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Territórios da natureza: apropriação e extinção no Brasil

Resumo

Neste artigo é apresentado um texto que revela o que, nos últimos anos, em diálogo com De Paula, tenho ensaiado. Trata-se de uma perspectiva teórica que explicita o que venho construindo ao longo da pesquisa desenvolvida na Geografia e nela a busca de compreensão dos conceitos de natureza e de ambiente. Inicio resgatando a discussão contemporânea sobre esses dois conceitos a partir de reflexões que explicitam a diferenciação entre natureza (conceito) e ambiente. Dialogo com essas proposições atuais e busco explicitar o construto ambiental numa perspectiva geográfica. Nesse sentido, trago ao debate três dimensões que se interconectam e que me permitiram entender essa interconexão sociedade-natureza como possibilidade ou, na atualidade, como necessidade analítica frente à apropriação e à exploração de naturezas e natureza humanas pelos agentes hegemônicos. As três dimensões são: a natureza da natureza, o território da natureza e a natureza do território.

Palavras-chave:
natureza; ambiente; ambiente em Geografia

Abstract

This article addresses my reflections upon my dialogue with De Paula over the recent years. It is a theoretical perspective that explains what I have been building throughout the research developed in Geography and the search for understanding the concepts of nature and environment. I begin by retrieving the contemporary discussion about these two concepts from reflections that make explicit the differentiation between nature (concept) and environment. I dialog with these current propositions and seek to explain the environmental construct from a geographical perspective. In this sense, I bring to the debate three dimensions that are interconnected and that allowed me to understand this society-nature interconnection as a possibility or, currently, as an analytical necessity in the face of the appropriation and exploitation of human natures and nature by hegemonic agents. The three dimensions are: the nature of nature, the territory of nature and the nature of the territory.

Keywords:
nature; environment; environment in Geography

A Geografia, desde sua origem como campo do conhecimento e, mesmo antes, desde a Antiguidade, sempre se preocupou em compreender o espaço enquanto morada do homem (e das mulheres) no planeta Terra. Constitui, portanto, uma ciência cujo conceito balizador de seus estudos é o espaço geográfico. Entende-se por espaço geográfico a materialização das práticas humanas sobre a superfície da terra (no sentido amplo). Trata-se de refletir sobre a produção do espaço na sua relação complexa e contraditória entre as práticas humanas que decorrem de seu modo de produzir, de sua forma de se organizar socialmente e da construção de sua cultura. Pensado dessa forma, o espaço geográfico constitui uma totalidade impossível de ser contemplada analiticamente. Por essa razão, propomos que este artigo possa ser lido a partir de diferentes conceitos, expressão diferenciada da leitura geográfica sobre o espaço geográfico (SUERTEGARAY, 2001SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Scripta Nova, Barcelona, v. 5, p. 313-326, 2001. Available at: https://www.ub.edu/geocrit/sn-93.htm/.
https://www.ub.edu/geocrit/sn-93.htm/...
).

Entre os conceitos geográficos, a proposição que tenho feito é de inserir o conceito de ambiente, ressignificando-o a partir de um olhar geográfico que, em meu entendimento, deve superar a construção naturalizada de origem biológica/ecológica dominante. Embora neste texto a ênfase seja nos conceitos de ambiente e território, não deve ser esquecido, a título de exemplo, de outros conceitos usuais da Geografia, como domínio, paisagem, região, território, geossistema, redes e lugar. Cada conceito permite uma leitura diferenciada e complementar daquilo que conceituamos como espaço geográfico. Entretanto, esses conceitos não são autônomos; através deles são possíveis diferentes conexões analíticas.

Muitas dimensões do planeta sob diferentes óticas e escalas constituem o conhecimento adquirido e refletem as respostas de vários campos disciplinares. Neste caso, estamos buscando expressar o olhar da Geografia. Para tanto, imaginemos um lugar vivenciado, um texto, uma gravura, a cena de um filme, uma fotografia, cada um expressa uma dimensão do espaço geográfico; decompor essas vivências, representações/imagens, e explicar sua gênese exigem escolhas que nos permitam uma maior possibilidade analítica.

Essas escolhas correspondem aos conceitos que nortearão nossas análises. O espaço geográfico, então, é decomposto e recomposto a partir de um filtro que indica nossos interesses, ou seja, preocupações de investigação.

Ambiente é um desses conceitos, ele nos permite avaliar e analisar uma dimensão do espaço geográfico. Trata-se de um conceito trabalhado em outros campos do conhecimento, desde a Física (com a ideia de meio) à Biologia (com a ideia de meio ambiente), para ficarmos em apenas dois exemplos. Portanto, não é a mesma coisa falar de ambiente sob diferentes áreas do conhecimento. No caso das ciências ditas ecológicas, a tendência é pensar e analisar o ambiente como impactos naturais, transformações/degradações da natureza, tendo essa condição, na outra ponta da lógica causal, a atividade do homem, muitas vezes pensada de forma genérica, como ação exclusivamente biológica, produzida por um ser devastador.

A Geografia tende explicitar, por um cada vez maior conjunto de geógrafos e geógrafas, um pensamento de forma diferente. É sabido que essas ideias não são hegemônicas, mas indicam uma tendência. Pensar o ambiente em Geografia é considerar a relação natureza/sociedade, uma conjunção complexa e conflituosa que resulta do longo processo de socialização da natureza pela humanidade. Processo esse que, ao mesmo tempo em que transforma a natureza, transforma, também, a natureza humana. Os exemplos são inúmeros: a produção de “natureza” em laboratório (os clones, os transgênicos, as próteses), a densificação recente e cada vez mais intensa da Natureza dita natural pelo uso das novas tecnologias. Essas modificam e promovem transfigurações/derivações que chegam ao auge com a discussão atual sobre mudanças climáticas. As transfigurações /derivações que se expressam em grande escala, em parte, são resultado da produção de outras derivações anteriores, aquelas que dizem respeito à degradação pelo uso intenso da natureza como recurso, no processo de produção do mundo, ao longo do planeta. Mas a Geografia não deve esquecer que essas transformações promovem transfigurações também aos humanos, ou seja, um ambiente transformado é um processo de complexas mediações, com significativas implicações na vida das pessoas em relação a suas condições fundamentais de existência.

