Resumo:
Investigam-se maneiras de lidar de alunos da educação básica com problemas abertos de matemática. Para isso, seis problemas abertos de matemática foram aplicados em duas turmas do 9º ano do ensino fundamental e duas turmas do 3º ano do ensino médio de uma escola pública. Por meio de uma abordagem qualitativa de pesquisa, analisou-se a multiplicidade das resoluções dos alunos e evidenciaram-se suas singularidades. A análise mostrou uma variedade de estratégias apresentadas pelos alunos ao resolverem os problemas. Essas estratégias são muito singulares, elaboradas por modos idiossincráticos de os alunos lerem o enunciado do problema, implementarem uma maneira de lidar com ele e construírem um processo de resolução. Diante dessas singularidades, foi identificada uma multiplicidade de resoluções, diversos e diferentes modos de resolução dos problemas. Ao resolverem problemas abertos, a atividade matemática dos alunos se dá por meio de processos que são, muitas vezes, pouco observados pelos professores. Nessa direção, a análise da produção escrita mostra-se como possibilidade de olhar para as maneiras de lidar dos alunos, de modo a não caracterizá-los pela falta, pontuando o que não foi feito ou aquilo que deveria ter sido feito.
Palavras-chave:
educação matemática; avaliação como prática de investigação; análise da produção escrita
Abstract:
This article investigates how students from basic education deal with open-ended mathematics problems. To achieve this objective, six open-ended mathematics problems were applied in two classes of the 9th grade of elementary school and in two classes of the 3rd year of high school. By means of a qualitative research, it was analyzed the students’ multiplicity of resolutions and it were evidenced their singularities. The analysis showed a variety of strategies presented by students to solve problems. These strategies are very unique, developed by idiosyncratic ways of the students to read the statements of the problems, implement a way to deal with them and construct a settlement process. Facing these singularities, it was identified a variety of resolutions, several different ways by which the students solve problems. To solve open-ended mathematics problems, the mathematical activity of the students occurs by means of processes that are often little observed by teachers. In this direction, the analysis of written production shows up as a possibility to look for ways how students deal with mathematics problems, not characterizing them by punctuating what they didn’t or what they should have done.
Keywords:
mathematics education; assessment as a research practice; written production analysis
Introdução
Problemas abertos (ou discursivos) em matemática são aqueles que apresentam uma situação que requer uma ação por parte daquele que pretende resolvê-los, não havendo alternativas de respostas em seu enunciado. Para resolvê-los, deve-se ler, interpretar o enunciado e lançar mão de estratégias e procedimentos de resolução para, então, encontrar uma resposta (Buriasco; Cyrino; Soares, 2003BURIASCO, R. L. C.; CYRINO, M. C. C. T.; SOARES, M. T. C. Manual para correção das provas com questões abertas de matemática - AVA/2002. Curitiba: SEED/CAADI, 2003.). Essas ações são encadeadas em um processo sem uma ordem predefinida, muitas vezes complexo e intrigante para os que querem compreender alguns de seus aspectos.
Quando alunos da educação básica se colocam na posição de “resolvedores” de problemas abertos, são diversas, como também particulares e idiossincráticas, suas atividades matemáticas. Como modos particulares de os alunos resolverem problemas, caracterizam-se as diferentes formas de interpretar o enunciado, elaborar estratégias e utilizar procedimentos para resolver uma questão, que, em muitos casos, são resultantes de processos sistemáticos - tanto sintáticos como semânticos -, que eles próprios constroem (Santos, 2007SANTOS, J. R. V. O que alunos da escola básica mostram saber por meio de sua produção escrita em matemática. 2007. 108 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.; Santos; Buriasco, 2008SANTOS, J. R. V.; BURIASCO, R. L. C. Uma análise interpretativa da produção escrita em matemática de alunos da escola básica. Zetetiké, Campinas, v. 16, n. 30, p. 11-43, 2008.).
Essa caracterização apresenta a possibilidade de leitura da atividade matemática dos alunos para além da categorização de certo e errado, permitindo falar daquilo que o aluno fez, em vez de falar daquilo que ele não fez ou que deveria ter feito. Ela nos permite pensar em singularidades de estratégias que os alunos elaboram, que evidenciam multiplicidades de resoluções. Essa caracterização se alinha ao Modelo dos Campos Semânticos, uma proposta político-pedagógica para a Educação Matemática (Lins, 1992LINS, R. C. A framework for understanding what algebraic thinking is. 1992. 373 f. Thesis (PhD) - Faculty of Social Sciences, Law and Education, University of Nottingham, Nottingham, 1992., 1999LINS, R. C. Por que discutir Teoria do Conhecimento é relevante para a educação matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. Rio Claro: Ed. da UNESP, 1999. p. 75-94. , 2001LINS, R. C. The production of meaning for algebra: a perspective based on a theoretical model of semantic fields. In: SUTHERLAND, R. et al. (Orgs.). Perspectives on schoool algebra. Dordrecht: Kluwer, 2001. p. 37-60., 2006LINS, R. C. Characterizing the mathematics of the mathematics teacher from the point of view of meaning production. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON MATHEMATICAL EDUCATION, 10., 2004, Copenhagen. Proceedings… Copenhagen: Plenary and Regular Lectures, 2006. p. 1-16. , 2012LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: estabelecimento e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e educação matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30. ).
