Não Materna Nível Elementar (Volume 1), elaborado pelo Universidade Politécnica de Macau (UPM) e publicado pela editora chinesa The Commercial Press. É o primeiro manual destinado exclusivamente aos aprendentes provenientes dos países de língua portuguesa, com foco no desenvolvimento de competências comunicativas dos principiantes do chinês língua estrangeira. Compreende no total 12 lições, das quais cada uma apresenta duas partes relacionadas com a cultura chinesa, a saber: a parte de “Conhecimentos sobre carateres chineses” e a de “Conhecimentos culturais chineses”. Com estas duas partes, a introdução da cultura chinesa realiza-se com base em várias categorias, incluindo traços dos carateres chineses, ordem dos traços, estruturas dos carateres chineses, métodos de composição dos carateres chineses, radicais, dicionários de língua chinesa, língua chinesa e carateres chineses, Putonghua, expressão de parentesco em chinês, apelidos e nomes do povo chinês, horóscopo chinês, óperas de Beijing e outras óperas locais, danças em praça pública, oito variedades da culinária chinesa, 24 períodos solares, medicina e a farmacologia tradicionais chinesas, compras online na China e moeda chinesa. Os textos nas mesmas duas partes estão apresentados paralelamente em três versões idiomáticas, ou seja, em chinês que é a versão original, em português e em inglês como versões de tradução. A versão portuguesa foi traduzida por dois docentes chineses experientes e especializados na área de ensino do português na UPM.

Sendo um manual que visa ensinar a língua e a cultura chinesas aos aprendentes dos países de língua portuguesa, a tradução portuguesa das palavras e expressões relacionadas com a cultura chinesa constantes no Manual constituem o nosso objeto de análise.

Conceitos essenciais

Quanto ao enquadramento teórico, escolhemos as teorias de Pedersen (2005Pedersen, Jan. (a). “How is Culture Rendered in Subtitles?”. In: MuTra 2005 – Challenges of Multidimensional Translation: Conference Proceedings. P. 1-18, 2005., 2007Pedersen, Jan. (b). “Scandinavian subtitles: a comparative study of subtitling norms in Sweden and Denmark with a focus on extralinguistic cultural references.” Stockholm University, 2007., 2016)Pedersen, Jan. (c). “In Sweden, we do it like this - on cultural references and subtitling norms.”. inTRAlinea special issue: a text of many colours – translating The West Wing. P. 1-9, 2016. e de Chesterman (2016)Chesterman, Andrew. “Translation strategies.”. In: Chesterman, Andrew. Memes of translation: the spread of ideas in translation theory. 2.ed. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2016, pp. 85-114.. Jan Pedersen realizou um estudo sobre a tradução audiovisual das palavras e expressões com carga cultural constantes nas séries televisivas americanas The West Wing, que designou por “referência cultural extralinguística” com uma definição detalhada sobre ela. Por outro lado, Andrew Chesterman refletiu sistematicamente sobre diferentes tipos de estratégias de tradução que servem de soluções para os problemas que surjam no processo de tradução e as caraterísticas das mesmas. Considerando isso, achamos adequado assumir estes dois conceitos para prosseguir o presente estudo.

Referências culturais extralinguísticas (RCEs)

No nosso estudo, assumimos a definição deste conceito proposta por Jan Pedersen:

[RCE] is defined as reference that is attempted by means of any cultural linguistic expression, which refers to an extralinguistic entity or process. The referent of the said expression may prototypically be assumed to be identifiable to a relevant audience as this referent is within the encyclopaedic knowledge of this audience. In other words, [RCEs] are references to places, people, institutions, customs, food etc. that you may not know even if you know the language in question

(Pedersen, (b) 91).

Esta definição enquadra-se em tradução audiovisual. Portanto, quando ela é aplicada em contexto do ensino-aprendizagem de línguas, o recetor do “referent of the said expression [referente da expressão falada]” passa de “audience [audiência]” para os “aprendentes de línguas”. Assim, quando um aprendente do chinês língua estrangeira está perante uma determinada nova RCE em chinês, por exemplo, “二十四节气èr shí sì jiē qì” (os 24 períodos solares), é preciso que ele não só compreenda o significado denotativo da mesma RCE, mas também o seu significado conotativo, isto é, os conhecimentos enciclopédicos que não se revelam na superfície da expressão linguística em causa (no caso desta RCE, o significado conotativo é que os 24 períodos solares são divisões estacionais estabelecidas na China antiga para orientar a agricultura). Portanto, em relação à tradução de uma RCE, a tradução literal muitas vezes não consegue transmitir completamente as informações conotativas ou enciclopédicas da mesma na língua de chegada, o que implica que, para que as RCEs sejam compreendidas no contexto de receção da mesma maneira que na língua de partida, são precisas outras estratégias de tradução. Daí tornar-se significativa uma análise descritiva e sistemática das estratégias de tradução utilizadas para traduzir e transmitir as RCEs chinesas no Manual aos aprendentes provenientes dos países de língua portuguesa.

Estratégias de tradução propostas por Andrew Chesterman: características gerais e uma classificação

No livro teórico Memes of Translation: the spread of ideas in translation theory, Chesterman (2016)Chesterman, Andrew. “Translation strategies.”. In: Chesterman, Andrew. Memes of translation: the spread of ideas in translation theory. 2.ed. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2016, pp. 85-114. considera a tradução como um comportamento e faz a sua reflexão sobre o conceito de estratégias de tradução (ETs) enquanto um meme compartilhado entre os tradutores, o qual passa de geração para geração no meio desta comunidade. Na opinião deste académico, as ETs implicam 6 características, a saber: 1) um processo; 2) manipulação textual; 3) orientadas para o objetivo; 4) centradas em problemas; 5) conscientes potencialmente; 6) intersubjetivas. As suas explicações para cada uma destas caraterísticas gerais são seguintes:

Antes de mais, as ETs não se referem a resultados de uma certa ação ou de um determinado evento, mas sim a um processo. São maneiras planificadas previamente de fazer algo. Assim, se a tradução é compreendida como uma ação, as ETs são pequenas operações que integram mesmo esta ação.

