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Repercussões da epidemia de COVID-19 nos atendimentos odontológicos de urgência do Sistema Único de Saúde em Piracicaba, 2020

Repercusiones de la epidemia de COVID-19 en la atención odontológica de emergencia del Sistema Único de Salud en Piracicaba, Brasil, 2020

Resumo

Objetivo

Avaliar as repercussões da pandemia de COVID-19 nos procedimentos realizados por um serviço público odontológico de urgência (SPOU).

Métodos

Estudo transversal, utilizando-se dados do SPOU de Piracicaba, SP, Brasil, relativos a dois períodos, anterior (fevereiro e março de 2020) e durante a pandemia (março e abril de 2020). Diferenças no perfil de atendimentos, entre os períodos pré-COVID-19 e COVID-19 selecionados, de acordo com sexo, idade e procedimentos odontológicos, foram analisadas pelo teste qui-quadrado de Pearson. Também foi calculado o tamanho do efeito Cramer's V.

Resultados

Houve redução de 51% no número de atendimentos, entre o período anterior (n=824) e o período da pandemia de COVID-19 observado (n=404). O percentual de exodontias reduziu-se, de 14,7 para 8,9%, enquanto o de selamento provisório de cavidades aumentou de 22,9 para 33,2%, entre ambos períodos.

Conclusão

A pandemia de COVID-19 repercutiu na quantidade e no padrão de procedimentos realizados pelo serviço odontológico de urgência do município.

Palavras-chave:
COVID-19; Assistência Odontológica; Controle de Infecções Dentárias; Cirurgia Bucal; Sistema Único de Saúde; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo

Evaluar el impacto de la pandemia COVID-19 en los procedimientos realizados por un servicio de odontología pública de emergencia (SOPE).

Métodos

Estudio transversal, utilizando datos del SOPE de Piracicaba, SP, Brasil, para los períodos anteriores (febrero y marzo 2020) y durante la pandemia (marzo y abril 2020). Las diferencias en el perfil de atención entre los períodos Pre-COVID-19 y COVID-19, según sexo, edad y procedimientos dentales, se analizaron mediante la prueba Chi-cuadrado de Pearson. También se calculó el tamaño del efecto de Cramer V.

Resultados

Hubo una reducción del 51% en el número de visitas entre el período anterior (n=824) y el período de la pandemia de COVID-19 (n=404). El porcentaje de extracciones se redujo del 14,7% al 8,9%, mientras que el porcentaje de sellado provisional de cavidades aumentó del 22,9% al 33,2%, entre estos períodos.

Conclusión

La pandemia de COVID-19 afectó la cantidad y patrón de procedimientos realizados en el servicio de odontología de emergencia de la ciudad.

Palabras clave:
Infecciones por Coronavirus; COVID-19; Mortalidad; Decretos; Legislación; Epidemiología Descriptiva

Abstract

Objective

To evaluate the repercussions of the COVID-19 pandemic on procedures performed by a public urgent dental care service (PUDS).

Methods

This was a cross-sectional study, using data from the PUDS in Piracicaba, SP, Brazil, prior to the pandemic (February-March 2020) and during the pandemic (March-April 2020). Differences in the care profile between the pre-COVID-19 period and the COVID-19 period, according to sex, age and dental procedures were analyzed using Pearson’s Chi-square test. Effect size was also measured using Cramer’s V.

Results

There was a 51% reduction in the number of visits between the pre-COVID-19 period (n=824) and the COVID-19 period (n=404). The percentage of extractions reduced from 14.7% to 8.9%, while the percentage of temporary cavity fillings increased from 22.9% to 33.2%, between the two periods.

Conclusion

The COVID-19 pandemic had repercussions on the amount and pattern of procedures performed at the city’s urgent dental care service.