Na atualidade, a produção de ambiente e o conhecimento acumulado indicando as transformações da superfície terrestres pelo trabalho humano exigiram da própria Geologia um novo olhar sobre as formas da Terra.1 1 A compreensão do homem como agente geomorfológico está expressa nos estudos de Geomorfologia há décadas. Felds, nos anos 1950, preocupava-se com essa temática, entre outros. Trago essa discussão, inicialmente, em minha dissertação de mestrado (1981). Aqui, mais precisamente, ofereço o exemplo da Geologia e sua leitura sobre o tema iniciada quando a questão ambiental favoreceu construções analíticas que absorveram essa problemática e o debate filosófico e científico avançou na reflexão sobre compartimentação científica e concepção de natureza e de sociedade. Surgem os conceitos de Tecnógeno e de Antropoceno. O conceito de Tecnógeno revela a objetivação da relação/interação conflituosa entre sociedade e natureza, indica a apropriação e exploração dos recursos naturais e o abandono dos rejeitos criando formas, depósitos e ou modificando paisagens. Formas e depósitos tecnogênicos materializam processos de apropriação da natureza e sua transfiguração, produzindo ambiente. Portanto, essas feições e processos expressam dimensões ambientais decorrentes de uma cultura ocidental que concebeu a natureza como dimensão externa ao homem e a sociedade.

A partir dessa construção conceitual, a parte de discussão sobre a inserção desse momento da história humana na escala geológica, como sugere o debate sobre Antropoceno, cabe dizer que muita pesquisa tem se debruçado sobre esse tema.

A discussão mais recente questiona os limites desse conceito, sobretudo enquanto possibilidade de demarcar uma época. Os pesquisadores divergem em relação ao início desse período e, ao mesmo tempo, estabelecem críticas ao limite desse conceito. Uma das críticas está fundamentada na perspectiva analítica difundida pelo conceito de Antropoceno, que mantém a concepção dual de homem (sociedade) e natureza, concebendo como causa das transformações da superfície da terra, incluindo as mudanças climáticas globais, como decorrentes dos seres humanos, visualizados como uma espécie homogênea e devastadora. Desconhecem a intrínseca relação homem/natureza seja na escala individual e social, desconhecem sua condição primordial de existência e desconhecem a produção/construção de ambientes como um produto social. Ou seja, o conceito não expressa, ao se referir à degradação ambiental, a condição capitalista que envolve capital, energia, trabalho e natureza barata (MOORE, 2022aMOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022a.). Voltarei mais adiante a essa argumentação.

Quando, nos idos de 1970, emerge de forma mais ampliada, a discussão das transformações das formas da superfície da Terra e o registro de depósitos com presença de artefatos humanos, à maneira de uma “arqueologia do presente”, ampliou-se os estudos sobre essa temática. Nesse contexto, a preocupação analítica em relação aos depósitos tecnogênicos consistia em: classificações e caracterização de depósitos; busca de explicação da origem histórica dessas feições e relação entre processos e formas. Ao mesmo tempo em que depósitos e formas tecnogênicas indicavam, mais amplamente, processos de apropriação social da natureza, essa realidade não apresentava expressão nessa construção conceitual inicial. Foi tornando-se presente a necessidade dessa análise frente as questões ambientais contemporâneas.

As marcas desses depósitos, associadas, na sua grande maioria, à degradação da natureza, implicaram na busca do entendimento da origem desses processos e, ao mesmo tempo, deram início a um debate geológico que frente à magnitude das transfigurações da natureza permitia pensar em uma revisão da escala de tempo profundo (escala de tempo) da Geologia, que pudesse demarcar o momento em que esses processos teriam dado início.

A sugestão para essa nova época foi à proposição de delimitação do Antropoceno. Para além da controvérsia, em relação ao tempo que indicaria as transformações que pudessem demarcar o início dessa época, outro debate se impõe àquele que diz respeito ao sentido ontológico desse conceito e suas implicações epistemológicas.

Jason Moore (2022aMOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022a.), organizador do livro Antropoceno ou Capitaloceno: natureza, história e crise do capitalismo, reúne um conjunto de textos que questionam os limites do conceito de Antropoceno e propõe conceitos como Capitaloceno (MOORE, 2022bMOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186; CRIST, 2022CRIST, E. A pobreza de nossa nomenclatura. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 35-64.; HARAWAY, 2022HARAWAY, D. J. Ficar com o problema: Antropoceno, Capitaloceno, Chthuluceno. In: MORRE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 67-125.; ALTVATER, 2022ALTVATER, E. O capitaloceno, ou a geoengenharia contra as fronteiras planetárias do capitalismo. In: MORRE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 225-246.); e Necroceno (MCBRIEN, 2022MCBRIEN, J. Acumulando extinção; catastrofismo planetário no Necroceno. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 189-222.).

Diante do que considero relevante em relação à temática, este texto se propõe a estabelecer um diálogo desses conceitos com o entendimento de território e natureza/ambiente que venho construindo em diálogo com Cristiano Quaresma de Paula (De Paula e Suertegaray [2018DE PAULA, C. Q.; SUERTEGARAY, D. M. A. Modernização e pesca artesanal brasileira: a expressão do “mal limpo”. Terra Livre, v. 1, n. 50, p. 97-130, 2018.] e Suertegaray [2017SUERTEGARAY, D. M. A. (Re) Ligar a Geografia: natureza e sociedade. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2017.; 2021SUERTEGARAY, D. M. A. Meio, Ambiente e Geografia. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2021.], tomando como referência dimensões da realidade brasileira vividas nesses últimos anos [2017-2022].)

Inicialmente utilizando como referência o livro organizado por Moore (2022aMOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022a.), é importante informar que o conceito de Capitaloceno surge em diálogo com Andreas Malm (2009). Esse diálogo, que esteve centrado na Universidade de Lund, derivou, ao longo desses anos, para a construção do conceito de Capitaloceno como “conjunto de múltiplas espécies, uma ecologia-mundo do capital, do poder e da natureza” (MOORE, 2022MOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186, p. 10).

