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A edição popular no Brasil: o caso da literatura de cordel

Popular editing in Brazil: the cordel literature case

Resumo

Com o intuito de estudar o cordel brasileiro sob o ponto de vista do seu sistema editorial, neste artigo buscou-se ressaltar a importância desse fenômeno editorial popular que se instituiu, no Brasil, como um marco da modernização que trans formou as relações de produção cultural no Nordeste a partir dos últimos decênios do século XIX. Observada desse ângulo, a literatura de cordel é traduzida como um efeito da modernidade que se impunha em pontos estratégicos do Brasil. A popularização da imprensa no Nordeste, especialmente em Recife, onde primeiro se desenvolveu o mercado do cordel no país, tornou possível o surgimento de editores populares que, apropriando-se dos recursos tipográficos então dispo nibilizados, puderam, pouco a pouco, inserir-se ativamente no mercado cultural nacional.

Palavras-chave:
cordel; história da edição popular; poetas-editores nordestinos

Abstract

We focus on Brazilian cordel through the point of view of its editing system, highlighting the importance of such popular editing phenomenon that established itself, in Brazil, as a landmark for modernization that changed the relations of cultural production in Northeast Brazil from the last decades of the nineteenth century on. Seen from this perspective, the cordel literature is translated as an effect of modernization that imposed itself in strategic points of the country. The popularization of press, especially in Recife, where first the market for cordel developed, made possible the arising of popular editors who, taking hold of typographic resources then available, were able to, little by little, insert themselves actively in the national cultural market.

Key words:
cordel; history of popular editing; Northeasterner editor-poets

A história da edição popular no Brasil está ainda por ser escrita. Até o momento, em nosso meio, relativamente pouco ou quase nada se publicou sobre a edição popular e os editores que aqui se especializaram na produção de livros ou brochuras de preço relativamente acessível, direcionaram tais tipos de obra a um público de leitores comuns, semile trados e de baixo poder aquisitivo. No entanto, embora, de modo geral, menosprezada pelas instituições do saber dominante, essa prática, que não é tão antiga no Brasil quanto em alguns países da Europa, constitui uma parte relevante da nossa história cultural. De fato, se observamos nossa vida literária em perspectiva histórica, levando em consideração a diversidade dos leitores que a integra, isto é, mirando além ou aquém do leitor padrão ou ideal, vemos ressaltar a importância dessas iniciativas editoriais para a formação do público leitor de um modo geral. É certo que uma cultura literária, em qualquer parte do mundo, não se constitui graças unicamente às obras selecionadas pela instituição escolar, pela historiografia e pela crítica literária ou, de modo geral, pelas instituições culturais dominantes.

Considerando, pois, esse aspecto, ressalta-se a importância de uma história literário-cultural crítica e abrangente, que leve em conta, além das obras decorrentes do sistema literário oficial, a produção literária derivada das diversas práticas editoriais que concorrem para a constituição do campo literário no Brasil. Nessa história, haveria de se considerar, por exemplo, iniciativas como a do editor Pedro Quaresma, do Rio de Janeiro, pioneiro na publicação de modinhas populares e de histórias dedicadas ao público infantil. Haveria de se considerar a atuação de editoras como a H. Antunes e a Modinha Popular, ambas também do Rio de Janeiro; a Tipografia Editora Souza, de São Paulo, além da Livraria Editora Guajarina, do Pará, e da Popular Editora, da Paraíba, entre outras, que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a formação de um público leitor pouco ou nada escolarizado, sumariamente ignorado pela prática livresca dominante.

Cumpre ressaltar: uso aqui o termo “literatura” tomando como parâme tro uma diversidade de gêneros concorrentes, incluindo os gêneros literá rios canônicos e a produção destinada ao consumo em massa. Ao assim proceder, parto do pressuposto de que os valores estéticos que, em parte, justificam a escolha dos autores e obras que devem integrar a história literária canônica não se encontram dissociadas das práticas e mediações sociais que condicionam a sua inserção em um contexto de produção mais amplo, em que se situam, em posições concorrentes, produções literárias diferenciadas. Tal ponto de vista não deixa de ser relevante para a compreensão da vida literária de um país, bem como do jogo de relações sociais que determinam as posições dominantes no seu campo literário, considerando-se não apenas o sistema literário hegemônico. Cumpre lembrar que a existência de um sistema literário depende não apenas de leitores e escritores ligados por uma linguagem comum, mas também de uma série de instituições sociais que o legitima ou não, definindo o lugar além ou aquém que as diversas produções literárias devem ocupar na hierarquia cultural. Além disso, toda produção literária depende de um sistema editorial que, por mais modesto que seja, possa fazê-la circular, tendo em vista um grupo específico de leitores disponíveis no mercado ou um público possível, ainda por se instituir. Desse ponto de vista, a história da edição popular representa uma parte importante da história literário-cultural brasileira, dado o seu papel na formação de um público leitor diversificado, sem o qual a instituição do campo literário não seria possível.

