Resumo
Partindo do reconhecimento de que a governança corporativa tornou-se uma tecnologia dominante para disciplinar conflitos corporativos, este trabalho avalia sua extensão para o ambiente empresarial das companhias estatais de economia mista. O artigo discute, a partir de estudos de caso, os dilemas singulares destas empresas. Os casos analisados são a Sabesp, diante da crise hídrica de São Paulo, e a Eletrobrás, em vista da revisão das concessões do setor elétrico. O estudo dos casos permite entender em concreto o conflito de interesses apresentado pela literatura jurídica de forma hipotética. Com base nisso, o artigo apresenta uma tipologia dos conflitos que se aplica a estes casos e casos similares.
Palavras-chave
s: Governança corporativa; Empresas estatais; Conflito de interesses; Política pública
Abstract
Recognizing that corporate governance currently dominates the debate over conflicts of interest in companies, this paper evaluates how the corporate governance debate extends to mixed corporations. The paper undertakes case studies to appraise state-owned companies’ particular dilemmas. Cases studied were the water crisis faced by Sabesp and the renegotiation of public concessions held by the Federal Government through Eletrobras. The cases suggest how the corporate governance of mixed corporations works in action, compared to the hypotheses of the literature. Then, we use our findings to propose a typology of conflicts to explain these cases and other conflicts which may arise in similar state-owned corporations.
Keywords:
Corporate governance; State-owned corporations; Conflicts of interest; Public policy
1. Introdução
A governança corporativa tem sido um tema de primeira linha em diversos círculos acadêmicos. Desde os anos 1980, quando a disciplina ganhou protagonismo, tem havido um incremento substantivo no volume de literatura a respeito. Dados de Pargendler (2014) permitem uma mensuração desta dinâmica: entre 1980 e 2010, o volume de livros sobre este tema registrados no Google books Ngram aumentou cerca de 240%. A esta evolução quantitativa está associada também uma alteração qualitativa, que se traduz em uma ampliação do âmbito de atuação deste dispositivo. O saldo alcançado é um espraiamento da governança corporativa como uma tecnologia quase universal de controle de dilemas societários.
Originalmente, a agenda da governança corporativa cingia-se a dirimir a tensão existente entre os interesses dos acionistas minoritários, dos controladores e dos administradores de sociedades anônimas. Esta agenda foi inaugurada pelo trabalho seminal de Berle e Means (1932) BERLE, Adolf A.; MEANS, G. The Modern Corporation and Private Property. New York: Macmillan, 1932. , voltado a descrever a ocorrência de um fenômeno novo no capitalismo: a separação entre a propriedade acionária e o controle societário. O argumento dos autores é o de que esta separação de proprietários e controladores em uma mesma sociedade poderia ser uma fonte potencial de conflitos.
Posteriormente, Jensen e Meckling (1976) JENSEN, Michael C; MECKLING, William H. “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure”. Journal of Financial Economics, Rochester, v. 3, n. 4, pp. 305-360, Oct. 1976. elaboraram o conflito potencial desvendado por Berle e Means, conceituando-o como um problema de “agência”, ou seja, como um problema de assimetria entre os interesses do representado (“principal”) e a conduta dos representantes (“agente”). É para dirimir este conflito de posições societárias que se desenvolvem regras internas, mecanismos de monitoramento e salvaguardas, ou seja, os dispositivos que constituem a governança corporativa. O seu propósito, portanto, é o de evitar que os administradores tomem decisões auto-interessadas e ruinosas para os propósitos dos investidores. 1 1 Para um survey sobre governança corporativa, ver Schleifer e Vishny (1997). No desempenho dessa função, cumpre aos dispositivos de governança garantir, entre outros, a prestação de contas das decisões societárias, o fomento a participação dos acionistas nos temas corporativos e a responsabilização dos administradores por decisões prejudiciais aos demais acionistas ou à companhia.
Ocorre, contudo, que a esta agenda inicial, tem-se somado outros tipos de conflitos societários, o que resultou em uma ampliação das noções de “agente” e de “principal” que caracterizavam inicialmente os conflitos internos das companhias. De um lado, nas empresas privadas, para além de questões atinentes à lucratividade e aos dividendos, temas como a responsabilidade social e ambiental, a igualdade de gênero na direção da corporação, e o cumprimento das leis e regras (compliance), passaram a frequentar a disciplina corporativa e as regras de governança.
De outro lado, estas regras têm também alcançado as empresas estatais, notadamente as sociedades de economia mista. A extensão da governança corporativa como tecnologia regulatória para as tensões ínsitas às empresas estatais não é, todavia, livre de embaraços. Nestas, as tensões próprias das sociedades anônimas são potencializadas pelo fato de que o Estado é o acionista controlador. Com isso, os conflitos usuais entre acionistas minoritários, controladores e administradores são amplificados, já que tais empresas não só perseguem a maximização de seus resultados, como também procuram dar consecução ao seu mandato de política pública.
Na realidade, a despeito do crescimento da aplicação da tecnologia da governança corporativa em sociedades de economia mista, ainda há lacunas substantivas na disciplina dos interesses constitutivos das empresas estatais. Tais problemas não se apresentam apenas no âmbito da aplicação e da efetividade das regras, como é comum no caso dos mecanismos de governança corporativa de empresas privadas. No caso das estatais há inconsistências de modelo, na medida em que ainda é movediça uma definição operativa de como conjugar os interesses lucrativos com as finalidades políticas, potencialmente deficitárias. Além disso, há uma posição ambivalente do Estado que é de difícil enquadramento. A um só tempo, os gestores do Estado detêm dois interesses que são potencialmente conflitantes: (i) o interesse financeiro, de também obter dividendos com sua posição de controlador e (ii) o interesse político, de fazer cumprir seu mandato de políticas setoriais. Diante disso, o objetivo deste artigo é apresentar uma descrição empírica de dois casos paradigmáticos, que revelam concretamente diferentes composições do conflito de interesses que informa a governança das companhias estatais. A partir disso, o trabalho procura ainda apresentar uma tipologia destes conflitos, incorporando não apenas os acionistas, mas também os reguladores e os usuários do serviço, que são atores exógenos, mas relevantes para o desfecho do conflito interno das companhias.
O primeiro caso selecionado retrata um conflito entre os interesses público e privado na Sabesp, que é a companhia de saneamento do estado de São Paulo. Trata-se de uma empresa estatal, que presta um serviço público, ou seja, de fruição universal, e que é pioneira na abertura de capital na bolsa de valores, sendo listada no Novo Mercado. Recentemente, em razão da grave crise de abastecimento de água vivenciada por São Paulo, a empresa sofreu contestações quanto à sua capacidade de cumprir o mandato de política pública. No limite, a Sabesp revelaria um caso de uma privatização funcional, isto é, uma colonização da empresa pelos interesses privados sem que tenha havido uma mudança estrutural de controle. O segundo caso analisado é o da Eletrobrás, que igualmente é uma empresa prestadora de um serviço público e listada em bolsa. No entanto, em uma situação reversa à da Sabesp, os administradores da Eletrobrás foram questionados por decisões corporativas que, a pretexto de atender finalidades políticas setoriais, teriam gerado perdas para a empresa. De forma simétrica, o caso da Eletrobrás sugere uma estatização funcional, isto é, uma situação em que os interesses privados sofrem algum grau de expropriação em virtude dos interesses do Estado-controlador.
Ao apresentar os casos, o artigo descreve empiricamente problemas que a literatura especializada costuma apresentar apenas de forma hipotética. De sua narrativa, podem ser compreendidas as engrenagens concretas de dois tipos de conflitos que são latentes na governança das empresas estatais: (i) a leniência do controlador com o mandato de política pública, o que favorece os acionistas como um todo e o controlador, em particular; (ii) a maximização dos interesses de política pública, que favorece o controlador e os usuários do serviço, em detrimento dos acionistas minoritários. A descrição de ambos os tipos permite assim um avanço em relação ao estado da arte da literatura, já que decorre de uma descrição empírica de um conflito que é conhecido em regra de forma doutrinária. Trata-se, portanto, de um artigo que se debruça sobre o direito em ação (“law in action”) da disciplina societária e administrativa das empresas estatais.
Para isso, o artigo está organizado em outras quatro seções. A seção 2 apresenta o desenho e o método da pesquisa. A seção 3 realiza uma revisão de literatura sobre a governança corporativa, situando o alargamento de seu âmbito de atuação, e apresenta também uma trajetória estilizada do setor produtivo estatal, destacando os conflitos de interesse nas companhias brasileiras. A quarta seção apresenta os estudos de caso da Sabesp e da Eletrobrás e apresenta uma tipologia de seus conflitos. Por último, a quinta seção traz as conclusões do artigo.
2. Método e seleção dos casos
Este é um trabalho que resulta de uma pesquisa qualitativa, baseada na técnica do estudo de caso, 2 2 Para uma discussão sobre o uso do estudo do estudo de caso como técnica de pesquisa, ver Yin (2010) . que, neste caso, é empregado para investigar empiricamente como transcorreram conflitos corporativos em duas empresas estatais paradigmáticas. O objetivo da pesquisa era o de identificar com maior precisão do que as análises hipotético-dedutivas, próprias da doutrina jurídica, como os interesses públicos e privados compõem-se no âmbito das sociedades de economia mista. Entre o repertório de métodos, o estudo de caso é aquele apontado pela literatura como sendo adequado para investigações dedicadas a um número pequeno de observações e que pretende realizar uma análise em profundidade dos fenômenos observados. 3 3 Ver Almeida (2016) e Alonso (2016) para uma discussão sobre o emprego dos métodos qualitativos e sobre o emprego do estudo de caso em particular. Além disso, trata-se de um método adequado para as circunstâncias em que a pergunta a ser respondida pela pesquisa está relacionada a “como?” sucedem os fatos observados. É, portanto, o método adequado para a constituição de tipologias a partir de situações fáticas.
Os casos analisados foram selecionados pela sua significância para a agenda da pesquisa, na medida em que confirmam e ilustram de forma paradigmática situações típicas vivenciadas pelas empresas estatais. 4 4 Sobre os métodos de seleção de casos, ver Seawright e Gerring (2008) . A Sabesp é a maior empresa estadual de saneamento e a Eletrobrás é a maior companhia elétrica do país, sendo, portanto, empresas líderes de seus respectivos mercados. Além disso, são empresas que trabalham com insumos básicos, água e energia elétrica, e que contam com controladores dotados de orientações políticas distintas, fatos que permitiram um contraste entre os casos. Por último, são empresas estatais que não só são listadas em bolsa, ou seja, contam com acionistas privados, como também prestam serviços públicos. As empresas estatais podem prestar serviços públicos ou realizar atividades econômicas, como é o caso da Petrobrás. Por se tratar de uma análise de como se processam os conflitos de interesses nas companhias, a pesquisa selecionou casos em que este conflito fosse mais exacerbado, o que tende a ocorrer em empresas listadas e que atuam com serviços de provisão universal.
Os estudos foram realizados com base em dados públicos. Com isso, tanto a descrição apresentada, como a tipologia gerada a partir dos conflitos narrados são sujeitos a teste e ao falseamento científico. Por último, os tipos decorrem dos casos e são generalizáveis para situações similares, ou seja, para empresas estatais listadas em bolsa e encarregadas de políticas públicas setoriais, notadamente de serviços públicos.
