Acessibilidade / Reportar erro

Antropoceno e História: Orbis hypothesis na construção de uma História Ambiental latino-americana

Resumo

O artigo que segue tem por finalidade apresentar, de forma geral, algumas possibilidades e limitações da utilização do conceito de Antropoceno pela História Ambiental, destacando algumas disputas epistemológicas que ainda circundam o termo, como a definição de um marco temporal ou seu emprego transdisciplinar. E, de modo mais específico, explorar as possibilidades de uso da orbis hypothesis, proposta de marco temporal para o Antropoceno, na construção de uma História Ambiental Latinoamericana, destacando o modo como este possibilitaria a convergência interdisciplinar epistemológica de parâmetros e indicadores biofísicos de antropização ecossistêmica com os processos sócio-históricos coloniais fundantes da modernidade.

Palavras-chave:
epistemologia; colonialismo; interdisciplinaridade; América Latina

Abstract

This article aims to present, in general, some possibilities and limitations of the use of the Anthropocene concept in environmental history, highlighting some epistemological disputes that still surround the term, such as the definition of a time frame or its transdisciplinary use. And, more specifically, to explore the possibilities of using the Orbis hypothesis, proposed as a time frame for the Anthropocene, in the construction of a Latin American environmental history, highlighting the way in which it would enable the interdisciplinary epistemological convergence of biophysical parameters and indicators of ecosystem anthropization with the founding colonial sociohistorical processes of modernity.

Keywords:
epistemology; colonialism; interdisciplinarity; Latin America

Resumen

El artículo que sigue pretende presentar, en general, algunas posibilidades y limitaciones del uso del concepto Antropoceno por parte de la Historia Ambiental, destacando algunas disputas epistemológicas que aún rodean al término, como la definición de un marco temporal o su uso transdisciplinario. Y, más específicamente, explorar las posibilidades de utilizar la orbis hipothesys, propuesta como marco temporal del Antropoceno, en la construcción de una Historia Ambiental Latinoamericana, destacando la forma en que permitiría la convergencia epistemológica interdisciplinaria de parámetros e indicadores biofísicos. de la antropización de los ecosistemas con los procesos sociohistóricos coloniales fundantes de la modernidad.

Palabras-clave:
epistemología; colonialismo; interdisciplinariedad; America Latina

Até a consolidação da História Ambiental, por volta da década de 1970, a manifest history, prática historiográfica que se ocupava dos grandes acontecimentos e dos “principais eventos de seu próprio tempo”, dominou o debate historiográfico do final do séc. XIX até meados do séc. XX. Problemas relacionados ao meio natural não eram geralmente sequer mencionados, permanecendo os historiadores “cegos em considerar as questões ambientais”17 17 Do original: “purblind in considering environmental matters”. (CROSBY, 1995CROSBY, A. W. The Past and Present of Environmental History. The American Historical Review, v. 100, n. 4, p. 1177-1189, 1995. , p. 1177-1181, tradução nossa).

A partir do século XX, o desenvolvimento e a evolução de disciplinas como a Arqueologia, a Ecologia e a Geografia forneceram importantes aportes para a História e para uma nascente e ainda indefinida História Ambiental, contribuindo para a formação - inicialmente nos Estados Unidos - desse novo campo então denominado Environmental History. Marc Bloch (2001 [1953BLOCH, M. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. (Manuscritos de 1941-1942). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001[1953].]), herdeiro dos Annales e da Nova História, ainda na década de 1940, afirmaria que “sem dúvida, os destinos humanos inserem-se no mundo físico e sofrem sua influência” (p. 157). No mesmo período no Brasil, em alguns historiadores já podemos também nos deparar com uma natureza contemplada (MARTINEZ, 2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006.; DUARTE, 2013DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.).

O surgimento de um debate público e a crescente preocupação com as questões ambientais, vivenciados a partir da última metade do século XX, sensibilizaram alguns historiadores e historiadoras que, sendo sujeitos de seu próprio tempo ou, como diria Duarte (2013DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.), “amantes incondicionais do presente” (DUARTE, 2013DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013., p. 31), procuram responder historicamente às questões latentes de seu contexto vivido.

A História Ambiental passa então a tomar contornos mais definidos a partir da ascensão dos movimentos ambientalistas e dos new environmentalists (CROSBY, 1995CROSBY, A. W. The Past and Present of Environmental History. The American Historical Review, v. 100, n. 4, p. 1177-1189, 1995. ), no contexto da Great Acceleration (PÁDUA, 2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.; ACKER; FISCHER, 2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. ; ROBERTS; BOIVIN; KAPLAN, 2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ), caracterizado pelo aumento vertiginoso e sem precedentes do desenvolvimento tecnológico e industrial, de concentração de riqueza, desigualdades socioambientais e exploração dos recursos naturais; assim como da poluição e da destruição de habitats, ecossistemas e biomas.

A História Ambiental é fundada, de certo modo, portanto, pela crise ambiental contemporânea, quando esta toma com mais intensidade o debate público nas últimas décadas do século XX, tornando-se algo muito próximo de “uma preocupação generalizada da sociedade” (CARVALHO, 2006CARVALHO, E. B. História & Natureza. História (São Paulo), v. 25, n. 1, p. 254-260, 2006. , p. 254), contribuindo na construção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2007LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 . Acesso em: 23 mar. 2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esb...
).

Passando então a “situar as instituições humanas em uma dialética com contextos naturais”18 18 Do original: “to situate human institutions in a dialectic with natural contexts”. (TURKEL, 2006TURKEL, W. Every Place is an Archive: Environmental History and the interpretation of physical evidence. Rethinking History, v. 10, n. 2, p. 259-276, 2006. , p. 267, tradução nossa), assumiria a História Ambiental um papel importante nas tomadas de decisão política e de gestão acerca das questões ambientais. Duarte (2013DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.), historiadora ambiental brasileira, afirma a esse respeito que “compreender a historicidade das relações entre a sociedade e a natureza pode, certamente, dar-nos instrumentos para assumir uma postura mais crítica frente aos debates sobre o ambiente” (DUARTE, 2013DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013., p. 32).

Verena Winiwarter (2003WINIWARTER, V. Approaches to Environmental History: a field guide to its concepts. In: SZABÓ, P.; LASZLOVSZKY, J. (ed.). People and Nature in Historical Perspective. Budapest: Central European University, 2003. p. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://www.academia.edu/59048885/Approa...
), engenheira química e historiadora ambiental austríaca, por sua vez, afirma que

[…] os humanos fazem parte da natureza tanto quanto estão à parte dela. Estou certa de que a elucidação de sua interação ao longo do tempo produz informações necessárias e relevantes para as tentativas da sociedade moderna de desenvolver um modo de vida menos insustentável.19 19 Do original: “[…] humans are part of nature as much as they are apart from it. I am sure that the elucidation os their interaction over time produces necessary and relevant information for modern society attempts to develop a less unsustainable livelihood”. (WINIWARTER, 2003WINIWARTER, V. Approaches to Environmental History: a field guide to its concepts. In: SZABÓ, P.; LASZLOVSZKY, J. (ed.). People and Nature in Historical Perspective. Budapest: Central European University, 2003. p. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://www.academia.edu/59048885/Approa...
, p. 4, tradução nossa)

Para Guldi e Armitage (2018GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018.), ela “abre novas possibilidades para o futuro, e […] esclarece o passado com seu alarido, suas contradições e suas mentiras” (GULDI; ARMITAGE, 2018GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018., p. 23). Worster (1991WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2324 . Acesso em: 16 fev. 2018.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
; 2012WORSTER, D. A natureza e a desordem da história. In: FRANCO, J. L. A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 367-384.), para quem a História Ambiental surge a partir de fortes compromissos éticos e políticos, moralmente engajada, também acaba por concluir pelo papel pedagógico que ela pode ter em relação aos problemas ambientais e climáticos e que o estudo das relações humanas com a natureza no passado tem nos mostrado, em diversos contextos históricos, “modelos de adaptação bem-sucedida” ao meio (WORSTER, 2012WORSTER, D. A natureza e a desordem da história. In: FRANCO, J. L. A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 367-384., p. 381) e menos destrutivos dessas sociedades com seu entorno natural.

Com o natural amadurecimento acadêmico, o campo expandiu sua agenda da política cada vez mais em direção ao comprometimento científico, às análises e interpretações rigorosas e à construção de um aparato teórico e metodológico sólido, uma vez que “a legitimação externa, que brota de demandas sociais concretas, embora necessária e bem-vinda, não é suficiente para conferir sentido e validade ao trabalho do historiador” (MARTINEZ, 2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006., p. 13).