Entre os principais argumentos da crítica ao Antropoceno (CRIST, 2022CRIST, E. A pobreza de nossa nomenclatura. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 35-64.), tem-se: a persistente separação cartesiana de natureza e sociedade, a validação da superioridade da espécie humana através da difusão da necessidade cada vez maior da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico como possibilidade de superação do impasse ambiental (Geoengenharia), ou seja, dos problemas ambientais oriundos do capitalismo no mundo atual; a não explicitação do contraditório; o poder, a classe social, a natureza e a Natureza (conceito) enquanto uma instância separada do homem social; e o fortalecimento do homem concebido como força geológica indistintamente, de forma homogênea, num contexto de implicações mais que evidentes entre poder, classe social e natureza(s).

Moore aprofunda essa visão (2022bMOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186) quando afirma que diante das condições ambientais atuais

passamos das consequências do processo de criação de ambiente (enviorenment making) às suas condições e causas. E uma vez que começamos a fazer perguntas sobre a criação de ambiente iniciada por humanos, um novo conjunto de conexões aparece. São conexões entre, poder, riqueza e trabalho. Começamos a fazer novas perguntas sobre a relação entre mudança ambiental e quem tem seu trabalho valorizado - e sua vida valorizada. As noções de classe, raça, gênero, sexualidade, nação - e muito mais - podem ser entendidas em termos de sua relação dentro da natureza como um todo, e de como essa natureza foi radicalmente refeita ao longo dos últimos cinco século. (MOORE, 2022bMOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186, p. 129-130).

Os argumentos do autor prosseguem no sentido de explicitar que a ecologia-mundo que se propõe vai além da Ecologia do mundo. Indica que a natureza a qual se refere não é a natureza com letra maiúscula, mas a compreensão do oikeios, aquela capaz de criar múltiplas camadas de criação de vida, espécies e de ambientes (MOORE, 2022bMOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186, p. 131). Em seu texto, argumenta em relação ao debate sobre o início do Antropoceno ou do Capitaloceno, conceito com o qual trabalha. Sugere que seu início está associado aos processos de acumulação primitiva, colonização, propriedade privada, trabalho proletário e a exclusão de parcelas significativas da humanidade. Discorre sobre a apropriação da natureza (a natureza barata), seja do trabalho humano, seja como recursos incorporados ao processo produtivo. Expressa que esse momento histórico constitui a condição de ruptura com um mundo mais orgânico, permitindo na continuidade a expansão do capitalismo. Ou seja, o advento do Capitaloceno teria se constituído como processo anteriormente ao advento da Revolução Industrial (Séc. XVIII). expressando sua magnitude de exploração/espoliação na atualidade.

Na leitura de McBrien

o capital nasceu da extinção e do capital a extinção fluiu. O capital não apenas rouba o solo e o trabalhador, como observa Marx; ele necrotiza todo o planeta. Há aqui uma fenda metabólica (Foster, 2000 [2005] entre a terra e o trabalho - movida pelas contradições da acumulação infinita. (MCBRIEN, 2022MCBRIEN, J. Acumulando extinção; catastrofismo planetário no Necroceno. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 189-222., p. 189).

Na continuidade, esse autor expõe o que aqui escrevemos sinteticamente:

o entendimento do Antropoceno e do Capitaloceno captou a extinção, mas não captou seu sentido ontológico - para a humanidade ou para o capitalismo daí a proposição do conceito de Necroceno como o período onde a acumulação de capital é a extinção potencial, cada vez mais ativa. Período em que não só se extinguem espécies, mas também extinguem-se culturas, idiomas, exterminam-se povos pelo trabalho ou por assassinato. (MCBRIEN, 2022MCBRIEN, J. Acumulando extinção; catastrofismo planetário no Necroceno. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 189-222., p. 189-190).

Enfim, extingue-se a natureza (com letra minúscula) a partir de sua degradação, degeneração, transfiguração e morte.

Compreende-se até aqui que o capitalismo construiu ambientes, seja na sua produção material, seja simbolicamente/conceitualmente. Nessa construção, importa trazer para nosso propósito as considerações de Parenti (2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301) sobre o papel do Estado na criação do ambiente do Capitaloceno/Necroceno. O que se extrai de sua leitura é uma dimensão do Estado um tanto negligenciada, aquela em que o estado procede como mediador da relação capitalista com a natureza.

O autor traz para o centro da discussão o Estado. Em seu texto fica claro sua argumentação quando afirma: “Assim como o capital não tem uma relação com a natureza, mas é uma relação com a natureza, também essa é sempre uma relação com o estado e mediado por ele” (PARENTI, 2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301, p. 274).

Para o autor “o Estado é uma entidade inerentemente ambiental e como tal está no cerne da forma valor porque os valores de uso da natureza não humana são, por vezes fontes centrais de valor” (PARENTI, 2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301, p. 274).

O autor acima referido coloca o Estado e certamente o poder na mediação entre a natureza não humana e o capital, trata-se de uma das dimensões que constitui a Natureza do Território. Segundo Parenti (2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301), foi essa matriz de geopoder que permitiu que se utilizassem práticas tecnorracionais suportadas pelo desenvolvimento científico que possibilitaram a apropriação da natureza não humana pela exploração capitalista. Argumentando o seguinte ao se referir ao Estado como Geografia.

Quando Estado e a Geografia de fato se encontram, nessas discussões o foco está no modo como a “escala geográfica” modifica e articula as funções políticas do Estado. A importância biofísica da geografia do Estado raramente é pautada como lugar dos valores de uso da natureza. Teorias do valor com uma preocupação ambiental, em contrapartida, saem-se melhor em pensar a geografia como parente dos meios de produção reais (Burkett, 1990; Moore, 2015a). Mas aqui o problema da teoria do Estado é invertido - o valor é ressaltado, mas o estado desaparece. (PARENTI, 2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301, p. 283).

Em síntese, o que a leitura desse autor permite compreender é que o Estado se apropria da natureza não humana e da humanidade por meio da energia natural como força de trabalho, dos recursos e seus valores de uso transformados em valor de troca fundados na constituição da propriedade da terra. Essa apropriação do Estado historicamente se dá para o capital e se concretiza através da força, durante as conquistas de territórios, do cercamento e criação da propriedade privada e de forma indireta, criando infraestruturas e novas paisagens no seu domínio territorial.

