RESUMO
O artigo objetivou caracterizar o uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal transcorridos 22 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Numa perspectiva rawlsiana, empreendeu-se uma pesquisa descritiva por meio de um estudo bibliográfico, documental e, predominantemente, qualitativo. Foram analisados dados fechados do período de 2001 a 2021, além da tendência de fechamento de 2022, para contemplar as funções alocativa, distributiva e estabilizadora da política fiscal brasileira. Para análise dos dados, utilizou-se a técnica da análise descritiva, em um processo interativo com a coleta de dados, de caráter eminentemente teórico-reflexivo. Concluiu-se que as exigências legais em relação aos gastos fiscais não podem ser consideradas aspectos dificultadores para o investimento no social pelos governos se os princípios expressos no “contrato” pactuado na Constituição Federal de 1988 forem seguidos. Foi possível perceber elementos que denotam a importância do princípio da redução das desigualdades da teoria de Rawls no contexto brasileiro.
Palavras-chave:
política fiscal; responsabilidade fiscal; responsabilidade social; John Rawls; equidade
ABSTRACT
The article characterizes how the federal government has used fiscal instruments after twenty-two years of the enactment of the Fiscal Responsibility Law in Brazil. The study is descriptive and predominantly qualitative, based on Rawls’s perspective and adopting bibliographical and documental analysis. The study examined closed data from 2001 to 2021 and considers trends for 2022, contemplating the allocative, distributive, and stabilizing functions of Brazilian fiscal policy. The analysis consists of an eminently theoretical and reflective descriptive approach, in interaction with data collection. It was observed that the legal requirements for fiscal expenditures cannot be considered an element hindering the governments’ investment in social issues when following the principles expressed in the "contract" agreed upon in the 1988 Brazilian Federal Constitution. Moreover, the study reveals elements indicating the importance of Rawls’s principle of reducing inequalities in the Brazilian context.
Keywords:
fiscal policy; fiscal responsibility; social responsibility; John Rawls; fairness
RESUMEN
El artículo se propuso caracterizar el uso de instrumentos fiscales por parte del Gobierno federal, tras veintidós años de vigencia de la Ley de Responsabilidad Fiscal. Desde una perspectiva rawlsiana, se realizó una investigación descriptiva, mediante un estudio bibliográfico, documental y predominantemente cualitativo. Se analizaron los datos cerrados del período 2001 a 2021, además de la tendencia de cierre de 2022, para contemplar las funciones asignativa, distributiva y estabilizadora de la política fiscal brasileña. Para el análisis de los datos, se utilizó la técnica de análisis descriptivo, en un proceso interactivo con la recogida de datos, de carácter eminentemente teórico-reflexivo. Se concluye que los requisitos legales en relación con los gastos fiscales no pueden considerarse aspectos obstaculizadores para que los gobiernos inviertan en el ámbito social si se siguen los principios expresados en el “contrato” acordado en la Constitución Federal de 1988. Fue posible percibir elementos que denotan la importancia del principio de reducción de las desigualdades de la teoría de Rawls en el contexto brasileño.
Palabras clave:
política fiscal; responsabilidad fiscal; responsabilidad social; John Rawls; equidad
INTRODUÇÃO
Alguns pressupostos da chamada “responsabilidade na gestão fiscal” (Brasil, 2000Brasil (2000). Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. www.federativo.bndes.gov.br
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) são motivos de controvérsia no Brasil, tanto no campo político como no acadêmico. No centro de uma dessas controvérsias, situa-se o conflito - real ou aparente - entre as responsabilidades fiscal e social do governo, visto que, transcorridos mais de 20 anos da promulgação da Lei Complementar nº 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a austeridade na gestão do dinheiro público, preconizada no referido instrumento legal, costuma ser apontada como obstáculo para a formação de uma agenda de políticas públicas voltadas à distribuição de renda e riqueza como forma de combater a sistêmica desigualdade social que caracteriza o país.
De certa forma, o olhar negativo para a política fiscal que adota controle mais severo dos gastos públicos, dos que discutem fórmulas para nortear as dinâmicas distributiva e redistributiva das ações governamentais, não chega a ser surpreendente, pois, segundo Musgrave e Musgrave (1980)Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus., a escolha de critérios para solucionar essa problemática é complexa. Tal complexidade está relacionada às possíveis considerações filosóficas e aos juízos de valor (Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus., p. 10) do grupo de pessoas que exercem as funções de Estado. Giacomoni (2019)Giacomoni, J. (2019). Orçamento governamental: teoria, sistema, processo. Atlas. converge com esse pensamento quando pontua que parte das decisões orçamentárias é apoiada em juízos de fato, outras em conteúdos tanto factuais como valorativos, e muitas outras, segundo ele as mais importantes, em juízos exclusivamente valorativos.
Ocorre que, no Brasil, com a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, que, instituindo o “Novo Regime Fiscal” (NRF), usualmente chamado de teto de gastos, determinou que despesas federais primárias - do orçamento fiscal e da seguridade social - só poderão aumentar pelos 20 anos seguidos à sua edição de acordo com a inflação acumulada conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), essa particular controvérsia tornou-se mais evidente e acirrada, afinal são classificados como primários os gastos do governo para prover serviços públicos à sociedade (por exemplo, saúde e educação), manter as atividades governamentais (custeio da máquina pública) e realizar investimentos (por exemplo, construção e manutenção de estradas, portos e aeroportos). Embora tenha ficado estabelecido que uma antecipação da revisão da metodologia do teto de gastos poderá acontecer em 2026, constata-se que várias alterações já foram aprovadas nesses seis anos de NRF para possibilitar exceções. Popularmente conhecidas por fura-teto, a última dessas alterações (PEC nº 32/2022), chamada PEC da Transição, autoriza o governo recém-eleito a deixar o valor de 145 bilhões do orçamento 2023 fora do teto de gastos.
Nesse movimentado ambiente, à luz de John Rawls (1997)Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes., pode-se pressupor que a concepção de justiça social que norteou a elaboração da Constituição Federal de 1988 (CF/88), o mais importante “contrato social” brasileiro, pode não estar orientando plenamente as decisões dos ocupantes das funções de Estado para viabilizar a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem quaisquer formas de preconceitos e de discriminação” (Brasil, 1988Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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). Ressalta-se que esses mesmos objetivos são reforçados quando do estabelecimento dos princípios gerais da atividade econômica do Estado brasileiro, que, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, nos termos da CF/88 (Brasil, 1988Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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).