Provocada e estimulada pelo diálogo interdisciplinar entre as Ciências Naturais e as Sociais (SANTOS, 2010SANTOS, B. S. Um Discurso sobre as Ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez , 2010. ; LEFF, 2011LEFF, E. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. Olhar de professor, v. 14, n. 2, p. 309-335, 2011. ; MORIN, 2014MORIN, E. Ciência com Consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014., 2015MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.) e pela percepção da importância da dimensão biofísica nos processos históricos - chamado de princípio de interdependência (WORSTER, 2012WORSTER, D. A natureza e a desordem da história. In: FRANCO, J. L. A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 367-384.) - a História Ambiental vem procurando aprofundar a compreensão das inter-relações entre as sociedades humanas e seu meio natural através do tempo, tratando “do papel e do lugar da natureza na vida humana” (WORSTER, 1991WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2324 . Acesso em: 16 fev. 2018.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 201), rompendo ao mesmo tempo com um determinado paradigma da imunidade humana (DRUMMOND, 1991DRUMMOND, J. A. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 177-197, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2319 . Acesso em: 5 maio 2019.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
) e com a ideia de um human exemptionalism (WINIWARTER, 2003WINIWARTER, V. Approaches to Environmental History: a field guide to its concepts. In: SZABÓ, P.; LASZLOVSZKY, J. (ed.). People and Nature in Historical Perspective. Budapest: Central European University, 2003. p. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://www.academia.edu/59048885/Approa...
), segundo os quais a experiência humana pairaria sobre um ambiente inerte, tendo o meio a sua volta apenas como pano de fundo no desenrolar dos eventos históricos.

Sobre os possíveis e necessários diálogos com outras disciplinas como a Geografia - menos determinista e mais possibilista a partir de La Blache e Sauer - e a construção de um enfoque espaço-temporal mais complexo e completo, Milton Santos (2006SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. São Paulo: Editora da USP , 2006.), geógrafo brasileiro, afirmaria que,

já que a realização concreta da história não separa o natural e o artificial, o natural e o político, devemos os propor um outro modo de ver a realidade, oposto a esse trabalho secular de purificação, fundado em dois pólos distintos. No mundo de hoje, é frequentemente impossível ao homem comum distinguir claramente as obras da natureza e as obras dos homens […]. (SANTOS, 2006SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. São Paulo: Editora da USP , 2006., p. 65).

A abordagem do espaço quadridimensional proposta por ele (SANTOS, 2004SANTOS, M. Por uma Geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 6. ed. São Paulo: Editora da USP, 2004.), inclui acertadamente a categoria tempo nas análises espaciais. Perspectiva defendida também por Ana Carlos (2018CARLOS, A. F. A Condição Espacial. 1. ed. 3a reimp. São Paulo: Contexto, 2018.), para quem as relações socioespaciais só podem se dar numa conjunção de espaço e de tempo que, indissociáveis, articulam passado, presente e futuro, e por Porto-Gonçalves e Quental (2012PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n...
), segundo o qual as próprias designações e demarcações geográficas se dão, em grande medida, “a partir de marcos temporais sequenciais” (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n...
, p. 3). A História Ambiental, através de seus fecundos diálogos com a Geografia, estaria mais apta a considerar tanto a historicidade do espaço geográfico, quanto a espacialidade dos fenômenos históricos enquanto faces de uma mesma realidade.

Embora um escopo teórico e metodológico venha sendo construído nas últimas décadas em torno de uma teoria da História Ambiental, “o problema de encontrar um quadro teórico consistente abrangendo as ciências naturais […] e as ciências humanas”20 20 Do original: “the problem of finding a consistent theoretical framework encompassing natural sciences […] and the humanities”. (WINIWARTER, 2003WINIWARTER, V. Approaches to Environmental History: a field guide to its concepts. In: SZABÓ, P.; LASZLOVSZKY, J. (ed.). People and Nature in Historical Perspective. Budapest: Central European University, 2003. p. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts . Acesso em: 29 abr. 2020.
https://www.academia.edu/59048885/Approa...
, p. 3, tradução nossa) ainda pode ser um problema também para historiadores do ambiente. A respeito do fazer História Ambiental na América Latina e das possibilidades metodológicas para isso, Gallini (2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. ), historiadora ambiental colombiana, recentemente afirmou que,

ainda lhe falta clareza metodológica. Como é feita a história ambiental? […] São poucas as referências sobre o método de investigar e muito menos de ensinar história ambiental da e para a América Latina […].21 21 Do original: “a esta le sigue faltando claridad metodológica. ¿Cómo se hace historia ambiental? […] Son pocas las referencias acerca del método para investigar y menos aún para enseñar historia ambiental desde y para América Latina […]”. (GALLINI, 2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. , p. 207, tradução nossa).

Esses desafios teóricos e metodológicos, todavia, podem ser enfrentados com o aprofundamento das práticas interdisciplinares, dos estudos multidisciplinares e transdisciplinares e da imersão em outras áreas que envolvam diretamente ou não os saberes ambientais (NICOLESCU, 1999NICOLESCU, B. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.; MORAES, 2005MORAES, A. Meio Ambiente e Ciências Humanas. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2005.; LEFF, 2007LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 . Acesso em: 23 mar. 2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esb...
, 2011LEFF, E. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. Olhar de professor, v. 14, n. 2, p. 309-335, 2011. ).

Dentre essas possibilidades, o Antropoceno, conceito transdisciplinar surgido inicialmente como uma proposta de nova época geológica, tornou-se, contudo, uma ferramenta conceitual bastante fecunda nos estudos ambientais. Funda um período histórico específico, marcado pela capacidade humana de intervir profundamente nos sistemas ecológicos planetários numa escala global e temporal sem precedentes. Nesse sentido e perspectiva, apresentamos, no presente artigo, algumas propostas de utilização conceitual do Antropoceno, essa ferramenta interdisciplinar das mais promissoras para a História Ambiental.

Exploraremos, especificamente, as possibilidades e limitações da utilização do Antropoceno na construção de uma História Ambiental Latinoamericana através da proposta de datação e entendimento do Antropoceno denominada Orbis hypothesis (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ). Sua utilização possibilitaria a convergência epistemológica interdisciplinar de parâmetros e indicadores biofísicos da antropização ecossistêmica com os processos sócio-históricos latino-americanos e coloniais fundantes da modernidade.22 22 Metodologicamente, a História costuma denominar de período moderno ou modernidade aquele que se segue após os grandes eventos ocidentais do século XVI, como as grandes navegações europeias, a ascensão do capitalismo, os sistemas coloniais e o escravismo transatlântico, até a Revolução Francesa em 1789, quando se inaugura o período contemporâneo.

História ambiental na América Latina

Além dos movimentos políticos e sociais em torno dos problemas ambientais, são identificadas algumas mudanças epistemológicas importantes firmadas no século XX - embora gestadas anteriormente - em relação ao conhecimento humano (PÁDUA, 2012PÁDUA, J. A. As bases teóricas da História Ambiental. In: FRANCO, J. L. de A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 17-38.), que impulsionam o surgimento desse novo enfoque ambiental na pesquisa histórica.

Essas mudanças consistem especialmente na alteração da percepção e atitude frente ao mundo natural (THOMAS, 2010THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Cia. das Letras, 2010.) e na constatação aterradora do potencial humano de intervenção nos processos naturais do planeta, do nível mais básico aos mais profundos patamares geológicos e de alterações do clima no globo, pondo em xeque a nossa própria existência e a de outras formas de vida.

Participam também dessas mudanças epistemológicas a crise do paradigma dominante de conhecimento (SANTOS, 2010SANTOS, B. S. Um Discurso sobre as Ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez , 2010. ; MORIN, 2015MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.) e de seus pilares deterministas e mecanicistas; a atribuição de historicidade ao conceito de natureza e à própria natureza; a ruptura de antigos padrões cronológicos com a ascensão das Ciências Geológicas; e ao avanço da História Natural, das teorias evolutivas e das Ciências Naturais como um todo, a partir do século XIX (CROSBY, 2011CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São Paulo: Cia das Letras, 2011.; WORSTER, 2012WORSTER, D. A natureza e a desordem da história. In: FRANCO, J. L. A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 367-384.).

Na América Latina, a História Ambiental vem se expandindo e se consolidando nas últimas décadas, principalmente em torno da Sociedad Latinoamericana y Caribeña de Historia Ambiental (SOLCHA), a qual funciona efetivamente desde 2006 e cujas crescentes publicações derivam em sua maior parte, mas não apenas, do México, Brasil e Colômbia (SÁNCHEZ-CALDERÓN; BLANC, 2019SÁNCHEZ-CALDERÓN, V.; BLANC, J. La Historia Ambiental Latinoamericana: cambios y permanencias de un campo en crecimiento. História Crítica, Bogotá, n. 74, p. 3-18, 2019. ).

Simon Schama (1996SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996. ), para quem os historiadores ambientais seriam demasiados catastrofistas, afirmaria que,

embora a história do ambiente seja uma das mais originais e instigantes que estão sendo escritas hoje, ela, inevitavelmente, expõe o mesmo quadro desanimador: terras tomadas, exploradas, exauridas; culturas tradicionais que sempre viveram numa relação de sagrada reverência com o solo e foram desalojadas pelo individualista displicente, pelo agressor capitalista. (SCHAMA, 1996SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996. , p. 23)

De fato, embora tenha sido uma tendência geral da História Ambiental seu caráter cataclísmico - tendo em vista que o núcleo de seu objeto de pesquisa é uma natureza claramente devastada em quase toda parte - nos estudos latino-americanos, percebe-se um aprofundamento dessa abordagem histórica ambientalmente trágica (SÁNCHEZ-CALDERÓN; BLANC, 2019SÁNCHEZ-CALDERÓN, V.; BLANC, J. La Historia Ambiental Latinoamericana: cambios y permanencias de un campo en crecimiento. História Crítica, Bogotá, n. 74, p. 3-18, 2019. ).