Ou seja, o Estado tem, no território, sua demarcação. Essas são unidades políticas essenciais ao capitalismo, uma vez que é ele quem administra, faz a mediação, produz e disponibiliza natureza ao capital. O Capitaloceno quiçá possa ser pensado como emergindo, como se refere Moore (2022MOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186) e Parenti (2022PARENTI, C. Criação de Ambiente no Capitaloceno: a ecologia política do Estado. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 272-301), do processo de ruptura metabólica desde os séculos das navegações/colonização e acumulação primitiva. Nesse processo, transforma-se no que é atualmente denominado Necroceno (MCBRIEN 2022MCBRIEN, J. Acumulando extinção; catastrofismo planetário no Necroceno. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022. p. 189-222.).

A construção ambiental pelo olhar da Geografia

Neste item abordo o construto ambiental que venho construindo através da pesquisa e diálogo com De Paula, a partir de ações com comunidades tradicionais, em particular pescadores artesanais e ribeirinhos. Durante o processo de orientação e de pesquisa compartilhada, torna-se explicita a construção trazida de forma dispersa ao longo de minha produção acadêmica expressas em diferentes publicações, como sumarizado por De Paula (2020DE PAULA, C. Q. A epistemologia ambiental de Dirce Suertegaray: a natureza da natureza, o território da natureza e a natureza do território. In: DE PAULA, C. Q; PIRES, C. L. Z. (org.). Dirce Suertegaray, a geógrafa na fronteira do pensamento. Porto Alegre: IGEO/UFRGS, 2020. p. 201-226.)2 2 Pela primeira vez, as três dimensões aqui abordadas foram extraídas de diferentes textos de minha autoria, resgatados e interpretados por De Paula (2020), p. 201-226. . No debate, identificada a perspectiva que vinha sendo construída por esse autor, surge como primeira publicação o artigo em parceria (DE PAULA; SUERTEGARAY, 2018DE PAULA, C. Q.; SUERTEGARAY, D. M. A. Modernização e pesca artesanal brasileira: a expressão do “mal limpo”. Terra Livre, v. 1, n. 50, p. 97-130, 2018.). Na continuidade, construí de forma ampliada essa leitura em que enfatiza a conexão entre Território e Ambiente que denominamos constructo ambiental (2021). Essa construção está baseada em uma tríade denominada: a natureza da natureza, o território da natureza e a natureza do território.

A natureza da natureza, o território da natureza e a natureza do território.

A natureza da natureza implica em demarcar territórios/ através de processos peculiares, incluindo, aqui, os do ser humano enquanto biologicamente instituído. Ao se referir à demarcação natural, Serres (2011) dá exemplo de práticas de animais e de humanos nesta configuração. (SUERTEGARAY, 2021SUERTEGARAY, D. M. A. Meio, Ambiente e Geografia. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2021., p. 116).

A natureza da Natureza constitui a condição primordial de existência de humanos e não humanos e se expressa na sua variabilidade espaço-temporal, na sua diversidade, na sua abrangência e organização - autopoiese3 3 Los seres vivos se caracterizan porque, literalmente, se producen continuamente a si mismos, lo que indicamos al llamar a la organización que los define, organización autopoética (MATURANA; VARELA, 2010, p. 25). . Ou seja, a natureza se auto-eco-reorganiza (MATURANA; VARELA, 2010).

Esse auto-organizar-se é um percurso histórico e congruente em formas, estruturas e substâncias e, ao mesmo tempo que diverso, sua totalidade se expressa em redes e interações. Essa natureza (com letra minúscula) é a materialidade do real, expressa na conjugação de matéria e energia. Essa natureza foi substituída pela Natureza (letra maiúscula), um conceito, e se tornou, desde a construção cartesiana, condição de uso e apropriação mercantil, ou recurso, como é entendida na atualidade. Sob essa perspectiva, pode-se dialogar com Moore (2022MOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186), quando esse informa que a natureza se torna Natureza (com letra maiúscula) fundamentada na superioridade da espécie humana que, no contexto histórico, separa-se da natureza e se constrói como uma natureza superior, capaz de transformar aquela em seu benefício para além de sua dimensão de uso, ou seja, passa a ter um valor agregado, o valor de troca. Prática evidenciada quando se tem a referência ao desmatamento da Amazônia entre outros biomas brasileiros.4 4 O acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal durante o ano de 2022 representa a pior marca da série histórica: 10.267 km², de janeiro até 30 de dezembro. Os dados são medidos anualmente, desde 2015, pelo Instituto de Pesquisas Espaciais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/alertas-de-desmatamento-em-2022-bateram-recorde-na-serie-historica-aponta-inpe/.

O território da natureza implica no entrelaçamento de natureza × sociedade, ou seja, as condições naturais se impõem sobre a dinâmica social. Essa dimensão é mediada pelo trabalho humano, ou seja, aquele em que grupos humanos (originários e tradicionais) se encontram amalgamados à natureza (natureza da natureza), construindo com ela a produção de suas existências, cujo valor é de uso. No território da natureza tem-se o metabolismo entre os seres na sua totalidade, incluindo os seres humanos, construindo-se meios, espaços de vida.

A natureza do território, por outro lado se estabelece pelo paradigma da colonização/modernização, por meio de signos, que descaracterizam o território da natureza território. A contradição revelada, quando da apropriação da natureza pelo trabalho humano, pode se expressar pelas dimensões materiais e imateriais (simbólicas), ou seja, apropria-se da natureza como recurso material ou simbólico, como da água para consumo ou das paisagens e seus recursos naturais, por exemplo. Esta apropriação, na medida de sua contradição, gera impactos, disputas e conflitos de diferentes ordens, que se verificam nas comunidades de pescadores. Ao mesmo tempo, dialeticamente, promove uma ruptura metabólica dessas comunidades com os seus territórios (territórios da Natureza) na medida em que tais disputas geram uma pressão e, por vezes, o abandono de seus espaços de abrigo e de sustentação. (DE PAULA; SUERTEGARAY; 2018DE PAULA, C. Q.; SUERTEGARAY, D. M. A. Modernização e pesca artesanal brasileira: a expressão do “mal limpo”. Terra Livre, v. 1, n. 50, p. 97-130, 2018.).