Sem pretender levar tamanha controvérsia a cabo, uma vez que se reconhece de antemão que tudo o que remete à questão fiscal na sua interatividade com a ação macroeconômica do Estado para intervir na sociedade é complexo e passível de ser analisado sob variados ângulos e doutrinas, a pergunta que inseriu o presente artigo nessa reflexão foi formulada da seguinte forma: como se caracterizam a natureza e os efeitos do uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal transcorridos 22 anos da promulgação da LRF? Para responder a essa pergunta, no presente trabalho, optou-se pelo estudo à luz da justiça como equidade, proposta por John Rawls, por entender que tal teoria foi concedida para as sociedades contemporâneas e do tipo democráticas, nas quais o Brasil está incluído.
Assim, o artigo em tela tem por objetivo caracterizar o uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal transcorridos 22 anos da promulgação da LRF. Para tanto, especificamente, buscou-se:
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conhecer a variação do Resultado do Tesouro Nacional (RTN);
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analisar, ao mesmo tempo, as funções alocativa e distributiva por meio da identificação da participação de despesas de natureza social no orçamento da União, bem como de despesas financeiras;
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analisar dados macroeconômicos que dizem respeito à função estabilizadora da política fiscal.
Crê-se que o estudo empreendido se justifica por diversas razões, com destaque para a importância de tais responsabilidades em uma federação como o Brasil e para a escassez de estudos dessa temática à luz da teoria rawlsiana. Julgou-se a escolha dessa lente teórica a mais adequada para o escopo da investigação pelo fato de o Brasil apresentar as características que vão ao encontro do modelo de sociedade para o qual Rawls concebe a sua teoria de justiça: é constitucionalmente democrático e fundado em princípios que, no conjunto, defendem, além da propriedade privada, a livre concorrência e a redução das desigualdades regionais e sociais. Informa-se ainda que o princípio ralwsiano focado nesta investigação é o da redução das desigualdades sociais.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Política fiscal: por quê, para que e para quem?
Os particulares objetivos da política fiscal a distinguem das demais políticas governamentais. Na literatura especializada em orçamento e finanças públicas, como, por exemplo, em Giacomoni (2019)Giacomoni, J. (2019). Orçamento governamental: teoria, sistema, processo. Atlas., Giambiagi e Além (2016)Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier., Matias-Pereira (2017)Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas. e Musgrave e Musgrave (1980)Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus., três desses objetivos são frequentemente listados como principais:
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o fornecimento de bens públicos (função alocativa);
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ajustes na distribuição de renda e riqueza (função distributiva);
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a elevação do nível de emprego, o controle da inflação e o crescimento econômico (função estabilizadora).
Segundo esses autores, o nível de atividade dessa política varia conforme a necessidade e/ou pretensão do governo para intervir na economia, objetivando orientar, corrigir e complementar o sistema de mercado em vista do bem-estar social.
A função alocativa consiste na forma como o governo divide os recursos públicos disponíveis entre os setores público e privado, no intuito de investir na infraestrutura e na oferta de bens públicos puros e semipúblicos (ou meritórios) aos cidadãos. Essa função decorre da ineficiência do mercado para fornecê-los de maneira compatível com as necessidades da sociedade.
Diz-se frequentemente que essa deficiência do sistema de mercado é consequência, sobretudo, do fato de não ser possível estabelecer uma troca entre produtores e consumidores desses bens aplicando os princípios de exclusão e rivalidade, o que impede tanto a precificação como a individualização dos benefícios decorrentes do consumo desses bens (Giambiagi & Além, 2016Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier.; Matias-Pereira, 2017Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas.; Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus.). Outras justificativas pontuam a incapacidade - técnica, econômica ou financeira - dos agentes econômicos para produzi-los ou até o desinteresse em ofertá-los, ainda que detenham tais capacidades e mesmo diante da possibilidade de auferir lucros. Exemplos clássicos de bens públicos puros são a defesa nacional, a iluminação pública, o serviço judiciário e a proteção policial, pois quando:
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disponibilizados para uma pessoa, estão automaticamente disponibilizados para todos, independentemente da condição social (não excludente);
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consumidos por um indivíduo, não reduzem a sua disponibilidade para outra pessoa (não rival).
Já no que se refere aos bens semipúblicos (ou meritórios), eles se caracterizam basicamente pelo potencial que possuem para a geração de externalidades positivas, isto é, são bens cujo benefício pelo seu consumo não é internalizado total e exclusivamente pelo indivíduo que o consumiu, pois criam os chamados méritos sociais (Giambiagi & Além, 2016Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier.; Matias-Pereira, 2017Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas.; Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus.). Exemplos típicos desses bens são a educação, a saúde e a moradia popular, que possibilitam a troca entre produtores e consumidores aplicando os princípios de exclusão e rivalidade. Mas, se fornecidos exclusivamente pelo sistema de mercado, a quantidade produzida e os preços cobrados podem inviabilizar o uso por cidadãos situados nas camadas sociais mais baixas. Pode-se dizer que o artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que relaciona os direitos sociais, assegura aos cidadãos o direito do usufruto de bens meritórios.
No que concerne à função distributiva, o objetivo principal consiste nos ajustamentos na distribuição de renda de modo a reduzir a desigualdade social decorrente da concentração de riqueza dos fatores de produção e do preço das utilidades econômicas. Além desses fatores, Musgrave e Musgrave (1980)Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus. citam as diferentes habilidades e, por conseguinte, os salários dos indivíduos, e a transmissão via herança como agravantes dessa desigualdade. Para os autores, o problema de distribuição ocupa posição de destaque na determinação dessa específica política e surge porquanto a definição de eficiência que norteia a moderna economia - o critério de Pareto, “alguém ganha, ninguém perde” -, embora possa ser adequada quando se avalia o funcionamento do mercado e de até algumas políticas do setor público, não ajuda muito na busca para a resolução das questões sociais básicas do problema distributivo, uma vez que “o problema de distribuição implica em avaliar uma mudança em que alguém ganha enquanto alguma outra pessoa perde” (Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus., p. 68). Conforme Giambiagi e Além (2016)Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier., os principais instrumentos utilizados pelo governo no desempenho da função distributiva são as transferências de renda, os impostos e os subsídios.