Em segundo lugar, as ETs são uma representação de manipulação textual do tradutor, a qual se revela diretamente no produto de tradução. São operações linguístico-textuais realizadas pelo tradutor no processo de procurar estabelecer uma relação ideal entre o texto de partida e o de chegada ou entre o texto de chegada e outros texto do mesmo género no contexto de chegada.

Em terceiro, as ETs têm orientação para o objetivo. Como operações linguístico-textuais que constituem a ação de tradução, as ETs são utilizadas pelo tradutor com o objetivo de tentar responder a todos os tipos de normas de tradução, esforçando-se, principalmente mas não necessariamente sempre, por respeitar as normas de tradução.

Em quarto, uma ET oferece uma resolução para um problema. É ao encontrar uma dificuldade durante a tradução que o tradutor recorre a ETs. Chesterman (2016)Chesterman, Andrew. “Translation strategies.”. In: Chesterman, Andrew. Memes of translation: the spread of ideas in translation theory. 2.ed. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2016, pp. 85-114. ainda divide as ETs em dois níveis: estratégia global e estratégia local. A estratégia global utiliza-se para resolver os problemas do nível geral, por exemplo, como traduzir um género textual ou qual é a hierarquia de relação entre o texto original e o texto de chegada. Já a estratégia local é destinada para resolver os problemas do nível relativamente mais específico, por exemplo, como traduzir uma certa frase ou uma ideia. Portanto, no nosso estudo sobre a tradução de RCEs, assumimos o conceito de estratégia local.

Além disso, as ETs são potencialmente conscientes. Segundo Chesterman (88), “global strategies are normally less conscious […] than local ones. On the other hand, many things can be made conscious, for instance in response to a question.” Portanto, como um processo de resolver problemas, as ETs podem ser consideradas conscientes potencialmente.

Por último, as ETs são intersubjetivas porque não são formuladas formal e explicitamente. São experiências que passam no meio da comunidade de tradutores e podem ser adquiridas através de formação, sendo garantida assim a sua sobrevivência.

Além das seis caraterísticas acima apresentadas, o estudioso ainda propõe, na perspetiva linguística, uma categorização tripartida em relação às ETs, entre as quais cabe ao próprio tradutor fazer escolha de acordo com o problema que encontra no texto, de modo a produzir um texto satisfatório. Trata-se de estratégias sintáticas, estratégias semânticas e estratégias pragmáticas, das quais cada uma tem várias subcategorias.

As estratégias sintáticas referem-se às mudanças no texto realizadas a nível sintático, manipulando assim a forma textual principalmente. Esta categoria compreende dez estratégias, a saber: tradução literal; empréstimo e calque; transposição; mudança do tipo de unidade; mudanças a nível sintagmático; mudança da estrutura oracional; mudança da estrutura frásica; mudança de processos coesivos; mudança de nível linguístico; mudança de esquema retórico.

Quanto às estratégias semânticas, incluem principalmente as mudanças relacionadas com a semântica lexical. Existem dez estratégias específicas, a saber: sinonímia; antonímia; hiponímia/hiperonímia; uso de pares expressivos de pontos de vista opostos; mudança de grau de abstração; mudanças distribucionais; mudança de ênfase; recurso à paráfrase; mudança de figuras de estilo; modulações várias, por exemplo, mudança de sentido físico ou de direção deítica.

Já em relação às estratégias pragmáticas, esta categoria tem a ver com a seleção de informações para transmitir no texto de chegada, a qual depende do conhecimento do tradutor em relação à situação de leitores ou consumidores prospetivos no contexto de receção. São estratégias que servem para processar o texto a um nível mais integral em comparação com as estratégias sintáticas e semânticas. Há dez estratégias nesta categoria, a saber: filtragem cultural; mudança do grau de explicitação; mudança de informação; mudança interpessoal; mudança ilocutória; mudança de coerência; tradução parcial; mudança de visibilidade; transedição; outras mudanças pragmáticas, por exemplo, mudança no layout, escolha entre dialetos, etc..

Metodologia

Para desenvolver este estudo, é construído, antes de mais nada, um corpus que tem por base as RCEs constantes na parte de “Conhecimentos sobre carateres chineses” e na de “Conhecimentos culturais chineses” no Manual de Chinês Língua Não Materna Nível Elementar (Volume 1).

No início, para agrupar sistematicamente as RCEs encontradas nas duas partes em causa do Manual, tentamos propor uma categorização composta por sete categorias baseada na taxonomia apresentada no dicionário cultural World Culture Dictionary editado por Qiu e Hong (1994)Qiu, Kean; Hong & Yongshan (Orgs.). World culture dictionary. Jiangxi: Jiangxi Education Publishing House, 1994., a saber: comunicação e publicação; política e economia; literatura e arte; língua e escrita; geografia e história; tecnologia e educação; comunidade, família e costume. Contudo, ao aplicar este método de categorização às RCEs no Manual, verificamos duas deficiências que influenciarão a qualidade do resultado do estudo. Uma delas é a inclusão de RCEs inúteis para o estudo, sobretudo os nomes de cidades, países e pessoas, bem como as designações de documentos políticos que já têm versões uniformizadas de tradução. E a outra delas é a coincidência parcial entre algumas categorias, por exemplo, a RCE “ (seis métodos de escrita)”, uma expressão que se refere à caligrafia chinesa, pode ser enquadrada não apenas na categoria de literatura e arte, mas também na de língua e escrita.