3. Governança corporativa e empresas estatais
A noção de governança corporativa é originalmente associada aos conflitos de interesse que emergem com a separação da propriedade e do controle nas sociedades anônimas. O primeiro trabalho a apontar para este fenômeno é o livro de Berle e Means, que, em 1932, descreveu e problematizou os dilemas societários advindos da bifurcação introduzida nas grandes companhias norte-americanas entre os investidores (proprietários dos recursos) e os controladores (aqueles encarregados da administração da empresa). 5 5 O trabalho de Berle e Means (1932) , intitulado The Modern Corporation and Private Property, foi o ponto de partida para que se identificasse os potenciais conflitos de interesses que emergiriam na relação entre gestores e investidores no contexto de dispersão acionária norte-americano. A Teoria da Agência, por sua vez, foi desenvolvida com maior intensidade na década de 1970 por Jensen e Meckling (1976) , e seus conceitos são hoje amplamente utilizados e difundidos na literatura, falando-se recorrentemente em custos de agência e relação representante-representado (principal-agent relationship) sem a necessidade de maiores explicações, como em Hansmann e Kraakman (2004) e Bebchuk e Roe (2004) , por exemplo. Caminhando nesta tradição, os fundamentos da governança corporativa foram desenvolvidos algumas décadas depois por Jensen e Meckling (1976 JENSEN, Michael C; MECKLING, William H. “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure”. Journal of Financial Economics, Rochester, v. 3, n. 4, pp. 305-360, Oct. 1976. , p. 305-160) que constituíram então um segundo estágio deste campo. Os autores formulam a noção de “custo de agência”, ou seja, os custos relacionados ao conflito de interesses que decorrem da dispersão acionária.
O “custo de agência” é uma função do conflito latente existente entre os proprietários e os controladores, ou entre o “principal” e o “agente”, nos termos da teoria da agência. De um lado figura o “principal”, que é o titular da propriedade da companhia, mas que não exerce o seu controle e, de outro lado, figura o “agente”, cuja atribuição seria a de gerir a companhia em sintonia com os interesses do “principal”. A natureza da relação estabelecida entre o “agente” e o “principal” é a de uma representação, de forma que o bem-estar do “principal” depende do comportamento do “agente” (HASNMANN e KRAAKMAN, 2006 HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier R. “Agency Problems and Legal Strategies”. In: KRAAKMAN, Reinier R. et al. The Anatomy of Corporate Law. New York: Oxford University Press, 2006, pp. 21-32. , pp. 21-32). Ocorre, no entanto, que o “agente” pode atuar em benefício próprio sem com isso atender àqueles cujos interesses deveria representar. Nessa situação, configura-se um desalinhamento dos interesses e a verificação de um “custo de agência”, ou seja, um custo de representação. 6 6 No contexto de dispersão acionária típico do mercado de capitais norte-americano, o conflito de agência por excelência ocorre entre investidores e administradores, sendo a figura do acionista controlador rara. Em ambientes com estrutura de propriedade acionária mais concentrada, como é o brasileiro, é comum haver ao menos duas situações de conflito de interesse importantes: aquela em que os acionistas minoritários são principais e o acionista controlador é o agente, já que ele pode usar o poder de controle para atender interesses particulares em detrimento da rentabilidade da companhia; e aquela em que todos os acionistas, minoritários e controladores, são principais, e os administradores são os agentes, já que a Lei das S.A. brasileira estabelece decisões societárias que só podem ser tomadas pelo conselho de administração numa sociedade anônima aberta. Em outros termos, “o custo de agência” resulta de uma divergência entre as decisões tomadas pelo “agentes” e aquelas que efetivamente maximizariam a riqueza do “principal”, caso viessem a ser tomadas ( JENSEN; MECKLING, 1976 JENSEN, Michael C; MECKLING, William H. “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure”. Journal of Financial Economics, Rochester, v. 3, n. 4, pp. 305-360, Oct. 1976. , p. 308).
Diante disso, o dispositivo de governança corporativa adequado é aquele que, por estar assentado em uma estrutura eficiente de monitoramento, assegura a convergência entre os interesses do “agente” e os do “principal”. Nessa hipótese, a companhia vivenciaria um jogo de tipo ganha-ganha: o bem-estar de ambos, “principal” e “agente”, é maximizado ( TIROLE, 2001 TIROLE, Jean. Corporate Governance. Econometrica, vol. 69, n. 1, Jan. 2001, p. 1-35. , p. 2). Foi com esta missão de alinhamento dos interesses que a agenda da governança corporativa consolidou-se na literatura acadêmica e nos ambientes de negócio, nos 1980, notadamente nos Estados Unidos.
Desde então, este conjunto de regras e políticas corporativas tem sofrido inflexões sobre o teor e o âmbito de sua atuação. Se a governança corporativa foi inicialmente concebida para dirimir conflitos de caráter estritamente societário, entre acionistas e administradores, suas cercanias têm experimentado uma ampliação de domínios. Assim, enquanto alguns autores seguem mais próximos de sua rota original, lançando mão das regras de governança para um círculo estreito de questões, uma segunda linha de trabalhos tem alargado o leque de conflitos sujeitos a sua incidência ( TIROLE, 2001 TIROLE, Jean. Corporate Governance. Econometrica, vol. 69, n. 1, Jan. 2001, p. 1-35. ; HANSMANN; KRAAKMAN, 2004; BEBCHUK; ROE, 2004 BEBCHUK, Lucian A., ROE, Mark J. “A Theory of Path Dependence in Corporate Ownership and Governance”. In: GORDON, Jeffrey N.; ROE, Mark J. Convergence and Persistence in Corporate Governance. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 69-113. ).
Nessa composição, os debates sobre governança têm rivalizado duas abordagens: os minimalistas e os maximalistas. As visões minimalistas são aquelas mais fieis a proposta original da governança corporativa. Trabalhos como os de Hansmann e Kraakmann (2004) salientam que o papel destas regras é dirimir conflitos corporativos associados aos temas de investimento. Para os minimalistas, o controle empresarial deveria estar voltado aos interesses dos acionistas, sintetizados pela maximização do valor da empresa, já que os interesses das outras partes estão protegidos por contratos, a serem cumpridos antes da distribuição de lucros entre os sócios. De acordo com essa visão, ainda, a melhor forma de proteger todos os demais agentes interessados na companhia, como os trabalhadores, por exemplo, é a preservação da maximização do retorno empresarial. Se o retorno estiver assegurado, toda a comunidade empresarial será beneficiada, já que a companhia ganhará valor (HANSMANN; KRAAKMAN, 2004, p. 43-45). Por outro lado, a proteção de outros interesses por meio das regras de governança seria um propósito estranho às suas possibilidades. Sendo assim, dada a objetividade da proteção dos acionistas e dada a externalidade positiva envolvida nesta proteção para toda a empresa, as regras de governança deveriam zelar apenas pela distribuição de lucros para seus investidores. Trata-se, em suma, de uma visão minimalista ou voltada para os acionistas (shareholder-oriented). 7 7 A tese de Pargendler (2013 , p. 169-222), por exemplo, aponta para uma evolução do direito societário no Brasil orientada para os investidores minoritários (ou seja, shareholder-oriented ), apoiada pela atuação do Estado também como acionista minoritário.
Em uma posição simétrica a dos minimalistas, figuram os maximalistas, ou seja, autores e formuladores de política que se orientam por valorizar os múltiplos interesses que constituem uma companhia. Além disso, estes autores articulam a noção de governança corporativa ao ambiente de economia política, de forma que a realidade na qual a empresa está inserida importa para o padrão de suas regras e políticas ( TIROLE, 2001 TIROLE, Jean. Corporate Governance. Econometrica, vol. 69, n. 1, Jan. 2001, p. 1-35. , p. 23-33). 8 8 Sobre a hipótese de que os elementos históricos (ou de dependência da trajetória) persistem nas práticas de governança corporativa locais, levando-a a ser necessariamente como cunhamos de maximalista em países como a Alemanha e o Japão, por exemplo, ver Roe (1993 , 1994), Tirole (2001 , p. 24-32), Bebchuck e Roe (2004), Schmidt e Spindler (2004) e Gilson (2004 , p. 140-146). No limite, para esta visão, a proteção exclusiva dos acionistas não levaria em conta nem a realidade econômica da empresa, que é mais complexa do que as relações entre seus sócios, nem tampouco a relação da empresa com o seu entorno institucional.
Partindo assim de uma abordagem alternativa da tradição minimalista, este enfoque tem procurado dilatar a noção de “principal”. Com isso, desloca a centralidade dos acionistas e incorpora outros interesses a serem protegidos pelas regras corporativas. Como consequência, a abordagem maximalista traz para o âmbito da governança corporativa interesses variados, como os de trabalhadores e os de outros stakeholders que integram a empresa. Entre outros, este é o caso das regras para garantir uma equalização na representação social entre empregados e acionistas, das políticas de igualdade de gênero ou ainda das normas de preservação da companhia, forçando-a a estabelecer estratégias de sustentabilidade social e ambiental.
3.1. Governança corporativa e empresas estatais
É desta abertura de visões, afinada com uma agenda maximalista, que emerge o tema da governança corporativa em empresas estatais. O motivo da autorregulação corporativa nesse caso incorpora uma agenda ambiciosa, que procura atender a objetivos que vão além da relação financeira entre acionistas e administradores (ou controladores). Nas estatais de capital misto, existe um objetivo de política pública que leva o Estado a atuar diretamente como empreendedor, mas ao mesmo tempo estas empresas também precisam lidar com o fato de que possuem acionistas privados, que são titulares de uma legitima expectativa de obter resultados positivos. 9 9 Para uma compilação de trabalhos que cobrem o tema da governança corporativa em economias que fazem uso extensivo de empresas estatais, ver Liebman e Milhaupt (2015) .
Essa condição ambivalente tem recebido a atenção de agências encarregadas da formulação de políticas e de guias de boas práticas para governos, como é o caso da OCDE. Em 2005, a organização lançou um documento com diretrizes para o aprimoramento da governança corporativa das empresas de controle estatal ( OCDE, 2005 OCDE. Diretrizes da OCDE sobre governança corporativa para empresas de controle estatal. 2005. Disponível em: < http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceofstate-ownedenterprises/42524177.pdf>. Acesso em: 30 novembro 2015.
http://www.oecd.org/daf/ca/corporategov...
). No documento, a organização indica a necessidade de o Estado conciliar seu papel de promotor de políticas públicas, com o seu papel de controlador destas empresas. Para isso, a OCDE recomenda uma série de medidas, tais como: políticas de composição das instâncias societárias e desenhos de regras de representação dos múltiplos interesses corporativos.