Já a necessidade da função estabilizadora é justificada na literatura pesquisada porque não se pode esperar que o pleno emprego, a estabilidade de preços e o crescimento econômico sejam automaticamente garantidos mediante o funcionamento sozinho e livre do sistema de mercado (Giambiagi & Além, 2016Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier.; Matias-Pereira, 2017Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas.; Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus.). Segundo Giambiagi e Além (2016Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier., p. 16), a importância dessa função ganhou destaque com a publicação da teoria keynesiana - “no longo prazo estaremos todos mortos” -, que deu ênfase ao papel das políticas monetária e fiscal para proteger a economia de flutuações bruscas.
Importante destacar o entrelaçamento dessas funções, já que, conforme Filellini (1994)Filellini, A. (1994). Economia do setor público. Atlas., em nenhuma circunstância elas podem ser desvinculadas. Para esse estudioso, a aplicação de uma política econômica sempre explícita causa efeitos implícitos classificados por outra função. Traz como exemplo a construção de um hidrelétrica (função alocativa), que favorece as indústrias da construção civil e de cimento, afetando salários e lucros nessas áreas (função distributiva). Já uma política distributiva explícita redimensiona o consumo da sociedade, implicando efeitos alocativos. Repercussões semelhantes ocorrem quando as metas são estabilizadoras, envolvendo mudanças nos níveis de arrecadação e gastos do governo (Filellini, 1994Filellini, A. (1994). Economia do setor público. Atlas.).
O alcance dos objetivos da política fiscal que considere os efeitos conjuntos das funções alocativa, distributiva e estabilizadora é um grande desafio para os governos, exigindo, segundo Matias-Pereira (2017)Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas., um sistema eficiente de informações sobre a realidade financeira, orçamentária e patrimonial dos entes públicos. Esse desafio se faz presente no Brasil, onde, para confluir com os objetivos fundamentais da República Federativa relacionados na sua Carta Magna, que como citado anteriormente inclui “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (Brasil, 1988Brasil (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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), a política fiscal necessita ser concebida buscando assegurar os direitos sociais.
Por fim, não se pode deixar de pontuar que o desempenho do governo nessas funções está relacionado ao conjunto de atos de sua atividade financeira, a qual envolve a obtenção, a aplicação e a gestão dos recursos financeiros. Nesse sentido, a peça-chave do orçamento é o sistema tributário, que, ao menos idealmente, para ser justo e equitativo deverá ser norteado por dois princípios:
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cobrar proporcionalmente aos benefícios que os serviços públicos proporcionam a cada contribuinte;
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onerar mais quem tem maior capacidade de pagamento.
Mas como medir essa capacidade de pagamento? As formas mais usuais são o patrimônio, o consumo e a renda.
Entretanto, conforme Giambiagi e Além (2016)Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier., quando o sistema tributário adota esse princípio - o da capacidade de pagamento - levando-se em conta as implicações distributivas do sistema econômico, o critério mais adequado de cálculo dos impostos não é o patrimônio nem o consumo, mas a renda, porque possibilita a aplicação em uma base pessoal, com isenções e alíquotas progressivas definidas de acordo com as características de cada contribuinte. Nessa situação, o patrimônio também já estaria sendo tributado, se todas as formas de rendimento estiverem sujeitas ao pagamento de um imposto de renda abrangente. Isso já não seria possível caso o indicador adotado fosse o consumo, pois assim a geração de alíquotas progressiva ficaria inviabilizada, submetendo todos os contribuintes à mesma taxação. Contudo, segundo esses mesmos pesquisadores, a prática da tributação de um imposto de renda de fato abrangente é tão complexa que, para a garantia da validade do princípio, a experiência internacional tem adotado impostos complementares sobre o consumo e a riqueza.
Diante do exposto, compreende-se que a concepção da política fiscal de um Estado como o brasileiro não é mesmo uma tarefa simples. Além disso, para coadunar com o que a CF/88 determina, cada decisão política deveria se ater não apenas aos imediatos aspectos orçamentários de ordem econômico-financeira, mas também à análise do alcance dos seus reflexos distributivos para o combate das desigualdades sociais. É nesse sentido que se crê que a teoria da justiça como equidade, proposta por John Rawls, tem atributos que podem ser mobilizados para repensar - ou não - o modelo fiscal praticado no Brasil. Na sequência, alguns aspectos dessa teoria são expostos.
Justiça como equidade
Uma das questões principais da “justiça como equidade”, filosofia política defendida por John Rawls, reside em como construir uma sociedade norteada por regras, leis e princípios que sejam justos para todos. Essa concepção pode servir de base a um acordo político informado e voluntário entre cidadãos vistos como pessoas livres e iguais (Rawls, 1992Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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). Nesse sentido, o que Rawls vaticina é que em democracias constitucionais da contemporaneidade a concepção pública de justiça elaborada especificamente para as instituições políticas, sociais e econômicas deveria ser, tanto quanto possível, independente das controvérsias doutrinárias, filosóficas e religiosas.
Para Rawls (1997)Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes., a justiça como equidade se inicia com a escolha mais genérica entre todas aquelas escolhas que as pessoas podem fazer de forma conjunta. Trata-se de uma escolha que contempla os primeiros princípios de uma concepção de justiça e que regulará todas as críticas e reformas que venham a ocorrer nas instituições (Rawls, 1997Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes., p. 14). Escolhida a concepção de justiça, “as pessoas deverão escolher uma constituição e uma legislatura para elaborar leis” (Rawls, 1997Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes., p. 14) que estejam de acordo com os princípios de justiça inicialmente escolhidos. Segundo o autor, a situação social será justa se todos estiverem vinculados por um sistema de regras que a define. Quando as instituições satisfazem aos princípios, aqueles que participam “cooperam em termos com os quais eles concordariam se fossem pessoas livres e iguais cujas relações mútuas fossem equitativas” (Rawls, 1997Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes., p. 14). Lembra-nos Coitinho (2021)Coitinho, D. (2021). Justiça como equidade. Estado da Arte. https://estadodaarte.estadao.com.br/coitinho-fairness-rawls-100/
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de que a estratégia geral de Rawls consiste em basear-se nas convicções morais públicas compartilhadas em uma sociedade democrática, tais como as convicções de tolerância religiosa, recusa à perseguição e rejeição à escravidão.