A América Latina carrega consigo as mazelas e amarguras de sua entrada subalternizada no circuito capitalista global da modernidade a partir do século XVI. Sua condição de fonte extrativista de recursos primários e naturais e um passado colonialista de superexploração socioambiental alimentou o mundo moderno e as metrópoles globais de insumos, terras, mão de obra servil e mercados consumidores por séculos.

Essa “narrativa em geral negativa”23 23 Do original: “narrativa por lo general negativa”. (GALLINI, 2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. , p. 186, tradução nossa), compreensível, pode ser atribuída ao “trauma catastrófico da conquista”24 24 Do original: “el trauma catastrófico de la conquista”. (ALIMONDA, 2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58., p. 21, tradução nossa) e a subordinação histórica do continente. Para Todorov (2019TODOROV, T. A Conquista da América: a questão do outro. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019.), de sua perspectiva eurocentrada, “é a conquista da América que anuncia e funda nossa identidade presente” (TORODOV, 2019TODOROV, T. A Conquista da América: a questão do outro. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019., p. 7) - embora não deixe explícito a quem esse “nossa” se refira.

Todavia, a narrativa colonial da América como uma espécie de história teleológica declencionista25 25 Aquela que considera que as condições socioambientais de um espaço tendem sempre à degradação. , estaria arraigada na historiografia ambiental latino-americana, sendo “sua tendência provavelmente fisiológica”26 26 Do original: “su probablemente fisiológica tendencia”. (GALLINI, 2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. , p. 196, tradução nossa), desconsiderando muitas vezes que as questões ecológicas e ambientais são muito mais complexas e multifacetadas (LEFF, 2007LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 . Acesso em: 23 mar. 2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esb...
).

Tendo em vista esses e outros problemas epistemológicos na construção da História Ambiental Latinoamericana, podemos considerar algumas abordagens e estratégias que colaborem com a superação das análises maniqueístas, simplificadoras e exclusivamente negativistas, descortinando a complexidade histórica própria das relações socioambientais (DIEGUES, 2008DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. São Paulo: Hucitec: Nupaub-USP/CEC, 2008.; ELLIS; RAMMANKUTTY, 2008ELLIS, E. C.; RAMANKUTTY, N. Putting People in the Map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 6, n. 8, p. 439-447, 2008.; LEWIS; EDWARDS; GALBRAITH, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ).

Tomando por exemplo o Brasil, esse gigante populacional e territorial, considerado o maior país tropical do mundo e um dos maiores consumidores e detentores de recursos naturais, é também um celeiro de sociobiodiversidade em seus diversos biomas e ecossistemas tropicais e subtropicais, com seus muitos ecótonos e vastas áreas de floresta tropical (ainda que bastante devastadas como a Mata Atlântica).

Segundo Drummond (2002DRUMMOND, J. A. Por que estudar a História Ambiental do Brasil? - ensaio temático. Varia História, n. 26, p. 13-32, 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.variahistoria.org/s/01_Drummond-Jose-Augusto.pdf . Acesso em: 5 maio 2019.
http://www.variahistoria.org/s/01_Drummo...
), essas e outras características fazem do Brasil - e da América Latina - um campo de pesquisa privilegiado e “altamente propício para estudos de história ambiental” (DRUMMOND, 2002DRUMMOND, J. A. Por que estudar a História Ambiental do Brasil? - ensaio temático. Varia História, n. 26, p. 13-32, 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.variahistoria.org/s/01_Drummond-Jose-Augusto.pdf . Acesso em: 5 maio 2019.
http://www.variahistoria.org/s/01_Drummo...
, p. 14). A recente ocupação humana do território na América Latina também é apontada como um fator especial (ETCHEVARNE, 2016ETCHEVARNE, C. Os Habitantes Pré-Coloniais da Mata Atlântica Nordestina. In: CABRAL, D. de C.; BUSTAMANTE, A. G. (org.). Metamorfoses florestais: culturas, ecologias e as transformações históricas da Mata Atlântica. 1. ed. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 85-105. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/310465144_Metamorfoses_florestais_culturas_ecologias_e_as_transformacoes_historicas_da_Mata_Atlantica . Acesso em: 4 maio 2020.
https://www.researchgate.net/publication...
; BARRETO; DRUMMOND, 2017BARRETO, C. G.; DRUMMOND, J. A. Pre-Columbian Anthropogenic Changes in Landscapes of the Brazilian Atlantic Forest. Revista de Historia Iberoamericana, v. 10, n. 1, p. 10-33, 2017. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7054263 . Acesso em: 3 out. 2021.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
), tendo em vista que a antropização foi mais recente e, em tese, menos perturbadora, de modo geral, que o restante do mundo.

Para além de suas características naturais, outros fatores derivados de sua condição colonial tornam a América Latina um espaço distinto para a pesquisa em História Ambiental. A entrada maciça de povos oriundos de outras partes do mundo e a miscigenação cultural, étnica e também biológica, com a inserção de espécies exóticas e invasoras (CROSBY, 2011CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São Paulo: Cia das Letras, 2011.), o sincretismo técnico dos manejos e usos dos solos e as racionalidades ambientais múltiplas (LEFF, 2007LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 . Acesso em: 23 mar. 2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esb...
) transformaram profundamente esses ecossistemas tropicais, tornando-os únicos. A esse respeito, Alimonda (2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58.) afirma que,

na verdade, o território que veio a ser conhecido como ‘América’ foi o cenário do que pode ter sido a maior sucessão de catástrofes ambientais da história humana: invasão de pessoas, animais, espécies de plantas e doenças que devastaram e subjugaram suas populações originárias.27 27 Do original: “en efecto, el territorio que vino a ser conocido como ‘América’ fue escenario de lo que quizás haya sido la mayor sucesión de catástrofes ambientales de la historia humana: invasión de humanos, de animales, de especies vegetales, de enfermedades que arrasaron y sometieron a sus poblaciones originarias”. (ALIMONDA, 2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58., p. 29, tradução nossa).

Mesmo antes da institucionalização da História Ambiental, segundo Martinez (2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006.), “no Brasil, a natureza foi objeto e presença incontornável na historiografia” (MARTINEZ, 2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006., p. 27), uma vez que quase todas as atividades econômicas desenvolvidas estiveram intimamente ligadas ao meio natural e aos recursos primários, assim como a organização e as dinâmicas sociais dos habitantes e a própria formação identitária da sociedade e do território. Tudo orbitando de alguma maneira em torno da natureza tropical no transcorrer dos séculos.

Essas mesmas características distintas e únicas que fazem da América Latina um campo instigante, criativo e desafiador à História Ambiental, também permitem - e exigem - que se construa uma epistemologia original, adaptada a essa realidade, razoavelmente distanciada e independente de outras correntes historiográficas ambientais que normalmente dominariam o campo teórico e metodológico, como o são as correntes do Norte global em relação com o Sul global (FERNANDEZ; LAUXMANN; TREVIGNANI, 2014FERNANDEZ, V. R.; LAUXMANN, C. T.; TREVIGNANI. M. F. Emergencia del Sur Global: perspectivas para el desarrollo de la periferia latinoamericana. Economia e Sociedade, v. 23, n. 3, 2014, p. 611-643. ).

Devemos evitar o que Alimonda (2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58., p. 25, tradução nossa) chamou de “perspectiva globalocéntrica” ou de “efeito Giddens”28 28 Refere-se às teses sobre modernidade e globalização de Anthony Giddens, sociólogo britânico (GIDDENS, 2012). . Esses, sem que percebamos, acabam por recuperar “os dispositivos discursivos do colonialismo” adotando uma perspectiva de modernidade homogeneizante onde essa se daria como um caminho único, linear, teleológico e progressivo. Uma modernidade de narrativa única, conforme aponta Porto-Gonçalves e Quental (2012PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n...
), na qual, segundo Escobar (2005), “todas as culturas e sociedades do mundo são reduzidas a uma manifestação da história e cultura europeias”29 29 Do original: “todas las culturas y sociedades del mundo son reducidas a la manifestación de la historia y la cultura europeas”. (ESCOBAR, 2005, p. 68 apudALIMONDA, 2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58., p. 25, tradução nossa) ou norte-americana.

De modo algum faria sentido excluir as valiosas contribuições teóricas desses polos intelectuais, a propósito, fundadores de uma Environmental History institucionalizada. Mas, não podemos perder de vista a importância da construção de metodologias e epistemologias nativas próprias e coerentes às especificidades históricas e ecológicas da América Latina e do Brasil.