Uso aqui a expressão “campo literário” no sentido empregado por Bourdieu (1992BOURDIEU, Pierre (1992). Les règles de l’art: gènese et structure du champ littéraire. Paris, Seil.) em sua “teoria dos campos”, mais especificamente no estudo sobre a gênese do campo literário. Nesse sentido, o “campo literário” se define como um espaço simbólico em que se trava a luta por posições previamente instituídas (a posição do autor, do crítico, do editor etc.). Enquanto realidade simbólica mutável, o campo literário se caracterizada pelas relações objetivas entre seus diferentes agentes (autores, editores, críticos, produtores etc.) que negociam um lugar nessa esfera de atividade. A sua existência implica a luta ou o embate entre “tomadas de posição” diferenciadas. Por exemplo, a tomada de posição de um agente no campo literário como autor, editor ou produtor de modo geral, é, por um lado, condicionada pelas regras dominantes no espaço social em que essa tomada de posição se torna possível; e, por outro, pelas disposições culturais que esse agente traz consigo para essa posição. O campo literário se define, pois, como um espaço simbólico, um campo de luta no qual seus agentes, de acordo com a posição que ocupam e com o espaço social em que atuam, determinam, validam, legitimam ou denegam a validade das representações simbólicas que a ele concorrem.

A teoria de Pierre Bourdieu divide o campo da produção literária em dois grandes subsistemas: o da produção restrita, que se caracteriza pela denegação “vanguardista” do lucro imediato e das motivações econômicas dos produtores, dirigidas prioritariamente aos seus pares; e o da produção em larga escala, impulsionada pelas leis do mercado, que se traduz nas obras de consumo fácil, destinadas ao público em geral. Para contemplarmos o caso da produção literária brasileira, poderíamos acrescentar uma terceira categoria. Nela, poderíamos incluir a literatura de cordel, que se situa, por assim dizer, “entre lugar cultural”, encontrando se na fronteira entre a produção de consumo fácil, excluída do rol das obras de valor literário reconhecido, e o cult, que embora popular, no que diz respeito à linguagem e à forma de consumo, distingue-se como produção elevada à condição de clássico cultural. Enquanto tal, isto é, enquanto produção legitimada por experts como obra de valor cultural, o cordel tende a se expandir, contemporaneamente, como se pode observar, para muito além de sua mídia original, encontrando espaço, pouco a pouco, no campo da produção literária restrita. Fortalecendo-se a partir do diálogo que, desde a sua origem, seus produtores mantiveram com os seus outros culturais, o cordel, não obstante, resiste como um sistema literário relativamente autônomo, que, ainda que modestamente, concorre com os sistemas literários, de uma forma ou de outra, dominantes para a constituição do campo literário brasileiro como um todo (Bourdieu, 1992).

Posto isso, cumpre ressaltar que o advento do cordel brasileiro como um sistema literário relativamente autônomo relaciona-se, fundamentalmente, com a história da edição popular no Brasil. Nesta, como foi dito acima, destaca-se como pioneira a Livraria Editora Quaresma, que atuou no Rio de Janeiro desde as últimas décadas do século XIX até meados do século XX. No cenário da belle époque carioca, dominado por editoras estrangeiras, tais como a Laemmert, a Garnier e a Francisco Alves, que atendiam sobretudo a uma elite cultural e econômica, o brasileiro Pedro Quaresma se estabeleceu, no final da década de 1870, difundindo, em várias partes do Brasil, incluindo o Nordeste, uma literatura feita em boa parte de encomenda para atender a um público semiletrado, então, emergente. O advento dessa editora não deixa de ser um produto da popularização do impresso no Brasil, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século seguinte, ao qual, necessariamente, o surgimento do cordel está relacionado (Brito Broca, 1975BRITO BROCA, José (1975). A vida literária no Brasil: 1900. Rio de Janeiro: José Olympio.), (Brito Broca, 1994______ (1994). O repórter impenitente. Campinas: Ed. Unicamp.) (Oliveira, 2002). A propósito, Brito Broca (1975) ressalta a importância de Pedro Quaresma como editor especializado na publicação de livros de modinhas populares, poesia sertaneja, humor, crendices e literatura para crianças.