Importa destacar que, para Rawls (1992)Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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, a justiça como equidade “refunda a doutrina do contrato social”, em que os termos equitativos da cooperação social são concebidos como objeto de um acordo estabelecido entre os participantes da cooperação sob condições equitativas, sem nenhum tipo de concessão de poder de barganha a uns mais do que a outros e ainda estando excluídas ameaças de força de coerção, mentira e fraude (Rawls, 1992Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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). Para definir as leis desse contrato, Rawls (1992)Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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propõe um artifício de representação denominado de “posição originária”, no qual, coberto pelo “véu da ignorância”, seus participantes não teriam conhecimento dos seus particulares atributos, por exemplo, cor, sexo, classe social etc.
Faz-se relevante dizer, conforme Coitinho (2021)Coitinho, D. (2021). Justiça como equidade. Estado da Arte. https://estadodaarte.estadao.com.br/coitinho-fairness-rawls-100/
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, que a justiça nos moldes rawlsiano é tomada como uma virtude aplicada às práticas exclusivamente das instituições sociais, não alcançando, portanto, às ações particulares das pessoas. O seu sentido de justiça, ainda segundo o autor:
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prevê a eliminação de distinções arbitrárias e o estabelecimento de um equilíbrio entre as reivindicações conflitantes;
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formula princípios morais públicos que pertencem a um modelo liberal de justiça que, por sua vez, está conectado com as convicções políticas socialmente compartilhadas.
A teoria da justiça como equidade de John Rawls, segundo Ghisleni e Spengler (2011Ghisleni, A. C., & Spengler, F. M. (2011). A justiça como equidade na teoria de John Rawls: a mediação enquanto política pública de sua concretização. Desenvolvimento em Questão, 9(18), 5-29. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2011.18.5-29
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, p. 5), se fundamenta na utilização de dois princípios básicos que “asseguram as liberdades individuais e a diminuição das desigualdades sociais, legitimando a existência de uma sociedade democrática”. Para os autores, esses princípios ajudam na manutenção da paz social, ainda que não necessariamente sejam suficientes para tal, de modo que “a mediação enquanto política pública no tratamento de conflitos é mecanismo facilitador do diálogo, resolvendo litígios de forma consensual e prevenindo a ocorrência de outros conflitos” (Ghisleni & Spengler, 2011Ghisleni, A. C., & Spengler, F. M. (2011). A justiça como equidade na teoria de John Rawls: a mediação enquanto política pública de sua concretização. Desenvolvimento em Questão, 9(18), 5-29. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2011.18.5-29
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, p. 5). Mediar nesse caso não significa impor uma decisão: “Ela se torna instrumento de concretização dos princípios criados por John Rawls, pois se baseia na igualdade e liberdade” (Ghisleni & Spengler, 2011Ghisleni, A. C., & Spengler, F. M. (2011). A justiça como equidade na teoria de John Rawls: a mediação enquanto política pública de sua concretização. Desenvolvimento em Questão, 9(18), 5-29. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2011.18.5-29
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, p. 5).
Nesse entendimento também converge Coitinho (2021)Coitinho, D. (2021). Justiça como equidade. Estado da Arte. https://estadodaarte.estadao.com.br/coitinho-fairness-rawls-100/
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quando explica que, para Rawls, seriam esses dois princípios os escolhidos por pessoas racionais e razoáveis que estivessem em uma situação de simetria. Tais princípios funcionariam, nesse artifício de representação, como restrições “escolhidas pelos envolvidos que governariam os direitos e deveres em suas práticas comuns, os aceitando como uma limitação de seus direitos sobre o outros” (Coitinho, 2021Coitinho, D. (2021). Justiça como equidade. Estado da Arte. https://estadodaarte.estadao.com.br/coitinho-fairness-rawls-100/
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).
Rawls (1997)Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes. entende a justiça como equidade enquanto exemplo do que chama de teoria contratualista. A ideia de um contrato é central na teoria de Rawls. Não se está, segundo o autor, falando da criação de uma sociedade ou de uma forma de governo, mas da necessidade de aceitar certos princípios morais. Destaca Rawls (1997)Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes. que o mérito da terminologia do contrato está em passar a ideia de que os princípios da justiça são concebidos como princípios cuja escolha foi realizada por pessoas racionais e, portanto, suas concepções podem ser explicadas e justificadas. O contrato sugere uma pluralidade que acompanha reivindicações conflitantes, sendo a divisão dos benefícios orientada por princípios aceitáveis por todas as partes.
Rawls apresenta-se oferecendo uma alternativa ao utilitarismo predominante na tradição de pensamento político liberal (Rawls, 1992Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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), pois no seu modelo as desigualdades econômicas e sociais até podem ser justas, mas somente sob regras e leis que deem preferência aos menos favorecidos e as oportunidades sejam iguais para todos, para que todos tenham condições de, desejando, atingir o mesmo nível econômico, político e social.
Antes de concluir esta seção, vale salientar a ênfase dada por Rawls (1992)Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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sobre a concepção de justiça como equidade valer-se apenas das ideias intuitivas básicas que estão inscritas nas instituições de um regime constitucional democrático e nas tradições públicas da sua interpretação - liberdade e igualdade. Ademais, conforme o autor, trata-se de concepção política e não metafísica, em que ocupar a posição original é possível a qualquer tempo simplesmente colocando-se sob o “véu da ignorância”, que consiste em conceber leis raciocinando sobre os princípios da justiça de acordo com as restrições por eles enumeradas.
A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Novo Regime Fiscal
A promulgação da LRF é um divisor de águas no campo das finanças públicas do Brasil, especialmente por ter estabelecido normas de responsabilidade na gestão fiscal para todos os entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios), todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), toda a administração direta e indireta, bem como ao Ministério Público, de cada esfera de governo.