De todo modo, essas peculiaridades e possibilidades latino-americanas “desde logo, afugentam os riscos de uma ‘historiografia de imitação’ ou de mimetismo acadêmico das modas intelectuais europeias e norte-americanas” (MARTINEZ, 2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006., p. 26). A prática historiográfica brasileira sempre acolheu com simpatia as diversas contribuições desses centros produtores de conhecimento. Mas poderíamos, certamente, pelos motivos acima expostos, “no âmbito da História Ambiental, oferecer mais do que receber” (MARTINEZ, 2006MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006., p. 37).

Antropoceno enquanto Período Histórico

O conceito de Antropoceno traz em seu cerne o debate do papel dos seres humanos na natureza. Paul Crutzen e Eugene Stoermer (2000CRUTZEN, P. J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene.” IGBP Newsletter, v. 41, p. 17-18, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.igbp.net/download/18.316f18321323470177580001401/1376383088452/NL41.pdf . Acesso em: 5 maio 2021.
http://www.igbp.net/download/18.316f1832...
), cunhadores do termo, ao avaliar alguns índices globais como o crescimento demográfico, exploração de recursos, urbanização e vários outros impactos antrópicos, observaram que os seres humanos seriam os grandes causadores de mudanças climáticas, de impactos nos ecossistemas e de alterações profundas nos sistemas naturais globais. Concluíram, naquele momento, que:

Considerando esses e muitos outros impactos importantes e ainda crescentes das atividades humanas na terra e na atmosfera, e em todas as escalas, incluindo escalas globais, parece-nos mais do que apropriado enfatizar o papel central da humanidade na geologia e ecologia, propondo o uso do termo ‘antropoceno’ para a época geológica atual.30 30 Do original: “Considering these and many other major and still growing impacts of human activities on earth and atmosphere, and at all, including global, scales, it seems to us more than appropriate to emphasize the central role of mankind in geology and ecology by proposing to use the term ‘anthropocene’ for the current geological epoch”. (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, P. J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene.” IGBP Newsletter, v. 41, p. 17-18, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.igbp.net/download/18.316f18321323470177580001401/1376383088452/NL41.pdf . Acesso em: 5 maio 2021.
http://www.igbp.net/download/18.316f1832...
, p. 17, tradução nossa).

Essa pretensa nova época geológica, caracterizada pela aceleração e intensidade dos impactos e modificações antrópicas nos ecossistemas e no planeta como um todo, foi proposta inicialmente com base nos níveis alarmantes de concentração atmosférica de CO2 e CH4 que despontaram nos gráficos a partir do séc. XVIII (CRUTZEN, 2002CRUTZEN, P. J. Geology of mankind. Nature, v. 415, p. 23, 2002. ).

O período coincide com uma Revolução Industrial vivida naquele século e, embora não tenha sido aprovada oficialmente como uma época geológica pela International Commission on Stratigraphy (ICS), o Antropoceno passou a ser muito mais que uma proposta de estratigrafia. Os marcadores estratigráficos impressos na rocha não são necessariamente os únicos indícios possíveis do surgimento de uma nova fase na história do mundo. E o termo vem sendo utilizado fartamente também pela História Ambiental e por outras ciências. Segundo Erle Ellis (2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ), “o significado do Antropoceno reside em seu papel como uma nova lente através da qual narrativas antigas e questões filosóficas estão sendo revisadas e reescritas”.31 31 Do original: “the significance of the Anthropocene resides in its role as a new lens through which age-old narratives and philosophical questions are being revisited and rewritten”. (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. , p. 4, tradução nossa).

O Antropoceno hoje é uma ferramenta conceitual utilizada por diversas áreas do conhecimento. Não apenas das Ciências Naturais como, especialmente, dos estudos socioambientais. Coloca-se como um novo balizamento nas narrativas das relações entre sociedades e naturezas e como um novo paradigma científico. Para Ailton Krenak (2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 58), intelectual indígena, o conceito teria também “um sentido incisivo” sobre a existência e a autopercepção do que é o ser humano.

Em certa medida e, talvez contraditoriamente, a adoção do Antropoceno pode soar como um reforço a antigas concepções antropocêntricas. Mesmo após a dissolução dos paradigmas religiosos de supremacia humana pelo pensamento iluminista e pelas teorias evolucionistas (DUARTE, 2009DUARTE, R. H. História e Biologia: diálogos possíveis, distâncias necessárias. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 927-940, 2009. ) e da consequente constatação de que, sim, somos apenas mais uma espécie em um sistema ecológico global complexo e interdependente, teríamos agora, mesmo assim, ainda mais certeza de não sermos uma espécie como todas as outras.

Possuímos a formidável capacidade de não apenas modificar nossos nichos ecológicos, como de construí-los nós mesmos num processo chamado por Roberts, Boivin e Kaplan (2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ) de niche construction. São aptidões que possuímos como nenhuma outra espécie, realizadas através dessa ferramenta humana incrível que é a cultura. Somos igualmente capazes também de alterar os ciclos biogeoquímicos planetários, as dinâmicas ecológicas de outras espécies e o próprio clima, forçando o sistema global para além de suas variações naturais (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ).

Segundo Ellis e Ramankutty (2008ELLIS, E. C.; RAMANKUTTY, N. Putting People in the Map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 6, n. 8, p. 439-447, 2008.), “o Homo sapiens emergiu como uma força da natureza, rivalizando com as forças climáticas e geológicas na formação da biosfera terrestre e seus processos”32 32 Do original: “Homo sapiens has emerged as a force of nature rivaling climatic and geologic forces in shaping the terrestrial biosphere and its processes”. (ELLIS; RAMANKUTTY, 2008ELLIS, E. C.; RAMANKUTTY, N. Putting People in the Map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 6, n. 8, p. 439-447, 2008., p. 439, tradução nossa). Para Chakrabarty (2009CHAKRABARTY, D. The Climate of History: four theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009. ), historiador indiano, a confirmação das interferências humanas nas mudanças climáticas provoca outra reviravolta epistemológica fundamental na História no século XX. Essas constatações, ao gerarem o paradigma do Antropoceno, levam ao colapso da “antiga distinção humanista entre história natural e história humana”33 33 Do original: “age-old humanist distinction between natural history and human history”. (CHAKRABARTY, 2009CHAKRABARTY, D. The Climate of History: four theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009. , p. 201, tradução nossa), dando mais fôlego e fomentando ainda mais a produção em História Ambiental.

As múltiplas periodizações do Antropoceno e a Orbis hypothesis

A periodização do Antropoceno, no entanto - assim como diversas outras questões em torno desse conceito -, permanece não dirimida entre a comunidade científica e são muitas as propostas de sua datação. Alguns estudiosos propõem marcos temporais com base em parâmetros distintos daqueles de Crutzen e Stoermer (2000CRUTZEN, P. J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene.” IGBP Newsletter, v. 41, p. 17-18, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.igbp.net/download/18.316f18321323470177580001401/1376383088452/NL41.pdf . Acesso em: 5 maio 2021.
http://www.igbp.net/download/18.316f1832...
), mas nenhum deles parece preencher os requisitos geológicos e estratigráficos a ponto de ser aprovado como uma nova datação geológica, segundo os critérios do ICS e da International Union of Geological Sciences (IUGS).

No entanto, muitos, assim como Ellis (2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ), defendem que os indícios de influência humana nos sistemas naturais não se resumem somente a marcadores atmosféricos ou registros fósseis, uma vez que a “mudança ambiental global antropogênica foi um processo multidimensional” (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. , p. 55, tradução nossa). A importância do Antropoceno residiria muito mais na sua adoção como um conceito chave na análise dos impactos humanos no mundo natural do que na formalização de uma época geológica (ROBERTS; BOIVIN; KAPLAN, 2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ).

A escolha da datação formal para o Antropoceno, portanto, não se trata apenas de uma convenção geológica com influência restrita a seus respectivos nichos acadêmicos. O Antropoceno revela os impactos sem precedentes dos seres humanos no planeta, afetando toda a vida nele e levantando questões muito caras a diversos campos do conhecimento, como o papel do ser humano no mundo e as relações entre culturas e naturezas.

Segundo Lewis e Maslin (2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), as datações escolhidas poderão, além de afetar algumas questões sociais e filosóficas, influenciar a economia e geopolítica globais. Com potencial tanto para banalizar as mudanças climáticas quanto para atribuir responsabilidades históricas pelas emissões de dióxido de carbono a determinados emissores, por exemplo. Os autores destacam o potencial do conceito para muito além do campo da Geologia:

O reconhecimento mais amplo de que as ações humanas estão levando a mudanças de longo alcance na infraestrutura de suporte à vida da Terra pode muito bem ter implicações filosóficas, sociais, econômicas e políticas crescentes nas próximas décadas.34 34 Do original: “More widespread recognition that human actions are driving far-reaching changes to the life-supporting infrastructure of Earth may well have increasing philosophical, social, economic and political implications over the coming decades”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 178, tradução nossa).