Para resolver estas deficiências, acabamos por assumir mesmo a seguinte categorização apresentada pelo próprio Manual, com a indicação entre parênteses do total de RCEs recolhidas de cada categoria: traços dos carateres chineses (26), ordem dos traços (8), estruturas dos carateres chineses (9), métodos de composição dos carateres chineses (36), radicais (28), dicionários de língua chinesa (9), língua chinesa e carateres chineses (9), Putonghua (6), expressão de parentesco em chinês (56), apelidos e nomes do povo chinês (34), horóscopo chinês (41), óperas de Beijing e outras óperas locais (29), danças em praça pública (3), oito variedades da culinária chinesa (30), 24 períodos solares (28), medicina e a farmacologia tradicionais chinesas (8), compras online na China (2) e moeda chinesa (4). Como podemos verificar, algumas dessas categorias não contam com um tamanho suficiente para garantir a representatividade de dados, eliminamos portanto as categorias com apenas um dígito de número de RCEs. Assim, definimos como o nosso corpus as nove categorias seguintes: traços dos carateres chineses; estruturas dos carateres chineses; radicais; expressão de parentesco em chinês; apelidos e nomes do povo chinês; horóscopo chinês; óperas de Beijing e outras óperas locais; oito variedades da culinária chinesa; e 24 períodos solares. É também de notar que eliminamos as RCEs repetidas em chinês e com a mesma tradução em português. A análise é realizada em relação a cada uma dessas categorias. Como todas as RCEs se encontram dentro do texto, a análise sobre elas pondera também o respetivo contexto de cada uma das RCEs relacionadas. Por exemplo, no texto sobre a comida chinesa, a RCE “鲁菜”( , comida à Lu) é traduzida como Lu (Shandong), sendo eliminada na tradução a palavra “comida”. Isso não se deve à utilização de qualquer estratégia de tradução, mas sim ao próprio padrão linguístico-textual do português, isto é, é necessário evitar a repetição da mesma palavra.

Quanto aos três tipos de estratégias (sintáticas, semânticas e pragmáticas) a que a tradução de cada RCE recorre, só escolhemos as estratégias semânticas e pragmáticas como a nossa ferramenta de análise, porque todas as RCEs que constroem o corpus são palavras ou sintagmas, em vez de frases que são estruturadas por sujeito-verbo-objeto.

Assim, realizamos a estatística de estratégias semânticas e pragmáticas utilizadas na tradução de RCEs e resumimos as estratégias de tradução predominantes que se utilizam ao traduzir cada uma das categorias de RCEs do Manual. Ao mesmo tempo, apresentamos a análise qualitativa em relação a cada estratégia de tradução utilizada. Deste modo, ao encontrar as regularidades na utilização de estratégias de tradução, podemos deduzir o princípio de tradução portuguesa de RCEs chinesas em contexto do ensino do chinês como língua não materna aos aprendentes provenientes dos países de língua portuguesa.

Análise de dados

Nesta parte, apresentamos RCEs em chinês de cada uma das nove categorias e as suas respetivas traduções em português. Agrupamos as traduções das diversas categorias culturais em três grandes categorias, incluindo estratégias semânticas, estratégias pragmáticas e transliteração. Quanto à apresentação de exemplos, escolhemos as traduções mais representativas constantes em cada categoria cultural chinesa e indicamos a respetiva estratégia utilizada entre parênteses, além de descrever e explicar como se aplica a ET em causa. É de realçar que existem casos em que são utilizadas mais de uma ET na tradução de uma única RCE.

Estratégias semânticas

As estratégias semânticas de tradução servem para “manipular o significado textual principalmente a nível lexical e também a nível sintagmático” (Chesterman 98). Nesta parte, analisamos as traduções portuguesas das RCEs em chinês no âmbito deste tipo de ETs.

Categoria: oito variedades da culinária chinesa

Nesta categoria sobre designação de estilo culinário e gastronómico de regiões e etnias variadas da China e descrições de sabores das oito variedades da culinária chinesa, as estratégias semânticas utilizadas incluem mudança de sentido físico, sinonímia, hiponímia e recurso à paráfrase.

Tabela 1
Mudança de sentido físico

A expressão ““黄酒、荤油味”(huáng jiǔ 、hūn yóu wèi, sabores de vinho de arroz e de gordura) é traduzida como “gorduroso e aromatizado com vinho de arroz”, isto é, o “sabor” de vinho de arroz transforma-se em “aroma” de vinho de arroz no texto de chegada. Portanto, o sentido físico da expressão em português é mudado. Assim, o significado semântico desta RCE sobre o sabor da comida de Zhejiang fica mais multidimensional, o que resulta na introdução com mais vivacidade da cultura culinária e gastronómica da China aos aprendentes que nunca conheciam antes a comida chinesa.

Tabela 2
Sinonímia

A palavra “黄酒”(huáng jiǔ, vinho amarelo) é um licor tipicamente chinês de cor amarela e tem vários nomes, dos quais um é “米酒” (mǐ jiǔ, vinho de arroz). Ao traduzir esta palavra, escolhe-se “vinho de arroz” como a versão portuguesa, em vez de “vinho amarelo” que é a versão literal. Assim, os aprendentes são levados a conhecer o ingrediente principal para produzir este tipo de licor.

Tabela 3
Hiponímia

Nesta RCE chinesa sobre o sabor da comida de Anhui, a palavra “酱”(jiàng, molho) é traduzida como “molho de soja”. De facto, existem vários tipos de molho na culinária chinesa, incluindo o molho de soja. Neste sentido, escolhe-se na tradução o hipónimo de “molho” para que os aprendentes tenha uma conceção mais concreta sobre o sabor da comida de Anhui.

Tabela 4
Recurso à paráfrase

Ao traduzir esta RCE sobre um tipo específico de sabor picante, nomeadamente “麻辣”(má là, mala) que tem presença frequente na comida de Sichuan, como não existe uma expressão equivalente em português, recorre-se à paráfrase. Assim, os aprendentes podem perceber melhor o sentido destas expressões.