A LRF está apoiada nos eixos planejamento, transparência, controle e responsabilização, práticas que, em tese, devem contribuir para a realização de accountability, conceito pouco exigido no contexto brasileiro e, que se sabe, historicamente marcado pelo patrimonialismo. Crê-se ainda correto atribuir à LRF a introdução formal do conceito “responsabilidade na gestão fiscal” no léxico político e da gestão pública do país, por defini-lo, já no parágrafo primeiro do seu artigo primeiro, como “a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas” (Brasil, 2000Brasil (2000). Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. www.federativo.bndes.gov.br
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).
Necessário destacar, contudo, que essa introdução não se deu de forma abrupta, mas incrementalmente, sendo precedida por alguns eventos que, de acordo com Loureiro e Abrúcio (2002)Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (2002). Incrementalismo, negociação e accountability: análise das reformas fiscais no Brasil. In F. L. Abrucio & M. R. Loureiro (org.), O Estado numa era de reformas: Os anos FHC (Parte 2) (v. 7, pp. 57-102). Seges. Coleção Gestão Pública., foram decisivos para a aprovação da LRF: as medidas adotadas no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002) impondo restrições mais severas ao endividamento público; a formação de um consenso de responsabilidade fiscal que, ainda segundo esses pesquisadores, pode ter sido influenciado naquele contexto pelo sucesso inicial do Plano Real, pelas pressões do mercado ao exigir confiabilidade para os investidores, menor tolerância à corrupção e pela conscientização dos danos gerados à sociedade por governos insolventes; e a pressão externa dos organismos internacionais (Loureiro & Abrúcio, 2002Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (2002). Incrementalismo, negociação e accountability: análise das reformas fiscais no Brasil. In F. L. Abrucio & M. R. Loureiro (org.), O Estado numa era de reformas: Os anos FHC (Parte 2) (v. 7, pp. 57-102). Seges. Coleção Gestão Pública., p. 78).
O vigor desse conceito na gestão dos governantes também é confirmado na literatura pesquisada, em que se verifica uniformidade de opiniões a respeito da manutenção do modelo macroeconômico elaborado pelo governo FHC e pelo de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que pontuais mudanças tenham sido empreendidas no seu segundo mandato. Nessa esteira, vale ainda ressaltar que foram questões relacionadas à responsabilidade da gestão fiscal que, em 2016, fundamentaram o processo que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff.
É fato que a LRF para garantir o equilíbrio das contas públicas, além de fixar limites para despesas com pessoal e dívida pública, determina que sejam criadas metas para controlar receitas e despesas e proíbe a criação de despesas de caráter continuado (aquelas previstas para durar por mais de dois anos) sem que também seja indicada a sua fonte de receita ou se reduzam outras despesas já existentes. Também é fato que estabelece que toda ação de natureza tributária que caracteriza renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que for iniciar sua vigência e nos dois seguintes; e atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) vigente. Igualmente, precisa satisfazer a uma das seguintes condições: não afetar as metas de resultado fiscal previstas no anexo de metas fiscais da LDO e/ou ser acompanhada de medidas de compensação (Brasil, 2000Brasil (2000). Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal. www.federativo.bndes.gov.br
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).
Em suma, a LRF guia a dimensão econômico-financeira das políticas públicas. Portanto, é um guia factual. Não se localizam no seu texto, por exemplo, indicações de conteúdos valorativos. Nesse sentido, elaborar ações norteadas por critérios que repercutem na distribuição e, consequentemente, na redução da desigualdade social se torna dependente do peso que se atribui aos princípios constitucionais no processo decisório.
Todavia, se essa questão se complexifica quando se volta o olhar para o NRF, que como afirmado na introdução deste trabalho determinou que as despesas federais primárias - do orçamento fiscal e da seguridade social - só poderão aumentar pelos 20 anos seguidos à sua edição de acordo com a inflação acumulada conforme o IPCA, também se simplifica quando se olha para as alterações fura-teto que a ele se seguiram:
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EC nº 102/19: transferências interfederativas e despesas correlatas no âmbito da União decorrentes da arrecadação de contrato de cessão onerosa de petróleo;
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EC 106/20: estado de emergência durante a pandemia;
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EC 108/20: exclusão das despesas relacionadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb);
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EC 109/21: pagamento residual de Auxílio Emergencial;
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EC 113/21 e 114/21: pagamentos de precatórios e Auxílio Brasil;
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EC nº 123/22: expansão do Auxílio Brasil.
Todas essas alterações indicam que articular as dimensões econômica, financeira e política para delinear a política fiscal concêntrica da CF/88 tem sido tarefa complexa no Brasil. Nesse contexto, a teoria da justiça como equidade de John Rawls (1997)Rawls, J. (1997). Uma teoria da justiça. Martins Fontes. pode ajudar a caracterizar o uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal transcorridos 22 anos da promulgação da LRF.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foi empreendida uma pesquisa descritiva, por meio de um estudo bibliográfico e documental e, predominantemente, qualitativo. Quanto ao já mencionado período fechado (2001 a 2021), além da tendência de fechamento dos dados de 2022, buscou-se, especificamente:
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conhecer a variação do RTN, de forma particular o resultado primário, os juros nominais e o resultado nominal;
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identificar a participação das despesas sociais e financeiras no orçamento da União, especialmente das seguintes áreas de atuação: 6 Segurança Pública; 8 Assistência Social; 9 Previdência Social; 10 Saúde; 11 Trabalho; 12 Educação; 14 Direitos da Cidadania; 16 Habitação; 26 Transporte; 27 Desporto e Lazer e; 28 Encargos Especiais, que contemplam ao mesmo tempo as funções alocativa e distributiva;
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analisar dados que dizem respeito à função estabilizadora da política fiscal: produto interno bruto (PIB), IPCA, Taxa de Desocupação, Selic e carga tributária.
Sobre o período de análise, cabem duas observações. Em primeiro lugar, os dados de 2000 não foram considerados, já que a LRF é de maio de 2000, tendo sido os primeiros efeitos percebidos de fato em 2001, sendo este último o marco temporal inicial; segundo, como o ano no qual esta investigação está sendo processada é 2022, para este último foi adotada a tendência de fechamento dos dados. Já no que tange à delimitação espacial, o foco é a União, por ser o ente máximo da federação e responsável pela determinação da política fiscal do país.