Na continuidade deste diálogo a partir da tese de De Paula (2018aDE PAULA, C. Q. Geografia(s) da Pesca Artesanal Brasileira. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018a.) e de De Paula e Suertegaray (2018DE PAULA, C. Q.; SUERTEGARAY, D. M. A. Modernização e pesca artesanal brasileira: a expressão do “mal limpo”. Terra Livre, v. 1, n. 50, p. 97-130, 2018.) tem-se uma síntese da compreensão desses territórios ampliada em Suertegaray (2021SUERTEGARAY, D. M. A. Meio, Ambiente e Geografia. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2021.). Nesse processo é construído um diálogo com Serres (2011SERRES, M. O Mal Limpo. Poluir para se apropriar? Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2011. ) que em síntese explicita a passagem do território da natureza para a natureza do território (Capitaloceno), na atualidade, transfigurado em Necroceno.

Assim, os territórios da Natureza expressam o “limpo” como constituinte dos territórios e das territorialidades tradicionais das comunidades de pescadores artesanais entre outras e a natureza do território é a expressão “do sujo” tomado como o território da modernização. (Suertegaray, 2022). Nesta construção consideram-se três faces: a degradação, a sobre-exploração e a restrição ao acesso e à expropriação da terra (De Paula, 2018). Serres (2011) distingue dois tipos de poluição: a poluição dura e a suave. Poluição dura seria representada por todos os tipos de resíduos despejados nos diferentes lugares. Poluição suave seria a invasão “pestilenta dos espaços por signos” (Serres, 2011, p. 59). Ressalta-se que, para discutir as faces da modernização (do sujo) na pesca artesanal brasileira, De Paula (2018) apresenta três correlações entre os conceitos de ambiente e de território: os impactos ambientais, as disputas no território e os conflitos por território. Os impactos ambientais dialogam com a ideia de poluição dura, pois pressupõem um intenso processo de transformação do ambiente, que impossibilita a continuidade do seu uso, no caso, para a pesca. Já as disputas no território e os conflitos por território dialogam com a ideia de poluição suave (pestilenta), uma vez que tratam do avanço de outras atividades econômicas, seja disputando os recursos do território, seja buscando o domínio deste, quase sempre, utilizando-se de símbolos, que promovem a desconstrução da vida de povos tradicionais... (SUERTEGARAY, 2021SUERTEGARAY, D. M. A. Meio, Ambiente e Geografia. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2021., p. 117).

No caso dos impactos ambientais, avalia-se a sua repercussão sobre as comunidades, que dependem dos recursos locais. Essa é uma das dimensões em que a apropriação da natureza, pelos agentes do capital, em escala nacional (Brasil), opera em grande escala, a exemplo do desmatamento, da mineração clandestina e do avanço do agronegócio sobre territórios indígenas, quilombolas entre outras comunidades. Essa apropriação indevida ocorre de forma avassaladora, sobretudo em relação às terras indígenas. O exemplo que resgato consiste no garimpo ilegal em terras indígenas que vem ocorrendo em tal intensidade e repercutindo no genocídio dos habitantes da Amazônia brasileira, como ocorre nos territórios Yanomami5 5 O povo indígena Yanomami, um dos primeiros a ter os direitos sobre seus territórios reconhecidos pelo Estado após a aprovação da Constituição em 1988, atravessa o que pode ser considerada a pior ameaça desde a homologação da Terra Indígena, que completa 30 anos em 2022. É o que denuncia o relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, divulgado pela Hutukara Associação Yanomami. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/invasao-do-garimpo-em-terras-indigenas-deixa-rastro-de-desmatamento-e-violencia/. Acesso em: 24 fev. de 2022. , mas também de forma expressiva em outras regiões, a exemplo das terras Pataxós, ao sul da Bahia, entre outras etnias em território nacional.

Em relação às disputas no território, De Paula (2018) indica que para que os pescadores artesanais possam reproduzir suas vidas mantendo suas práticas de manejo dos pesqueiros é necessária a preservação da integridade de seus espaços de pesca.

As disputas territoriais são comuns em território brasileiro, onde se pode se destacar as invasões de terras indígenas, terras quilombolas e territórios de pescadores artesanais. Nesse caso, a ação (disputa) se revela para além dos impactos ambientais, expressa conflitos territoriais, de poder e da luta pela terra. O exemplo mais emblemático ocorre com o desmatamento na Amazônia pelo avanço da atividade agropecuária (agronegócio) e a mineração clandestina/ilegal.6 6 O sistema Deter do instituto Nacional de Pesquisas Especiais foi criado como ferramenta do plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal em 2004. A alerta rápido diário é para facilitar a fiscalização e tentar conter o desmatamento. Em 2015, o sistema foi aprimorado: outros dois satélites passaram a ser utilizados, inclusive um brasileiro desenvolvido em parceria com a China. Os números completos de um ano só foram registrados a partir de 2016, quando a presidente era Dilma Rousseff. Os alertas caíram em 2017, no governo Temer, e subiram em 2018, ainda com Temer. A partir de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a área de derrubadas da Floresta Amazônica dá um salto e se mantém acima dos 8 mil km², chegando a 10.267 km² em 2022. Uma devastação equivalente a uma área de quase sete vezes a cidade de São Paulo. Os Estados com mais áreas desmatadas em 2022 foram Pará, Mato Grosso e Amazonas. E é nesse Estado a maior preocupação no momento. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/06/inpe-divulga-recorde-de-areas-com-alertas-de-desmatamento-na-amazonia-em-2022.ghtml. Acesso em: 24 fev. 2022.