Keywords:
COVID-19; Dental Care; Infection Control, Dental; Surgery, Oral; Brazilian National Health System; Cross-Sectional Studies

Introdução

A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), agente infeccioso responsável pela síndrome respiratória aguda grave (SRAG).11. Gorbalenya AE, Baker SC, Baric RS, de Groot RJ, Drosten C, Gulyaeva AA, et al. Severe acute respiratory syndrome-related coronavirus: the species and its viruses, a statement of the coronavirus study group. bioRxiv. 2020. Now published: Nat Microbiol. 2020;5:536-44. doi: https://doi.org/10.1038/s41564-020-0695-z.
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,22. Zhu N, Zhang D, Wang W, Li X, Yang B, Song J, et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. N Engl J Med. 2020 Feb 20;382(8):727-33. doi: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001017.
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Emergente na China em dezembro de 2019, o surto de COVID-19 disseminou-se pelo mundo rapidamente, até ser declarado uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020.33. Spagnuolo G, De Vito D, Rengo S, Tatullo M. Covid-19 outbreak: an overview on dentistry. Int J Environ Res Public Health. 2020 Mar 22;17(6):2094. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17062094.
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,44. Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early transmission dynamics in Wuhan, China, of novel coronavirus-infected pneumonia. N Engl J Med. 2020 Mar 26;382(13):1199-1207. doi: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001316.
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No Brasil, o primeiro caso da doença foi diagnosticado em 26 de fevereiro de 2020, e a transmissão comunitária declarada em 20 de março do mesmo ano.55. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 454, de 20 de março de 2020. Declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19). D Of Uniao [Internet]. 20 mar. 2020 [acesso 21 out. 2021];2020(55-F):1. Seção 1. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587
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Desde então, o Ministério da Saúde tem desenvolvido ações e feito recomendações articuladas, com o intuito de informar a população sobre a doença e seus cuidados, além de fomentar a necessidade de distanciamento social.

A transmissão do vírus se dá, principalmente, por inalação/ingestão/contato direto da mucosa com gotículas expelidas por um indivíduo infectado.33. Spagnuolo G, De Vito D, Rengo S, Tatullo M. Covid-19 outbreak: an overview on dentistry. Int J Environ Res Public Health. 2020 Mar 22;17(6):2094. doi: https://doi.org/10.3390/ijerph17062094.
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4. Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early transmission dynamics in Wuhan, China, of novel coronavirus-infected pneumonia. N Engl J Med. 2020 Mar 26;382(13):1199-1207. doi: https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001316.
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-55. Ministério da Saúde (BR). Portaria n. 454, de 20 de março de 2020. Declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19). D Of Uniao [Internet]. 20 mar. 2020 [acesso 21 out. 2021];2020(55-F):1. Seção 1. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587
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Devido a sua alta letalidade, a COVID-19 trouxe importantes mudanças na rotina das cidades e na organização dos serviços de saúde, entre eles os odontológicos.66. Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo ao covid-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. São Paulo: IEPS; 2020. (Nota técnica n. 3).,77. Ather A, Patel B, Ruparel NB, Diogenes A, Hargreaves KH. Coronavirus disease 19 (covid-19): implications for clinical dental care. J Endod. 2020;46(5):584-95. doi: https://doi.org/10.1016/j.joen.2020.03.008.
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Os cirurgiões-dentistas são os profissionais que apresentam o maior risco de contrair a doença no trabalho cotidiano, em contato próximo à cavidade bucal dos atendidos.88. Valenzuela M. Coronavirus y el consultorio dental. J Oral Res. 2020;2020(Covid-19):14-9. doi: https://doi.org/10.17126/joralres.2020.045.
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9. Coulthard P. Dentistry and coronavirus (covid-19), moral decision, making. Br Dent J. 2020;228(7):503-5. doi: https://doi.org/10.1038/s41415-020-1482-1.
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-1010. Gamio L. The workers who face the greatest coronavirus risk. The New York Times [Internet]. 2020 Mar 15 [acesso 15 mar. 2020]. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2020/03/15/business/economy/coronavirus-worker-risk.html?action=click&module=Top+Stories &pgtype=Homepage
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Estudos demonstraram que muitos procedimentos odontológicos produzem aerossóis e gotículas contaminadas por sangue, saliva e outros fluidos, os quais transportam bactérias e vírus com elevado potencial de infecção para o profissional dentista, equipe auxiliar e usuários dos serviços de saúde.1111. Ge Z-Y, Yang L-M, Xia J-J, Fu X-H, Zhang Y-Z. Possible aerosol transmission of covid-19 and special precautions in dentistry. J Zhejiang Univ Sci B. 2020;21(5):361-8. doi: https://doi.org/10.1631/jzus.B2010010.
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12. Burger D. ADA recommending dentists postpone elective procedures. ADANews [Internet]. 2020 Mar 16 [acesso 21 out. 2020]. Disponível em: https://www.ada.org/en/publications/ada-news/2020-archive/march/ada-recommending-dentists-postpone-elective-procedures
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13. Tuñas ITC, Silva ET, Santiago SBS, Maia KD, Silva Júnior JO. Doença pelo coronavírus 2019 (covid-19): uma abordagem preventiva para a odontologia. Rev Bras Odontol. 2020;77:e1766. doi: http://doi.org/10.18363/rbo.v77.2020.e1776.
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-1414. Harrel SK, Molinari J. Aerosols and splatter in dentistry: a brief review of the literature and infection control implications. J Am Dent Assoc. 2004;135(4):429-37. doi: http://doi.org/10.14219/jada.archive.2004.0207.
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Para proteger a saúde dos profissionais da área odontológica e da população sob seus cuidados, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) recomendou, em 16 de março de 2020, a suspensão das atividades odontológicas em todo o território nacional, nos estabelecimentos públicos de saúde, que não fossem comprovadamente de urgência ou emergência, quais sejam, os relacionados ao tratamento da dor e de infecções de origem bucal.1515. Conselho Federal de Odontologia (BR). Ofício n. 477/2020/CFO. Atendimento odontológico: covid-19. Brasília, DF: CFO; 16 de março de 2020. Além disso, o CFO solicitou o máximo rigor nos serviços prestados, concernente a adoção de protocolos de esterilização e desinfecção, de modo a minimizar o risco de contágio.1515. Conselho Federal de Odontologia (BR). Ofício n. 477/2020/CFO. Atendimento odontológico: covid-19. Brasília, DF: CFO; 16 de março de 2020. Nesse sentido, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma nota técnica reforçando a recomendação aos profissionais para manterem os cuidados necessários quanto ao uso de equipamentos de proteção individual e medidas de redução da propagação de aerossóis.1616. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). Nota Técnica n. 4, de 2020. Orientações para serviços de saúde: medidas de prevenção e controle que devem ser adotadas durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Brasília, DF, ANVISA; 2020.