A despeito dos esforços, as recomendações da OCDE (2005) OCDE. Diretrizes da OCDE sobre governança corporativa para empresas de controle estatal. 2005. Disponível em: < http://www.oecd.org/daf/ca/corporategovernanceofstate-ownedenterprises/42524177.pdf>. Acesso em: 30 novembro 2015.
http://www.oecd.org/daf/ca/corporategov...
estão longe de solucionar o desafio de mitigar o conflito de interesses que ocorre nas estatais. Comparativamente com as companhias privadas, o “conflito de agência” nas estatais ultrapassa as tensões entre acionistas e administradores e vai ainda além dos demais conflitos que abrangem a agenda maximalista, como são os existentes entre os acionistas e os trabalhadores, os problemas de desigualdade de gênero e as questões de responsabilidade social e ambiental. Nas estatais, a estes conflitos se justapõe o problema do mandato de política pública, do que resulta um redimensionamento necessário da posição do “principal”. Há, nestas empresas, pelo menos três tipos de “principal”, que se situam em uma possível rota de colisão, são eles: (i) os investidores privados, que são os acionistas minoritários; (ii) os controladores, representados pelas autoridades políticas do Estado; e (iii) as autoridades públicas encarregadas de implementar as políticas públicas por meio da companhia.
Tomando como referência os acionistas minoritários, seus interesses podem ser sacrificados tanto por objetivos financeiros, como por objetivos de política pública. Isso porque as empresas estatais não só implementam políticas que podem ser custosas, como também são fontes de recurso e de poder corporativo para o seu acionista controlador – o Estado. Assim, o acionista minoritário, que em uma companhia privada pode se ver diante de um conflito de interesses com o acionista controlador, pode vivenciar conflitos ainda maiores se esse controlador for o Estado. De um lado, o controlador estatal pode ter interesse em objetivos sociais que não estão atrelados a maximização do lucro. De outro lado, o controlador pode reduzir a distribuição de dividendos por objetivos corporativos, agindo de forma semelhante a um controlador de empresa privada.
Em segundo lugar, o controlador, representado pelas autoridades políticas do Estado (Presidente e Ministros, por exemplo) pode ter interesses desalinhados com os administradores da empresa. Na realidade, o núcleo político do governo e as empresas estatais não têm uma relação monolítica, de forma que pode haver entre os executivos e os representantes do governo uma tensão latente. Entre tantos exemplos, este é o caso das tarifas cobradas pelas estatais e que são fonte de disputa entre os seus administradores e as autoridades políticas. Os administradores, refletindo os interesses da empresa, tendem a preferir tarifas realistas, ao passo que as autoridades políticas do governo, que atuam na condição de controladores, podem preferir conter os preços públicos para assim evitar pressões inflacionárias.
Por último, representantes de segmentos do governo e executivos das empresas estatais podem alinhar-se em prejuízo de outros atores estatais. Uma situação frequente é aquela em que há uma disputa entre áreas do governo encarregadas de implementar políticas públicas setoriais e os gestores que governam as finanças públicas. Nesse conflito, administradores incumbidos das políticas setoriais podem não ter seus interesses atendidos em razão de uma priorização financeira na gestão das estatais: a empresa é conduzida a pagar mais dividendos ao controlador, em detrimento da implementação de políticas.
Em tese, no caso brasileiro, estes conflitos seriam dirimidos no âmbito legislativo. A lei societária reconhece e disciplina desde há muito o duplo mandato das estatais. De acordo com a Lei 6.404, de 1976, (a Lei das S.A.) as empresas que contam apenas com sócios privados têm como principal finalidade a realização de seu objeto social, o que se traduz na busca máxima de sua eficiência produtiva, de suas taxas de lucro e de sua competência no ambiente concorrencial – um mandato único. Já as sociedades de economia mista, devem compartilhar o objetivo empresarial de maximização de seus resultados com a persecução do interesse público que presidiu a sua criação – um duplo mandato. 10 10 É isso que dispõe o artigo 238 da lei societária “A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
O problema é que, a despeito do tratamento legislativo, é ainda bastante movediço o modo como devem ser alinhados os sucessivos interesses das estatais. Tanto quanto os guias e as boas práticas, a disposição legislativa e a doutrina societária não estabelecem marcos estreitos de como estas empresas devem combinar seus propósitos e como, portanto, devem dirimir seus diversos “conflitos de agência”.
O estado da arte da doutrina sobre sociedades de economia mista apresenta parâmetros apenas parciais para a compreensão do exercício de seu duplo mandato. Os trabalhos convergem no reconhecimento de que nestas empresas há uma necessária convivência de interesses potencialmente contrapostos ( PINTO JUNIOR, 2010 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal – função econômica e dilemas societários, São Paulo: Atlas, 2010, pp. 317-318. ; FRANCO, 1982 FRANCO, Vera Helena de Melo. Grupos Econômicos sob o Controle Estatal: o conflito de interesses (a norma do artigo 238 da lei das S.A. Aplicação. Limites . Tese de Doutorado em Direito Comercial – Faculdade de Direito da USP, 1982, p. 201. , p. 201). Por outro lado, com poucas exceções, 11 11 Pinto Junior (2010 , p. 361-369) apresenta uma noção interessante para balizar os conflitos de interesse entre os sócios privados e os interesses de politica pública. O autor utiliza o WACC (custo ponderado médio de capital) como critério para sustentar que empresas podem realizar políticas deficitárias, desde que seu retorno global atenda ao custo médio de capital. os trabalhos de direito societário e de direito administrativo limitam-se a reconhecer que há diferenças entre as estatais e as empresas privadas, mas não avançam em critérios que permitam discernir as posições que representam a defesa de interesses legítimos e aquelas que traduzem interesses abusivos.
3.2. O conflito de interesses nas estatais brasileiras: trajetória estilizada
O conflito entre a lucratividade e os propósitos de política pública tem um histórico apreciável no arranjo institucional brasileiro, em que as sociedades de economia mista tiveram relativa predileção dos formuladores de política. ( TREBAT, 1983 TREBAT, Thomas J. Brazil's state-owned enterprises: a case study of the state as entrepreneur. Cambridge: Cambridge University, 1983. , p. 30-69; VENÂNCIO FILHO, 1998 VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico – o direito público econômico no Brasil. Ed. fac-similar de 1968. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. 614 p. , p. 425-439; SEST, 1981 SECRETARIA DE CONTROLE DE EMPRESAS ESTATAIS (SEST). Empresas estatais e o controle da SEST. Brasília: SEST, 1981. , p. 64, PINTO JÚNIOR, 2010 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal – função econômica e dilemas societários, São Paulo: Atlas, 2010, pp. 317-318. , p. 7-99). A rigor, a experiência europeia com sociedades de capital misto desde o século de XIX e as operações de resgate do Banco do Brasil, ocorridas no início do século XX, universalizaram este modelo no setor produtivo estatal brasileiro. Esta seção apresenta uma descrição estilizada da trajetória das estatais brasileiras, com a finalidade de contextualizar os conflitos examinados nos casos selecionados. A premissa do trabalho é a de que os casos da Sabesp e da Eletrobrás não são excepcionais, na verdade revelam dilemas habituais do setor produtivo estatal.
Dados da secretaria de controle de empresas estatais (SEST) indicam que das 560 estatais federais catalogadas entre 1925 e 1980, 229 eram sociedades de economia mista e apenas 23 eram empresas públicas. 12
12
Naquela época, a SEST considerava estatais não apenas as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as empresas privadas com participação societária da União, como hoje se faz. Faziam parte das estatísticas também as fundações, as autarquias, órgãos governamentais autônomos e concessionárias de serviços públicos ( SEST, 1981 p. 64).
Os processos de privatização empreendidos nas décadas de 1990 reduziram o universo das empresas controladas pelo estado (união, estados e municípios), mas mesmo assim diversas sociedades de economia mista relevantes permaneceram em atividade no Brasil, como é o caso da Petrobrás e da Eletrobrás, no âmbito federal. Em 2014, a SEST estimava existirem ainda 135 estatais no Brasil, das quais boa parte era de sociedades de economia mista (SEST, 2016 _____________. Perfil das empresas estatais federais – Ano-base 2014. Brasília: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2016. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/arquivo/dest-1/perfil-das-empresas-estatais-1/160801_2015_ano_base_2014.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2016.
http://www.planejamento.gov.br/secretar...
, p. 15).
A prevalência do modelo e a sua longevidade, todavia, não resultaram na constituição de parâmetros satisfatórios para a composição dos interesses. Ao longo dos anos, setores como petróleo, telecomunicações e alumínio, entre outros, registraram diversas ocasiões de disputas entre o controlador, representado pelas autoridades de governo, os administradores das companhias, e os acionistas minoritários.
Este é o caso do setor de alumínio, em que os conflitos envolveram a política siderúrgica do governo federal e os interesses corporativos do BNDES. Conhecido como “Banco Nacional do Aço” na década de 1960, o BNDES, que era controlador das estatais Usiminas e Cosipa, havia alocado aproximadamente 60% dos seus recursos financeiros para empresas do setor. No entanto, a diretriz política foi alterada e o governo passou a propugnar uma reorganização do setor de aço, por meio da constituição de uma holding – a Siderbrás. O BNDES, todavia, na qualidade de banco de investimento setorial, resistia a esta reorganização societária, sobretudo em razão dos valores a serem arbitrados a título de compensação por suas participações. A disputa só foi resolvida quando o governo federal conseguiu acordar com o BNDES uma compensação que atendesse aos seus interesses e o banco cedeu suas posições societárias, garantindo assim a criação da Siderbrás, em 1973 ( TREBAT, 1983 TREBAT, Thomas J. Brazil's state-owned enterprises: a case study of the state as entrepreneur. Cambridge: Cambridge University, 1983. , p. 95-102; SCHNEIDER, 1994 SCHNEIDER, Ben R. Burocracia pública e política industrial no Brasil. Trad.: Pedro Maia Soares, Suzan Semler. São Paulo: Editora Sumaré, 1994. , p. 155-170).
Nos anos 1980, devido aos desajustes econômicos, essas tensões ficaram bastante evidentes em função, por um lado, das pressões inflacionárias e, por outro, das necessidades de investimentos setoriais. A perda paulatina de controle sobre a inflação levou o governo federal a impor uma política de controle de preços sobre suas empresas, como forma de amainar o efeito dos preços administrados sobre os aumentos já disseminados nos demais preços relativos. Esta política encontrava bastante resistência na administração das estatais, porque a contenção tarifária impunha limitações severas para o caixa das empresas.
Neste período, a trajetória de três das principais empresas estatais, a saber, a Telebrás, a Eletrobrás e a Petrobrás, é ilustrativa das tensões entre o interesse macroeconômico do controlador e a posição corporativa. De um lado, Telebrás e Eletrobrás amargaram perdas elevadas com o controle de suas tarifas e assim comprometeram sua capacidade de planejamento setorial. Ambas as empresas só viriam a ser saneadas nos anos 1990, por ocasião de sua privatização ( PINHEIRO; BONELLI; SCHNEIDER, 2004 PINHEIRO, Armando Castelar; BONELLI, Regis; SCHNEIDER, Ben Ross. Pragmatic Policy in Brazil: The Political Economy of Incomplete Market Reform. Texto para discussão n. 1035. Ipea: Rio de Janeiro, 2004. ). A trajetória da Petrobrás, por sua vez, sugere uma situação reversa, em que os interesses da companhia foram relativamente mais preservados. Para Carmen Alveal (1990 ALVEAL, Carmen. Os Desbravadores – a Petrobrás e a construção do Brasil industrial, Rio de Janeiro, Relume Dumará: ANPOCS, 1994. , p. 145-176), a liderança política de seus executivos prevaleceu sobre os interesses gerais da política macroeconômica. Nesse caso, os administradores e os interesses da companhia prevaleceram sobre os ímpetos das autoridades políticas (controladores). Com isso, a empresa foi capaz de evitar a subprecificação dos derivados de petróleo e escapou de sofrer as mesmas escalas de perdas das demais empresas estatais. 13 13 Ver também Trebat (1983 , p. 95-102) sobre as diferentes medidas que o governo brasileiro aplicava na regulação tarifas em função do setor ao longo do período de substituição de importações.