Na resolução dos problemas abertos, os alunos compartilham alguns elementos de seus repertórios matemáticos, deixam marcas de suas maneiras de lidar em suas produções escritas e dão pistas de seus processos de resolução. Essas produções escritas fornecem valiosas informações a respeito de sua atividade matemática, que, analisadas, apresentam importantes implicações pedagógicas para professores como também para pesquisadores em Educação Matemática. A análise da produção escrita é uma estratégia para conhecer os modos como alunos e professores lidam com problemas matemáticos.
O objetivo deste trabalho é investigar maneiras de lidar de alunos da educação básica com seis problemas abertos em matemática. Para isso, toma-se como pontos de partida o problema proposto estudado por Dalto (2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.) e os seis problemas resolvidos que este autor construiu a partir da análise da produção escrita de alunos da educação básica. Esses seis problemas foram aplicados em uma escola pública do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, e a produção escrita desses alunos é o foco das análises neste artigo. São analisadas multiplicidades de resoluções dos alunos e evidenciadas singularidades de suas maneiras de lidar.
Um alinhavo a respeito da análise da produção escrita
Entre as diversas possibilidades para conhecer a atividade matemática de alunos, a análise da produção escrita se apresenta como um caminho a ser construído, mas que já apresenta alguns direcionamentos.1 1 Mais informações podem ser obtidas em <http://www.uel.br/grupo-estudo/gepema>. Apresentamos um pequeno alinhavo de trabalhos que mobilizam essa abordagem de pesquisa em Educação Matemática.
Santos, Buriasco e Ferreira (2010SANTOS, J. R. V.; BURIASCO, R. L. C.; FERREIRA, P. E. A. Interpretações de alunos da educação básica para a ideia de recorrência em uma questão aberta de matemática. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 143-163, 2010.) investigaram maneiras de 96 alunos da educação básica interpretarem a ideia de recorrência em uma questão discursiva de matemática. Segundo eles, os alunos, em grande parte, interpretaram e utilizaram a ideia de recorrência pautados na interpretação que fizeram apenas da primeira frase do enunciado, o que interferiu nas estratégias elaboradas. Para os autores, o modo como a linguagem do enunciado da questão foi estruturada, a disposição das informações em três frases e a expressão explicativa na segunda frase tiveram influência no desempenho dos alunos. Em suas considerações, os autores apontam que
quando um aluno resolve uma questão, seus conhecimentos, suas experiências, suas considerações realísticas, os contextos que constituem ao lidar com ela fazem parte e influenciam o processo de resolução. A linguagem do enunciado, como a disposição e organização das informações (qualitativas e quantitativas) podem ter também um papel significativo no desempenho dos alunos. (Santos; Buriasco; Ferreira, 2010SANTOS, J. R. V.; BURIASCO, R. L. C.; FERREIRA, P. E. A. Interpretações de alunos da educação básica para a ideia de recorrência em uma questão aberta de matemática. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 143-163, 2010., p. 160-161).
Alguns trabalhos que tomam como foco a análise de produções escritas de alunos da educação básica estão atrelados a estudos a respeito da avaliação como prática de investigação. Segundo Buriasco, Ferreira e Ciani (2009BURIASCO, R. L. C.; FERREIRA, P. E. A.; CIANI, A. B. Avaliação como prática de investigação (alguns apontamentos). BOLEMA, Rio Claro, v. 22, n. 33, p. 69-96, 2009., p. 75), avaliação como prática de investigação se caracteriza como
um processo de buscar conhecer ou, pelo menos, obter esclarecimentos, informes sobre o desconhecido por meio de um conjunto de ações previamente projetadas e/ou planejadas, processo no qual se procura seguir rastros, vestígios, esquadrinhar, ir à pista do que é observável, conhecido.
Uma avaliação que tenha a investigação como fio condutor pode se estruturar, pelo menos em parte, pela análise de produções escritas de alunos. Diante da diversidade e da complexidade das vicissitudes do trabalho docente, no qual muitas vezes a diferença é silenciada por práticas pautadas na ilusão da homogeneidade dos alunos, a análise da produção escrita pode evidenciar singularidades dos modos de produção de significados dos alunos. Em uma sala de aula, cada aluno carrega consigo um contexto histórico, político e cultural que se apresenta como pano de fundo aos modos como se movimenta ante as demandas, situações e tarefas. Assim, realizar uma avaliação como prática de investigação oportuniza que as vozes da diferença apareçam em sala de aula e sejam explicitadas. A partir dessas vozes, constituem-se projetos políticos para planejar e construir um trabalho colaborativo a fim de decidir o que fazer com essas diferenças. Nesse projeto, o ponto de partida seria o aluno, e o de chegada, o próprio processo educativo. Segundo Buriasco, Ferreira e Ciani (2009BURIASCO, R. L. C.; FERREIRA, P. E. A.; CIANI, A. B. Avaliação como prática de investigação (alguns apontamentos). BOLEMA, Rio Claro, v. 22, n. 33, p. 69-96, 2009., p. 76):
Numa avaliação assim praticada, enfatizam-se os caminhos percorridos, reconhece-se e valoriza-se a diversidade deles na construção de soluções para as tarefas, abre-se espaço para as diferenças entre os estudantes e para as muitas interpretações de uma mesma situação.