Estudos mundiais têm verificado mudanças no perfil de atendimento dos serviços de saúde, incluindo os serviços de saúde bucal, durante a pandemia de COVID-19.1717. Yang Y, Zhou Y, Liu X, Tan J. Health services provision of 48 public tertiary dental hospitals during the covid-19 epidemic in China. Clin Oral Investig. 2020;24(5):1861-4. doi: http://doi.org/10.1007/s00784-020-03267-8.
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,1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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No Brasil, alguns estudos verificaram mudanças no perfil de atendimento odontológico nos serviços públicos de saúde durante a pandemia de COVID-19, especialmente sua redução.1919. Lucena EHG, Freire AR, Freire DEWG, Araújo ECF, Lira GNW, Brito ACM, et al. Offer and use of oral health in primary care before and after the beginning of the covid-19 pandemic in Brazil. Pesqui Bras Odontopediatria Clin Integr. 2020;20(suppl 1):e0139. doi: https://doi.org/10.1590/pboci.2020.163.
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,2020. Santos MBF, Pires ALC, Saporiti JM, Kinalski MA, Marchini L. Impact of covid-19 pandemic on oral health procedures provided by the Brazilian public health system: covid-19 and oral health in Brazil. Health Policy Technol. 2021;10(1):135-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.hlpt.2021.02.001.
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Apesar de tais evidências, pouco se conhece sobre a repercussão imediata da pandemia nos serviços odontológicos de emergência. Guo et al.1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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observaram em estudo realizado na cidade de Beijing, China, que a epidemia da COVID-19 influenciou o número e os tipos de procedimentos odontológicos realizados nos serviços de emergência. Entretanto, até o momento desta publicação, não há conhecimento de trabalhos de investigação sobre tais aspectos em serviços públicos odontológicos de urgência, no Brasil.