Categoria: 24 períodos solares

Nesta categoria que revela 24 diferentes fenómenos meteorológicos e estacionais para orientar as atividades agrícolas na China, utilizam-se as estratégias semânticas de sinonímia, mudança de grau de abstração e mudança de figuras de estilo. Os exemplos para cada uma destas estratégias são seguintes:

Tabela 5
Sinonímia

Ao traduzir esta RCE de períodos solares, nomeadamente “小暑”, (xiǎo shǔ calor pequeno), recorre-se à sinonímia para substituir a palavra chinesa “小” (xiǎo, pequeno) por uma palavra com significado semelhante àquela, de modo a que as informações se exprimam conforme as convenções da língua portuguesa.

Tabela 6
Mudança de grau de abstração

Ao traduzir a RCE “雨水" (yǔ shuî Chuvas), indica-se na versão portuguesa a estação em que cai a chuva, ficando assim a informação mais concreta.

Tabela 7
Mudança de figuras de estilo

Esta RCE “霜降” (shuāng jiàng, queda da geada) é uma metáfora que implica o início de descida súbita e notável da temperatura nessa altura. Na sua tradução, é conservada esta metáfora. Assim, os aprendentes podem ter contacto direto com a cultura autêntica da China.

Categoria: óperas de Beijing e outras óperas locais

Nesta categoria sobre a arte tradicional chinesa de Xiqu ou mais conhecida como óperas tradicionais chinesas, cuja interpretação no palco compreende vários tipos de exercícios acrobáticos. É por isso que as óperas tradicionais são diferentes das óperas europeias. Na tradução, as estratégias semânticas utilizadas compreendem hiponímia/hiperonímia, mudança de grau de abstração e recurso à paráfrase. Os exemplos são seguintes:

Tabela 8
Hiponímia/hiperonímia

A RCE “胡琴” (hú qín, huqin) designa uma categoria de instrumentos de cordas friccionadas, que pertence à família de instrumentos de música populares chineses. O urheen é um instrumento enquadrado nesta categoria e é um dos instrumentos de música principais na ópera de Beijing. Neste sentido, o “urheen” é o hipónimo de “huqin”. Na tradução desta RCE, é utilizado este hipónimo.

Tabela 9
Mudança de grau de abstração

Na tradução desta RCE “打”(dǎ, lutar) que apresenta um dos quatro métodos de apresentação artística de óperas tradicionais chinesas, a sua tradução utiliza uma expressão mais concretizada para que as informações fiquem mais aceitáveis.

Tabela 10
recurso à paráfrase

Como se sabe, existe na língua chinesa uma grande quantidade de expressões idiomáticas compostas por quatro carateres. No caso de tradução de “武戏文唱”(wǔ xì wén chàng, ópera de acrobacia interpretada gentilmente) em que se implica tanta informação que não é possível ser traduzida em apenas quatro palavras em português. Para resolver este problema, recorre-se à estratégia de paráfrase para descrever claramente o significado desta RCE chinesa.

Categoria: expressão de parentesco em chinês

As relações familiares chinesas são bem complexas, na medida em que existem na língua chinesa muito mais tratamentos para os diversos membros dentro de uma família do que na língua portuguesa. Segundo a categorização em relação aos tratamentos de parentesco chinês do Manual (Li 55-60Li, Xiangyu. (Org.). 国际汉语教程・初级篇 (上册) Manual de chinês língua não materna nível elementar (volume 1). Beijing: The Commercial Press, 2020.), estão divididas em três tipos as relações familiares chinesas, nomeadamente “parentesco em linha reta, parentesco colateral e parentesco por afinidade, sendo que cada um dos primeiros dois tipos está ainda subdividido em parentesco de linha paterna e de linha materna”. Nesta categoria mesmo sobre os principais tratamentos familiares na China, a estratégia semântica utilizada é a sinonímia.

Tabela 11
Sinonímia

Ao traduzir a palavra “自己” (zì jî, si próprio) que se encontra nesta RCE, escolhe-se um quasi-sinónimo de “alguém” no texto de chegada.

Categoria: traços dos carateres chineses

Nesta categoria de designações de traços dos carateres chineses, utiliza-se a estratégia semântica de recurso à paráfrase.

Tabela 12
Recurso à paráfrase

No caso de tradução desta RCE de nome próprio de traços, como não existe na língua portuguesa nenhum nome próprio equivalente ao chinês, utiliza-se a paráfrase para descrever a forma deste traço. Além disso, é de notar que todas as RCEs de partida e de chegada desta categoria cultural estão apresentadas numa única tabela em que se apresentam nomes, formas, e direção dos traços com exemplos paralelamente. Por isso mesmo, não é transportado no texto de chegada o pinyin de designações de traços em causa para evitar a repetição.

Categoria: métodos de composição dos carateres chineses

Nesta categoria sobre os três tipos de métodos de composição de carateres chineses, nomeadamente os carateres pictográficos, os associativos e os picto-fonéticos, as estratégias semânticas utilizadas incluem recurso à paráfrase e mudança de grau de abstração.

Tabela 13
Recurso à paráfrase

Ao traduzir esta RCE, em vez de traduzi-la literalmente seguindo a ordem frásica em chinês como assim: “ ‘步’, composto por ícones de dois pés a andar, significa ‘passo’”, o texto de chegada é uma paráfrase que torna a informação mais concisa e aceitável.

Tabela 14
Mudança de grau de abstracção

Na tradução desta RCE “会意字” (huìyìzì, carácter que combina significados) que significa literalmente “caráter que combina significados”, apenas se encontra uma palavra mais geral “associativos”, tornando a RCE de chegada mais abstrata.

Estratégias pragmáticas

As estratégias pragmáticas de tradução servem para “manipular a mensagem de uma RCE como um todo” (Chesterman 104). Nesta parte, analisamos a tradução de mensagens transmitidas das próprias RCEs.

Categoria: oito variedades da culinária chinesa

Nesta categoria, as estratégias pragmáticas utilizadas compreendem mudança do grau de explicitação, escolha de dialeto, filtragem cultural e mudança de informação.