A escolha das despesas recaiu sobre as funções que concentram a execução das políticas que, em tese, estão mais diretamente relacionadas com a garantia dos direitos sociais listados no artigo 6º da Constituição Federal de 19881 1 Quando da sua promulgação, a CF/88 listou como direitos sociais apenas a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A moradia foi introduzida nesse rol pela EC nº 26, de 2000; a alimentação pela EC nº 64, de 2010; e o transporte pela EC nº 90, de 2015. ; e 28 Encargos Especiais porque essa é a função em que se concentram as despesas financeiras relacionadas ao endividamento público. Informa-se que nessa função foram considerados apenas os valores referentes às subfunções 843, Serviço da Dívida Interna, e 844, Serviço da Dívida Externa, uma vez que as subfunções 841, Refinanciamento da Dívida Interna, e 842, Refinanciamento da Dívida Externa se constituem em meras trocas de títulos, comumente chamadas de “rolagem da dívida”.
Os dados relativos a resultado primário, juros nominais e resultado nominal foram retirados da Tabela 2.1, Resultado Primário do Governo Central - Brasil - Anual - Resumida, do RTN - Série Histórica; já os das despesas por função de governo, dos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Ambos têm a mesma fonte, o site Tesouro Transparente (STN, 2022). Quanto aos dados sobre PIB, IPCA, Taxa de Desocupação, Selic e carga tributária, eles foram obtidos mediante tabelas disponibilizadas no Sistema de Contas Nacionais e no Sistema de Contas Nacionais Trimestrais, os dois produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contas nacionais. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais.html
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). Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica da análise descritiva, cuja tabulação foi realizada com o auxílio de planilhas eletrônicas, e sua síntese, apresentada por meio de gráficos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Resultados da pesquisa empírica
A investigação empírica iniciou-se pela verificação do desempenho dos resultados da política fiscal que vem sendo adotada no país ao longo do período analisado. Aqui interessa conhecer o resultado da apuração efetuada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que permite o acompanhamento da execução orçamentária pelo fato de apurar o resultado fiscal pela diferença entre fluxos (receitas menos despesas). A Figura 1, que expõe tanto o resultado primário como o nominal obtido no período analisado, acrescida ainda da informação do valor nominal dos juros, inclui os ajustes metodológicos efetuados pela própria STN para contemplar a sistemática do critério de competência na apuração “abaixo da linha” do Banco Central.
Resultado primário, juros nominais e resultado nominal no período 2001-2021 (valores correntes)
Com base no que a Figura 1 evidencia, tem-se que o objetivo primordial da LRF, gerar superávit primário, somente foi alcançado até os seus primeiros 13 anos. De 2014 em diante, o resultado primário apurado indicou situação de déficit para todo o período restante, e os maiores picos deficitários ocorreram (em valores correntes) nos anos de 2016 (ano do impeachment da presidente Dilma Rousseff) e 2020 (ano do início da pandemia de Covid-19). Observa-se que o pagamento dos juros foi constante durante todo o período. No que se refere ao resultado nominal, o déficit marca todo o período analisado (2001-2021). Complementarmente, informa-se que, após esses oito anos de déficit primário consecutivos, a tendência que se apresenta para 2022, conforme o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias de Dezembro de 2022 (STN, 2022), é a de geração de um superávit primário na ordem de R$ 34 bilhões.
Para sequenciar a apresentação dos resultados da pesquisa, expõem-se a partir de agora informações que se relacionam com as funções da política fiscal: alocativa, distributiva e estabilizadora. Nas primeiras, buscaram-se informações que contemplassem, ao mesmo tempo, as funções alocativa e distributiva. Nesse caso, a fonte de dados foi o Anexo 2 do RREO do Governo Federal referente a cada exercício, em que se consideraram os valores das despesas nas funções nas quais, na visão desses pesquisadores, se concentram as ações diretamente relacionadas com a garantia dos direitos sociais. Conforme a Figura 2, foram levados em conta os valores das despesas empenhadas, uma vez que, sendo o empenho o ato que cria para o ente a obrigação de pagamento, nessa etapa da despesa o governo já deverá ter reservado o dinheiro, que será pago no momento do recebimento do bem e/ou serviço.
É possível observar, na Figura 2, um comportamento uniforme da maioria das despesas por função no período de 2001 a 2011. As despesas por função que divergem do comportamento da maioria são: em primeiro lugar, previdência social e encargos especiais; em segundo, assistência social, saúde e educação. Detalhando as informações quanto às primeiras, constata-se que a previdência social, que já no primeiro ano da série (2001) obtinha participação de 27% na receita arrecadada, teve seu menor percentual de participação em 2020 (24%) e o maior em 2017 (32%). Complementarmente, informa-se que em 2022 essa participação está em 31%. Sobre os encargos especiais, que no primeiro ano da série (2001) obtinha participação de 23%, a menor no período foi de 18% (em 2013, 2014 e 2016) e a maior de 33% em 2006. Adicionalmente, informa-se que em 2022 essa participação está em 11%.
Passando-se a detalhar as informações quanto às segundas, informa-se que assistência social, que nos dois primeiros anos da série participou com apenas 1%, cresceu para 3% em 2003 e permaneceu praticamente estável em 4% ao longo de quase toda a série. Em 2020, essa participação saltou para 13% e, em 2021, caiu para 6%. Complementarmente, informa-se que em 2022 essa participação está em 5%. No que se refere à função saúde, a participação tem sido mais constante, pois ficou comprovado que em praticamente todo o período ficou entre 5 e 6%, obtendo leve aumento em 2021, quando chegou a 7%, e mantém-se nessa faixa em 2022. Ainda, informa-se que para 2022 o viés é de baixa, pois a participação se situa em 4%. Certa constância verificou-se também quanto à função educação, que teve o menor percentual, 2%, nos anos de 2005 e 2006, e o maior, 6%, nos anos de 2013, 2014 e 2015, contudo vê-se um viés de baixa, pois a partir de 2019 essa participação oscilou entre 4 e 3%. Diz-se que em 2022 essa participação está em 4%.