Diz o autor:

A Livraria Quaresma merece uma referência mais detalhada pelas inovações que introduziu. Tendo em vista a pouca cultura do nosso povo, Pedro da Silva Quaresma, que se instalara, desde 1879, na rua São José, compreendeu que o meio de levá-lo ao livro era dar-lhe leitura fácil, amena ou de interesse prático, mas de cunho essencialmente popular, ao alcance de qualquer um e em brochuras de preço módico. Daí o verdadeiro gênero por ele criado entre nós, e o rótulo de “edição Quaresma”, que passou a designar, de maneira geral, as edições populares para o grande público. Alguns escritores de terceira categoria forneciam-lhe essa subliteratura que ele espalhava, com grande êxito, por todos os cantos do Brasil. Em qualquer velha residência lá pelos sertões da Bahia ou pelo norte de Minas ainda é fácil descobrir-se até hoje, num canto de gaveta, alguma dessas “edições Quaresma”. O leitor iletrado nelas encontrava um precioso elemento, que poderia, certamente, atraí-lo para um nível menos primário. (Brito Broca, 1975, p. 143)

Como afirma o autor, as edições Quaresma tornaram-se referência para as edições do gênero. Pedro Quaresma, cuja livraria editora se tornou ponto de frequentação, não apenas do vulgo, mas também de intelectuais como Machado de Assis e Olavo Bilac, divulgou, no Brasil, a fórmula do livro popular, posteriormente aproveitada por editoras populares como a paraibana Popular Editora, de Francisco das Chagas Batista, e a paraense Guajarina, de Francisco Lopes, que tiveram papel preponderante no estabelecimento do mercado literário do cordel no Brasil na primeira metade do século XX. Conquanto tenham se especializado na publicação da literatura de cordel, essas editoras também fizeram circular uma produção diversa destinada ao vulgo. Chagas Batista (1882-1930) manteve na linha de produção, além da coleção dedicada ao cordel, a que ele intitulou de “Literatura Popular”, material para fins comerciais e didáticos, como também os chamados “livros de prateleira”, que eram edições populares de romances e novelas em circulação no mercado livresco geral. Já o pernambucano Francisco Lopes (1883-1947), da Guajarina, manteve duas linhas editoriais principais: o cancioneiro popular urbano, representado pelas modinhas e canções seresteiras à moda carioca, e a literatura de cordel. No que diz respeito à linha de produção, observa se certa afinidade entre essas editoras populares, respectivamente, do Nordeste e do Norte do país, e as editoras do Sudeste, especializadas na edição de obras popularescas, como a H. Antunes e a Modinha Popular, que incluíram o cordel nordestino em sua linha de produção nos anos 1950. O mesmo se deu com a editora Prelúdio, hoje, editora Luzeiro, de São Paulo. Agregando ao seu catálogo uma literatura diversificada (que vai desde livros de ocultismo até histórias destinadas ao público infantil), a editora incorporou o cordel nordestino, também na década de 1950, e figurou, dos anos 1970 até, pelo menos, a década passada, como a principal editora do gênero no país.

No que diz respeito à história da edição popular no Brasil, é preciso sublinhar a empresa de João Martins Athayde, que expandiu o mercado do cordel para além do Norte e do Nordeste brasileiros, tornando-o um fenômeno popular nacional entre os anos de 1930 e 1940. Ao contrário de Chagas Batista e Francisco Lopes, Athayde especializou-se exclusivamente na produção de cordéis, tendo aperfeiçoado a fórmula editorial com que o cordel ficou conhecido. A partir de 1921, quando adquiriu o espólio literário de Leandro Gomes de Barros, o mais importante e mais fecundo autor da literatura de cordel nordestina, morto em 1918, Athayde dá início a um projeto editorial no sentido da padronização de suas edições, tendo em vista a consolidação da sua marca editorial. As capas simples, predominantemente usadas nas edições do cordel até então, vão sendo substituídas pelas capas temáticas. Nas capas dos romances, já no início da década de 1920, são usados clichês feitos a partir de cartões-postais à moda francesa, em que se veem modelos fotográficos, geralmente, uma jovem ou um casal em pose romântica.