Num primeiro momento tem-se no desmatamento o impacto ambiental mais amplamente perceptível. Na continuidade, a apropriação da madeira (natureza barata), entrando na circulação mercadológica, capitaliza o “empresário” invasor. Da mesma forma tem-se com a mineração clandestina. O processo inicia com o desmatamento, seguido da apropriação da madeira, exploração mineral, ouro, diamante, cassiterita, comércio e acumulação de capital. O rastro do impacto além do desmatamento constitui-se na contaminação dos rios com mercúrio (mineração clandestina),7 7 Além do desmatamento e da contaminação dos rios e dos peixes que servem de alimento aos indígenas por mercúrio, metal utilizado na atividade garimpeira que foi recentemente identificado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em níveis bem acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em indígenas da etnia, a invasão do garimpo ilegal tem provocado conflitos, violência e mortes, bem como uma explosão no número de doenças infectocontagiosas como a malária no território. O documento aponta ainda a desestruturação dos serviços de saúde nas áreas ocupados pelos garimpeiros. O povo indígena Yanomami, um dos primeiros a ter os direitos sobre seus territórios reconhecidos pelo Estado após a aprovação da Constituição em 1988, atravessa o que pode ser considerada a pior ameaça desde a homologação da Terra Indígena, que completa 30 anos em 2022. É o que denuncia o relatório ‘Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo’, divulgado na última segunda-feira (11) pela Hutukara Associação Yanomami. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/invasao-do-garimpo-em-terras-indigenas-deixa-rastro-de-desmatamento-e-violencia/. o consequente rompimento do metabolismo das populações locais com a natureza e destruição de seus territórios de vida e a extinção e morte de sua população. Trata-se da extinção dos territórios da natureza.

Os conflitos por território expõem tensões e disputas que colocam, de um lado, comunidades que possibilitaram a permanência do ambiente em situação de metabolismo, atendendo as suas necessidades, e, de outro lado, os agentes econômicos externos que veem na apropriação da natureza barata (MOORE, 2022MOORE, J.W. O surgimento da natureza barata. In: MOORE, J. W. (org.) Antropoceno ou Capitaloceno. Natureza, história e crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022b. p. 129-186) a potencialidade para o avanço do capital.

Os impactos, disputas e conflitos ambientais revelam a natureza do território construído a partir da modernização de representações que deram suporte ao entendimento da natureza como separada do homem (sociedade), cuja base tem-se na construção cartesiana de Natureza. A apropriação capitalista e privada da terra separa a natureza para dela se apropriar como sendo outra, aquela que lhe confere recursos além dos valores de uso. Essa apropriação gera conflitos, disputas de diferentes magnitudes. Trata-se de uma ruptura metabólica que constitui a desconstrução de comunidades.

A expressão desse metabolismo presente nas comunidades originárias e tradicionais sugere uma relação orgânica com a natureza em que a “tradição prática” e o conhecimento garantem a unidade da natureza e da natureza humana e a Natureza “universal”. Trata-se do que denominamos território da natureza. Nesse processo de avanço, De Paula (2018) apresenta uma sequência de estágios, os quais foram retomados em Suertegaray (2022):

Ressalta-se que os povos originários, tradicionais e extrativistas têm os meios de produção suficientes para satisfazer as suas necessidades materiais, por isso o território é delimitado por sinais, que constituem a reserva natural. Quando os limites não são respeitados por pessoas de fora do território ou quando parte do território não está acessível ao grupo, a crise se estabelece. A perda de autonomia resulta em um desequilíbrio, que pode chegar ao desaparecimento do grupo em questão (Raffestin, 1986RAFFESTIN, C. Ecogenèse territoriale et territorialité. In: AURIAC, F.; BRUNET, R. Espaces, jeux et enjeux. Paris: Fayard & Fondation Diderot, 1986. p. 175-185., p. 78). Dessa forma, entende-se que a autonomia depende da manutenção da reserva no território. Na apropriação, parte-se de um quadro de natureza (Moscovici, 1968), que não se expressa no território o que Suertegaray (2002) denomina de território da natureza. Neste estágio, as territorialidades se expressam, a partir do conhecimento que se estabelece sobre o espaço para o acesso aos recursos. (SUERTEGARAY, 2022, p. 165).

Prosseguindo:

Nos territórios da natureza saberes de localização e de técnica de obtenção se constituem em poder. O poder se expressa no saber, que é compartilhado entre os comunitários, por meio de conhecimentos tradicionais, que suscitam práticas de uso. A informação, inerente a este saber, é funcional e regulatória, logo ocorre o manejo, por meio de acordos, que são elaborados entre comunitários. Contudo, no âmbito da comunidade, o poder não implica domínio, pois o saber é compartilhado, mediante acordos verbais de uso. Sob a perspectiva relacional, este poder é fluxo; um processo de comunicação bem-sucedido, a partir de objetivos comuns (Raffestin; Barampama, 1998RAFFESTIN, C.; BARAMPAMA, A. Espace et pouvoir. In: BAILLY, A. Les concepts de la géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1998. p. 63-71. ).

O terceiro estágio transcrito corresponde ao contexto, em que, devido à redução dos recursos pesqueiros e/ou à pressão pelo aumento da produção, os saberes, que proporcionavam o uso comum, convertem-se em estratégias de apropriação e de domínio (expressando a redução do território limpo). Neste cenário, são estabelecidas disputas por recursos, que podem resultar em impactos e em conflitos, nos âmbitos da comunidade ou intercomunitário. O poder se apresenta como atributo, adquirido, mantido e perdido, por intermédio de atores (Raffestin; Barampama, 1998). Realiza-se o que Suertegaray (2002) entende como a natureza do território, pois as relações de poder se impõem sobre os saberes e sobre as relações sociais/comunitárias. No âmbito da comunidade, as tensões são decorrentes do desrespeito às regras estabelecidas, evidenciando fissuras e a erosão do conhecimento tradicional. Entre comunidades, frequentemente há a reivindicação do direito de uso exclusivo do território, estabelecendo limites, bem como estratégias de manutenção destes limites. Observa-se, neste momento, a expressão do que Marx denominou falha metabólica ou conceito de metabolismo, entendido como o processo pelo qual o ser humano, através de suas ações, medeia, regula e controla o metabolismo entre ele mesmo e a natureza (Suertegaray, 2017, p. 2011). Tal conceito (falha metabólica) constitui a essência da compreensão da separação do homem da natureza e sua progressiva alienação. (SUERTEGARAY, 2017SUERTEGARAY, D. M. A. (Re) Ligar a Geografia: natureza e sociedade. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2017., p. 165).