As próximas informações dizem respeito à função estabilizadora da política fiscal. As variáveis macroeconômicas escolhidas para o período analisado, que foram obtidas mediante incursões nos relatórios do IBGE, estão expostas a seguir. As primeiras dizem respeito ao PIB (variação percentual, montante global e per capita), conforme Figuras 3 e 4.
É possível perceber, ao longo de todo o período analisado, oscilações na variação percentual do PIB, sendo negativas em 2009, 2015, 2016 e 2020. As variações positivas de destaque ocorreram em 2004, 2007, 2010 e 2021. No geral, podem-se observar seguidas taxas de crescimento até 2013, tendo sido a maior delas em 2010, com 7,5%. A variação negativa inicia-se em 2014, com a queda mais expressiva, de 3,5%, registrada em 2015. Adicionalmente, informa-se que não há expectativa de o crescimento do PIB em 2022 vir a superar o de 2021 (5%), pois o acumulado do ano (janeiro a setembro) registrado pelo IBGE é de 3,2%. Da mesma forma, procurou-se identificar o comportamento do PIB global e per capita no período investigado, conforme Figura 4.
Do lado esquerdo da Figura 4, tem-se o gráfico do PIB global em trilhões, e do lado direito, o PIB per capita. Optou-se por colocar os gráficos lado a lado, já que o comportamento é praticamente o mesmo. Em ambas as análises do PIB, o que se observa é um crescimento constante, sem intervalos com decréscimos.
Feitas as análises referentes ao PIB, passa-se a inferir sobre dados que dizem respeito a política monetária, câmbio e preços: IPCA e taxa de juros Selic. O comportamento do IPCA no período 2001 a 2021 é apresentado por meio da Figura 5.
Torna-se relevante analisar o IPCA no contexto deste estudo, já que esse índice considera informações que fazem parte do cotidiano da vida da população, visto que mede a variação de preços de determinada cesta de produtos e serviços consumidos diariamente. Portanto, é direta sua conexão com o objeto de investigação. Os maiores índices ocorreram em 2003 (14,7%), 2014 (9%), 2015 (8,7%) e 2021 (10,6%), e o menor em 2020, de 3,2%. Considerando todo o período pesquisado, a maioria dos índices ficou entre 3 e 7%. O comportamento da taxa de juros Selic, no período 2001-2021, é apresentado por meio da Figura 6.
Até 2006, a taxa Selic esteve acima dos 15%, sendo a maior em 2003 (23,3%). De 2007 até 2017, a menor ocorreu em 2013 (8,2%), e a maior, em 2016 (14%). Tem-se no período 2018-2020 as menores taxas do período analisado (6,4; 6; e 2,8%). Ela voltou a crescer em 2021, para 9,25%. Adicionalmente, informa-se que em 2022 a taxa Selic sofreu altas seguidas, fechando o ano em 13,75%.
Na sequência, apresenta-se na Figura 7 o comportamento da taxa de desocupação no período 2001-2021. Antes, porém, justifica-se o porquê de o período evidenciado na figura iniciar-se em 2012 e não em 2001. Essa limitação decorre das diferenças metodológicas fundamentais e estruturantes que o IBGE adotou quando implantou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, que tornou inviável o processo de comparação com o período anterior.
Constatou-se que a taxa de desocupação no Brasil sempre se situou acima dos 6%, tendo atingido seus maiores picos no trimestre jan.-fev.-mar. de 2017 (13,9) e ago.-set.-out. 2020 (14,9%). O menor foi no trimestre out.-nov.-dez. de 2013 (6,3%). Adicionalmente, informa-se que ao longo dos trimestres de 2022 essa taxa vem caindo, sendo a última divulgada pelo IBGE, referente a ago.-set.-out. de 2022, de 8,3%. Na Figura 8, apresenta-se o comportamento da carga tributária no período 2001-2021.
Em análise ao comportamento da carga tributária, sintetizado por meio da Figura 8, percebe-se que no período 2001-2021 não ocorreram expressivas oscilações. O maior nível deu-se em 2007 e 2008, representando 34% do PIB. A consideração dessas informações para o estudo mostra-se relevante, já que a carga tributária é resultante da relação entre a soma das arrecadações federal, estadual e municipal e o PIB, demonstrando o fluxo de recursos da sociedade para o Estado.
Outro destaque necessário a se fazer, considerando o escopo desta investigação, diz respeito ao detalhamento da composição dessa carga tributária, que praticamente se manteve inalterada ao longo do período analisado. Ficou constatado que os impostos sobre bens e serviços são os que possuem maior participação. Em 2021, esses específicos impostos corresponderam a 14,76% da carga tributária brasileira; em segundo lugar, estão as contribuições sociais, com 8,19%; em terceiro, os impostos sobre renda, lucros e ganhos de capital, 8,02%; os impostos sobre a propriedade participaram com 1,65%; e demais impostos, com 1,28%. Adicionalmente, informa-se que essa composição praticamente se mantém em 2022.
Discussão
Na seção anterior foi possível observar, inicialmente, o desempenho dos resultados da política fiscal e, em seguida, informações relacionadas às suas funções: alocativa, distributiva e estabilizadora. A análise do efeito dos dois normativos instituídos em vista do equilíbrio das contas públicas (LRF e NRF) evidenciou que ambos sofrem limitações para assegurar tal objetivo. Essa inferência baseia-se no resultado obtido pelo tesouro, em que a mudança da trajetória de superávit primário para déficit primário, iniciada em 2014 e mantida até o fim do período pesquisado (Figura 1), salienta que as despesas continuaram a ter crescimento em um ritmo maior do que as receitas líquidas.
Tem-se assim que o conceito de responsabilidade fiscal, que Loureiro e Abrúcio (2002)Loureiro, M. R., & Abrucio, F. L. (2002). Incrementalismo, negociação e accountability: análise das reformas fiscais no Brasil. In F. L. Abrucio & M. R. Loureiro (org.), O Estado numa era de reformas: Os anos FHC (Parte 2) (v. 7, pp. 57-102). Seges. Coleção Gestão Pública. apontaram como provável consequência do sucesso inicial do Plano Real, perdeu vigor e talvez dependa da ocorrência de outro fenômeno para novamente se tornar consensual no Brasil. Infere-se ainda que, para o almejado equilíbrio das contas públicas, ações de ajustes efetuados apenas pelo lado das despesas se mostram insuficientes. Há que se pensar também em ajustes que possam resultar no aumento das receitas, que não deverão contemplar o aumento da carga tributária, pois, como se viu na Figura 8, já é bastante elevada. Nessa toada, à luz dos pressupostos da justiça como equidade, crê-se necessário avaliar a eficácia e efetividade das políticas praticadas sob a forma de renúncia de receita, tais como isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de naturezas financeira, tributária e creditícia, verificando se, de fato, as regras e leis que as instituíram deram preferência aos menos favorecidos (Rawls, 1992Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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).