O objetivo deste estudo foi avaliar a repercussão da pandemia de COVID-19 nos procedimentos realizados por um serviço público odontológico de urgência (SPOU).

Métodos

Trata-se de um estudo transversal utilizando-se de dados secundários de um serviço de pronto-atendimento odontológico no município de Piracicaba, São Paulo, coletados em período anterior à COVID-19 (fevereiro e março de 2020) e durante a pandemia (março e abril de 2020).

O pronto-atendimento odontológico municipal (PAOM) de Piracicaba, denominado serviço de urgência bucal (SUB), conta com dois consultórios e profissionais aptos a realizar atendimento de urgência em dias úteis, no horário das 7 às 21 horas, e nos feriados e finais de semana, das 8 às 16 horas. No SUB, os usuários são atendidos por ordem de chegada, sem a realização de avaliação de risco.

Piracicaba somava uma população estimada de 404.142 habitantes em 2020.2121. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Piracicaba: panorama [Internet]. Brasília, DF: IBGE; 2020 [acesso 21 out. 2020]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/piracicaba/panorama
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Naquele ano, a rede pública de saúde do município era formada por 51 unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF) e 20 unidades básicas de saúde (UBS), um centro de especialidades médicas, dois centros de especialidades odontológicas, quatro unidades de pronto atendimento médico, uma unidade de pronto-atendimento de ortopedia e traumatologia, uma policlínica e dois hospitais de referência. No âmbito da Atenção Básica pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o serviço público odontológico estava inserido em 30 unidades da ESF e 17 UBS modalidade I (cirurgião-dentista e auxiliar).

Para a análise dos registros dos atendimentos e procedimentos odontológicos, foram definidos dois períodos, um pré-pandemia (pré-COVID-19) e o outro correspondente ao início da pandemia (COVID-19), segundo critérios adotados por Guo et al.1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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e adaptados à realidade do presente estudo, a saber:

  1. Período pré-COVID-19 - atendimentos realizados entre 27 de fevereiro e 11 de março de 2020 (duas semanas), quando, embora já houvesse transmissão comunitária no país, não havia restrições à circulação no território nacional, tampouco casos confirmados em Piracicaba.

  2. Período COVID-19 (COVID-19) - atendimentos realizados entre 26 de março e 8 de abril de 2020 (duas semanas), quando foi decretado o isolamento social estadual, após as autoridades brasileiras anunciarem a presença de transmissão comunitária e já haver-se confirmado casos da doença em Piracicaba.

A repercussão da pandemia de COVID-19 nos atendimentos de urgência foi analisada retrospectivamente por uma amostragem censitária, sobre dados de todos os atendimentos realizados pelo SUB nos períodos estudados (anterior e durante a pandemia). Esses dados foram extraídos em 14 de maio de 2020, utilizando-se o software OLOSTECH,2222. Olostech [homepage]. Jaraguá do Sul (SC): Olostech; 1993 [acesso 21 out. 2020]. Disponível em: http://www.olostech.com
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um sistema online de informatização da Saúde Pública adotado pelo município. Mediante esse sistema, é gerado um relatório com informações sobre a data da consulta, nome do usuário, sexo, idade, procedimento realizado e profissional responsável pelo procedimento. Foram excluídos os registros que não apresentavam o procedimento realizado.

O tamanho da amostra, de 1.228 usuários atendidos no setor de urgências, teve poder de 0,98 (β = 0,02), com nível de significância de 5% (α = 0,05) para a mensuração do efeito encontrado (Cramer's V = 0,1356).

As variáveis avaliadas foram ‘sexo’ (feminino; masculino), ‘idade’ (em anos completos, dicotomizada pela mediana em ≤36 anos e >36 anos), ‘procedimentos odontológicos’ (medicação e orientação; intervenção pulpar; selamento provisório de cavidades; exodontia; outros procedimentos), segundo os períodos definidos, pré-COVID-19 e COVID-19.