Tabela 15
Mudança do grau de explicitação

Na tradução desta RCE sobre a comida chinesa da província de Shandong, torna-se mais explícito o nome desta província. De facto, em chinês, cada província tem a sua designação abreviada. O caráter “鲁(Lu)” desta RCE é a designação abreviada da província de Shandong.

Portanto, para os aprendentes principiantes do chinês que podem não ter esse conhecimento prévio, não apenas se translitera a designação abreviada da província em causa, mas também se coloca entre parênteses o nome completo dela.

Tabela 16
Escolha de dialeto

Em vez de transliterar esta expressão com base em pinyin, escolhe-se o dialeto chinês do hacá para introduzir a comida típica do grupo de hacá na língua portuguesa.

Tabela 17
Escolha de dialeto

A palavra chinesa “清真” (qīngzhēn, qingzhen) é uma expressão tipicamente chinesa que se dedica exclusivamente às coisas muçulmanas. Entretanto, na tradução, esta expressão é adaptada utilizando uma palavra relativamente comum em contexto da língua portuguesa.

Tabela 18
Mudança de informação

Nesta RCE, a palavra “香辣” (xiānglà, aromático e picante) é traduzida apenas como “picante” em português, sendo eliminado o significado do caráter “香” (xiāng, aromático). Isto porque, em chinês, a informação central desta RCE reside em “picante” e a informação de “aromático” serve apenas de elemento apoiante para especificar o sabor “picante”.

Categoria: 24 períodos solares

Nesta categoria, as estratégias pragmáticas utilizadas incluem tradução parcial, mudança do grau de explicitação e mudança de visibilidade.

Tabela 19
Tradução parcial

Esta RCE “小满” (xiăo măn, pequeno enchimento) que indica o 8.o período solar pode ter duas conotações variadas. Na região sul da China, refere-se normalmente ao fenómeno natural do enchimento de rios por causa de grande quantidade de chuvas naquela época. Já na região norte do país, ela implica a maturação de grãos de milho. Por isso, aqui é utilizada a estratégia de tradução parcial, sendo priorizado o fenómeno agrícola da região norte do país em detrimento do fenómeno natural da região sul. Assim, a informação da tradução concentra-se no fenómeno agrícola.

Tabela 20
Mudança do grau de explicitação

À tradução da RCE sobre um dos 24 períodos solares, “霜降” (shuāng jiàng, queda da geada) que indica o início da descida da temperatura na época, acrescenta-se a palavra “primeira” para indicar mais explicitamente o significado implícito de “início” contido na RCE de partida. Por isso, com as informações mais explícitas na tradução, os aprendentes podem ter acesso mais facilmente à cultura chinesa.

Tabela 21
Mudança de visibilidade

Na tradução, é colocada pelo tradutor entre parênteses uma explicação do que são os 24 períodos solares para que os aprendentes compreendam esta RCE mais facilmente.

Categoria: horóscopo chinês

Nesta categoria sobre expressões relacionadas com dois sistemas tradicionais destinados para designar os anos na época antiga, a saber: os 12 signos chineses circulados entre os povos nómadas no noroeste da China e os “Troncos Celestes e Ramos Terrestres” popularizados na região plana central, as estratégias pragmáticas utilizadas compreendem filtragem cultural, mudança do grau de explicitação, mudança de layout, tradução parcial.

Tabela 22
Filtragem cultural

Como podemos verificar nesta tabela, existem 3 versões divergentes de tradução da mesma RCE “十二生肖” (shí èr shēng xiāo, 12 signos animais chineses), nas quais se utiliza a estratégia pragmática de filtragem cultural. Embora os 12 signos animais chineses tenham a função astrológica de adivinhar o destino e as caraterísticas diversificadas de pessoas, tal como os 12 signos do horóscopo ocidental, existe alguma diferença entre estes dois sistemas, na medida em que cada um dos 12 signos animais, segundo o Manual (Li 89Li, Xiangyu. (Org.). 国际汉语教程・初级篇 (上册) Manual de chinês língua não materna nível elementar (volume 1). Beijing: The Commercial Press, 2020.), se refere ao “ano de nascimento de pessoas, servindo assim para a designação de anos”. Pelo contrário, o horóscopo ocidental, cujos 12 signos não são todos animais, destinam-se de facto à designação de meses. Além disso, existe mesmo na China o próprio sistema astrológico chamado “as 28 constelações” (二十八星宿, èr shí bā xīng xiù). Portanto, a decisão de escolher na tradução a expressão “horóscopo chinês” baseia-se na capacidade de aceitação dos aprendentes que nunca tinham contacto com a cultura chinesa, priorizando a norma da cultura de chegada em detrimento da cultural de partida.

Tabela 23
Mudança do grau de explicitação

Ao traduzir esta RCE, é acrescentada a palavra “chineses” para melhor contextualizar os aprendentes e indicar-lhes que os 12 signos não são ocidentais mas são chineses.

Tabela 24
Mudança do grau de explicitação

Quanto a esta RCE do 1.o signo animal chinês em que se combinam os dois sistemas de 12 Ramos Terrestres e os 12 animais, a tradução dela recorre à mudança do grau de explicitação, sendo adicionado entre parênteses o nome de animal em português para que os aprendentes possam ter uma melhor compreensão.

Tabela 25
Mudança de layout

Além da estratégia de mudança do grau de explicitação, é utilizada a estratégia pragmática de mudança de layout. Na tradução da mesma RCE “子鼠” (zǐ shǔ, rato de Zi), o layout do texto de chegada é alterado em comparação com o do texto de partida, sendo adicionado um ponto “/” entre as duas palavras “Zi” e “shu”, de modo a facilitar a leitura e a compreensão desta RCE que combina os dois sistemas diferentes cronológicos da China.

Tabela 26
Tradução parcial

Ao traduzir esta RCE, é omissa a palavra “十二” (shí èr, doze), doze) que indica a quantidade de signos chineses.

Categoria: óperas de Beijing e outras óperas locais

Tabela 27
Filtragem cultural

A RCE “行当”(háng dàng, categorias de papel) é omissa no texto em português. Por isso, a cultura carregada por esta RCE é filtrada na cultura de chegada.