Se a relação entre empresas e Estado foi passível de sucessivos conflitos no período desenvolvimentista, os termos desta relação ficaram ainda mais agudos e incertos no contexto posterior às privatizações e à redemocratização. Desde então, as empresas estatais remanescentes têm convivido em um arranjo de economia política que conta com maiores restrições orçamentárias para o Estado, pressões consentâneas com a democracia por mais e melhores políticas públicas, e o interesse de investidores privados, cada vez mais pulverizados no mercado de capitais, que ambicionam obter um retorno econômico para seus investimentos.
No que tange ao Estado, como controlador, a posição estabelecida tem sido contraditória: as estatais apresentam-se simultaneamente como fonte de recursos para o tesouro e como instrumentos de implementação de políticas setoriais. De um lado, o texto constitucional positivou diversas políticas públicas, transformando assim objetivos públicos em mandamentos constitucionais. De outro, as máquinas públicas têm tido sua capacidade orçamentária limitada, seja pela vinculação constitucional de despesas, como saúde e educação, seja com a vinculação a despesas correntes, como pessoal. O cenário das restrições conta ainda com os limites de despesa impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse ambiente, a administração pública tem de enfrentar o delicado dilema de buscar recursos para sustentar um universo amplo de despesas constitucionalizadas e utilizar as empresas estatais para desenvolver um arco largo de políticas públicas, compensando assim o estrangulamento do orçamento da administração direta ( TAYLOR, 2015 TAYLOR, M. The Unchanging Core of Brazilian State Capitalism. Working Papers Series. Paper n. 2015-8. School of International Service, American University, 2015. ). É nessa conjugação, portanto, que as estatais são manejadas no Estado, sendo ora instrumento de arrecadação, ora instrumento de ação.
Dados do TCU, de 2013, relativos aos anos de 2004 a 2013 confirmam a importância das estatais para a poupança fiscal (TCU, 2013). O gráfico 1 indica como as estatais contribuíram de maneira expressiva para a formação de superávit primário no período anterior à crise fiscal de 2015.
Evolução da relação entre remuneração das participações societárias e resultado primário do Governo Central.
Além disso, como salientado, com a privatização, nos anos 1990, os acionistas minoritários passaram a integrar esse conflito, adicionando às disputas intraestado a defesa de seus interesses como investidores. Ao listarem seus papéis na bolsa de valores e muitas vezes em bolsas de valores de outros países, as empresas estatais têm captado recursos relevantes que, em razão das limitações fiscais do Estado, garantem às estatais um volume de recursos necessário para seus investimentos. Todavia, a aquisição destes papeis é conflituosa desde o início, porque se os prospectos disponibilizados pelas empresas fazem referência ao seu mandato de política pública, dificilmente há uma quantificação segura dos riscos a que os acionistas estão expostos. Assim como também é verdade que, em muitos casos, as expectativas dos minoritários não condizem com a condição de uma empresa estatal, cuja finalidade é diversa daquela atribuída a uma empresa privada.
Há, portanto, sucessivas ambivalências na governança das empresas estatais e as respostas jurídico-institucionais não têm sido capazes de estabilizar o teor das controvérsias. No âmbito das relações Estado - sociedade, os conflitos se situam entre o fortalecimento do tesouro e a execução das políticas setoriais. No âmbito das relações entre Estado e mercado, as disputas se apresentam entre os interesses dos investidores minoritários e os objetivos de política das empresas. A disciplina destas relações é particularmente difícil porque além dos conflitos evidentes entre retorno e política, as posições são ainda entrecortadas por potenciais alianças estratégicas e circunstanciais entre os diversos interesses.
4. Estudos de Caso: Sabesp e Eletrobrás
Nos casos explorados nesta seção, apresentam-se duas situações rivais e em ambas há desajustes nas relações “agente-principal”. No caso da Sabesp, os interesses financeiros dos acionistas parecem ter sido prevalecentes sobre o mandato de política pública. Ao longo dos anos, a política de dividendos da companhia permitiu uma distribuição de ganhos elevada e potencialmente contraditória com as necessidades de investimento em serviços públicos. No caso da Eletrobrás, a empresa aceitou os termos da renovação antecipada dos contratos de concessão, cujas cláusulas suprimiam recursos tarifários e modificavam o método de apuração do valor dos ativos remanescentes para indenização de seus investimentos. A deferência da empresa com as políticas do setor elétrico resultou inclusive em uma condenação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
4.1 A Sabesp e a crise hídrica em São Paulo
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) é uma sociedade de economia mista e concessionária do serviço de saneamento no Estado. Trata-se de uma sociedade anônima, cujo controlador é o Estado de São Paulo, e que conta também com acionistas privados. A companhia está listada na Bolsa de Valores de São Paulo, no Novo Mercado, com 49,74% de free-float e tem emitido séries de American Depositary Receipts (ADRs) lastreados em ações na Bolsa de Nova York, desde 2003. 14 14 Considera-se em “free-float” – isto é, em livre circulação, as ações não detidas pelos controladores de uma companhia aberta. O free-float mínimo exigido para listagem no Novo Mercado é de 25% do capital social, o que indica grau considerável de dispersão acionária na Sabesp, que tem que ter maioria do capital nas mãos do Estado de São Paulo para ser uma sociedade de economia mista. Ver: < http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/produtos/listados-a-vista-e-derivativos/renda-variavel/empresas-listadas.htm >. Acesso em: 14 set. 2016. Além do mercado tradicional de ações, a BM&FBovespa oferece segmentos de listagem com regras de transparência e direitos adicionais aos acionistas minoritários, a exemplo do Novo Mercado, do Nível 1, do Nível 2 e do Bovespa Mais. Ver: < http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/listagem/acoes/segmentos-de-listagem/sobre-segmentos-de-listagem/ >. Acesso em: 14 set. 2016. Sobre os ADRs emitidos pela Sabesp, ver < http://sistemas.cvm.gov.br/?CiaDoc >. Acesso em 14 set. 2016.
Em 2014 e 2015, a empresa vivenciou problemas que explicitaram seus conflitos corporativos, indicando relativa preponderância de seus interesses financeiros em relação a seu mandato de política pública. Nestes anos, São Paulo enfrentou uma grave crise hídrica, materializada no baixo nível dos reservatórios de água que abastecem a capital paulista. Em 2014, por exemplo, o sistema Cantareira, que reúne os principais reservatórios da cidade, atingiu o volume morto, isto é, o nível restante estava abaixo das tubulações que extraiam água.
Diante da crise hídrica, as autoridades paulistas, notadamente a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP), adotaram medidas de racionamento, tais como: a redução do fluxo de água para regiões da cidade, campanhas educativas para a diminuição do consumo e medidas de punição e premiação financeira, baseadas no consumo mensal de água. 15 15 A situação dos reservatórios da Sabesp veio a público pela primeira vez na Deliberação ARSESP n. 469, de 3 de fevereiro de 2014, na qual também restou aprovado o Programa de Incentivo à Redução do Consumo de Água da Sabesp, prorrogado duas vezes, para durar até o final de 2015. Ver também as Deliberações n. 514 e 536 da Sabesp, todas de 2014, que prorrogam o Programa e atualizam suas medidas A redução da pressão na tubulação de algumas regiões ainda se aplicava em 2016. Ver < http://www.sabesp.com.br/reducaopressao/ >. 14 set. 2016.
Na ocasião, a Sabesp apresentou-se publicamente como uma das vítimas da crise. Mais ainda: em razão da queda do consumo de água, resultado das políticas de racionamento adotadas pela ARSESP, a Sabesp apresentou um pleito regulatório reivindicando o reequilíbrio econômico-financeiro de seu contrato de concessão. A estatal argumentou que a queda no consumo de água, promovida pelos reguladores como forma de poupar o consumo, implicou perdas econômicas para a companhia. O pleito da Sabesp foi atendido e a ARSESP autorizou, por meio da Deliberação 561/2015, a cobrança de uma tarifa extraordinária, no percentual de 6,9154%, com a finalidade prover o reequilíbrio econômico da empresa. Ao todo, a conta de água do consumidor final sofreu um aumento de cerca de 15% no ano de 2015, em razão de sucessivos reajustes autorizados pela ARSESP. 16 16 A revisão em questão foi autorizada pela Deliberação ARSESP 561/2015, que implicou a possibilidade de um aumento de 6,9154% sobre uma base tarifária que já havia sofrido um aumento de 7,7875% (sete inteiros e sete mil oitocentos e setenta e cinco décimos de milésimo por cento), em razão da Deliberação 560/2015.
A discussão sobre a justa causa deste pedido e de seu atendimento é um dado relevante para se compreender o conflito de interesses na governança da empresa. Isso porque a garantia de reequilíbrio neste caso apresenta dois pressupostos relevantes, são eles: (i) a compreensão de que a empresa não teve responsabilidade na geração da crise de abastecimento, e (ii) a noção de que os custos decorrentes desta crise não deveriam ser incorridos pela empresa, nem mesmo como forma de garantir o baixo custo de serviços essenciais.
A rigor, a garantia de reequilíbrio econômico financeiro é uma condição de segurança jurídica da contraparte de um contrato administrativo. Trata-se de uma salvaguarda prevista pelo artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, pelo artigo 65, inciso II, §5º e §6º, da Lei 8.666/93 e ainda pelo artigo 9º, da Lei 8.987/95. A lógica subjacente a este dispositivo jurídico é a de preservar a equivalência material da avença estabelecida entre o particular e a administração pública. Para isso, sua construção normativa tem como parâmetro os termos iniciais da contratação, estabelecidas no edital de licitação, em que se apresentam as condições contratuais do negócio a ser executado ( MEIRELLES, 1999 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo . 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. , p. 181).
Há, no entanto, condições específicas para que um contrato administrativo seja considerado desequilibrado. O reequilíbrio econômico-financeiro, conquanto seja uma garantia, deve ser compreendido com parcimônia, como uma exceção, que deve ser procedido nos casos em que há uma efetiva situação de injustiça material na relação de trocas entre as partes. Para Di Pietro (2014, p. 297), há quatro requisitos que justificariam um reequilíbrio econômico-financeiro de um contrato: (i) o caráter imprevisível do fato que causou o desajuste; (ii) o fato de ser estranho à vontade das partes; (iii) a condição de ser inevitável e (iv) a geração de um desequilíbrio muito grande e impeditivo da sequência do contrato.
No caso em questão, pode-se admitir que, ao autorizar o reajuste tarifário, a ARSESP considera que a crise foi inevitável, imprevisível e, portanto, não atribuível à empresa. Demais disso, a medida também pressupõe que os custos do racionamento de água não poderiam ser atribuíveis à Sabesp, e sim alocados para os usuários. O pedido de um reequilíbrio econômico neste caso com as justificativas apresentadas pela empresa sugere certa prevalência de seu objetivo de maximização de retorno sobre seu mandato de universalização do abastecimento de água e esgoto.