São muitas as proposições de datação e fixação de um GSSP35 35 Global Boundary Stratotype Section and Point (GSSP). Um ponto de referência em um nível estratigráfico definindo o início ou limite inferior de período de tempo geológico. para o Antropoceno. Desde o surgimento da agricultura e domesticação de espécies, há cerca de 10 mil anos (THOMAS, 2010THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Cia. das Letras, 2010.); passando pelas extinções da megafauna, por volta dos 14 mil anos AP (LEWIS; EDWARDS; GALBRAITH, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ); pela formação de solos antropogênicos, entre 3 mil e 500 anos AP, ou mesmo pela bomba atômica de 1945 (ROBERTS; BOIVIN; KAPLAN, 2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ).

Simon Lewis e Mark Maslin (2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), pesquisadores do Department of Geography da University College London, em estudo publicado na revista Nature, descartam algumas propostas de datação, dentre elas a proposição do grupo de estudos indicado pelo ICS, para quem o início do Antropoceno seria a Revolução Industrial (séc. XVIII). Para os autores, esse não seria um evento global, mas localizado, diacrônico e eurocêntrico, que “não é derivado de um marcador global síncrono”36 36 Do original: “are not derived from a globally synchronous marker”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 177, tradução nossa).

Defendem, por sua vez, o marco do século XVII, com o ano de 1610 como início formal para o Antropoceno. Segundo a sua Orbis hypothesis, como a chamaram, naquele ano ocorreu - com base em registros independentes do gelo antártico - um evento de queda brusca nos níveis de CO2 atmosférico, pico esse denominado por eles de Orbis spike. Entre 1570 e 1620, a concentração do gás teria caído de 7 a 10 p.p.m. (ROBERTS; BOIVIN; KAPLAN, 2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ) e, a partir de então, apresentado uma ascensão vertiginosa e constante.

A essa variação se atribuiu o “maior genocídio da história da humanidade” (TODOROV, 2019TODOROV, T. A Conquista da América: a questão do outro. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019., p. 5), com a consequente diminuição rápida e acentuada das populações nativas das Américas nas primeiras décadas de contato com os europeus. Evento esse que, segundo Denevan (1992DENEVAN, W. M. The Pristine Myth: the landscape of the Americas in 1492. Annals os the Association of American Geographers. v. 82, n. 3, p. 369-385, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2563351 . Acesso em: 5 maio 2020.
https://www.jstor.org/stable/2563351...
), foi “provavelmente o maior desastre demográfico de todos os tempos”37 37 Do original: “probably the greatest demographic disaster ever”. (DENEVAN, 1992DENEVAN, W. M. The Pristine Myth: the landscape of the Americas in 1492. Annals os the Association of American Geographers. v. 82, n. 3, p. 369-385, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2563351 . Acesso em: 5 maio 2020.
https://www.jstor.org/stable/2563351...
, p. 370, tradução nossa). Também para Krenak (2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.), o Antropoceno é marcado “como o evento que pôs em contato mundos capturados” (KRENAK, 2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 71) com o Velho Mundo, durante o seu “ciclo das navegações”.

O extermínio dos povos originários das Américas, durante a sua invasão pelos povos navegantes europeus, foi resultado direto do “encontro mais surpreendente” (TODOROV, 2019TODOROV, T. A Conquista da América: a questão do outro. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019., p. 5) da história humana: a “colisão do Velho com o Novo Mundo”38 38 Do original: “collision of the Old and New Worlds”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 175, tradução nossa). Para Ellis (2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ,), “o primeiro intercâmbio bidirecional substancial de cultura e biologia entre a Europa e as Américas”39 39 Do original: “the first substantial two-way exchange of culture and biology between Europe and Americas”. (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. , p. 95, tradução nossa).

Roberts, Boivin e Kaplan (2018ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018. ) mencionam que o manejo, as transformações e o desflorestamento tropical pré-colombiano foram tão intensos que, após a brusca redução da população ameríndia (DENEVAN, 1992DENEVAN, W. M. The Pristine Myth: the landscape of the Americas in 1492. Annals os the Association of American Geographers. v. 82, n. 3, p. 369-385, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2563351 . Acesso em: 5 maio 2020.
https://www.jstor.org/stable/2563351...
; LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), por meio de guerras, doenças, escravização ou expulsão dos territórios, a agricultura dos povos nativos quase cessou e veio um curto período de recuperação espontânea dos antigos antromas florestais tropicais40 40 Biomas e florestas antropogênicas manejadas pelos povos americanos pré-colombianos. (ELLIS; RAMANKUTTY, 2008ELLIS, E. C.; RAMANKUTTY, N. Putting People in the Map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 6, n. 8, p. 439-447, 2008.), resultando na regeneração de mais de 50 milhões de hectares de vegetação (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ).

As grandes navegações do séc. XVI - marco do início do Antropoceno, de acordo com a Orbis hypothesis - e o sistema colonial posterior, “a primeira rede de comércio global ligando a Europa, China, África e Américas”41 41 Do original: “the first global trade networks linking Europe, China, Africa and the Americas”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 174, tradução nossa), que também passou a incluir dois grandes circuitos de comunicação e intercâmbio, até então isolados do Velho Mundo, o de Anáhuac e Tawantinsuyu (PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n...
), impactaram o sistema terra como um todo. Ao deslocar a maior massa populacional humana e não humana dos últimos 13 mil anos, provocou as mais impressionantes trocas biológicas intercontinentais já vistas até então, como a alteração profunda sos ecossistemas afetados, promoção de um processo de homogeneização da biota (CROSBY, 2011CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São Paulo: Cia das Letras, 2011.) e fundação essa nova configuração do sistema mundo moderno-colonial a partir da conquista e da invenção da América (O’GORMAN, 1992O’GORMAN, E. A Invenção da América: reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São Paulo: Editora da Unesp, 1992.; PORTO-GONÇALVES; QUENTAL, 2012PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf . Acesso em: 12 mar. 2023.
https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n...
).

Tendo em vista ser uma prática usual na História Ambiental de se adotar “an Anthropocene” que melhor reflita o objeto da pesquisa em questão (MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. ), a Orbis hypothesis se apresenta como uma opção teórica coerente para a América Latina, sincronizando importantes marcadores químicos dos impactos ecossistêmicos no sistema terra com os fenômenos históricos coloniais que dão origem à modernidade e à degradação dos ecossistemas tropicais latinoamericanos.

Iniciando junto ao colapso colonial, a datação proposta de um Antropoceno harmoniza de forma interdisciplinar (NICOLESCU, 1999NICOLESCU, B. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.; MORAES, 2005MORAES, A. Meio Ambiente e Ciências Humanas. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2005.; LEFF, 2011LEFF, E. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. Olhar de professor, v. 14, n. 2, p. 309-335, 2011. ) os indícios físico-químicos de antropização dos ecossistemas com os processos sócio-históricos das dinâmicas colonialistas globais e sincrônicas nas Américas e no resto do mundo.

Nos estudos de Lewis e Maslin (2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), das propostas de marco temporal analisadas, apenas o Orbis spike (1610) e o Bomb spike (1964) “parecem cumprir os critérios de um GSSP para definir o início do Antropoceno”42 42 Do original: “appear to fulfil the criteria for a GSSP to define the inception of the Anthropocene”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 177, tradução nossa), apresentando relevância não apenas geológica como histórica. O Bomb spike, por sua vez, coincide com o período da Great Acceleration (STEFFEN et al., 2015STEFFEN, W.; BROADGATE, W.; DEUTSCH, L.; GAFFNEY, O.; LUDWIG, C. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015. ), conceito igualmente importante no contexto da América Latina, uma vez que também marca com indicadores quantificáveis um período desenvolvimentista, historicamente situado e relevante, por volta de 1950.43 43 Algumas propostas sugerem-na como o marco inicial do próprio Antropoceno, sendo esse o momento em que os isótopos radioativos da primeira bomba nuclear detonada em 1945 se espalharam entrando no registro sedimentar e se configurando como um marcador antropogênico (LEWIS; MASLIN, 2015).

No Gráfico 1, abaixo, conforme a Orbis hypothesis, percebemos a queda acentuada dos níveis de CO2 atmosférico (linha vermelha) por volta do início do séc. XVII (Orbis spike), provocada pela regeneração florestal após a hecatombe ameríndia de um século antes e seguida do progressivo aumento desse mesmo índice nos séculos seguintes, com a constante degradação florestal provocada pelo empreendimento colonial. O início do Antropoceno representaria esse momento dos primeiros impactos das invasões coloniais e o início do processo de homogeneização biótica.

Gráfico 1 -
Concentração de CO2 atmosférico e o início do Antropoceno latinoamericano.

Acker e Fischer (2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. , p. 310, tradução nossa) consideram como sendo um imperativo na “narrativa antropocênica”44 44 Do original: “anthropocenic narrative”. a inclusão do Sul global e da América Latina na agenda de pesquisas sobre o Antropoceno. Uma concepção de Antropoceno, portanto, que se baliza por marcadores biofísicos relevantes e centraliza a expansão marítima, a questão colonial - fundamentais na construção da modernidade - e os grandes colapsos ecológicos nas Américas (Abya Yala), se apresenta como uma escolha teórica coerente nas pesquisas em História Ambiental Latinoamericana.