Em alguns casos, as capas dos romances eram, também, ilustradas com desenhos encomendados aos gravuristas locais, tal como ocorre com os folhetos das demais modalidades, em cujas reimpressões as capas são reaproveitadas, passando assim, de certa forma, a integrar a composição. Esse é, por exemplo, o caso das capas dos folhetos A vida e o testamento de canção de fogo, O casamento do calangro, O soldado jogador, Proezas de João Grilo, que se tornaram quase tão populares quanto as obras que serviram para ilustrar. Já os folhetos contendo pelejas ou representações de desafio, republicados a partir da década de 1930, trazem, na capa, um desenho ou uma caricatura da cena representada: em um salão familiar ou ao ar livre, portando violas sertanejas e sentados frente à frente, os protagonistas atuam, assistidos por uma plateia. Esse clichê até hoje aparece nos cordéis dessa modalidade. Ainda na década de 1930, surgem as ilustrações feitas a partir de uma técnica de colagem (na qual se mistura desenho e fotogravura), muito usada, sobretudo na década de 1940, na confecção das capas dos romances (Souza, 1981SOUZA, liedo Maranhão de (1981). O folheto popular: sua capa e seus ilustradores. Recife: Massangana.). Nestes, o apelo ao cinema evidencia se, especialmente no plano editorial dos cordéis. Observa-se a influência da linguagem publicitária e de certos gêneros da cultura de massa na escolha dos títulos, na ideia das capas (feitas a partir da justaposição de elementos que formam um quadro sinóptico da história apresentada, lembrando os cartazes de divulgação dos filmes) e também no tom sensacionalista das chamadas do editor, que aparecem na primeira página da maioria dos romances publicados nesse período, tais como: “Amor! Sofrimento! Luta! Triunfo!” (Nobreza de um ladrão), “Degredo! Prisão! Sofrimento!” (O romance de um sentenciado), ou “Romance cheio de amor e poesia! Página de viva realidade onde se leem as tramas da traição curvar-se ante o altar do amor; a paixão de dois jovens que ascendem até aos mais altos poderes da existência” (As grandes aventuras de Armando e Rosa)1 1 Todos esses cordéis se encontram disponíveis em: http://www.cnfcp.gov.br .


A apropriação desses recursos editoriais, bem como da linguagem própria das narrativas popularizadas pelo cinema e pelo jornal, entre outros meios afins, sugere um forte investimento em um perfil de leitor específico. Provavelmente, essa produção vem a atender, de modo parti cular, certo público urbano emergente, que inclui o gênero feminino, formado em um contexto cultural oralizado, no qual, não obstante, os símbolos da modernidade se impunham como força hegemônica.

Essa investida no sentido da padronização dos folhetos vem, sem dúvida, fortalecer a sua marca editorial, constituindo também um modo de apropriação das obras de autoria diversa, por ele negociadas para publicação. Especialmente no caso das obras de Leandro, as quais, com a compra dos direitos de propriedade, Athayde passa a representar legalmente, a apropriação se dá de forma radical. Algumas vezes, como mostram sobretudo as edições posteriores a 1930, as atualizações vão um pouco além da revisão ortográfica e das pequenas mudanças observadas no título de algumas obras, chegando, em muitos casos, a comprometer o reconhecimento da autoria. Essa e outras formas de apropriação, que se apresentam, de certo ponto de vista, como dispositivos de salvaguarda da propriedade pelo editor, não deixam de ser representativas do modo como, na prática, o monopólio editorial, por ele exercido, serviu à afirmação da sua posição como autor. Sobretudo a partir da década de 1930, Athayde desempenha um papel decisivo na consolidação do sistema literário do cordel, fomentando e dando vazão à produção de poetas que, emboraprestigiados no meio, não possuíam recursos e popularidade suficientes para uma carreira autônoma. Esse é o caso de João Ferreira de Lima, José Camelo, José Pacheco da Rocha e Delarme Monteiro, este último, de certa maneira, formado sob a influência do editor.

Cumpre ponderar: decerto o êxito de Athayde não se deveu apenas à disposição comercial que o caracterizou como editor, embora tal aspecto o tenha colocado em uma posição privilegiada em relação a seus colegas de ofício. Juntamente com isso, a sua experiência como poeta formado no ambiente da cantoria e do cordel tornou-o apto a orientar a produção, de acordo com as injunções do mercado. Detentor, em potencial, do monopólio editorial do gênero, desde a década de 1920, quando se tornou editor autorizado das obras de Leandro, coube a Athayde, de certa forma, dar continuidade à linha de produção definida por seus antecessores e, por outro lado, atualizá-la de acordo com a demanda do público emergente. A esse respeito, pode-se dizer que a sua atuação foi eficaz.