Inicialmente, foram realizadas análises descritivas dos dados. As associações das variáveis ‘sexo’, ‘idade’ e ‘procedimentos odontológicos’ com os períodos pré-COVID-19 e COVID-19 foram analisadas pelo teste qui-quadrado de Pearson. Também foi calculado o tamanho do efeito Cramer's V.

As análises foram conduzidas utilizando-se o programa estatístico SAS/STAT 9.4 [Statistical Analysis System (SAS) Institute Inc. 2013, Version 9.4, Cary, NC, USA].

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas, sob Protocolo do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº 42980921.0.0000.5418, consoante a Declaração de Helsinque.

Resultados

Do total de 1.241 atendimentos odontológicos de urgência realizados nos períodos sob análise, pré-COVID-19 e COVID-19, 13 foram excluídos por não apresentarem o registro do procedimento, obtendo-se uma amostra de 1.228 atendimentos. Entre estes, 824 (67,1%) referiam-se ao período pré-COVID-19 e 404 (32,9%) ao período COVID-19, o que correspondeu a um percentual de redução de 51% (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas dos usuários que utilizaram o serviço de urgência bucal em período pré-COVID-19 (fevereiro e março de 2020) e durante a pandemia da COVID-19 (março e abril de 2020)

As características demográficas dos usuários atendidos no SUB, nos períodos pré-COVID-19 e COVID-19, indicam que não houve diferença significante, estatisticamente, na distribuição por sexo e idade dos usuários atendidos em cada um dos períodos (Tabela 1).

A Figura 1 apresenta a frequência de atendimentos odontológicos de acordo com o tipo de procedimento, nos dois períodos. No período pré-COVID-19, o principal motivo para a consulta odontológica foi a medicação e orientação (32,6%), seguido por intervenção pulpar (23,5%), selamento provisório de cavidades (22,9%), exodontia (14,7%) e outros procedimentos (6,3%). Já no período COVID-19, a principal razão para a consulta odontológica foi a realização de selamento provisório de cavidades (33,2%), seguido por medicação e orientação (31,4%), intervenção pulpar (23,3%), exodontia (8,9%) e outros procedimentos (3,2%).

Figura 1
Proporção de atendimentos odontológicos de acordo com o tipo de procedimento, em período pré-COVID-19 (fevereiro a março de 2020) e durante a pandemia da COVID-19 (março a abril de 2020)

Houve associação estatisticamente significante entre o tipo de procedimento odontológico e o período de sua realização, seja pré-COVID-19, seja COVID-19, tendo-se observado diminuição na porcentagem de exodontias (de 14,7 para 8,9%) e aumento na porcentagem de selamentos provisórios de cavidades (de 22,9 para 33,2%) entre os períodos pré-COVID-19 e COVID-19.