Há essa subperiodização interna ao Antropoceno, convencionalmente denominada Grande Aceleração (STEFFEN et al., 2015STEFFEN, W.; BROADGATE, W.; DEUTSCH, L.; GAFFNEY, O.; LUDWIG, C. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015. ), que se apresenta igualmente como uma interessante ferramenta conceitual nos estudos da América Latina. Representa o período que vai de meados do século XX até a atualidade e é marcada pelo crescimento exponencial do consumo de combustíveis fósseis e pelo aumento abrupto de diversos indicadores das atividades humanas45 45 Crescimento populacional, PIB, industrialização, investimento estrangeiro, represamento de rios e uso da água, consumo de fertilizantes, consumo em geral, intervenções estruturais nos ecossistemas, urbanização, número de veículos automotores, consumo de combustíveis fosseis, dentre outros. que coincidem com outros índices ecossistêmicos46 46 Concentração de gases atmosféricos (NH4 CO2 e N2O), destruição da camada de ozônio, temperatura média, inundações, diminuição da biodiversidade, pesca oceânica, fluxo de nitrogênio, terras cultivadas, desflorestamento, perda de florestas tropicais, etc. (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ).

Todos esses indicadores mostram uma ascensão progressiva desde o século XVIII. No entanto, em meados de 1950, a maioria desses marcadores subitamente passa a sofrer uma ascensão ainda mais vertiginosa (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ; STEFFEN et al., 2015STEFFEN, W.; BROADGATE, W.; DEUTSCH, L.; GAFFNEY, O.; LUDWIG, C. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015. ), como é possível verificar nos gráficos abaixo (Gráfico 2).

Gráficos 2 -
Algumas alterações globais, características do período da Grande Aceleração.

Acker e Fischer (2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. ), defendem que a Grande Aceleração foi mais acentuada no Sul global, fração subdesenvolvida e de industrialização súbita. No Brasil, alguns aspectos particulares desse processo podem ser destacados, como a construção de hidroelétricas; a adoção cega e intensa dos preceitos e modelos da Revolução Verde; mineração e outras atividades de extração; e consumo de combustíveis fósseis, especialmente o petróleo. Além de outras grandes obras de infraestrutura, da industrialização e do crescimento urbano desordenado (PÁDUA, 2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.; ACKER; FISCHER, 2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. ).

O Brasil - e outros países da América Latina - possuiria, dessa forma, “uma posição peculiar dupla no Antropoceno”47 47 Do original: “a peculiar, double-edged position in the Anthropocene”. (ACKER; FISCHER, 2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. , p. 310, tradução nossa), uma vez que é um dos maiores produtores primários e de recursos naturais do mundo e, recentemente, também um dos maiores consumidores. Para Pádua (2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.), a Grande Aceleração é o mundo da social-democracia, no qual explodiram também os níveis de consumo e a acumulação de riqueza sem a devida distribuição. Tudo isso acompanhado de um surto de otimismo desenvolvimentista, assistido por um discurso de abundância (e desperdício), em forma de “sonhos de industrialização guiados pelo Estado”48 48 “dreams of state-led industrialization”. (ACKER; FISCHER, 2018ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018. , p. 312, tradução nossa) e por um claro aumento expressivo da degradação dos ecossistemas naturais e da exploração florestal.

Tal como o Antropoceno proposto por Lewis e Maslin (2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), a Grande Aceleração torna-se uma ferramenta conceitual e de periodização importante à pesquisa em História Ambiental da América Latina, uma vez que marca com indicadores quantificáveis e verificáveis um período historicamente situado e perceptível também nas fontes históricas, caracterizado pelo crescimento urbano, industrial e populacional. Gerando, por sua vez, uma série de processos socioambientais conflituosos.

No período da Grande Aceleração (aprox. 1950), portanto, convergem conceitualmente e metodologicamente, indicadores quantitativos - conforme demonstra a tese da Orbis hypothesis e os indicadores socioambientais apresentados (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ; STEFFEN et al., 2015STEFFEN, W.; BROADGATE, W.; DEUTSCH, L.; GAFFNEY, O.; LUDWIG, C. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015. ) - e as condições socioeconômicos e ambientais daquele espaço-território, no contexto histórico em questão.

Algumas considerações necessárias sobre o Antropoceno

Sobre o Antropoceno, Chakrabarty (2018CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018. ) afirma que “o Antropoceno é talvez o único termo de periodização geológica que tem sido amplamente debatido entre os humanistas”49 49 Do original: “the Anthropocene is the perhaps the only term of geological periodization that has been widely debated among humanist”. (CHAKRABARTY, 2018CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018. , p. 5, tradução nossa), enquanto Lewis e Maslin (2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ), ao se referirem ao debate sobre as datações e marcos formais para o Antropoceno, afirmam que essas “definições provavelmente terão efeitos para além da geologia”50 50 Do original: “definitions will probably have effects beyond geology”. (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. , p. 171, tradução nossa).

A partir do momento em que o termo Antropoceno transborda do campo da Geologia e passa a ser apropriado por outras áreas do conhecimento, é natural que venha a sofrer algumas críticas - o que de modo algum invalida seu potencial teórico (BAER, 2017BAER, H. Anthropocene or Capitalocene? Two Political Ecological Perspectives. Human Ecology, v. 45, n. 3, p. 433-435, 2017. ). No entanto, duas ressalvas ao seu uso são bastante pertinentes e merecem nota.

A primeira delas refere-se a ansiosa busca por aprovação do conceito pela IUGS por parte de alguns pesquisadores, como forma de legitimá-lo. John McNeil (2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. ), historiador ambiental americano e membro do Anthropocene Working Group (AWG), órgão do IUGS, nos lembra que, para a Geologia, “não importa quanta evidência possa haver para sugerir que uma dada fatia do tempo recente é distinta na história da terra, sem um GSSP não pode haver Antropoceno”51 51 Do original: “no matter how much evidence there may be to suggest a given slice of recent time is distinctive in the history of the Earth, without a GSSP there can be no Anthropocene”. (MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. , p. 204, tradução nossa). O que é compreensível dentro dos parâmetros das Ciências Geológicas, dada a importância e os desdobramentos da consolidação de uma nova época estratigráfica baseada na concepção de tempo geológico.

No entanto, no Antropoceno enquanto período histórico, cuja característica marcante é o potencial humano sem precedentes de intervenção no meio ambiente, seu uso se faz perfeitamente cabível e dispensa os protocolos de aprovação de qualquer comitê técnico burocrático (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ; MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. ). O tempo histórico é teoricamente e metodologicamente diferente do tempo geológico (BRAUDEL 2015 [1949BRAUDEL, F. Os Tempos da História. In: BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2015 [1949].], 1958; DRUMMOND, 1991DRUMMOND, J. A. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 177-197, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2319 . Acesso em: 5 maio 2019.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
; CADIOU et al., 2007CADIOU, F.; COULOMB, C.; LEMONDE, A.; SANTAMARIA, Y. Como se Faz a História: historiografia, método e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.; GULDI; ARMITAGE, 2018GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018.). O tempo do mundo, portanto, é diferente do tempo da terra (CHAKRABARTY, 2018CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018. ).

O tempo histórico é complexo, descontínuo, diferenciado socialmente, ecologicamente conectado, contingente e contextualizado. Constrói-se dinamicamente e dialeticamente no fazer acadêmico e não através de critérios e quantificações protocolares fixados por convenção e consenso. McNeil (2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. ) discorre a respeito da assimetria de percepção entre estas duas concepções de tempo:

Os historiadores sentem-se desconfortáveis e não familiarizados com essas regras sobre periodização. Nós somos mais anárquicos. Nenhum órgão oficial reivindica jurisdição sobre a periodização. Não há votos. E não nos importamos com a sincronicidade […]. Portanto, é difícil para os historiadores aceitar um Antropoceno que corresponda aos requisitos formais da geologia.52 52 Do original: “Historians are uncomfortable as well as unfamiliar with such rules about periodization. We are more anarchic. No official body claims jurisdiction over periodization. There are no votes. And we don’t care about synchronicity […]. So it is hard for historians to accept an Anthropocene that corresponds to the formal requirements of geology”. (MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. , p. 205, tradução nossa).

O mesmo autor afirma não crer que o termo venha a ser aprovado formalmente pela Geologia, com base nos seus anos de participação no AWG. No entanto, atesta que o conceito, entre as humanidades particularmente, continuará sendo utilizado independente da ratificação pelo IUGS:

Mas, em todo caso, o Antropoceno dos humanistas é imortal. Eles não precisam dos geólogos para reconhecer o Antropoceno formalmente e continuarão a usar o termo livremente, sem definição fixa, por um futuro indefinido. Muitos historiadores ambientais também o farão.53 53 Do original: “But in any case, the Anthropocene of the humanists is immortal. They do not need geologists to recognize the Anthropocene formally and will continue to use the term freely, with no fixed definition, for the indefinite future. Many environmental historians will do so as well”. (MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. , p. 205, tradução nossa).