Originalmente, a lei de criação da empresa e o seu estatuto social parecem ter conformado uma composição satisfatória para a conjugação de interesses que constituem a companhia. A Lei Estadual 119, de 1973, atribui à estatal o mandato de prestar os serviços de saneamento básico no Estado de São Paulo e o estatuto social, por sua vez, especifica este mandato e detalha os motivos de política pública que constituem seu objeto social, a saber: a prestação de modo universal dos serviços públicos de saneamento básico no Estado de São Paulo. In verbis:
Lei Estadual 119/73.
Ar. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a constituir uma sociedade por ações, sob a denominação de Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP com o objetivo de planejar, executar e operar os serviços públicos de saneamento básico em todo o território do Estado de São Paulo, respeitada a autonomia dos municípios.
Estatuto Social da Sabesp
Art. 2º. Constitui o principal objeto social da companhia a prestação de serviços de saneamento básico com vistas à sua universalização no Estado de São Paulo, sem prejuízo da sustentabilidade financeira no longo prazo, compreendendo as atividades de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, além de outras que lhes sejam correlatas, inclusive o planejamento, operação e manutenção de sistemas de produção, armazenamento, conservação e comercialização de energia, para si ou para terceiros e comercialização de serviços, produtos, benefícios e direitos que direta ou indiretamente decorrerem de seus ativos patrimoniais, empreendimentos e atividades, podendo ainda atuar subsidiariamente em qualquer parte do território nacional ou no exterior na prestação dos mesmos serviços.
O estatuto social dispõe ainda que os acionistas terão direito a dividendos obrigatórios, estabelecidos em 25% (vinte e cinco por cento) do lucro liquido alcançado pela companhia. 17 17 In verbis: Art. 28. As ações ordinárias terão direito ao dividendo mínimo obrigatório correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, após as deduções determinadas ou admitidas em lei (Estatuto da Sabesp). Esse é o mesmo percentual de dividendo mínimo obrigatório estabelecido pela Lei das S.A. (art. 152, §1º). A busca da sustentabilidade, nos termos estatutários, dar-se-ia no longo prazo, o que abriria espaço para conjugar satisfatoriamente os interesses público e privado. Com isso, a companhia, ressentindo-se da necessidade de atrair novos recursos, pôde incrementar seu padrão de governança corporativa, listando suas ações no Novo Mercado. Ao mesmo tempo, pôde compatibilizar o alcance de sua missão pública com a sua sustentabilidade financeira, administrando esta conciliação em um intervalo dilatado de tempo. Pelo disciplinado no estatuto, portanto, não se trataria de uma empresa vocacionada a maximizar o seu retorno econômico, em um curto prazo, ou ainda uma companhia comprometida com uma distribuição agressiva de seus lucros.
Finalmente, o termo de outorga da renovação de sua concessão, em 2004, estabelecido por meio da portaria DAEE 1213 estipulava as condições do contrato. Entre estas, figurava como uma das principais obrigações da empresa a redução da dependência do abastecimento hídrico paulista em relação ao sistema Cantareira. É o que estabelece o art. 16, da Portaria DAEE n.º 1213/2004: 18 18 DAEE é a sigla para o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo.
Art. 16 - A SABESP deverá providenciar, no prazo de até 30 (trinta) meses, estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do Sistema Cantareira, considerando os Planos de Bacia dos Comitês PCJ e AT. (Portaria DAEE n.º 1213/2004 – Outorga Sistema Cantareira).
O termo de outorga sugere, portanto, que a expectativa do poder concedente era a de um comportamento ativo e planejador por parte da Sabesp. Essa condição, em particular, indica que o desequilíbrio econômico-financeiro por que passava a companhia não seria de todo inevitável. Tanto assim é que o próprio poder concedente já havia estabelecido os termos do que deveria ser realizado a fim de evitar infortúnios futuros.
Há, no entanto, aparente discrepância entre estes mandatos públicos e a orientação financeira adotada pela empresa, nos anos recentes. A política de dividendos praticada pela Sabesp nos últimos dez anos foi mais generosa do que a estabelecida em seu estatuto social. O exame de seus balanços societários revela que a margem de dividendos pagos pela companhia foi sempre superior aos 25% (vinte e cinco por cento).
Nos últimos anos, verifica-se ainda um esforço de manutenção de um volume total de pagamentos de dividendos em um patamar superior ao dos 500 milhões de reais, mesmo em cenários de expressiva redução do lucro auferido, como é o caso do ano de 2014. Isto é, embora o estatuto estabeleça uma margem percentual para o pagamento de dividendos, a empresa parece ter mantido uma quantia financeira fixa de divisão de lucros, mesmo com a lucratividade declinando no último exercício.
Em 2014, por exemplo, a Sabesp ao pagar o valor aproximado de 500 milhões de reais, a título de dividendos, acabou por distribuir cerca de 60% do seu lucro líquido para os seus acionistas. A tabela abaixo apresenta estes dados.
Fonte: Sabesp e CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros). Elaboração própria.
O perfil de distribuição de dividendos sugere que a administração da Sabesp pode ter pendido desproporcionalmente para o interesse de seus acionistas, em detrimento de seu mandato de política de saneamento. Neste caso, se assim o for, os usuários dos serviços da Sabesp arcaram com os custos de sua política de dividendos, mesmo diante do seu estatuto social, que definia a companhia como sendo responsável pela universalização do acesso à agua e ao sistema de esgoto. Em detrimento dos usuários do serviço, a distribuição elevada de dividendos beneficiou os acionistas minoritários, isto é, os investidores, mas também favoreceu o Tesouro estadual, que pode contar com uma fonte perene de recursos. O “principal” financeiro parece ter prevalecido sobre o “principal” político.
Em suma, sendo uma empresa estatal, cuja finalidade deve ser a de compatibilizar a distribuição de lucros com a máxima realização de fins públicos, os requisitos para um reequilíbrio econômico precisariam ser avaliados com moderação. Afinal, seria razoável onerar os usuários, com vistas a reequilibrar um contrato, e com isso gerar como efeito potencial uma distribuição elevada de dividendos, inclusive para o Tesouro estadual?
4.2 A Eletrobrás e a renovação antecipada dos contratos de concessão
A Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás é uma sociedade de economia mista, constituída em 1961, com controle da União Federal, que conta também com acionistas minoritários. A empresa tem seus papéis negociados no mercado de capitais desde 1971, sendo hoje listada no segmento especial Nível 1 da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&F Bovespa). O seu objetivo social é explorar a atividade de geração e de transmissão de energia elétrica diretamente ou através das suas subsidiárias, mediante contratos de concessão ou autorização.
Em 2012, a empresa aderiu a uma política energética do governo federal e com isso sofreu perda de valor, impondo ainda prejuízos para seus acionistas minoritários. Neste ano, com o objetivo de reduzir as tarifas para os consumidores finais, o governo federal editou a Medida Provisória 579, posteriormente convertida na Lei 12.783/2013, como novo parâmetro legal para as concessões do setor elétrico. O plano previa uma redução de cerca de 20% da conta de luz para os consumidores residenciais e de cerca de 30% para os consumidores industriais. Para isso, a nova lei definia um novo conjunto de incentivos, com ganhos e perdas: de um lado, para as empresas que aderissem ao plano, garantia a renovação antecipada dos contratos de concessão de energia, cujos prazos de vigência estavam se aproximando do término; de outro, mudava o cálculo das indenizações dos investimentos não amortizados e reduzia encargos tarifários. 19 19 Ver nota descritiva da MP 579 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012) e sua exposição de motivos ( LOBÃO, MANTEGA, ADAMS, 2012 ). Em outros termos, a proposta do governo federal representava uma troca entre a certeza de um novo contrato e uma remuneração menor pelos ativos e pela prestação dos serviços.
A rigor, a MP 579 (e a Lei 12.783) regulamentou a metodologia para o cálculo das indenizações, 20
20
As indenizações pelos ativos remanescentes ao final de uma concessão hidrelétrica são previstas na legislação aplicável aos contratos administrativos e às concessões. Os marcos reguladores, notadamente a Lei 8.666/93, a Lei 8.987/1995 e a Lei 9.074/1995, estabelecem que, ao final de um contrato, o concessionário deve ser indenizado por aqueles investimentos que, porventura, não foram amortizados ou depreciados.
algo que não havia sido definido pelas leis anteriores. A partir do novo marco regulatório, passou a viger como critério o valor novo de reposição (VNR), isto é, um critério baseado no valor de mercado dos ativos e não mais o seu custo histórico. O cálculo do VNR foi atribuído à Empresa de Pesquisa Energética (EPE MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE). Cálculo do Valor Novo de Reposição – VNR de Empreendimentos de Geração de Energia Elétrica. N. EPE-DEE-RE-092/2012-r1. Disponível em: < http://www.mme.gov.br/documents/10584/1256596/Relat_Metodologia_r1.pdf/dd403d99-c375-44b6-845c-220741c104e2>. Acesso em 23 dez. 2014.
http://www.mme.gov.br/documents/10584/1...
), que para tanto deveria considerar os preços que seriam aplicáveis atualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para implantação de um novo empreendimento similar, descontadas as depreciações e amortizações, verificadas de acordo com as informações fornecidas pela ANEEL. 21
21
Sobre os detalhes da metodologia de cálculo do VNR, ver relatório encomendado pelo Ministério das Minas e Energia à EPE em 2012 (EPE, 2012).
Até a MP 579, estava consolidado no setor o entendimento de que a indenização devida às concessionárias seria calculada pelo valor contábil dos ativos, lançado pela própria empresa nas suas demonstrações financeiras (levando igualmente em consideração as depreciações e amortizações verificadas historicamente). 22 22 Sobre a metodologia anteriormente utilizada para o cálculo da indenização pelos ativos remanescentes em contratos de concessão no setor elétrico, os pareceres acerca da sua legitimidade e o parecer interno da Eletrobrás com o impacto econômico do uso do VNR, ver CVM (2015 , p. 3-8). Este entendimento estava amparado em pareceres jurídicos utilizados pelas concessionárias, que legitimavam o valor contábil como o modo de cálculo da indenização para os ativos não amortizados. Na prática, a adoção do critério VNR representaria uma diminuição considerável no valor das indenizações devidas às concessionárias, e consequentemente uma redução no valor das tarifas – que era o objetivo do plano governamental.
Isso ocorreria porque a MP 579, ao alterar a forma de cálculo dos ativos, repercutiu no valor dos encargos devidos às concessionárias à título de indenização pelos bens não amortizados. Estes encargos compunham as tarifas pagas pelos consumidores, de forma que a redução do valor devido à título de indenização implicaria uma exclusão de tais encargos da tarifa de energia. Entre outros encargos, este é o caso das cotas da Reserva Global de Reversão (RGR). Havia, portanto, um delicado dilema para as concessionárias, que deveriam escolher entre a segurança do contrato e a manutenção de sua remuneração.
Diante da nova política estabelecida pela MP, a diretoria da Eletrobrás solicitou estudo técnico para apurar as vantagens financeiras de longo prazo que poderiam estar associadas à renovação antecipada dos seus contratos de concessão, a despeito das perdas decorrentes da adoção do VNR. Tais estudos não foram divulgados publicamente aos acionistas da companhia e serviram apenas como subsídio para a decisão do Conselho de Administração. De posse das análises, os membros do conselho entenderam por bem se abster da decisão e assim não apoiaram a proposta de renovação antecipada dos contratos (PINTO JUNIOR, 2015 _____________. Exercício do controle acionário na empresa estatal. Comentários a decisão da CVM no caso Eletrobrás (working paper). 2015. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2765264 >. Acesso em: 23 dez. 2016.