Destaca-se que a falha metabólica na constituição dos territórios originários e tradicionais (limpos) decorre da redução dos recursos, da floresta, das águas e dos recursos pesqueiros, entre tantos outros, por exemplo, para os povos indígenas. Essa ruptura ou falha metabólica é produto do avanço da exploração capitalista sobre territórios da natureza, promovendo a territorialidade “suja”, aquela que se manifesta na degradação, poluição e extinção. Dessa forma, a redução do território “limpo” dos territórios originários e tradicionais decorre do avanço por espoliação do território “sujo”. Com essa redução do território “limpo” aqui exemplificado com os territórios indígenas, tem-se a desorganização de vínculos sociais, restrição de acesso aos bens materiais cujo valor pelas comunidades é de uso, além da geração interna de conflitos emanados de agentes externos à comunidade.

A modernidade, pensando o tempo como seta/flecha e promovendo a exploração dos territórios da natureza, indica uma ruptura na passagem do tempo, um combate em que há vencedores e vencidos, sendo sempre premiados os vencedores, ou seja, os agentes externos a esses territórios, os capitalistas. As concepções temporais manifestas nas sociedades que compõem territórios da natureza se expressam como tempo cíclico, uma vez que suas atividades são regidas pela dinâmica da natureza: cheias e secas dos rios, dia e noite, tempo de pousio e tempo de plantio, entre outros. A desconstrução desse tempo, o tempo que faz, o tempo dos ritmos, das variabilidades, é imposto pela ruptura dessa dimensão em benefício de um tempo que, sendo linear e contínuo (dos vencedores), desconstrói suas vivências. Esses seriam vencidos se não fosse estarem em resistência desde a chegada da “modernidade” com os colonizadores processo que continua nesta fase do capitalismo.

Sintetizando

A modernidade se expressa em uma diversidade de pares e dualidades, entre elas tempo/espaço, homem/natureza, natureza/cultura e natureza/sociedade. Nesse atual período histórico, hoje em questionamento, a Natureza foi compreendida e construída como conceito independente do conceito de humanidade. Essa dualidade se configurou como essencial à expansão capitalista, cujas raízes datam do período colonial. Essa dualidade pode ser observada ainda hoje nos conflitos por território/territorialidades que, imbuídos dessa representação, substituíram o entendimento do mundo como orgânico (antigo), para o mundo como um produto social independente da natureza.

No cerne das disputas territoriais entre populações indígenas, fazendeiros e mineradores, estão presentes essas dualidades. Para as populações tradicionais, o mundo é orgânico na sua plenitude material e imaterial, para os invasores grileiros ou garimpeiros, comandados pela lógica de exploração capitalista, a natureza é externa a eles e constitui recurso (natureza barata) a ser apropriado. Para tanto é necessário invadir terras concebidas como “improdutivas”, explorar seus recursos, promover a circulação planetária, a exemplo do ouro, da cassiterita extraída das terras Yanomami e exterminar suas populações, seja pela expansão das doenças, pela subnutrição, seja pela violência aos corpos sob diferentes manifestações.

O genocídio revelado nessa parcela do território brasileiro é o exemplo da desumanidade sob a lógica capitalista que se funda, também, pela mediação do Estado quando cria infraestrutura de acesso, promove ou desregula legislações de proteção de territórios e mesmo paisagens, como ocorreu de forma intensa no Brasil (2019-2022), revelando que a invasão das Terras Indígenas tem sido a regra. Em documento divulgado pelo Greenpeace, os rios destruídos pelo garimpo nas Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Estado do Pará, se expressam na seguinte sequência histórica: até 2016, 26,6 km; 2017, 39,3 km; 2018, 88,5 km; 2019, 178 km; 2020, 235,3 km; 2021, 65 km (dados parciais até outubro de 2021). No total, somam-se 632,8 km de rios destruídos pelo garimpo, entre eles citam-se os rios Marupá, Das Tropas e Cabitutu, além dos demais impactos causados diretamente a esses povos indígenas.8 8 Quilômetros de rios destruídos pelo garimpo na Terra Indígena MundurukueSai Cinza. Além do prejuízo ambiental e de impedir o uso dessas águas para necessidades vitais do povo, como a pesca, a contaminação desses rios causa também um enorme prejuízo cultural aos Munduruku, prejudicando seus laços culturais com o ambiente e negando seu direito de ser e existir. O garimpo também suprime Áreas de Preservação Permanente (APPs), desmata florestas contíguas e provoca a abertura de estradas e ramais, gerando ainda mais desmatamento. Disponível: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/a-morte-dos-rios/. Acesso em: 25 fev. 2022.

A permanência das sociedades originárias e tradicionais depende da presença simultânea de informação funcional e de informação regulatória sobre seus territórios e nos processos que implicam na manutenção de suas existências. O que ocorre na invasão e apropriação e extermínio dos Yanomami é uma regulação e desregulação externa às comunidades. Nessas condições, têm-se conflitos de poder entre o território em escala nacional (o Estado) e os territórios indígenas, como também em outras territorialidades locais. Nessas condições, revelam-se impactos ambientais, disputas no território e conflitos por território.

O território da natureza compreende Natureza como um conceito universal (no qual o ser humano se inclui) e expressa uma funcionalidade orgânica. A expressão dessa conjunção é metaforicamente identificada como “mal limpo”, considerando a lógica do capital. A natureza do território compreende a ruptura do metabolismo entre ser humano e o meio. Essa ruptura é produto da transformação progressiva da natureza em segunda natureza e sua valoração enquanto valor de troca como já se expressava Marx e que na atualidade vem sendo resgatado (FOSTER, 2010FOSTER, J. B. A ecologia em Marx: materialismo e natureza. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.). Nessa condição histórica, tem-se a separação do ser humano da natureza, sendo a Natureza concebida como externa ao sujeito. Tal objeto constitui-se de apropriação, de dominação e de exploração, sobretudo associado à expansão da ciência, posto que os objetos produzidos a partir dela e ela própria se tornam mercadorias. Trata-se da natureza do território, pois sua apropriação revela intencionalidade política e poder assimétrico entre os seres humanos constituintes das sociedades e entre sociedades e naturezas. Rompe-se o meio (território da natureza) e se constroem ambientes (natureza do Território).