Tabela 28
Mudança do grau de explicitação

Ao traduzir esta RCE, adicionam-se dois adjetivos de “chinesa” e “tradicional”, levando os aprendentes a conhecer mais claramente que as óperas são diferentes das ocidentais e já possuem uma longa história.

Categoria: os apelidos e nomes do povo chinês

Nesta categoria em que se apresentam os carateres chineses mais utilizados como apelidos e/ou nomes, as estratégias pragmáticas utilizadas incluem mudança do grau de explicitação e mudança de visibilidade.

Tabela 29
Mudança do grau de explicitação

Na tradução desta RCE sobre um dos nomes mais usados no meio do povo chinês, encontra-se colocada entre parênteses uma explicação sobre o significado desta palavra em português para que os aprendentes compreendam mais claramente o significado dela.

Tabela 30
mudança de visibilidade

Ao traduzir esta RCE sobre um dos nomes mais comuns do povo chinês, não se encontra colocada entre parênteses apenas a transliteração com respetivos tons, mas também o significado conotativo, bem como o próprio caráter chinês. Na verdade, na China, os nomes não são herdados tal como os apelidos que passam de geração em geração no meio de cada família, eles são escolhidos pelos membros seniores da família. Além disso, as suas conotações muitas vezes refletem aspirações à vida e à maneira de ser. Tendo em conta isso e o facto de os aprendentes principiantes do chinês ainda não estarem familiarizados com as conotações abundantes dos caracteres chineses enquanto nomes para as pessoas, é indicado o significado deste caráter chinês, o qual não se encontra apresentado no texto original em chinês. Por outro lado, ainda se coloca o mesmo caráter chinês na tradução para que os aprendentes aprendam a escrita dele. Assim, tudo isso revela a presença do próprio tradutor enquanto mediador intercultural que manipula a mensagem a transmitir no texto de chegada.

Categoria: expressão de parentesco em chinês

Nesta categoria, a estratégia pragmática utilizada é a mudança de visibilidade.

Tabela 31
Mudança de visibilidade

Embora em chinês a RCE “曾曾祖父 (zēngzēngzǔfù, trisavô)” e a “曾曾外祖父(zēngzēngwàizǔfù, trisavô)” sejam duas expressões de parentesco em linha reta obviamente diferentes, sendo que a primeira está enquadrada na linha paterna e a segunda na linha materna, as respetivas versões portuguesas são mesmo iguais, o que constitui um obstáculo para os aprendentes dos países de língua portuguesa fazerem distinção entre estas duas. Para resolver este problema, o tradutor torna-se visível e coloca ao lado da palavra portuguesa a respetiva expressão em chinês, acompanhada do pinyin com o respetivo tom. Assim, em contexto de sala de aula, com a explicação do professor, os aprendentes ficarão cientes da divergência entre os dois “trisavôs” e da complexidade de tratamentos familiares na cultura chinesa.

Categoria: radicais

Nesta categoria sobre os diversos radicais do caráter chinês, recorre-se à estratégia pragmática de mudança do grau de explicitação.

Tabela 32
Mudança do grau de explicitação

De facto, no Manual, esta RCE faz parte dos primeiros exemplos apresentados na parte de “Conhecimentos sobre carateres chineses”, mais especificamente, na introdução dos radicais comuns dos carateres chineses. Tendo isso em conta, é acrescentada a expressão “literalmente significa” a esta RCE, no intuito de introduzir claramente o conhecimento dos radicais aos aprendentes principiantes do chinês língua estrangeira.

Categoria: traços dos carateres chineses

Nesta categoria, utiliza-se a estratégia pragmática de mudança do grau de explicitação.

Tabela 33
Mudança do grau de explicitação

Nesta RCE que constitui um dos primeiros traços introduzidos no Manual, mostra-se, em primeiro lugar, a sua forma de escrita e depois indica-se entre parênteses a designação oficial. Já na tradução, além de apresentar também a forma de escrita e a respetiva transliteração da designação oficial com base em pinyin , adiciona-se ainda uma descrição de “traço horizontal” para que os aprendentes consigam ter uma perceção inicial mais clara sobre este traço.

Categoria: métodos de composição dos carateres chineses

Nesta categoria, as estratégias pragmáticas utilizadas incluem mudança do grau de explicitação, mudança de visibilidade e tradução parcial.

Tabela 34
Mudança do grau de explicitação

Na tradução da expressão “山高为‘嵩’”(shān gāo wéi ‘sōng’, o caráter montanha e o caráter alto são associados num único caráter que significa montanha alta) em que se apresenta um exemplo de caráter associativo, é adicionada entre parênteses uma explicação sobre o significado dos respetivos três carateres chineses. Por isso, a informação no texto de chegada fica mais explícita do que a no texto de partida em que não existe nenhuma explicação entre parênteses.

Tabela 35
Mudança de visibilidade

Ao traduzir este caráter chinês, além de colocar entre parênteses o seu significado em português, são apresentadas a transliteração baseada em pinyin e até o próprio caráter chinês. Assim, os aprendentes podem ser mais impressionados e ficam a conhecer e aprender este caráter de maneira sistemática. Com isso, revela-se no texto a presença do tradutor enquanto mediador intercultural.

Tabela 36
Tradução parcial

Na tradução desta RCE “会意” (huìyì, combinação de significados) que significa literalmente “combinação de significados”, apenas se encontra uma palavra de “associação”, sendo omissa a informação de “significados” constante na RCE original em chinês.

Transliteração1 1 Embora esta estratégia de tradução não pertença ao nosso enquadramento teórico, ela está relacionada com a estratégia pragmática de filtragem cultural, mais especificamente, o exoticismo, na medida em que a transliteração traz os leitores diretamente à cultura chinesa

A transliteração refere-se à estratégia de grafar os carateres chineses em português segundo o sistema de pinyin com ou sem tons da língua chinesa. Nesta parte, apresentamos exemplos cuja tradução recorre a esta estratégia.