Discussão

O presente estudo avaliou a repercussão da COVID-19 nos procedimentos realizados pelo PAOM de Piracicaba, após a publicação do decreto de isolamento social no estado de São Paulo. Os resultados indicam expressiva diminuição no número de atendimentos odontológicos de urgência, além de alterações no padrão dos procedimentos odontológicos, a exemplo da redução do número de exodontias desde o início da epidemia. Este fato, particularmente, corrobora os achados de Cunha et al.2323. Cunha AR, Velasco SRM, Hugo FN, Antunes JLF. The impact of the covid-19 pandemic on the provision of dental procedures performed by the Brazilian unified health system: a syndemic perspective. Rev Bras Epidemiol. 2021 May 26;24:e210028. doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720210028.
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sobre os serviços públicos odontológicos de todo o país, onde se verificou, mediante comparação dos dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde, entre os meses de abril e junho de 2019 e durante o ano de 2020, uma diminuição de 88,4% na produtividade total dos serviços ofertados pela Atenção Básica e Especializada, e redução de 87% nas extrações realizadas, tal como verificado por estudos desenvolvidos em outros países.1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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Algumas hipóteses são levantadas para justificar os resultados do presente estudo. Inicialmente, observou-se que a população permaneceu em casa e seguiu as recomendações de isolamento social, tendo-se deslocado apenas para a realização de atividades essenciais, conforme as normas de saúde. Ademais, o receio de contrair a COVID-19 poderia tornar as pessoas relutantes em frequentar serviços de saúde, como hospitais e centros odontológicos, com a intenção de prevenir o risco de contágio, conforme demonstrado por várias pesquisas.2424. Moraes RR, Correa MB, Queiroz AB, Daneris Â, Lopes JP, Pereira-Cenci T, et al. Covid-19 challenges to dentistry in the new pandemic epicenter: Brazil. PLoS One. 2020 Nov 30;15(11):e0242251. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0242251.
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Possivelmente, muitos dos problemas de dor de origem dentária foram temporariamente resolvidos com analgésicos, desde que a automedicação é amplamente utilizada no Brasil e envolve, principalmente, o acesso a medicamentos sem a exigência de receita emitida por um profissional habilitado.2525. Arrais PSD, Fernandes MEP, Dal Pizzol TS, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, et al. Prevalence of self-medication in Brazil and associated factors. Rev Saude Publica. 2016;50(suppl 2):13s. doi: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006117.
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Os procedimentos odontológicos realizados com maior frequência no SUB, no período pré-COVID-19, foram medicação e orientação, seguindo-se intervenção pulpar, indicados em razão da presença de dor aguda/infecção de origem dentária. Em contrapartida, no período COVID-19, o procedimento mais frequente foi o selamento provisório de cavidades, de menor urgência e invasividade. Tais achados diferem do estudo de Guo et al.,1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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realizado em um serviço odontológico de emergência em Beijing, onde se observou que as pessoas procuravam preferencialmente esses serviços, quando apresentavam intensa odontalgia, trauma, celulite ou abscesso dentário durante a epidemia.1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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Deve-se considerar que o estudo de Beijing abordou usuários de um serviço odontológico situado em um hospital, onde há maior probabilidade de haver indivíduos com COVID-19, fato que pode ter gerado receio em utilizar aquele serviço e, portanto, apenas aqueles com quadros mais graves procuraram atendimento odontológico.2626. Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM, Aquino R. Primary healthcare in times of COVID-19: what to do?. Cad Saude Publica. 2020;36(8):e00149720. doi: http://doi.org/10.1590/0102-311X00149720.
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Outra hipótese a ser considerada, para justificar tais diferenças, pode estar relacionada à cultura de automedicação observada na população brasileira.2525. Arrais PSD, Fernandes MEP, Dal Pizzol TS, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, et al. Prevalence of self-medication in Brazil and associated factors. Rev Saude Publica. 2016;50(suppl 2):13s. doi: https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006117.
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Os atendimentos com procedimentos de exodontia diminuíram do período pré-COVID-19 para o período COVID-19. Conforme já descrito, uma das hipóteses para essa queda pode ser o receio da população em contrair a COVID-19 durante seu atendimento nos serviços de saúde.2424. Moraes RR, Correa MB, Queiroz AB, Daneris Â, Lopes JP, Pereira-Cenci T, et al. Covid-19 challenges to dentistry in the new pandemic epicenter: Brazil. PLoS One. 2020 Nov 30;15(11):e0242251. doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0242251.
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Porém, e não menos importante, o mesmo motivo também fez aumentar o medo dos profissionais de saúde de adquirir COVID-19 quando da realização de procedimentos mais invasivos, tais como exodontias, fato que pode ter levado a uma redução na realização desses procedimentos nos serviços.2727. Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. The health of healthcare professionals coping with the covid-19 pandemic. Cienc Saude Colet. 2020;25(9):3465-74. doi: http://doi.org/10.1590/1413-81232020259.19562020.
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Ahmed et al.2828. Ahmed MA, Jouhar R., Ahmed N, Adnan S, Aftab M, Zafar MS, et al. Fear and practice modifications among dentists to combat novel coronavirus disease (covid-19) outbreak. Int J Environ Res Public Health. 2020 Apr 19;17(8):2821. doi: http://doi.org/10.3390/ijerph17082821.
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demonstraram que, apesar do alto nível de conhecimento dos dentistas sobre os meios de prevenção de infecções na prática odontológica, esses profissionais se mostravam ansiosos e amedrontados diante da realização do atendimento, por temer a própria infecção e assim, transmiti-la a seus familiares.