Oliveira e Palis (2011OLIVEIRA, A. T.; PALIS, G. de la R. O potencial das atividades centradas em produções de alunos na formação de professores de matemática. Relime, [Cidade do México], v. 14, n. 3, p. 335-359, nov. 2011.) apresentam e discutem o desenho e a implementação de atividades centradas em trabalhos de alunos do ensino fundamental como uma maneira de promover uma formação continuada de professores de matemática. Em sua revisão de literatura, apresentam vários trabalhos que evidenciam as potencialidades da análise de tarefas de alunos, realizados por professores em grupos. Entre as principais contribuições, destacam-se as que remetem a um conhecimento mais detalhado da atividade matemática dos alunos pelos professores; uma sensibilidade em ler as dificuldades dos alunos e elaborar estratégias de intervenção; uma possibilidade de formação de desenvolvimento profissional para professores de matemática.
Entre os meandros dessas discussões, focamos a multiplicidade das maneiras de lidar dos alunos, com base em suas resoluções de problemas abertos em matemática por meio de suas produções escritas.
Estratégia metodológica
Neste trabalho foi realizada uma pesquisa qualitativa. Algumas características dessa abordagem são a íntima relação do pesquisador com o pesquisado (resultando em não neutralidade); um maior interesse no processo, analisando as informações de maneira intuitiva; a descrição dos dados, tendo como foco o particular e buscando um maior nível de profundidade da compreensão deles; a não intenção de comprovação ou refutação de algum fato; a impossibilidade de estabelecer regulamentações (Bogdan; Biklen, 1994BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.; Garnica, 2004GARNICA, A. V. M. História oral e educação matemática. In: BORBA, M. C.; ARAUJO, J. L. (Org.). Pesquisa qualitativa em educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 77-98. ).
Ancorados nessa abordagem, a análise foi construída em três etapas, a partir de leituras plausíveis de resíduos de enunciações: a) ler os registros escritos dos alunos; b) explorar singularidades de suas maneiras de lidar com problemas abertos em matemática; c) explicitar multiplicidades de seus modos de resolução em alguns movimentos de teorização.
Os processos de leituras plausíveis dos registros escritos dos alunos foram fundamentados no Modelo dos Campos Semânticos (MCS) (Lins, 1999LINS, R. C. Por que discutir Teoria do Conhecimento é relevante para a educação matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. Rio Claro: Ed. da UNESP, 1999. p. 75-94. , 2001LINS, R. C. The production of meaning for algebra: a perspective based on a theoretical model of semantic fields. In: SUTHERLAND, R. et al. (Orgs.). Perspectives on schoool algebra. Dordrecht: Kluwer, 2001. p. 37-60., 2012LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: estabelecimento e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e educação matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30. ). Uma leitura plausível se caracteriza como uma atitude que busca a leitura do outro pelo que ele tem, em oposição a olhá-lo pelo erro, pela falta. Como Lins (1999LINS, R. C. Por que discutir Teoria do Conhecimento é relevante para a educação matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. Rio Claro: Ed. da UNESP, 1999. p. 75-94. , p. 83) afirma, “toda tentativa de se entender um autor deve passar pelo esforço de olhar o mundo com os olhos do autor, de usar os termos que ele usa de uma forma que torne o todo de seu texto plausível”.
Um ponto a destacar em relação a esse processo de leituras plausíveis é o que entendemos por registros escritos ou produções escritas. Estes são entendidos como resíduos de enunciações para os quais produzimos significados. Segundo Lins (2012LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: estabelecimento e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e educação matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30. , p. 27), um resíduo de enunciação “é algo com que me deparo e que acredito ter sido dito por alguém”, e sua presença “sinaliza a demanda de produção de significados”.
Com isso, os registros escritos dos alunos não se constituem como algo estático e acabado e oferecem o modo e a leitura de como os alunos resolveram (verbo passado) o problema.2 2 De acordo com as ideias do Modelo dos Campos Semânticos, um ponto a destacar seria o de que o objeto não é anterior à fala. O objeto é algo que dizemos de algo e se constitui na produção de significados em uma determinada atividade (Lins, 2004). Os registros/produções se constituem no momento em que lemos, falamos, analisamos e produzimos significados; dessa forma, em cada leitura que fazemos, constituímos uma maneira de os alunos lidarem (verbo presente) com os problemas. O que queremos evidenciar é que não temos possibilidades de afirmar o que o aluno fez, o modo como fez e seus motivos para construir uma determinada resolução, mas produzimos significados e constituímos uma resolução de um aluno para um determinado problema. Frases do tipo: “Esse aluno elaborou uma regra de três, operou por meio de uma divisão e apresentou uma resposta”, para nós, se constroem da seguinte maneira: “nessa minha leitura, acredito que o aluno elabora uma regra de três, opera por meio de uma divisão e apresenta uma resposta”. A mudança do tempo verbal como a explicitação de que fazemos leituras de registros escritos (leituras plausíveis de resíduos de enunciações) é aspecto importante para caracterizar esse processo de análise.