Categoria: horóscopo chinês

Tabela 37
Horóscopo chinês

Segundo a nossa análise, todas as RCEs de Troncos Celestes e Ramos Terrestres e 12 signos animais chineses são traduzidas através de transliteração baseada em pinyin, ou seja, ao traduzir estas RCEs, assume-se o princípio de trazer os aprendentes à cultura chinesa, de modo a que eles tenham um contacto autêntico com a cultura chinesa em contexto do ensino-aprendizagem da língua chinesa como língua não materna.

Categoria: óperas de Beijing e outras óperas locais

Tabela 38
Óperas de Beijing e outras óperas locais

As dez RCEs de designações de óperas tradicionais chinesas e os termos profissionais relacionadas com elas são transliteradas, de modo a que a cultura chinesa seja importada para a cultura portuguesa e que os aprendentes possam assim conhecer estas gírias da ópera tradicional chinesa.

Categoria: os apelidos e nomes do povo chinês

Tabela 39
Os apelidos e nomes do povo chinês

Na tradução dos apelidos e nomes principais do povo chinês, utiliza-se a transliteração baseada em pinyin para que os aprendentes possam aprender como se pronuncia cada um destes carateres. Além disso, é de notar que a transliteração dos apelidos encontra-se sem marcação do tom enquanto que a dos nomes com os respetivos tons. Com isso, os aprendentes poderiam ter uma impressão e compreensão mais sólida em relação aos nomes mais utilizados na China.

Analisadas todas as RCEs das nove categorias da cultura chinesa e as respetivas traduções em português no âmbito das três grandes categorias de ETs, nomeadamente estratégia semântica, estratégia pragmática e transliteração. Para resumir todas as informações acima apresentadas, elaboramos uma tabela estatística sobre o número total de utilizações de cada uma das estratégias semânticas e pragmáticas, bem como da utilização da transliteração em todas as categorias culturais. Além disso, apresentamos, entre parênteses, a percentagem da tradução literal de cada uma das mesmas categorias culturais, porque não podemos analisar as estratégias de tradução sem considerar a tradução literal quando não há necessidade de aplicar nenhuma estratégia para resolver problemas de tradução. Segue-se a tabela estatística:

Quadro 1
Estatística sobre o total de utilizações de ETs de cada categoria cultural

Na tabela, podemos verificar que entre as nove categorias da cultura chinesa, só há duas categorias em que a tradução literal tem uma posição predominante, a saber: os 24 períodos solares e os radicais. Isto implica que geralmente não apresenta grande dificuldade na tradução das RCEs destas duas categorias para os aprendentes dos países de língua portuguesa. De facto, as RCEs destas duas categorias têm, na sua maioria, apenas o significado denotativo, daí que a tradução literal já seja suficiente para a transmissão das informações culturais dessas RCEs.

Quanto às restantes categorias, as estratégias semânticas têm predominância na categoria de traços dos caracteres chineses, sendo que a tradução da maioria das RCEs recorre à paráfrase. Isto porque não existem em português termos equivalentes para designar os traços dos carateres chineses. Por isso, é preciso descrever como se escrevem os traços por meio de paráfrase. Além disso, ao traduzir as RCEs sobre óperas de Beijing e outras óperas locais, as estratégias semânticas têm posição predominante, sendo que a mudança de grau de abstração tem a maior frequência de utilização. Como afirma Saldanha (32)Saldanha, Gabriela. “Explicitation revisited: Bringing the reader into the picture.”. Trans-kom, 1(1), p.20-35, 2008., ao fazer a tradução dos itens culturalmente específicos, os tradutores são influenciados pelos dois fatores, sendo que um é a capacidade cognitiva e os recursos contextuais dos leitores-alvo e o outro é a conceção do próprio tradutor em relação ao seu papel enquanto mediador intercultural. Tendo isso em conta, como existem muitas gírias abstratas nesta categoria e para facilitar a compreensão dos aprendentes principiantes do chinês língua estrangeira, a tradução fica relativamente mais concreta a nível de significado lexical.

Já as estratégias pragmáticas têm o seu lugar predominante na tradução das RCEs das categorias seguintes: oito variedades da culinária chinesa, horóscopo chinês, apelidos e nomes do povo chinês, expressão de parentesco em chinês e métodos de composição dos carateres chineses. Quanto às estratégias específicas, recorre-se predominantemente à mudança do grau de explicitação na tradução das RCEs das oito variedades da culinária chinesa, sobretudo quando se traduzem os nomes abreviados das províncias chinesas para completar os conhecimentos contextuais dos aprendentes-alvo; horóscopo chinês, sobretudo quando se traduzem os 12 nomes de signos animais chineses, além de meramente transliterá-los, para que assim as informações sobre os nomes de 12 animais sejam mais aceitáveis; os apelidos e nomes do povo chinês, sobretudo ao traduzir os carateres utilizados enquanto nomes que têm conotações abundantes para que os aprendentes conheçam a arte de dar o nome na família chinesa; bem como métodos de composição dos carateres chineses, sobretudo na tradução dos carateres pictográficos, os associativos e os picto-fonéticos para que os aprendentes compreendam mais claramente a diversidade dos métodos de criação dos carateres chineses e a abundância dos novos significados que nascem com esses métodos de criação. Além disso, recorre-se predominantemente à mudança de layout na tradução das RCEs sobre o horóscopo chinês, sobretudo ao traduzir os 12 signos animais chineses combinados com o sistema cronológico de Ramos Terrestres para que a apresentação das informações no texto seja mais clara. E ainda se recorre à mudança de visibilidade na tradução das RCEs sobre apelidos e nomes do povo chinês, expressão de parentesco em chinês e métodos de composição dos carateres chineses, onde o próprio tradutor assume o papel de mediador intercultural que tem como responsabilidade transmitir a cultura chinesa autêntica aos aprendentes-alvo e garantir o sucesso da transmissão dessas informações, mantendo os próprios caracteres chineses na tradução portuguesa.