Apesar de existirem alguns estudos no território brasileiro que corroboram mudanças no padrão de procedimentos odontológicos ofertados pelos serviços de saúde no contexto da pandemia da COVID-19, eles não avaliaram, especificamente, alterações no padrão de procedimentos ofertados em serviços odontológicos de urgência.1919. Lucena EHG, Freire AR, Freire DEWG, Araújo ECF, Lira GNW, Brito ACM, et al. Offer and use of oral health in primary care before and after the beginning of the covid-19 pandemic in Brazil. Pesqui Bras Odontopediatria Clin Integr. 2020;20(suppl 1):e0139. doi: https://doi.org/10.1590/pboci.2020.163.
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,2020. Santos MBF, Pires ALC, Saporiti JM, Kinalski MA, Marchini L. Impact of covid-19 pandemic on oral health procedures provided by the Brazilian public health system: covid-19 and oral health in Brazil. Health Policy Technol. 2021;10(1):135-42. doi: https://doi.org/10.1016/j.hlpt.2021.02.001.
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Dessa forma, o presente estudo contribui para a literatura sobre o assunto, pois foi realizado em um cenário distinto, além de ter avaliado outras variáveis e associações não investigadas nos estudos supracitados.

Especula-se que a procura por serviços odontológicos poderá crescer de forma exponencial, passado o controle da epidemia, dada a demanda reprimida pelo fator COVID-19.1818. Guo H, Zhou Y, Liu X, Tan J. The impact of the covid-19 epidemic on the utilization of emergency dental services. J Dent Sci. 2020;15(4):564-7. doi: http://doi.org/10.1016/j.jds.2020.02.002.
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No cenário global, uma das alternativas utilizadas pelos serviços para manter o cuidado com a saúde da população diz respeito ao atendimento remoto que, no Brasil, vem sendo realizado por telemonitoramento e teleorientação, formas recentemente regulamentadas.2929. Conselho Federal de Odontologia (BR). Resolução CFO-226, de 4 junho de 2020. Dispõe sobre o exercício da odontologia a distância, mediado por tecnologias, e dá outras providências. Brasília, DF: CFO; 4 jun. 2020. Adicionalmente, a Resolução do CFO nº 228, de 16 de julho de 2020,3030. Conselho Federal de Odontologia (BR). Resolução CFO-228. Regulamenta o artigo 5º da resolução CFO n. 226/2020. Brasília, DF: CFO; 16 jul 2020. permite, no âmbito do SUS, a realização da odontologia a distância, mediada pela tecnologia, enquanto durar o estado de calamidade pública decretado pelo governo federal. Essas modalidades podem ser importantes aliadas, evitando deslocamentos desnecessários.

Como limitações do estudo, menciona-se o curto intervalo de tempo dos períodos de avaliação pré-COVID-19 e COVID-19 (duas semanas para cada um), o que não possibilitou investigar se as mudanças de padrões, verificadas nesse período, permaneceram por mais tempo. No entanto, o curto período da pesquisa selecionado deveu-se à subsequente reorganização do serviço, quando houve uma diminuição intencional da oferta de atendimentos de urgência à população com o objetivo de diminuir os riscos de infecção de usuários e profissionais. Contudo, ressalta-se que essas pesquisas são importantes no sentido de apontar aspectos capazes de contribuir para a qualificação dos sistemas de informações.

Conclui-se que a epidemia de COVID-19 apresentou reflexos imediatos na quantidade e no padrão de procedimentos realizados no PAOM de Piracicaba. Ressalta-se a necessidade de reorganização e adaptação contínua dos serviços de saúde bucal, haja vista as rápidas mudanças trazidas pela COVID-19. Os profissionais dedicados a esses serviços necessitam receber treinamento, visando garantir sua proteção individual e coletiva. Sugere-se que os gestores atuem de forma coordenada, para prestar apoio às novas demandas geradas, e implementem medidas abrangentes de prevenção e controle dos problemas bucais, bem como a facilitação do acesso a serviços eletivos, para futuros tratamentos odontológicos.

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Editado por

Editora associada

Thaynã Ramos Flores - 0000-0003-0098-1681

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2021
  • Aceito
    05 Set 2021
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