O processo de análise
Dalto (2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.) e Dalto e Buriasco (2009)DALTO, J. O.; BURIASCO, R. L. C. Problema proposto ou problema resolvido: qual a diferença? Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 449-461, set./dez. 2009. apresentam uma análise da produção escrita de alunos para uma questão aberta de matemática. Em suas análises, caracterizam
[...] Problema Proposto, como aquele que constava originalmente na prova e que se esperava que fosse resolvido pelo estudante, e Problema Resolvido, como aquele que se inferiu, mediante a produção escrita, que cada estudante resolveu como resultado da interpretação que fez do Problema Proposto. (Dalto; Buriasco, 2009DALTO, J. O.; BURIASCO, R. L. C. Problema proposto ou problema resolvido: qual a diferença? Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 449-461, set./dez. 2009., p. 456).
Os problemas resolvidos foram construídos a partir das análises das produções escritas dos alunos, no intuito de serem estes os problemas que os alunos resolveram ao lidarem com o problema proposto.
Apresentamos no Quadro 1, a seguir, o problema proposto, e no Quadro 2 os seis problemas resolvidos, construídos a partir da análise de 97 produções escritas de alunos (Dalto, 2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.). Não teceremos considerações sobre as maneiras de os alunos lidarem com o problema proposto, pois isso já foi realizado em Dalto (2007)DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007. e Dalto e Buriasco (2009DALTO, J. O.; BURIASCO, R. L. C. Problema proposto ou problema resolvido: qual a diferença? Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 449-461, set./dez. 2009.). Nosso foco será a produção escrita dos alunos que resolveram os seis problemas resolvidos.
Esses seis problemas resolvidos foram aplicados a alunos do 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio de uma escola pública do estado de Mato Grosso do Sul. A escola localiza-se na região central do município de Anastácio e recebe, em sua maioria, alunos residentes da região urbana do município. Ela foi escolhida porque, na época da coleta de dados, já eram desenvolvidas outras atividades em parceria com a universidade, como estágios supervisionados, oficinas e projetos de extensão. Cabe ressaltar que os alunos da escola sempre se mostraram envolvidos com as atividades desenvolvidas em parceria com a universidade. A coleta de dados foi realizada em horário de aula regular dos alunos da escola por um dos autores deste trabalho.
O instrumento de coleta de dados consistiu em uma prova escrita de matemática, composta pelos problemas resolvidos identificados por Dalto (2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.), e foi aplicado em quatro turmas da escola, sendo duas do 9º ano do ensino fundamental e duas do 3º ano do ensino médio. Cada um dos alunos resolveu apenas um dos problemas identificados por Dalto (2007)DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.. O tempo destinado para a resolução foi de até 30 minutos. Como resultado dessa aplicação, foram obtidas 153 produções escritas, entre as quais 27 se referem ao Problema Resolvido 1; 28 ao Problema Resolvido 2; 27 ao Problema Resolvido 3; 26 ao Problema Resolvido 4; 22 ao Problema Resolvido 5; e 23 ao Problema Resolvido 6. As produções foram identificadas por três números separados por pontos - o primeiro refere-se ao número do problema, o segundo à série/ano e o terceiro ao aluno.
Uma suspeita que tínhamos era a de que os seis problemas resolvidos estariam mais próximos e familiares das maneiras de lidar dos alunos e que, com isso, suas resoluções estariam mais próximas das consideradas corretas. Entretanto, como veremos, são múltiplas e diversas as maneiras de os alunos lidarem com esses seis problemas resolvidos, que, para nós, deste momento em diante, se caracterizam como seis novos problemas propostos.
Nosso primeiro conjunto de produções contém 27 resoluções de alunos que resolveram o Problema Resolvido 1 (PR1). Este problema oferece acessibilidade, ou seja, a possibilidade de os alunos elaborarem estratégias de resolução, pois seu enunciado está escrito em uma linguagem familiar aos alunos. Ele também oferece elasticidade, aspecto ligado à possibilidade de o aluno elaborar diferentes e diversas estratégias de resolução (Heuvel-Panhuizen, 2005)HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of context in assessment problems in mathematics. For the Learning of Mathematics, Montreal, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005.. Constatamos esse fato em nossas produções, pois tivemos cinco diferentes estratégias de resolução.
Ao analisarmos o enunciado desse problema, vemos certas peculiaridades na linguagem e em seu contexto. Uma primeira está no fato de o encanador B cobrar mais barato pelo valor fixo (R$24,00) do que pelo valor em horas de trabalho (R$36,00). Em relação à pergunta do problema (“Em qual das opções o encanador A é mais barato?”), outra peculiaridade é que ela pode encaminhar os alunos a levarem em consideração apenas as informações da primeira frase do enunciado, que estão relacionadas ao encanador A, e desconsiderar as informações sobre o modo como o encanador B cobra pelo seu serviço. Outro ponto que destacamos é que, independentemente da quantidade de horas que os encanadores gastassem para executar o serviço, o consumidor poderia escolher entre um valor fixo de R$60,00 ou R$18,00 por hora de trabalho, em relação ao encanador A, ou entre um valor fixo de R$24,00 ou R$36,00 por hora de trabalho, em relação ao encanador B. Não é explicitado, no enunciado, se o encanador (A ou B) deve ser cobrado pelo número de horas se este demorar mais de uma hora para executar o serviço.