À atuação enérgica de Athayde no mercado editorial do cordel, deve se o grande prestígio que ele atingiu em vida, em seu próprio meio e em certo meio intelectual, como poeta, embora grande parte do que lhe foi atribuído pertencesse à autoria alheia. Por volta da década de 1930, seu nome já havia cruzado fronteiras geográficas e sociais, tornando-se um fenômeno de popularidade, conforme testemunha Waldemar Valente, em depoimento publicado em 1976:

Athayde tornou-se, sem exagero, um verdadeiro ídolo popular. Não apenas da gente pobre e humilde, semi-alfabetizada e mesmo analfabeta, do interior - Zona da Mata, principalmente -, mas da gente remediada e rica das zonas urbanas e até capitais e cidades importantes, entre elas Salvador, Recife, Fortaleza, Caruaru, Campina Grande e Garanhuns.

Entre seus leitores mais entusiastas, estavam meninos, adolescentes e até adultos. Gente branca e gente de cor. A plebe iletrada e a elite intectual, incluindo estudiosos de nosso folclore. De modo especial, os que se interessavam pela literatura de cordel. (apudAthayde, 2000ATHAYDE, João Martins (2000). João Martins de Athayde: antologia. São Paulo, Hedra., p. 28)

Dentre os produtores de folhetos nordestinos, sem dúvida, J. Martins de Athayde foi o que melhor representou o processo de homogeneização editorial do cordel, ocorrido no decorrer do século XX. Esse aspecto ressalta, antes de mais nada, no modo como o poeta-editor procedeu em relação à forma de apresentação dos folhetos, padronizando, por exemplo, o estilo das capas das representações de pelejas e dos romances, as duas categorias por ele privilegiadas. Tal situação se configura também na escolha das obras publicáveis, efetuada, metodicamente, por Athayde, de acordo com as demandas dos públicos tradicional e emergente. Esse processo revela, em grande parte, a posição centralizadora assumida pelo poeta-editor pernambucano, sobretudo a partir da década de 1930. Nas décadas seguintes, antes da crise econômica que provocou a extinção das editoras folhetarias nordestinas especializadas na produção do cordel, entre as décadas de 1960 e 1970, a empresa de Athayde impulsionará, no cenário nordestino, um movimento editorial popular inédito no Brasil. Editores como João José, Manoel Camilo dos Santos, Rodolfo Coelho Cavalcante e José Bernardo da Silva, entre outros direcionados ou inspirados pelo sucesso da empresa de Athayde, darão continuidade a essa tradição editorial que chegou ao seu auge no século XX, durante a sua atuação.

Dada a sua peculiaridade, a história editorial da literatura de cordel nordestina constitui um capítulo à parte na história da edição popular no Brasil. Essa história, que se inscreve no movimento de descontinuidade e retomada da produção ao longo do tempo, inicia-se a partir do momento em que se torna possível a apropriação por parte do produtor popular de determinados recursos e bens simbólicos produzidos nas esferas culturais dominantes. Nesse caso, o produtor popular deve sua originalidade ao fato da sua não pertinência a tais esferas, nas quais, contudo, ele transita e com a qual ele dialoga. Nessa história inclui-se desde Leandro Gomes de Barros, que se destacou, nesse contexto, como editor e difusor da própria obra, até os autores-editores contemporâneos que se aproximam cada vez mais do universo cult, como é o caso do cartunista, poeta de bancada e editor Klévisson Viana, da editora Tupynanquim. Essa história, que se caracteriza pela luta desses produtores no sentido da legitimação do cordel como um bem simbólico, não se desenvolve à margem, mas no interior do campo cultural em que o cordel se inscreve como um discurso literário concorrente.

Referências bibliográficas

  • ATHAYDE, João Martins (2000). João Martins de Athayde: antologia. São Paulo, Hedra.
  • BOURDIEU, Pierre (1992). Les règles de l’art: gènese et structure du champ littéraire. Paris, Seil.
  • BRITO BROCA, José (1975). A vida literária no Brasil: 1900. Rio de Janeiro: José Olympio.
  • ______ (1994). O repórter impenitente. Campinas: Ed. Unicamp.
  • SOUZA, liedo Maranhão de (1981). O folheto popular: sua capa e seus ilustradores. Recife: Massangana.
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    Todos esses cordéis se encontram disponíveis em: http://www.cnfcp.gov.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Jun 2010

Histórico

  • Recebido
    Abr 2010
  • Aceito
    Maio 2010
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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