Ambientes, por sua vez, revelam disputas materiais e de representação. Esses podem ser limpos e democráticos e da mesma forma podem ser ambientes sujos e de dominação, em conflito. Ambiente, em nosso tempo, não é o meio. Meio é orgânico e expresso em redes naturais, nas quais se incluem o homem. Ambiente é um produto social que expressa a forma como as sociedades, em especial a ocidental/capitalista, concebeu a natureza como externa, e, portanto, passível de ser subjugada, como já dizia Bacon no advento da racionalidade ocidental a natureza enquanto feminina deve ser conhecida e subjugada.

References

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  • SUERTEGARAY, D. M. A. Meio, Ambiente e Geografia. Porto Alegre: Compasso Lugar-Cultura, 2021.
  • 1
    A compreensão do homem como agente geomorfológico está expressa nos estudos de Geomorfologia há décadas. Felds, nos anos 1950, preocupava-se com essa temática, entre outros. Trago essa discussão, inicialmente, em minha dissertação de mestrado (1981). Aqui, mais precisamente, ofereço o exemplo da Geologia e sua leitura sobre o tema iniciada quando a questão ambiental favoreceu construções analíticas que absorveram essa problemática e o debate filosófico e científico avançou na reflexão sobre compartimentação científica e concepção de natureza e de sociedade.
  • 2
    Pela primeira vez, as três dimensões aqui abordadas foram extraídas de diferentes textos de minha autoria, resgatados e interpretados por De Paula (2020DE PAULA, C. Q. A epistemologia ambiental de Dirce Suertegaray: a natureza da natureza, o território da natureza e a natureza do território. In: DE PAULA, C. Q; PIRES, C. L. Z. (org.). Dirce Suertegaray, a geógrafa na fronteira do pensamento. Porto Alegre: IGEO/UFRGS, 2020. p. 201-226.), p. 201-226.
  • 3
    Los seres vivos se caracterizan porque, literalmente, se producen continuamente a si mismos, lo que indicamos al llamar a la organización que los define, organización autopoética (MATURANA; VARELA, 2010, p. 25).
  • 4
    O acumulado de alertas de desmatamento na Amazônia Legal durante o ano de 2022 representa a pior marca da série histórica: 10.267 km², de janeiro até 30 de dezembro. Os dados são medidos anualmente, desde 2015, pelo Instituto de Pesquisas Espaciais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/alertas-de-desmatamento-em-2022-bateram-recorde-na-serie-historica-aponta-inpe/.
  • 5
    O povo indígena Yanomami, um dos primeiros a ter os direitos sobre seus territórios reconhecidos pelo Estado após a aprovação da Constituição em 1988, atravessa o que pode ser considerada a pior ameaça desde a homologação da Terra Indígena, que completa 30 anos em 2022. É o que denuncia o relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”, divulgado pela Hutukara Associação Yanomami. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/invasao-do-garimpo-em-terras-indigenas-deixa-rastro-de-desmatamento-e-violencia/. Acesso em: 24 fev. de 2022.
  • 6
    O sistema Deter do instituto Nacional de Pesquisas Especiais foi criado como ferramenta do plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal em 2004. A alerta rápido diário é para facilitar a fiscalização e tentar conter o desmatamento. Em 2015, o sistema foi aprimorado: outros dois satélites passaram a ser utilizados, inclusive um brasileiro desenvolvido em parceria com a China. Os números completos de um ano só foram registrados a partir de 2016, quando a presidente era Dilma Rousseff. Os alertas caíram em 2017, no governo Temer, e subiram em 2018, ainda com Temer. A partir de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a área de derrubadas da Floresta Amazônica dá um salto e se mantém acima dos 8 mil km², chegando a 10.267 km² em 2022. Uma devastação equivalente a uma área de quase sete vezes a cidade de São Paulo. Os Estados com mais áreas desmatadas em 2022 foram Pará, Mato Grosso e Amazonas. E é nesse Estado a maior preocupação no momento. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/01/06/inpe-divulga-recorde-de-areas-com-alertas-de-desmatamento-na-amazonia-em-2022.ghtml. Acesso em: 24 fev. 2022.
  • 7
    Além do desmatamento e da contaminação dos rios e dos peixes que servem de alimento aos indígenas por mercúrio, metal utilizado na atividade garimpeira que foi recentemente identificado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em níveis bem acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em indígenas da etnia, a invasão do garimpo ilegal tem provocado conflitos, violência e mortes, bem como uma explosão no número de doenças infectocontagiosas como a malária no território. O documento aponta ainda a desestruturação dos serviços de saúde nas áreas ocupados pelos garimpeiros. O povo indígena Yanomami, um dos primeiros a ter os direitos sobre seus territórios reconhecidos pelo Estado após a aprovação da Constituição em 1988, atravessa o que pode ser considerada a pior ameaça desde a homologação da Terra Indígena, que completa 30 anos em 2022. É o que denuncia o relatório ‘Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo’, divulgado na última segunda-feira (11) pela Hutukara Associação Yanomami. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/invasao-do-garimpo-em-terras-indigenas-deixa-rastro-de-desmatamento-e-violencia/.
  • 8
    Quilômetros de rios destruídos pelo garimpo na Terra Indígena MundurukueSai Cinza. Além do prejuízo ambiental e de impedir o uso dessas águas para necessidades vitais do povo, como a pesca, a contaminação desses rios causa também um enorme prejuízo cultural aos Munduruku, prejudicando seus laços culturais com o ambiente e negando seu direito de ser e existir. O garimpo também suprime Áreas de Preservação Permanente (APPs), desmata florestas contíguas e provoca a abertura de estradas e ramais, gerando ainda mais desmatamento. Disponível: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/a-morte-dos-rios/. Acesso em: 25 fev. 2022.

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Paula Cristiane Strina Juliasz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2023
  • Aceito
    06 Jun 2023
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