Em uma produção escrita, o aluno elabora sua estratégia retirando as informações do enunciado, que mostra as opções de custo de serviço tanto do encanador A quanto do B. Depois, ele exemplifica a cobrança do serviço por horas dos dois encanadores e apresenta a seguinte resposta: “O encanador A é mais barato cobrando por hora”.
Já em outra produção escrita, o aluno apresenta uma adição que representa o preço do serviço tomando o valor fixo e o preço em horas. Subtrai 60 de 78, representando essa adição de maneira invertida. Por fim, apresenta uma resposta, na qual o encanador A é mais barato na opção em que cobra por horas.
Em cinco produções, os alunos afirmam que a opção preço fixo do encanador A é mais barato. Na Figura 1, o aluno exemplifica algumas horas de serviço para o encanador A e afirma que é mais barato pagar o valor fixo.
Acreditamos que sua maneira de lidar com o problema é aquela em que, não sabendo quanto tempo o serviço do encanador A pode demorar, é melhor pagar o valor fixo. Aparentemente, a resolução desse aluno focou nas opções de custo dos serviços do encanador A. Fazemos essa leitura porque o aluno apresenta algumas adições com o número 18, uma maneira de estimar quanto gastaria pela hora de trabalho do encanador A.
Em três produções escritas, os alunos apresentam respostas em que o encanador B é mais barato. Em uma delas, o aluno apresenta duas adições e uma resposta, acreditando que deve somar o valor fixo com o valor por hora dos dois encanadores. Dois alunos (ex.: Figura 2) apresentam suas respostas afirmando que os encanadores A e B serão mais baratos dependendo do número de horas trabalhadas. Esses alunos entendem a pergunta do problema para o encanador B, considerando que ela se referia apenas ao encanador A.
Em cinco produções escritas, os alunos apresentam uma adição ou expressão que indica o valor do trabalho dos encanadores, que envolve a adição do valor do tempo fixo e do preço cobrado por hora. É interessante notar esse procedimento, pois esse problema foi elaborado a partir das resoluções dos alunos para o problema proposto por Dalto (2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.), que focavam nas estratégias e nos procedimentos, ou o valor fixo cobrado pelos encanadores ou o valor variável. Esse aspecto destaca a multiplicidade de maneiras de lidar dos alunos diante de um enunciado de um problema aberto de matemática, bem como a ausência de uma linha de progresso que os alunos sigam para resolver problemas mais ou menos sofisticados.
Nosso segundo conjunto de produções contém 28 resoluções de alunos para o Problema Resolvido 2 (PR2). O enunciado desse problema apresenta certas peculiaridades em suas informações. Na primeira frase, temos dois modos de pagamento para o serviço de um encanador A; na segunda, outros dois modos para o encanador B. Entretanto, a pergunta volta-se, exclusivamente, para as opções do encanador A. Desse modo, não há necessidade de as informações dos modos de pagamento do encanador B estarem no enunciado do problema. Vale ressaltar que esse problema foi elaborado em Dalto (2007DALTO, J. O. A produção escrita em matemática: análise interpretativa da questão discursiva de matemática comum à 8ª série do ensino fundamental e à 3ª série do ensino médio da AVA/2002. 100 f. 2007. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) - Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007., p. 42-43) levando em consideração que os alunos podem
ter entendido que o custo de um serviço de uma hora seria obtido por meio da adição do preço fixo com o preço cobrado por uma hora de trabalho. Para serviços com mais de uma hora de duração, os encanadores cobrariam somente o preço por hora.
Onze alunos resolveram o problema da maneira considerada correta. Em todas essas resoluções, eles utilizam informações do encanador B, como vemos na Figura 3.
Em nossa leitura, acreditamos que, mesmo os alunos compreendendo que a pergunta do problema se refere ao encanador A, eles elaboram sua estratégia levando em consideração a possibilidade de que uma das opções de pagamento do encanador B possa ser a mais barata.
Na produção 2.3.91 (Figura 4), temos uma resolução na ordem de apresentação das informações no enunciado.
O aluno escreve em sua resolução as opções de pagamento do encanador A, de maneira sintética em relação à apresentada no enunciado. Depois escreve, da mesma maneira, as opções de pagamento do encanador B. Em seu processo de resolução, ele retira do enunciado do problema as informações que julga importantes para elaborar sua estratégia de resolução. Em um possível segundo momento, ele faz uma adição e apresenta como resposta: “R$ 78,00 por h”.
Acreditamos que, a partir desse resultado, ele sabe que a segunda opção do encanador A é a mais barata, pois em um serviço de duas horas, por exemplo, o valor cobrado seria de R$ 36,00. Normalmente, os dados numéricos de um problema em matemática são lidos pelos alunos como algo que deve ser utilizado na resolução. Esse fato explicita um empobrecimento do trabalho com os problemas na aula de matemática, que, geralmente, são explorados apenas com uma resolução, sendo sempre a correta. Os processos de discussões matemáticas por meio dos enunciados dos problemas abertos e de resoluções de alunos precisam ser elaborados pelos professores na tentativa de evidenciar diferentes leituras que se pode fazer de um mesmo enunciado.