Gallini (2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. ), ao tecer suas considerações a respeito da percepção de historiadores e historiadoras sobre a periodização e o debate de legitimação em torno do conceito Antropoceno, se posiciona de modo igualmente firme:

A decisão sobre a ‘existência’ do Antropoceno é hierárquica, burocrática e baseada em evidências empíricas específicas, validadas por um punhado de especialistas de um dos ramos da Geologia. Isso é evidentemente inconcebível para qualquer historiador em perfeito juízo. […] Aos estratígrafos não importa o porquê de medirem, mas somente a medição.54 54 Do original: “La decisión sobre la ‘existencia’ del Antropoceno, además, es jerárquica, burocrática y basada en una evidencia empírica específica, validada por un puñado de especialistas en una de las ramas de la Geología. Esto es evidentemente inconcebible para cualquier historiador en su sano juicio. […] a los estatigrafistas no importa el porqué de lo que miden, sino la medición”. (GALLINI, 2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. , p. 214, tradução nossa).

A segunda consideração, e talvez a mais importante e central, é aquela que acusa o Antropoceno de homogeneizar a experiência humana em suas relações com o meio ambiente - o que parece ter ocorrido na idealização do Holoceno (BAER, 2017BAER, H. Anthropocene or Capitalocene? Two Political Ecological Perspectives. Human Ecology, v. 45, n. 3, p. 433-435, 2017. ; PÁDUA, 2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.). Isso acarretaria, epistemologicamente, na construção de uma história reducionista, naturalista e biologizante da espécie humana (CHAKRABARTY, 2018CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018. ; ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ).

Além do exposto anteriormente, do ponto de vista sociológico, teríamos a anulação da ideia de responsabilização diferenciada dos impactos antrópicos nos ecossistemas, derivados das trocas ecologicamente desiguais (MONTIBELLER FILHO, 2004MONTIBELLER FILHO, G. O Mito do Desenvolvimento Sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004.; MARTINEZ-ALIER, 2011MARTINEZ-ALIER, J. La Justicia Ambiental y el Decrecimiento Económico: una alianza entre dos movimientos. Ecología Política, n. 41, p. 45-54, 2011. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3720224 . Acesso em: 1 nov. 2020.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
) e da produção da crise global. Seria, como preferiu Gallini (2020GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020. , p. 214, tradução nossa), “a responsabilização unívoca do ser humano”55 55 Do original: “la responsabilización unívoca del ser humano”. diante da crise ambiental e das alterações globais.

Segundo Pádua (2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.), cientistas sociais têm se perguntado: “a quem se refere o ‘antropos’ no Antropoceno?” (PÁDUA, 2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40., p. 3, tradução nossa). Frente a alguma pretensão de simplificação e redução das complexidades e diversidades socioculturais em prol de uma espécie humana, nos perguntamos: quem é e onde está esse sujeito, o homem ou o ser humano, esse ser genérico e tão ecologicamente igual em qualquer parte? Krenak (2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.), para quem devemos contestar essa “ideia plasmada de humanidade homogênea” (KRENAK, 2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 24), afirma que essa percepção monolítica de humanidade e natureza seria a “marca mais profunda do Antropoceno” (KRENAK, 2020KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020., p. 58).

Os impactos ambientais gerados no mundo não são uniformes e nem todos os seres humanos são igualmente responsáveis por eles. Países tem responsabilidades diferenciadas, assim como determinadas camadas sociais dentro de cada nação também o têm. Quanto a responsabilidade diacrônica sobre a crise climática, Guldi e Armitage (2018GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018.) afirmam que “pensar em termos de espécie” (GULDI; ARMITAGE, 2018GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018., p. 112), sustentando uma abordagem biologicista, não passa de uma “cômoda desculpa” do Ocidente.

A antropização dos sistemas naturais é um fenômeno social. Suas consequências também são biológicas e biofísicas, mas o fenômeno é humano e parte de causas humanas, sendo, portanto, e antes de tudo, uma questão socioambiental. A própria ideia de marcadores estratigráficos das escalas geológicas tende a homogeneizar as experiências humanas como se essas mudanças ocorressem em todos os lugares, da mesma forma e ao mesmo tempo, de forma síncrona e onipresente (ELLIS, 2018ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018. ; MCNEIL, 2019MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019. ).

Os fenômenos antropogênicos de exploração e consumo dos recursos naturais, produção industrial e agrícola, poluição e emissões atmosféricas são bastante desiguais entre nações e dentro destas. Assim como também o são desequilibradas as contribuições científicas e os esforços intelectuais na construção de conhecimento e de ideologias que constituem o que se poderia chamar de Cultura Antropocena (PÁDUA, 2017PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.).

Se as consequências sociais e ecológicas da crise global e das mudanças climáticas aparentemente não reconhecem fronteiras nacionais (GIDDENS, 2012GIDDENS, A. A Política da Mudança Climática. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2012.; CHAKRABARTY, 2018CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018. ), com certeza a geração e a origem dos impactos e as responsabilidades da crise possuem definições e limites geopolíticos bastante claros (LEFF, 2007LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 . Acesso em: 23 mar. 2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/esb...
; ALIMONDA, 2011ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58.).

Considerações finais

A História Ambiental, enquanto ramo do conhecimento institucionalizado e consolidado, começa a se firmar a partir da década de 1970, quando a disciplina passa a se apresentar como um “campo historiográfico consciente de si mesmo” (PÁDUA, 2012PÁDUA, J. A. As bases teóricas da História Ambiental. In: FRANCO, J. L. de A. et al. História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 17-38., p. 17), em resposta a crise ambiental contemporânea que tomava o debate público.

O nascimento desse campo do saber só foi possível a partir de uma série de mudanças socioculturais e geopolíticas até o séc. XIX que, por sua vez, possibilitaram mudanças epistemológicas significativas no conhecimento e na ciência moderna. Isso, sem dúvida, se refletiu no campo da História, que passou a sinalizar uma reorganização interna teórica e metodologicamente.

Assim como em outros saberes acadêmicos e científicos, historiadores e historiadoras, sujeitos de seu próprio tempo e atentas ao presente, desafiados pelos novos ambientalismos e pelos debates sobre crise global então em evidência, procuram assim responder historicamente às questões latentes atuais. Entretanto, sendo a História Ambiental um saber relativamente novo e eminentemente interdisciplinar, ainda enfrenta alguns desafios teóricos e metodológicos.

Em se tratando da História Ambiental da América Latina, sua condição histórica colonial, somada à sua natureza tropical, resultou num caso ímpar e imerso de particularidades para os estudos históricos ambientais. Junto ao reconhecimento de suas especificidades históricas, ecológicas e socioambientais, outros desafios epistemológicos se somam, assim, à produção deste conhecimento.

O Antropoceno, essa ferramenta conceitual intrinsecamente transdisciplinar, apresenta-se como uma rica possibilidade nos estudos ambientais e para a História Ambiental, em particular, ao apontar o surgimento de um novo período histórico marcado pela capacidade humana de intervir nas dinâmicas ecossistemas globais como nunca antes. Embora já bastante consolidado em diversos campos do saber, o conceito ainda carrega algumas limitações e dissensos, dentre eles o seu marco temporal, a busca por legitimação técnica, as tendências às abordagens biologicistas ou a busca por uma história reducionista e homogeneizante da espécie humana.

Dentre os muitos marcos propostos para o Antropoceno, destacam-se para a compreensão histórica da América Latina o Orbis spike (1610) e o Bomb spike (1964) (LEWIS; MASLIN, 2015LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015. ). Ambos sugeridos pela Orbis hypothesis com base em anomalias nas concentrações de CO2 atmosférico, refletindo eventos históricos globais significativos, em especial para a América Latina: colonialismo americano e o desenvolvimentismo do séc. XX, marcado pela Grande Aceleração, respectivamente.

Defendemos, portanto, pelos motivos expostos, a conveniência de se adotar o Antropoceno enquanto ferramenta conceitual nos estudos de História Ambiental, reconhecendo e destacando, todavia, as suas limitações e principais críticas. Assim como as possibilidades e coerência na utilização da Orbis hypothesis na construção de uma História Ambiental latino-americana, sintonizada com suas peculiaridades históricas e ecológicas.