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
, p. 1-14). 23
23
Para mais detalhes sobre o teor de tais estudos técnicos, ver Pinto Junior (2015, pp.1-14) e CVM (2015, pp. 3-8).
Ato contínuo, a despeito da posição de abstenção do Conselho de Administração, a Assembleia Geral de acionistas deliberou favoravelmente aos novos termos contratuais, fazendo assim com que a Eletrobrás acatasse voluntariamente a aplicação do VNR, ainda que isso trouxesse perdas financeiras para a empresa. Na Assembleia Geral, o voto da União, acionista controladora, foi acompanhado pela BNDESPAR e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ambos controlados pela União e alguns acionistas minoritários da empresa, que alinhadamente decidiram em favor da política setorial de redução tarifaria.
Nesta ocasião, outros acionistas minoritários manifestaram-se contrariamente à decisão da Assembleia Geral e, em razão disso, a Superintendência de Relação com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) instaurou um Processo Administrativo Sancionador - RJ 2013/6635 contra a União para apurar eventual configuração de conflito de interesses na mencionada assembleia. Para isso, os minoritários lançaram mão do artigo 115, e seu §1o, da Lei das S.A., que considera abusivo o voto de acionista em benefício próprio ou em situação que possa resultar em prejuízo para a companhia.
No caso em questão, a reclamação dos minoritários partiu da hipótese de que a União teria um benefício próprio ao usar sua condição de acionista para fazer valer uma nova metodologia de cálculo das indenizações, o que lhe beneficiava financeiramente, a despeito da política de redução das tarifas. Em termos mais simples, a CVM cuidou de avaliar se os interesses do Governo Federal na redução das tarifas apresentavam conflito com os interesses da União, como acionista de uma empresa que era indispensável para a implementação da política.
Com a instauração do processo, tanto a Procuradoria Federal especializada da CVM quanto a União sustentaram que não houve conflito de interesses, uma vez que a renovação dos contratos ocorreria no âmbito de uma política pública, sendo esta voltada a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação dos serviços do setor elétrico e a modicidade de suas tarifas. Não se trataria, portanto, de transação entre partes relacionadas 24 24 Conforme o pronunciamento anexo à Deliberação n. 26/86 da CVM, “partes relacionadas podem ser definidas, de um modo amplo, como aquelas entidades, físicas ou jurídicas, com as quais uma companhia tenha possibilidade de contratar, no sentido lato deste termo, em condições que não sejam as de comutatividade e independência que caracterizam as transações com terceiros alheios à companhia, ao seu controle gerencial ou a qualquer outra área de influência. Os termos "contrato" e "transações" referem-se, neste contexto, a operações tais como: comprar, vender, emprestar, tomar emprestado, remunerar, prestar ou receber serviços, condições de operações, dar ou receber em consignação, integralizar capital, exercer opções, distribuir lucros etc”. A CVM presume que controladas e coligadas são partes relacionadas, as quais podem contratar entre si, contanto que informem à CVM o contexto da contratação, para de modo que os acionistas minoritários possam julgar eventual vantagem ao controlador em prejuízo da rentabilidade da companhia. a ensejar conflito de interesses, já que a redução dos valores de indenização comporia uma estratégia mais ampla de redução das tarifas. Além disso, seguindo este entendimento, o artigo 238 da Lei das S.A. deixaria claro que o controlador da sociedade de economia mista pode – e deve – conduzir suas atividades de modo a atender o interesse público que justificou sua criação.
Mesmo assim, embora entendendo que sua posição societária havia sido tomada em conformidade com as regras, a União encaminhou ao Colegiado da CVM proposta de termo de compromisso. Pelas condições apresentadas, a controladora cessaria a prática considerada abusiva, ou seja, não tomaria a mesma conduta em outra Assembleia Geral e ainda indenizaria os prejuízos eventualmente causados às partes prejudicadas, uma vez apurado o prejuízo. Caso o termo de compromisso fosse aceito pelo Colegiado, o processo não teria julgamento de mérito e não se tornaria um precedente na jurisprudência da CVM.
A proposta de conciliação da União, todavia, não foi aceita. Em sua manifestação, a diretora da autarquia, Luciana Dias (2014), entendeu pela rejeição do termo de compromisso, considerando que a posição da União em votar na Assembleia Geral foi abusiva. Nesta decisão, a relatora sustentou que, embora seja pertinente a formulação de uma política energética com o fito de reduzir as tarifas para os consumidores, a posição societária da União a favor de uma nova metodologia de indenização pelos ativos remanescentes conflitava com os interesses da empresa, por impor a esta prejuízos indevidos – ou seja, desatrelados da política pública propriamente dita. Em síntese, a manifestação da relatora reconheceu que, em razão do artigo 238 da Lei das S.A., sociedades de economia mista podem implementar políticas, mas que no caso concreto a União não poderia ter votado pela aceitação da mudança de metodologia do cálculo da indenização devida à empresa, ao fim do contrato de concessão. A seguinte passagem ilustra esta posição da relatora do caso:
[...] para a SEP, a União estaria impedida de votar quanto à renúncia ao direito de discutir a forma de cálculo da indenização – fato que, em si, não representaria nenhum interesse verdadeiramente público, uma vez que se trata de interesse estritamente financeiro da União. Nesse contexto, a intervenção da União na AGE (assembleia-geral extraordinária) e a manifestação de voto teriam se dado em situação de conflito de interesses tendo em vista os incentivos que esse acionista controlador teria para aprovar a renovação e, com isso, verse livre das discussões judiciais sobre o valor efetivamente devido à Eletrobras ( DIAS, 2014 DIAS, Luciana. Manifestação de voto. Processo Administrativo Sancionador CVM RJ 2013/6635. 17 de junho de 2014. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/2014/8411-2.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2015.
http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/... , p. 1).
Levado a julgamento pelo colegiado, a posição da relatora prevaleceu e a CVM firmou pela primeira vez um precedente sobre abuso de poder de controle em sociedades de economia mista. 25
25
Não havia até então precedentes sobre os limites do voto do Estado, na qualidade de controlador em sociedades de economia mista. A CVM já havia aperfeiçoado seu entendimento sobre conflito de interesses no PAS n.º 13179/2009 (Caso Tractebel), que trata da impossibilidade de um acionista votar em uma Assembleia Geral que deliberaria sobre o laudo de avaliação de bens, caso este acionista tivesse concorrido com tais bens para a formação do capital social. Entretanto, ainda não havia na Comissão precedente sobre abuso de poder de controle em sociedades de economia mista.
Na decisão, a CVM considerou que havia dúvida no segmento sobre a adequação da nova metodologia como parâmetro para a indenização dos ativos remanescentes ao final dos contratos de concessão. A Superintendência de Relação com Empresas (SEP) indicou em sua acusação contra a União que esta, como controladora “sempre aprovou em assembleia as demonstrações financeiras [da Companhia], nas quais a posição da administração [sobre como calculá-la] havia sido colocada expressamente” ( CVM, 2015 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Sessão de julgamento do PAS RJ 2013/6635. 26 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/sancionadores/sancionador/anexos/2015/20150526_PAS_RJ20136635.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2015.
http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/...
, p. 2). Além disso, a CVM reconheceu que as novas tarifas teriam um impacto significativo no valor dos ativos do grupo Eletrobrás, conforme indica a tabela abaixo. Com base nesses elementos, o colegiado da CVM decidiu condenar a União em maio de 2015 em penalidade pecuniária equivalente ao valor de 500 mil reais.
Fonte: CVM. Elaboração própria.
O caso da Eletrobrás é bastante intrincado. Por um lado, a decisão da CVM pode ser questionada pelo fato de não ter dispensado à estatal um tratamento compatível com uma empresa portadora de um duplo mandato. A decisão contém certa ambivalência ao reconhecer a possibilidade de uma sociedade de economia mista perseguir politicas públicas, mas condenar a União por ter votado e assim levado a companhia a aceitar um contrato que gera ganhos para a controladora. A ambivalência consiste no fato de que a aceitação desta metodologia era, para o governo, o que viabilizaria a pretendida redução das tarifas. Por consequência, a decisão parece reconhecer em tese um regime, que, todavia, é rejeitado no caso concreto.
Por outro lado, a política pública estabelecida em lei por iniciativa do governo federal é também passível de questionamentos. A política de redução do custo das tarifas não ocorreu somente com a mudança da metodologia de cálculo e com a supressão de encargos, mas com essas mudanças sendo implementadas por meio de um expediente heterodoxo: a renovação antecipada de contratos por meio de MP. A configuração da proposta favorece a compreensão de certo voluntarismo regulatório, na medida em que a política tarifária foi construída de forma circunstancial, para derrogar por medida provisória um quadro regulatório contratualmente estabelecido.
Nessa situação, a atuação da Eletrobrás aparenta relativo casuísmo, porque sua posição societária não foi tomada para atender a uma política já estabelecida. Os termos da equação parecem invertidos: porque a União controlava uma empresa, pretendeu refazer uma política, mudando as regras do jogo, no curso de vigência do contrato, contando para isso com sua posição de controle como meio de alavancagem regulatória. Dito de outro modo, embora sutil, a situação pareceria diferente se os contratos tivessem sido renovados regularmente e nos termos da nova política regulatória a União utilizasse sua posição de controle para direcionar a empresa no atendimento de tais diretrizes.
4.3. Tipologia dos conflitos
Os estudos de caso sugerem duas situações simétricas. No caso da Sabesp, o Estado parece ter-se alinhado com os interesses dos investidores privados. Com isso, garantiu um fluxo estável de pagamento de dividendos, mas penalizou os usuários do serviço público de saneamento. A consequência desta opção é o deslocamento do mandato público de universalização do acesso aos serviços sanitários, fato esse parametrizado pelo pleito de reequilibro econômico-financeiro e pelo reajuste sequencial das tarifas. Para isso, além dos alinhamentos societários entre o controlador (estado) e os minoritários (acionistas privados), houve ainda uma composição de interesses com a agência reguladora, em detrimento dos usuários do serviço, a quem se atribuiu o ônus da crise. No limite, supondo-se a relação entre estatização e privatização como uma régua contínua, o caso da Sabesp revela um deslocamento funcional da empresa para o lado da privatização, ainda que estruturalmente a empresa tenha se mantido controlada pelo estado.
No caso da Eletrobrás, o Estado procurou um alinhamento com os usuários do serviço, em detrimento dos interesses de maximização de lucro da companhia e dos investidores privados. Na realidade, sua posição de controlador de uma das principais empresas do setor foi utilizada como meio para viabilizar uma política extemporânea, engendrada de uma forma heterodoxa, por meio da renovação antecipada de contratos de concessão. Simetricamente ao caso da Sabesp, a decisão dos administradores da Eletrobrás resultou em uma movimentação da empresa no sentido da estatização e da consequente expropriação dos ganhos privados.