Em duas produções, as respostas dos alunos fazem uma comparação com as opções de pagamento do encanador B. Um dos alunos calcula o valor da primeira hora para os dois encanadores e apresenta uma resposta que indica a segunda opção de pagamento do encanador A como mais barata, explicitando esse fato em relação ao valor fixo do encanador B.
Acreditamos que esses alunos produzem significados para a pergunta do problema na direção de comparar as opções de pagamento do encanador A com as opções do encanador B. Mesmo considerando sua resposta correta, possivelmente o problema que ele resolveu é diferente do problema que os outros alunos, apresentados anteriormente, resolveram.
O terceiro conjunto de produções contém 27 resoluções de alunos que resolveram o Problema Resolvido 3 (PR3). Em nove produções, os alunos apresentam uma resolução em que a hora de trabalho do encanador A é mais barata que a do encanador B em R$18,00. Eles adicionam o valor fixo de cada um ao valor de cada hora de trabalho e fazem a subtração 60-78, resultando em 18.
Acreditamos que esses alunos fazem suas leituras da expressão “quantos reais a hora do encanador A é mais barata que a do B” produzindo significado na direção de englobar todos os elementos que constituem o valor dos serviços dos dois encanadores. Como um valor de um serviço não pode ser negativo, eles consideram o valor positivo da subtração 60-78.
Na produção escrita 3.3.115 (Figura 5), o aluno responde ao problema explicitando a diferença de preço entre os serviços dos encanadores, fato que evidencia uma coerência entre sua estratégia de resolução e sua resposta, em face da pergunta posta pelo problema.
Em outra produção escrita, o aluno inverte a resposta em relação aos encanadores e enfatiza que o encanador B é mais barato que o encanador A.
Essas duas produções ressaltam as sutilezas e as singularidades dos modos de os alunos lerem o problema e elaborarem uma estratégia com uma lógica particular. Nessas resoluções, os alunos têm clareza de que suas maneiras de lidar estão corretas e de que eles acertaram a resposta. Por outro lado, essas produções evidenciam que há múltiplos modos de resoluções dos alunos e que, de fato, o enunciado de um problema aberto, que envolve relações com o dia a dia, potencializa diferentes resoluções.
Em outras sete produções, os alunos apresentam uma resolução em que subtraem os valores referentes às horas de trabalho dos encanadores (36-18) e apresentam como resposta que a hora do encanador A é R$18,00 mais barata que a do encanador B.
Em três dessas produções, os alunos organizam suas resoluções explicitando o modo como os encanadores cobram pelos seus serviços, tanto em relação ao valor fixo quanto em relação à quantidade de horas. Acreditamos que eles fazem dessa maneira porque (re)escrevem o problema de maneira mais sintética, relacionando as informações para elaborarem suas resoluções.
O quarto conjunto de produções contém 26 resoluções de alunos que resolveram o Problema Resolvido 4 (PR4). Em 12 produções, os alunos apresentam uma resposta que indica o encanador B como o mais barato. Há uma diversidade de justificativas que são apresentadas pelos alunos, fato que nos mostra a diversidade de problemas resolvidos que eles elaboraram a partir desse problema proposto.
Em sete dessas produções, os alunos elaboram uma expressão que mostra o valor fixo cobrado e o valor da hora de trabalho do encanador A e B. Nessas estratégias, os alunos consideram o valor fixo do preço dos encanadores na realização do serviço, mesmo que o problema 4 questione apenas em relação ao valor de t mais barato. Em uma produção escrita, o aluno realiza duas adições, sendo uma relacionada ao encanador A (60+18) e outra ao encanador B (24+36), e apresenta uma resposta afirmando que o encanador B é mais barato.
Em outras cinco produções, os alunos afirmam que o valor de t do encanador B é o mais barato, porém evidenciam algumas condições em relação ao encanador A. Na produção 4.3.127 (Figura 6), por exemplo, o aluno elabora sua estratégia esboçando duas expressões para a cobrança, uma do encanador A e outra do encanador B, respectivamente, e depois salienta que mesmo que o valor de t cobrado em B seja mais caro que o de A, o todo ainda sai mais barato, pois B possui o valor fixo mais barato.
As leituras dessas produções evidenciam que, mesmo que a pergunta do problema indique que os alunos devem focar no valor de t, ou seja, o valor variável (“sendo t o valor cobrado por hora de trabalho, qual valor de t é mais barato?”), grande parte deles elabora suas estratégias levando em consideração a ideia de que um encanador cobra um preço fixo mais um preço variável para a realização do serviço. Acreditamos que a disposição no enunciado das duas primeiras frases do problema indica esse modo de os alunos resolvê-lo. Outro questionamento dos alunos segue na direção: “se no problema tem esses dados (números) é porque precisamos utilizar”.
Em uma produção, o aluno calcula 60+18 = 78 e 24+36=60. Inicia sua resposta afirmando que “o t mais barato é do encanador A. Porém, o valor total do seu trabalho é 78, sendo então mais caro e do encanador B mais barato ao total do seu trabalho”.