References

  • ACKER, A.; FISCHER, G. Presentation: Historicizing Brazil’s Great Acceleration. Varia Historia, v. 34, n. 65, p. 307-314, 2018.
  • ALIMONDA, H. La Colonialidad de la Naturaleza: una aproximación a la Ecología Política Latinoamericana. In: La Naturaleza Colonizada: Ecología Política y minería en América Latina. 1. ed. Buenos Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2011. p. 21-58.
  • BAER, H. Anthropocene or Capitalocene? Two Political Ecological Perspectives. Human Ecology, v. 45, n. 3, p. 433-435, 2017.
  • BARRETO, C. G.; DRUMMOND, J. A. Pre-Columbian Anthropogenic Changes in Landscapes of the Brazilian Atlantic Forest. Revista de Historia Iberoamericana, v. 10, n. 1, p. 10-33, 2017. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7054263 Acesso em: 3 out. 2021.
    » https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7054263
  • BLOCH, M. Apologia da História ou O Ofício do Historiador. (Manuscritos de 1941-1942). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001[1953].
  • BRAUDEL, F. Histoire et Sciences sociales: la longue durée. Annales: Economies, Sociétés, Civilisations, v. 13, n. 4. p. 725-753, 1958.
  • BRAUDEL, F. Os Tempos da História. In: BRAUDEL, F. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 2015 [1949].
  • CADIOU, F.; COULOMB, C.; LEMONDE, A.; SANTAMARIA, Y. Como se Faz a História: historiografia, método e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007.
  • CARLOS, A. F. A Condição Espacial. 1. ed. 3a reimp. São Paulo: Contexto, 2018.
  • CARVALHO, E. B. História & Natureza. História (São Paulo), v. 25, n. 1, p. 254-260, 2006.
  • CHAKRABARTY, D. The Climate of History: four theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, 2009.
  • CHAKRABARTY, D. Anthropocene Time. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 5-32, 2018.
  • CROSBY, A. W. The Past and Present of Environmental History. The American Historical Review, v. 100, n. 4, p. 1177-1189, 1995.
  • CROSBY, A. W. Imperialismo ecológico: a expansão biológica da Europa, 900-1900. São Paulo: Cia das Letras, 2011.
  • CRUTZEN, P. J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene.” IGBP Newsletter, v. 41, p. 17-18, 2000. Disponível em: Disponível em: http://www.igbp.net/download/18.316f18321323470177580001401/1376383088452/NL41.pdf Acesso em: 5 maio 2021.
    » http://www.igbp.net/download/18.316f18321323470177580001401/1376383088452/NL41.pdf
  • CRUTZEN, P. J. Geology of mankind. Nature, v. 415, p. 23, 2002.
  • DENEVAN, W. M. The Pristine Myth: the landscape of the Americas in 1492. Annals os the Association of American Geographers. v. 82, n. 3, p. 369-385, 1992. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2563351 Acesso em: 5 maio 2020.
    » https://www.jstor.org/stable/2563351
  • DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. 6. ed. São Paulo: Hucitec: Nupaub-USP/CEC, 2008.
  • DRUMMOND, J. A. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 177-197, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2319 Acesso em: 5 maio 2019.
    » https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2319
  • DRUMMOND, J. A. Por que estudar a História Ambiental do Brasil? - ensaio temático. Varia História, n. 26, p. 13-32, 2002. Disponível em: Disponível em: http://www.variahistoria.org/s/01_Drummond-Jose-Augusto.pdf Acesso em: 5 maio 2019.
    » http://www.variahistoria.org/s/01_Drummond-Jose-Augusto.pdf
  • DUARTE, R. H. História e Biologia: diálogos possíveis, distâncias necessárias. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 927-940, 2009.
  • DUARTE, R. H. História & natureza. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
  • ELLIS, E. C. Anthropocene: a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2018.
  • ELLIS, E. C.; RAMANKUTTY, N. Putting People in the Map: anthropogenic biomes of the world. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 6, n. 8, p. 439-447, 2008.
  • ETCHEVARNE, C. Os Habitantes Pré-Coloniais da Mata Atlântica Nordestina. In: CABRAL, D. de C.; BUSTAMANTE, A. G. (org.). Metamorfoses florestais: culturas, ecologias e as transformações históricas da Mata Atlântica. 1. ed. Curitiba: Editora Prismas, 2016. p. 85-105. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/310465144_Metamorfoses_florestais_culturas_ecologias_e_as_transformacoes_historicas_da_Mata_Atlantica Acesso em: 4 maio 2020.
    » https://www.researchgate.net/publication/310465144_Metamorfoses_florestais_culturas_ecologias_e_as_transformacoes_historicas_da_Mata_Atlantica
  • FERNANDEZ, V. R.; LAUXMANN, C. T.; TREVIGNANI. M. F. Emergencia del Sur Global: perspectivas para el desarrollo de la periferia latinoamericana. Economia e Sociedade, v. 23, n. 3, 2014, p. 611-643.
  • GALLINI, S. ¿Qué hay de histórico en la Historiografía ambiental en América Latina? Historia y Memoria, n. especial, p. 179-233, 2020.
  • GIDDENS, A. A Política da Mudança Climática. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2012.
  • GULDI, J.; ARMITAGE, D. Manifesto pela História. Belo Horizonte: Autêntica Editora , 2018.
  • KRENAK, Ailton. Ideias para Adiar o Fim do Mundo. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
  • LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Esboços: histórias em contextos globais, v. 12, n. 13, p. 11-29, 2007. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383 Acesso em: 23 mar. 2019.
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/383
  • LEFF, E. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. Olhar de professor, v. 14, n. 2, p. 309-335, 2011.
  • LEWIS, S. L.; EDWARDS, D. P.; GALBRAITH, D. Increasing human dominance of tropical forests. Science, v. 349, n. 6250, p. 827-832, 2015. https://doi.org/10.1126/science.aaa9932
    » https://doi.org/10.1126/science.aaa9932
  • LEWIS, S.; MASLIN, Mark. Defining the Anthropocene. Nature, n. 519, p. 171-180, 2015.
  • MARTINEZ-ALIER, J. La Justicia Ambiental y el Decrecimiento Económico: una alianza entre dos movimientos. Ecología Política, n. 41, p. 45-54, 2011. Disponível em: Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3720224 Acesso em: 1 nov. 2020.
    » https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3720224
  • MARTINEZ, P. H. História Ambiental no Brasil: pesquisa e ensino. São Paulo: Cortez, 2006.
  • MCNEIL, J. The Anthropocene and Environmental History in the USA. Historia Ambiental Latinoamericana y Caribeña (HALAC), v. 9, n. 1, p. 200-210, 2019.
  • MONTIBELLER FILHO, G. O Mito do Desenvolvimento Sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004.
  • MORAES, A. Meio Ambiente e Ciências Humanas. 4. ed. São Paulo: Annablume, 2005.
  • MORIN, E. Ciência com Consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
  • MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.
  • NICOLESCU, B. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.
  • O’GORMAN, E. A Invenção da América: reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São Paulo: Editora da Unesp, 1992.
  • PÁDUA, J. A. As bases teóricas da História Ambiental. In: FRANCO, J. L. de A. et al História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 17-38.
  • PÁDUA, J. A. Brazil in the History of the Anthropocene. In: ISSBERNER, L.; LENA, P. (org.). Brazil in the Anthropocene: conflicts between predatory development and environmental policies. London: Routledge, 2017. p. 19-40.
  • PORTO-GONÇALVES, C. W.; QUENTAL, P. A. Colonialidade do poder e os desafios da integração regional na América Latina. Revista Latinoamericana: Polis, v. 31, 2012. Disponível em: Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf Acesso em: 12 mar. 2023.
    » https://scielo.conicyt.cl/pdf/polis/v11n31/art17.pdf
  • ROBERTS, P.; BOIVIN, N.; KAPLAN, J. Finding the Anthropocene in tropical forests. Anthropocene, v. 23, p. 5-16, 2018.
  • SÁNCHEZ-CALDERÓN, V.; BLANC, J. La Historia Ambiental Latinoamericana: cambios y permanencias de un campo en crecimiento. História Crítica, Bogotá, n. 74, p. 3-18, 2019.
  • SANTOS, B. S. Um Discurso sobre as Ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez , 2010.
  • SANTOS, M. Por uma Geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 6. ed. São Paulo: Editora da USP, 2004.
  • SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2. reimpr. São Paulo: Editora da USP , 2006.
  • SCHAMA, S. Paisagem e Memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996.
  • STEFFEN, W.; BROADGATE, W.; DEUTSCH, L.; GAFFNEY, O.; LUDWIG, C. The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015.
  • THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Cia. das Letras, 2010.
  • TODOROV, T. A Conquista da América: a questão do outro. 5. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019.
  • TURKEL, W. Every Place is an Archive: Environmental History and the interpretation of physical evidence. Rethinking History, v. 10, n. 2, p. 259-276, 2006.
  • WINIWARTER, V. Approaches to Environmental History: a field guide to its concepts. In: SZABÓ, P.; LASZLOVSZKY, J. (ed.). People and Nature in Historical Perspective. Budapest: Central European University, 2003. p. 3-22. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts Acesso em: 29 abr. 2020.
    » https://www.academia.edu/59048885/Approaches_to_Environmental_History_A_Field_Guide_to_Its_Concepts
  • WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2324 Acesso em: 16 fev. 2018.
    » https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2324
  • WORSTER, D. A natureza e a desordem da história. In: FRANCO, J. L. A. et al História Ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 367-384.
  • Contribuição de autoria

    AUTOR 1: concepção do artigo, pesquisa bibliográfica, documental e das fontes históricas, discussão teórica e redação do texto. AUTOR 2: supervisão da pesquisa bibliográfica, documental e das fontes históricas, discussão teórica, redação do texto e revisão final.

Editado por

Editor do artigo:

Rodrigo Ramos Hospodar Felippe Valverde

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2022
  • Aceito
    17 Mar 2023
Universidade de São Paulo Av. Prof. Lineu Prestes, 338 - Cidade Universitária, São Paulo , SP - Brasil. Cep: 05339-970, Tels: 3091-3769 / 3091-0297 / 3091-0296 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistageousp@usp.br