Foi visto também que, entre as despesas, duas consomem mais recursos públicos, sendo uma social, do tipo primária - previdência social - e outra financeira - encargos especiais (Figura 2). Todavia, nesse caso, não se tem elementos suficientes para eleger o compromisso com o pagamento do serviço da dívida como o obstáculo para a garantia dos direitos sociais, tendo em vista a participação expressiva das despesas das funções em que se concentra a execução das políticas relacionadas com a garantia desses direitos - viu-se que em alguns exercícios essa participação superou 50% das receitas arrecadadas. Uma recomendação que se pode fazer aqui é a de implantação de um sistema de avaliação que permita analisar, além da eficiência, a eficácia e a efetividade das ações para os direitos sociais, objetivando aumentar suas capacidades para a geração de externalidades positivas, os méritos sociais definidos na literatura (Giambiagi & Além, 2016Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier.; Matias-Pereira, 2017Matias-Pereira, J. (2017). Finanças públicas. Atlas.; Musgrave & Musgrave, 1980Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Campus.).
As oscilações na variação percentual do PIB, bem como as das taxas de inflação, Selic e de desocupação (Figuras 3, 4, 5 e 7), evidenciam que a política fiscal não tem sido capaz de assegurar estabilidade econômica por longos períodos no país. Esse fato é preocupante, porque esses indicadores são interconectados, afetando de forma mais deletéria a população de menor poder aquisitivo. Nesse ponto, relembrando o alerta de Filellini (1994)Filellini, A. (1994). Economia do setor público. Atlas. a respeito do entrelaçamento das funções alocativa, distributiva e estabilizadora, o que se pode inferir é que esses vínculos precisam ser mais estreitados no Brasil para convergir com a CF/88.
Por fim, no que se refere à carga tributária (Figura 8), infere-se que o problema maior pode estar mesmo é na sua composição. Viu-se que, não obstante as reformas empreendidas, essa questão tem sido de difícil solução no Brasil, pois os impostos sobre o consumo de bens e serviços são os que mais participam nesse montante, e não a tributação da renda, que, conforme Giambiagi e Além (2016)Giambiagi, F., & Além, A. C. (2016). Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Elsevier., seria o critério mais adequado para a garantia da validade do princípio da capacidade de pagamento, que, por possibilitar a adoção de taxação progressiva, de acordo com as características de cada contribuinte, tem implicações distributivas. A modalidade de impostos aplicada somente sobre a parte da renda usada no consumo de bens e serviços é a mais prejudicial aos menos favorecidos, pois essa cobrança consome a maior parte de sua renda.
Crê-se, em decorrência de tudo o que aqui foi analisado, que para satisfazer ao “contrato” já pactuado na CF/88, o exercício mental do “véu da ignorância” (Rawls, 1992Rawls, J. (1992). Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova, (25), 25-59. https://doi.org/10.1590/S0102-64451992000100003
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) deve ser considerado para que a política fiscal não acentue, mas ao menos atenue, injustas desigualdades econômico-sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo teve por objetivo caracterizar o uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal transcorridos 22 anos da promulgação da LRF. Concluiu-se, à luz da teoria da justiça como equidade de John Rawls, que as exigências legais em relação aos gastos fiscais não podem ser consideradas aspectos dificultadores para o investimento no social pelos governos. Pelo contrário, no “contrato” pactuado na CF/88 é possível perceber diretrizes e objetivos que contribuem para que os princípios básicos da teoria de Rawls sejam mantidos. Tampouco se encontraram razões para atribuir culpa à LRF pela perene desigualdade social que caracteriza o país.
Da mesma forma, as muitas alterações fura-teto evidenciam que o peso da noção de justiça social pode ser mais uma questão de escolha entre usar ou não usar o “véu da ignorância” pelo grupo de pessoas que exercem as funções de Estado no momento das decisões. Isso poderá ser testado mais uma vez quando da revisão da metodologia do teto de gastos prevista para 2026. Em suma, ao elaborar políticas fiscais, por mais complexas que sejam, não se pode prescindir do raciocínio sobre os princípios da justiça social enumerados na CF/88, os quais devem servir como restrições para as escolhas.
Assim, o estudo enseja contribuições de ordens teórica e prática. As primeiras assentam-se na ausência de estudos que tenham investigado informações relacionadas ao desempenho dos resultados da política fiscal e às funções dessa política tendo como lente teórica a justiça como equidade. Ainda no olhar teórico, são escassos os trabalhos que façam conexão entre as responsabilidades fiscal e social. Do ponto de vista prático, reúne-se um conjunto de informações de um intervalo de tempo considerável, sendo este após a promulgação da LRF, com a construção de um diagnóstico acerca da natureza e dos efeitos do uso dos instrumentos fiscais pelo governo federal.
Todavia, é também um trabalho que envolve limitações de diferentes ordens. Tem-se a noção de que o que se apresentou é um overview e que um conjunto diferente de informações poderia ser utilizado, mesmo em estudo mais aprofundado. Outra limitação refere-se à abordagem da pesquisa, que também sugere a realização de estudos futuros quantitativos. Novos estudos sustentados pela teoria da justiça como equidade também são indicados, podendo ser direcionados para o princípio das liberdades individuais aqui não abordado, bem como às esferas estadual e/ou municipal.
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Quando da sua promulgação, a CF/88 listou como direitos sociais apenas a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A moradia foi introduzida nesse rol pela EC nº 26, de 2000; a alimentação pela EC nº 64, de 2010; e o transporte pela EC nº 90, de 2015.
REFERÊNCIAS
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» https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm - Brasil (2000). Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal. www.federativo.bndes.gov.br
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Dez 2023 -
Data do Fascículo
2023