Em oito produções, os alunos apresentam uma resposta que indica o valor de t (18) do encanador A como o mais barato. É interessante notar que em todas essas produções os alunos elaboram uma estratégia na qual há expressões que envolvem o valor fixo e variável de cada encanador e alguma operação, ou para a primeira ou para a segunda hora de trabalho. Mais uma vez, mesmo quando os alunos acertam o problema, eles mobilizam uma estratégia que envolve todos os dados do enunciado.
O quinto conjunto de produções contém 22 provas de alunos que resolveram o Problema Resolvido 5 (PR5). Nessas provas, evidenciamos basicamente quatro formas de resolução. Em duas provas, os alunos calculam o valor do serviço dos encanadores para t=2 horas e apresentam resposta como “em duas horas o A se iguala ao B”. Em outra prova, o aluno responde: como o encanador A cobra por hora R$ 18,00 e o encanador B cobra R$ 36,00, então, o encanador A sempre será mais barato que o B, sendo uma hora ou mais.
Em sete provas, há uma segunda forma de resolução na qual os alunos calculam o valor do serviço dos encanadores para o período de uma hora de trabalho e apresentam respostas do tipo: “fica mais barato para [o encanador] B”. Em outra prova, o aluno subtrai 18 de 36 e efetua a divisão de 36 por 18, e responde: “A fica 1 hora mais barato que o B”, o que seria uma resolução correta para o Problema Resolvido 3.
Em outras nove provas, os alunos apresentam algum valor de t para o qual o custo do encanador A seja menor que o custo do B. Em oito delas, os alunos calculam os serviços dos encanadores para t=1, t=2 e t=3, percebendo que, para esse último valor de t, o custo do encanador A já é menor. Em outra prova (Figura 7), o aluno calcula o custo dos serviços dos encanadores para t=8 horas e responde: “o encanador A fica mais em conta. Mas vai depender do serviço do profissional”.
O sexto conjunto de provas contém 23 produções escritas de alunos que resolveram o Problema Resolvido 6 (PR6). Em seis produções, os alunos apresentam uma resolução considerada correta para o problema, entre as quais em cinco eles testam os preços cobrados pelos encanadores para uma, duas e três horas e concluem que o encanador A é mais barato para valores maiores que 2 horas. Em uma produção, o aluno apresenta apenas a resposta “são necessárias 3 horas para o encanador A fique mais barato que o encanador B”.
Em outras duas produções, os alunos respondem que a diferença é de duas horas. Na produção 6.3.87 (Figura 8), a aluna calcula o valor para uma hora, afirma que a diferença entre eles é de R$18,00 e responde: “para ele ficar mais barato a diferença é de 2 horas”.
É plausível realizarmos duas leituras dessa produção em relação a essa diferença de valores que o aluno explicita. Pode ser a diferença entre 36 e 18, referente ao preço cobrado por hora dos encanadores, ou pode ser a diferença entre 78 e 60, referente ao total dos valores dos encanadores para a primeira hora. Acreditamos que essa diferença é em relação ao valor pago por hora de cada um dos encanadores e que esse aluno foca sua atenção para esse aspecto, o valor total cobrado por hora. Dessa maneira, ele afirma que, para o encanador A ficar mais barato, a diferença é de duas horas.
Em outras duas produções os alunos resolvem esse problema utilizando uma linguagem de taxa de variação, ou seja, “o delta de alguma coisa”. Em uma destas produções, o aluno explicita uma organização mais sintética das ideias do problema, que descreve o modo de cobrança de cada um dos encanadores. Depois divide 36 por 2 e apresenta 18 como resposta.
Acreditamos que, em resoluções como essas, os alunos, ao lerem a parte do enunciado: “sendo t o tempo, medido em horas, quantas horas serão necessárias [...]”, estabelecem alguma relação plausível com a ideia de taxa de variação.
Nas outras 13 produções escritas, os alunos apresentam resoluções muito particulares, resolvendo outro problema que elaboram em seus processos de resoluções do Problema Resolvido 6. Na produção 6.9.64 (Figura 9), por exemplo, o aluno encontra os valores cobrados pelos encanadores para a primeira hora e depois divide 78 por 60. Por conseguinte, responde em sua produção:
A divisão que este aluno faz de 78 por 60 nos intriga ao tentarmos construir alguma leitura. Acreditamos que ele elabora sua resolução tentando ver quantas vezes o preço do encanador A é mais caro que o do encanador B, dividindo o valor cobrado na primeira hora de ambos. Dessa maneira, ele afirma que o encanador A precisa diminuir o valor em 1,30 de seu serviço. Não temos condições de afirmar qual é a natureza do resultado desta divisão.
Em outra produção escrita, o aluno calcula o valor da primeira hora de serviço de ambos os encanadores. Logo, ele se coloca em sua resolução ao supor que o encanador B levou duas horas e o encanador A levou uma hora. Disso, ele conclui que “o encanador A tem que trabalhar uma hora a menos que o encanador B, para que seu serviço fique mais barato”.