Por razões opostas, ambos os casos apresentam situações de conflito entre os interesses corporativos. No caso paulista, o Estado atuou interessadamente em duas posições: como controlador financeiro e como regulador setorial. Como controlador da empresa, o Estado tem interesse em obter retorno com os dividendos pagos pela companhia. Como regulador setorial, teve a possibilidade de garantir o seu reequilíbrio econômico, ainda que o alegado desequilíbrio possa ser imputável à atuação da própria empresa, a quem cabe planejar e executar a oferta do serviço de saneamento. Desta forma, garantiu os seus interesses financeiros, como controlador, e os interesses financeiros dos minoritários.
No caso da Eletrobrás, os elementos sugerem que não foi a empresa estatal que se coadunou com uma política previamente estabelecida, mas uma política que foi definida contando com o poder de adesão de uma empresa controlada pelo governo para torná-la viável. O modo de implementação da política encontrou resistências dos investidores e dos demais agentes concessionários do setor. Além disso, outras empresas do segmento rejeitaram a proposta e com isso comprometeram a viabilidade dos descontos, que só foram mantidos por meio de subsídios governamentais (até a implementação do ajuste fiscal). 26 26 A partir de 2015, todavia, com a decisão de ajuste fiscal os subsídios governamentais foram cortados e a conta de luz sofreu um incremento de cerca de 50%. O histórico dos aumentos de tarifas autorizados pela Aneel pode ser acompanhado no website da agência reguladora. Ver: < http://www.aneel.gov.br/ranking-das-tarifas >. Acesso em: 23 dez. 2016. Em síntese, no caso da Sabesp, as posições do Tesouro e dos acionistas minoritários encontravam-se alinhadas e em rota de tensão com os interesses dos usuários e beneficiários da política. Para a confirmação deste alinhamento, a atuação da agência reguladora foi decisiva, na medida em que ao arbitrar os ganhos e perdas da crise, a Arsesp corroborou o alinhamento dos interesses. No sentido reverso, as autoridades políticas do setor elétrico contaram potencialmente com o apoio dos usuários do setor, mas se situaram em rota de colisão com as autoridades financeiras do governo (interessadas na preservação da arrecadação) e com os acionistas minoritários, protegidos pela CVM. Nesse sentido, o arranjo regulatório federal apresentou um contrapeso que, se não impediu o alinhamento de interesses entre Estado e usuários, pode ter efeito dissuasório em novas tentativas de alinhamento similar.
Estes dilemas, conflitos e alianças confirmam em concreto que a governança das posições corporativas das empresas estatais é incomparavelmente mais difícil do que o verificado em uma empresa privada. Diferentemente de uma sociedade anônima privada, uma sociedade de economia mista conjuga diferentes interesses no lugar do “principal” e uma diversidade de possibilidades para os “agentes”. Não por acaso, o marco regulatório existente ainda não foi capaz de apresentar parâmetros seguros para a composição satisfatória das posições societárias nestas companhias. Da mesma forma, guias de boas práticas, como os elaborados pela OCDE, pecam pelo seu caráter reducionista porque estabelecem balizas que tomam as empresas privadas como um parâmetro – uma analogia que parece ser imprópria.
No âmbito legislativo brasileiro, a lei societária (Lei 6.404) dispõe que as estatais têm o direito de perseguir finalidades públicas, mas na ausência de diretrizes normativas infralegais mais concretas, a efetivação deste direito é na prática transferida de forma aberta para o controlador e para os administradores. A rigor, ao apresentar um comando normativo aberto, o efeito da legislação é alocar para a discricionariedade estatal a decisão de como combinar o duplo mandato em cada situação. A questão é que, entre a lei aberta e a discricionariedade do executivo, não há parâmetros mais próximos para guiar estas empresas.
De certo modo, a nova lei das estatais, Lei n. 13.303, promulgada em 30 de junho de 2016, procurou responder a diversos problemas vivenciados por estas empresas, notadamente a sua patronagem político-partidária. Nessa perspectiva, a lei trouxe diretrizes detalhadas sobre o tipo de política interna que empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias devem manter para atender a padrões de transparência em relação a eventuais acionistas e com a sociedade civil em geral. Também são apresentadas normas específicas para as licitações realizadas por estas empresas e regras de prestação de contas. O propósito da lei é claro: garantir o compliance das estatais com a regulação, procurando aproximar as práticas de gestão destas empresas das demais sociedades anônimas listadas em bolsa. No entanto, se a nova lei das estatais tem o mérito de estender às empresas estatais o padrão necessário de accountability exigido pela CVM para companhias abertas em geral, ela não representa um avanço suficiente para superar os múltiplos conflitos decorrentes da ambivalência posta pela tensão entre retorno econômico (inclusive para o Tesouro) e a política pública.
Como ocorreu no passado e como se verifica no presente, fica ainda por se estabelecer no futuro parâmetros mais claros sobre como manejar os imperativos de lucratividade e os prováveis prejuízos decorrentes da execução de políticas públicas. Esta questão não precisaria ser resolvida no âmbito da lei, o que inclusive tenderia a ossificar esta relação que é específica de cada setor, e sujeita alterações dada a conjuntura econômica. O ponto é que a lei tampouco apresenta um locus decisório para arbitrar esta composição.
Diante da abertura da lei e da inexistência de uma agência encarregada de regular ex ante os conflitos das estatais, as controvérsias tendem a ser dirimidas ex post, seja pelo judiciário, seja pela CVM ou pelo TCU. O inconveniente deste arranjo é o mesmo já apontado pela literatura ao tratar das limitações do modelo legal-judicial: os danos não são prevenidos, apenas compensados postumamente. 27 27 Sobre isso ver a explicação de Glaeser e Schleifer (2003) para o surgimento do Estado regulador, que para os autores seria uma alternativa a inefetividade do arranjo lei-judiciário. Comparativamente, uma solução regulatória, a cargo de um órgão do executivo teria como vantagem comparativa o monitoramento permanente e a possibilidade de uma disciplina ex ante que fosse capaz de reforçar e customizar o papel das regras e políticas de governança corporativa. Como, no entanto, o modelo adotado reitera a técnica habitual do direito administrativo, qual seja, o da legalização, não será estranho que problemas como os apresentados acima voltem a ocorrer no futuro.
5. Conclusões
Partindo do reconhecimento de que a governança corporativa tornou-se uma tecnologia dominante para disciplinar conflitos corporativos, este trabalho avaliou sua extensão para o ambiente empresarial das companhias estatais de economia mista. O artigo partiu da premissa de que as estatais apresentam dilemas singulares, que são em boa medida distintos daqueles vivenciados pelas empresas privadas. Isso decorre do caráter Jano destas empresas que, tal como a figura mitológica, contam com duas faces: a empresarial e a política. Mesmo a face política, ou seja, aquela voltada para a execução de políticas públicas, não é monolítica. Há conflitos dentro do Estado, que se manifestam em disputas de interesse entre diferentes finalidades de autoridades políticas (autoridades fazendárias versus autoridades dos setores respectivos) e entre estas e os administradores das companhias.
Com base neste marco analítico, o trabalho apresentou dois casos paradigmáticos, com desenvolvimentos diversos: a Sabesp diante da crise hídrica e a Eletrobrás em vista da revisão das concessões. Os casos analisados ilustram dois problemas reversos na governança dos interesses nas empresas estatais. No caso da Sabesp, a conclusão é de uma atuação que, ao menos no contexto da crise hídrica, revelou política setorial de menos e prevalência corporativa de mais. A distribuição de dividendos foi mais generosa do que o estabelecido em seu estatuto social, o que atendeu aos interesses dos acionistas, mas pode ter prejudicado a universalização dos serviços, sobretudo em um contexto adverso para o setor. No caso da Eletrobrás, por sua vez, tem-se o oposto: políticas setoriais de mais e prevalência corporativa de menos. Neste caso, os elementos sugerem que pode ter havido uma sutil, porém relevante inversão de fatores: não foi a empresa que se ajustou a uma política pública, mas uma política de alteração das regras que foi implementada justamente porque uma empresa estatal sustentaria os seus termos. A literatura de economia política sugere que os problemas enfrentados pela Sabesp e pela Eletrobrás não são casos isolados. Na realidade, trata-se de exemplos que epitomizam as relações conflituosas características do setor produtivo estatal brasileiro.
Parte do problema decorre da forma como sua solução tem sido engendrada: o recurso da legalização para dispor sobre os conflitos corporativos. As disputas entre controladores estatais, administradores de empresa e investidores são tratados apenas no âmbito legal, com a recorrente enunciação do duplo mandato das estatais. Foi assim com a lei da S.A. e, embora com mais aperfeiçoamento, é assim com a nova lei das estatais. Diante de termos gerais típicos da lei e da dimensão de gestão que este conflito apresenta, é possível que a fórmula legal seja necessária, mas não seja suficiente. Escaparia aos propósitos deste trabalho, voltado a mapear os dilemas das estatais, no plano do direito em ação, apresentar uma solução institucional para seus problemas. Mesmo assim, parece plausível supor que os ajustes, se vierem, tenderão a contar com uma combinação de arranjos, em uma escala que congregue das regras de auto-regulação à lei, passando por agências de monitoramento e disciplina ex ante dos conflitos. Para isso, os tipos extraídos dos casos apresentam-se como insumos de trabalho, ao ilustrarem de forma concreta e granular as configurações concretas dos dilemas societários das empresas estatais.
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1
Para um survey sobre governança corporativa, ver Schleifer e Vishny (1997) SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert. A Survey of Corporate Governance, The Journal of Finance, Vol. 52, n.º 2, 1997. .
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2
Para uma discussão sobre o uso do estudo do estudo de caso como técnica de pesquisa, ver Yin (2010) YIN, Robert k. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. .
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3
Ver Almeida (2016) ALMEIDA, Ronaldo de. Estudo de Caso: foco temático e diversidade metodológica. In Cebrap (Org.), Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais: Bloco Qualitativo. São Paulo: Sesc/São Paulo, Cebrap, 2016, pp. 60-72. e Alonso (2016) ALONSO, Angela. Métodos qualitativos de pesquisa: uma introdução. In Cebrap (Org.), Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais: Bloco Qualitativo. São Paulo: Sesc/São Paulo, Cebrap, 2016, pp. 8-23. para uma discussão sobre o emprego dos métodos qualitativos e sobre o emprego do estudo de caso em particular.
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4
Sobre os métodos de seleção de casos, ver Seawright e Gerring (2008) SEAWRIGHT, Jason; GERRING, John. Case Selection Techniques in Case Study Research. A Menu of Qualitative and Quantitative Options. Political Research Quarterly , v. 61, n. 2, jun. 2008, pp. 294-308. .
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5
O trabalho de Berle e Means (1932) BERLE, Adolf A.; MEANS, G. The Modern Corporation and Private Property. New York: Macmillan, 1932. , intitulado The Modern Corporation and Private Property, foi o ponto de partida para que se identificasse os potenciais conflitos de interesses que emergiriam na relação entre gestores e investidores no contexto de dispersão acionária norte-americano. A Teoria da Agência, por sua vez, foi desenvolvida com maior intensidade na década de 1970 por Jensen e Meckling (1976) JENSEN, Michael C; MECKLING, William H. “Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure”. Journal of Financial Economics, Rochester, v. 3, n. 4, pp. 305-360, Oct. 1976. , e seus conceitos são hoje amplamente utilizados e difundidos na literatura, falando-se recorrentemente em custos de agência e relação representante-representado (principal-agent relationship) sem a necessidade de maiores explicações, como em Hansmann e Kraakman (2004) e Bebchuk e Roe (2004) BEBCHUK, Lucian A., ROE, Mark J. “A Theory of Path Dependence in Corporate Ownership and Governance”. In: GORDON, Jeffrey N.; ROE, Mark J. Convergence and Persistence in Corporate Governance. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 69-113. , por exemplo.