Quanto à transliteração, esta maneira de tradução tem a sua predominância na tradução das RCEs das duas categorias, a saber: horóscopo chinês, sobretudo ao traduzir as diversas designações do sistema cronológico de Troncos Celestes e Ramos Terrestres, porque esta maneira de marcar os anos tem a sua origem na China e não existe nenhum termo equivalente na língua portuguesa. Assim, o tradutor recorre a esta maneira de tradução para importar a cultura chinesa autêntica para a cultura de língua portuguesa. É o caso também da tradução dos apelidos e nomes do povo chinês, sobretudo ao traduzir os carateres de nomes para que os aprendentes-alvo sejam capazes de aprender a pronúncia dos respetivos carateres chineses, em vez de só terem uma perceção geral dos mesmos.

Considerações finais

O presente estudo tem como objetivo encontrar as regularidades na utilização de estratégias de tradução das RCEs das diversas categorias da cultura chinesa no Manual Chinês Língua Não Materna Nível Elementar (Volume 1) destinado aos aprendentes provenientes dos países de língua portuguesa.

Para tal, à luz da abordagem de Jan Pedersen em relação às referências culturais extralinguísticas, recolhemos no Manual as RCEs sobre traços dos carateres chineses, estruturas dos carateres chineses, radicais, expressão de parentesco em chinês, apelidos e nomes do povo chinês, horóscopo chinês, óperas de Beijing e outras óperas locais, oito variedades da culinária chinesa e 24 períodos solares. Com isso, agrupamos essas RCEs de acordo com as categorias acima apresentadas pelo próprio Manual e analisamos a sua tradução portuguesa no âmbito da proposta de Andrew Chesterman sobre as estratégias semânticas e pragmáticas de tradução. Após a nossa análise, descobrimos que a transliteração também constitui uma estratégia utilizada com frequência. É por isso que incluímos esta técnica de tradução no nosso enquadramento teórico. É de realçar que não analisamos apenas as RCEs traduzidas com recurso a ETs, mas também aquelas traduzidas literalmente, porque achamos que só assim é que podemos ter uma perceção completa e verdadeira em relação à situação geral das traduções portuguesas das RCEs constantes no Manual.

Descobrimos que a tradução da cultura chinesa para o contexto de língua portuguesa não constitui um trabalho fácil. Como podemos ver na nossa análise, entre as nove categorias de RCEs, só existem duas categorias nas quais a tradução literal tem um papel central, sendo que na tradução das restantes sete categorias recorre-se ou a estratégias semânticas, ou a pragmáticas, ou a transliteração ou até à combinação delas simultaneamente. Segundo a nossa análise sobre as ETs utilizadas na tradução das RCEs no Manual, as estratégias pragmáticas são mais utilizadas do que as semânticas e a transliteração. Isto é, para ensinar a cultura chinesa aos aprendentes principiantes dos países de língua portuguesa, é na manipulação da própria mensagem de RCEs que o tradutor faz mais intervenção do que na mudança a nível do significado lexical. Entre todas as estratégias pragmáticas, a mudança do grau de explicitação e a mudança de visibilidade do tradutor são as duas estratégias mais utilizadas. Neste sentido, enquanto introduz a cultura chinesa o mais autenticamente possível, o tradutor toma em conta tanto a capacidade cognitiva dos aprendentes-alvo como o seu próprio papel enquanto mediador entre a cultura chinesa e a de língua portuguesa. Assim, o tradutor não é transparente e tem presença visível no texto de chegada. Por isso, no que diz respeito aos princípios de tradução propostos por Yu (2009)Yu, Xinle. “对外汉语教材文化翻译例说”. [Sobre os exemplos de tradução cultural em manuais de chinês língua não materna]. Chinese Translators Journal. 30(4), p.68-70, 2009. e Wang e Zheng (2019)Wang, Shuju; Zheng & Jingting. “C-E translation of culture-loaded words in teaching Chinese as a foreign language”. Journal of Yunnan Normal University (Teaching and Research on Chinese as A Foreign Language Edition), 17 (3), p. 25-29, 2019., apesar de interferirem na tradução da cultura muitas variáveis como as próprias informações culturais, a aceitação e compreensão dos aprendentes, necessidade dos aprendentes e o nível de aprendizagem dos aprendentes, tal como indicam os três académicos chineses acima referidos, a tradução não consegue, em muitos casos, satisfazer todas estas variáveis ao mesmo tempo. Por isso, com base no que verificamos no nosso estudo, achamos mais adequado dizer que pode dar mais contributo ao ensino da cultura chinesa a utilização das diferentes estratégias de acordo com as diferentes categorias culturais, tomando em conta o contexto de partida e o de chegada, bem como o perfil dos aprendentes. Durante este processo, há sempre um agente que assume o papel central, o próprio tradutor que tem como responsabilidade ponderar todas as variáveis e tomar a melhor decisão de tradução para que as informações culturais autênticas sejam transmitidas com sucesso aos aprendentes-alvo.

Para concluir, este estudo constitui uma investigação descritiva em relação à tradução das RCEs em chinês para a língua portuguesa em contexto do ensino-aprendizagem do chinês como língua não materna. Sendo o Manual o primeiro no mercado elaborado exclusivamente para os aprendentes falantes do português, o nosso corpus é ainda limitado. Nestas circunstâncias, para as futuras investigações, esperamos que haja mais recursos que possam ser incluídos no corpus, de modo a permitir uma investigação sobre as normas de tradução existentes na tradução das RCEs no ensino linguístico como em outros contextos.

  • 1
    Embora esta estratégia de tradução não pertença ao nosso enquadramento teórico, ela está relacionada com a estratégia pragmática de filtragem cultural, mais especificamente, o exoticismo, na medida em que a transliteração traz os leitores diretamente à cultura chinesa

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2022
  • Aceito
    24 Ago 2022
  • Publicado
    Nov 2022
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