É interessante notar que nessa resolução o aluno apresenta uma resposta que depende da diferença de horas trabalhadas entre o encanador A e o encanador B. Em nossa leitura, esse aluno mostra que o encanador A fica mais barato dependendo de quantas horas trabalha a menos em relação ao encanador B, sendo, neste caso, uma hora.
Considerando que tivemos apenas uma produção totalmente em branco das 153 totais, os alunos constroem, de maneira geral, algum tipo de resolução para o enunciado desse problema. Esse fato nos indica que este problema oferece acessibilidade e elasticidade para os alunos (Heuvel-Panhuizen, 2005)HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of context in assessment problems in mathematics. For the Learning of Mathematics, Montreal, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005., assim como o Problema Resolvido 1.
Das singularidades para uma multiplicidade: algumas considerações
Um ponto de destaque acerca das produções escritas dos alunos foi a variedade de estratégias de resoluções que eles apresentaram. Elas são muitos singulares, ou seja, são elaboradas por modos idiossincráticos de os alunos lerem o enunciado do problema, implementarem uma maneira de lidar com ele e construírem um processo de resolução. Diante dessas singularidades, tivemos uma multiplicidade de resoluções, diversos e diferentes modos da resolução dos problemas. Tentamos ao máximo não analisar as produções escritas de maneira homogênea. Isso ocorreu apenas quando a leitura de duas ou mais produções foram muito parecidas.
Outro ponto de destaque é que havia a suspeita de que os enunciados dos seis problemas estariam mais próximos das resoluções consideradas corretas que os alunos elaborariam. Porém, nossa análise indica que, de cada um dos seis problemas que apresentamos aos alunos (os seis novos problemas propostos), poderíamos construir outros seis ou mais problemas resolvidos. Acreditamos que as resoluções dos alunos não convergem para algum ponto em comum, mas se diferenciam.
Esses dois pontos de destaque nos levam a refletir sobre um encaminhamento para a formação e a atuação dos professores de matemática, visto que, quando eles estão diante de seus alunos, precisam “tomar decisões e realizar ações em relação à educação matemática que ofertam para eles” (Lins, 2006LINS, R. C. Characterizing the mathematics of the mathematics teacher from the point of view of meaning production. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON MATHEMATICAL EDUCATION, 10., 2004, Copenhagen. Proceedings… Copenhagen: Plenary and Regular Lectures, 2006. p. 1-16. , p. 4, tradução nossa). Por mais que os professores queiram antecipar as maneiras de lidar de seus alunos diante dos problemas que resolvem, é pouco provável que eles consigam enquadrá-las em algum modo específico de resolução. Nosso encaminhamento, então, é de que essas discussões a respeito das maneiras como os alunos lidam com problemas matemáticos podem oferecer repertórios para os professores ampliarem e refinarem as leituras que fazem de seus alunos em sala de aula. Não uma leitura na qual as resoluções dos alunos se enquadrem em alguma forma de resolução pré-estabelecida pelos professores, mas sim uma leitura que busque entender a singularidade de cada aluno, em seus processos de resoluções de problemas. Essa leitura se apresenta em tentativas de olhar para os alunos pelos olhos do presente, que se abrem para o novo e para o imprevisto, e não pelos olhos da memória, que muitas vezes se fecham e se enquadram em preconceitos.
Acreditamos que caracterizar as produções escritas dos alunos como resíduos de enunciações (Lins, 2012LINS, R. C. O Modelo dos Campos Semânticos: estabelecimento e notas de teorizações. In: ANGELO, C. L. et al. (Org.). Modelo dos Campos Semânticos e educação matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012. p. 11-30. ) oferece uma possibilidade diferenciada para os pesquisadores que analisam produções escritas. Diferenciada, pois amplia as condições de realizarmos leituras dos modos de resolução dos alunos, visto que elas sempre são momentâneas e provisórias, cheias de incertezas e plausibilidades. Também oferece a oportunidade de não caracterizarmos nossos alunos pela falta, pontuando o que eles não fizeram ou aquilo que deveriam ter feito. Esse modo de olhar para a produção escrita suscita uma caracterização para a comunidade, visto que, em muitos trabalhos, os pesquisadores tomam a produção escrita como algo naturalizado, por exemplo, como aquilo que o aluno fez, aquilo que está escrito no papel.
Acreditamos que a atividade matemática dos alunos, em suas maneiras de lidar com os problemas, acontece em processos singulares e circunstanciais de construção, que frequentemente são pouco observados em detalhes pelos professores. Nossa intenção é oferecer um detalhamento provisório, mas que indica movimentos de leituras das multiplicidades das resoluções dos alunos em suas singularidades.
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1
Mais informações podem ser obtidas em <http://www.uel.br/grupo-estudo/gepema>.
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2
De acordo com as ideias do Modelo dos Campos Semânticos, um ponto a destacar seria o de que o objeto não é anterior à fala. O objeto é algo que dizemos de algo e se constitui na produção de significados em uma determinada atividade (Lins, 2004)LINS, R. C. Matemática, monstros, significados e educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (Orgs.). Educação matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 92-120..
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2017
Histórico
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Recebido
04 Dez 2015 -
Revisado
07 Jun 2016 -
Aceito
24 Ago 2016