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6
No contexto de dispersão acionária típico do mercado de capitais norte-americano, o conflito de agência por excelência ocorre entre investidores e administradores, sendo a figura do acionista controlador rara. Em ambientes com estrutura de propriedade acionária mais concentrada, como é o brasileiro, é comum haver ao menos duas situações de conflito de interesse importantes: aquela em que os acionistas minoritários são principais e o acionista controlador é o agente, já que ele pode usar o poder de controle para atender interesses particulares em detrimento da rentabilidade da companhia; e aquela em que todos os acionistas, minoritários e controladores, são principais, e os administradores são os agentes, já que a Lei das S.A. brasileira estabelece decisões societárias que só podem ser tomadas pelo conselho de administração numa sociedade anônima aberta.
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7
A tese de Pargendler (2013 PARGENDLER, Mariana. Evolução do direito societário: lições do Brasil. São Paulo: FGV-Direito SP: Saraiva, 2013. 347 p. , p. 169-222), por exemplo, aponta para uma evolução do direito societário no Brasil orientada para os investidores minoritários (ou seja, shareholder-oriented ), apoiada pela atuação do Estado também como acionista minoritário.
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8
Sobre a hipótese de que os elementos históricos (ou de dependência da trajetória) persistem nas práticas de governança corporativa locais, levando-a a ser necessariamente como cunhamos de maximalista em países como a Alemanha e o Japão, por exemplo, ver Roe (1993 ROE, Mark J. “Some Differences in Corporate Structure in Germany, Japan and the United States”. Yale Law Journal. New Haven, v. 102, n. 8, pp. 1927-2003, jun.1993. , 1994 ____________. Strong Managers, Weak Owners. The political roots of America corporate finance. Princeton: Princeton University Press, 1994. ), Tirole (2001 TIROLE, Jean. Corporate Governance. Econometrica, vol. 69, n. 1, Jan. 2001, p. 1-35. , p. 24-32), Bebchuck e Roe (2004), Schmidt e Spindler (2004) SCHMIDT, Reinhard H.; SPINDLER, Gerald. Path dependence and complementarity in corporate governance. In GORDON, Jeffrey N.; ROE, Mark J. Convergence and Persistence in Corporate Governance. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 114-127. e Gilson (2004 GILSON, Ronald J. Globalizing corporate governance: convergence of form and function. In GORDON, Jeffrey N.; ROE, Mark J. Convergence and Persistence in Corporate Governance . Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 128-158. , p. 140-146).
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9
Para uma compilação de trabalhos que cobrem o tema da governança corporativa em economias que fazem uso extensivo de empresas estatais, ver Liebman e Milhaupt (2015) LIEBMAN, Benjamin L.; MILHAUPT, Curtis J. Regulating the Visible Hand? The Institutional Implications of Chinese State Capitalism. Oxford: Oxford University Press. 2015. .
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10
É isso que dispõe o artigo 238 da lei societária “A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
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11
Pinto Junior (2010 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal – função econômica e dilemas societários, São Paulo: Atlas, 2010, pp. 317-318. , p. 361-369) apresenta uma noção interessante para balizar os conflitos de interesse entre os sócios privados e os interesses de politica pública. O autor utiliza o WACC (custo ponderado médio de capital) como critério para sustentar que empresas podem realizar políticas deficitárias, desde que seu retorno global atenda ao custo médio de capital.
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12
Naquela época, a SEST considerava estatais não apenas as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as empresas privadas com participação societária da União, como hoje se faz. Faziam parte das estatísticas também as fundações, as autarquias, órgãos governamentais autônomos e concessionárias de serviços públicos ( SEST, 1981 SECRETARIA DE CONTROLE DE EMPRESAS ESTATAIS (SEST). Empresas estatais e o controle da SEST. Brasília: SEST, 1981. p. 64).
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13
Ver também Trebat (1983 TREBAT, Thomas J. Brazil's state-owned enterprises: a case study of the state as entrepreneur. Cambridge: Cambridge University, 1983. , p. 95-102) sobre as diferentes medidas que o governo brasileiro aplicava na regulação tarifas em função do setor ao longo do período de substituição de importações.
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14
Considera-se em “free-float” – isto é, em livre circulação, as ações não detidas pelos controladores de uma companhia aberta. O free-float mínimo exigido para listagem no Novo Mercado é de 25% do capital social, o que indica grau considerável de dispersão acionária na Sabesp, que tem que ter maioria do capital nas mãos do Estado de São Paulo para ser uma sociedade de economia mista. Ver: < http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/produtos/listados-a-vista-e-derivativos/renda-variavel/empresas-listadas.htm >. Acesso em: 14 set. 2016. Além do mercado tradicional de ações, a BM&FBovespa oferece segmentos de listagem com regras de transparência e direitos adicionais aos acionistas minoritários, a exemplo do Novo Mercado, do Nível 1, do Nível 2 e do Bovespa Mais. Ver: < http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/listagem/acoes/segmentos-de-listagem/sobre-segmentos-de-listagem/ >. Acesso em: 14 set. 2016. Sobre os ADRs emitidos pela Sabesp, ver < http://sistemas.cvm.gov.br/?CiaDoc >. Acesso em 14 set. 2016.
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15
A situação dos reservatórios da Sabesp veio a público pela primeira vez na Deliberação ARSESP n. 469, de 3 de fevereiro de 2014, na qual também restou aprovado o Programa de Incentivo à Redução do Consumo de Água da Sabesp, prorrogado duas vezes, para durar até o final de 2015. Ver também as Deliberações n. 514 e 536 da Sabesp, todas de 2014, que prorrogam o Programa e atualizam suas medidas A redução da pressão na tubulação de algumas regiões ainda se aplicava em 2016. Ver < http://www.sabesp.com.br/reducaopressao/ >. 14 set. 2016.
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16
A revisão em questão foi autorizada pela Deliberação ARSESP 561/2015, que implicou a possibilidade de um aumento de 6,9154% sobre uma base tarifária que já havia sofrido um aumento de 7,7875% (sete inteiros e sete mil oitocentos e setenta e cinco décimos de milésimo por cento), em razão da Deliberação 560/2015.
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17
In verbis: Art. 28. As ações ordinárias terão direito ao dividendo mínimo obrigatório correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, após as deduções determinadas ou admitidas em lei (Estatuto da Sabesp). Esse é o mesmo percentual de dividendo mínimo obrigatório estabelecido pela Lei das S.A. (art. 152, §1º).
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18
DAEE é a sigla para o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo.
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19
Ver nota descritiva da MP 579 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012 CÂMARA DE DEPUTADOS. Medida Provisória n. 579, de 2012. Nota descritiva, out. 2012. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=555727>. Acesso em: 23 dez. 2016.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb... ) e sua exposição de motivos ( LOBÃO, MANTEGA, ADAMS, 2012 LOBÃO, Edison; MANTEGA, Guido; ADAMS, Luis Inácio Lucena. EM Interministerial n. 37/MME/MF/AGU. 11 set. 2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=555727>. Acesso em: 23 dez. 2016.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb... ). -
20
As indenizações pelos ativos remanescentes ao final de uma concessão hidrelétrica são previstas na legislação aplicável aos contratos administrativos e às concessões. Os marcos reguladores, notadamente a Lei 8.666/93, a Lei 8.987/1995 e a Lei 9.074/1995, estabelecem que, ao final de um contrato, o concessionário deve ser indenizado por aqueles investimentos que, porventura, não foram amortizados ou depreciados.
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21
Sobre os detalhes da metodologia de cálculo do VNR, ver relatório encomendado pelo Ministério das Minas e Energia à EPE em 2012 (EPE, 2012).
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22
Sobre a metodologia anteriormente utilizada para o cálculo da indenização pelos ativos remanescentes em contratos de concessão no setor elétrico, os pareceres acerca da sua legitimidade e o parecer interno da Eletrobrás com o impacto econômico do uso do VNR, ver CVM (2015 COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Sessão de julgamento do PAS RJ 2013/6635. 26 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/sancionadores/sancionador/anexos/2015/20150526_PAS_RJ20136635.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2015.
http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/... , p. 3-8). -
23
Para mais detalhes sobre o teor de tais estudos técnicos, ver Pinto Junior (2015, pp.1-14 _____________. Exercício do controle acionário na empresa estatal. Comentários a decisão da CVM no caso Eletrobrás (working paper). 2015. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2765264 >. Acesso em: 23 dez. 2016.
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?... ) e CVM (2015, pp. 3-8). -
24
Conforme o pronunciamento anexo à Deliberação n. 26/86 da CVM, “partes relacionadas podem ser definidas, de um modo amplo, como aquelas entidades, físicas ou jurídicas, com as quais uma companhia tenha possibilidade de contratar, no sentido lato deste termo, em condições que não sejam as de comutatividade e independência que caracterizam as transações com terceiros alheios à companhia, ao seu controle gerencial ou a qualquer outra área de influência. Os termos "contrato" e "transações" referem-se, neste contexto, a operações tais como: comprar, vender, emprestar, tomar emprestado, remunerar, prestar ou receber serviços, condições de operações, dar ou receber em consignação, integralizar capital, exercer opções, distribuir lucros etc”. A CVM presume que controladas e coligadas são partes relacionadas, as quais podem contratar entre si, contanto que informem à CVM o contexto da contratação, para de modo que os acionistas minoritários possam julgar eventual vantagem ao controlador em prejuízo da rentabilidade da companhia.
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25
Não havia até então precedentes sobre os limites do voto do Estado, na qualidade de controlador em sociedades de economia mista. A CVM já havia aperfeiçoado seu entendimento sobre conflito de interesses no PAS n.º 13179/2009 (Caso Tractebel), que trata da impossibilidade de um acionista votar em uma Assembleia Geral que deliberaria sobre o laudo de avaliação de bens, caso este acionista tivesse concorrido com tais bens para a formação do capital social. Entretanto, ainda não havia na Comissão precedente sobre abuso de poder de controle em sociedades de economia mista.
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26
A partir de 2015, todavia, com a decisão de ajuste fiscal os subsídios governamentais foram cortados e a conta de luz sofreu um incremento de cerca de 50%. O histórico dos aumentos de tarifas autorizados pela Aneel pode ser acompanhado no website da agência reguladora. Ver: < http://www.aneel.gov.br/ranking-das-tarifas >. Acesso em: 23 dez. 2016.
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27
Sobre isso ver a explicação de Glaeser e Schleifer (2003) GLAESER, Edward e SHLEIFER, Andrei. The Rise of Regulatory State, Journal of Economic Literature 41(2):401-425, 2003. para o surgimento do Estado regulador, que para os autores seria uma alternativa a inefetividade do arranjo lei-judiciário.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2018 -
Data do Fascículo
Set 2018
Histórico
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Recebido
09 Mar 2017 -
Aceito
12 Set 2017