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Estatuto informacional e focalização: sua influência na posição do sujeito no PB

Informational status and focus: its influence over subject position in BP

RESUMO

Neste artigo discutimos a relação entre o estatuto informacional do sujeito e a sua posição na sentença no Português Brasileiro (PB). Para tanto, realizamos uma análise diacrônica de cartas pessoais escritas por brasileiros nascidos entre os séculos XIX e XX, mais especificamente, entre 1800 e 1975, que compõem o Corpus Histórico da Língua Portuguesa - Corpus HistLing1 1 Disponível para acesso em: https://histling.letras.ufrj.br/index.php/corpus. . Dentro do quadro teórico da Gramática Gerativa (incluindo suas interfaces), também adotado aqui, diversos estudos sobre a ordem de palavras no PB têm mostrado que o PB passou por mudanças relativas à posição do sujeito, que resultaram em uma gramática de ordem SV rígida, e de ordem VS restrita. A ordem VS, que antes era influenciada por fatores funcionais, como o estatuto informacional do sujeito, passa a ser restrita a contextos gramaticais específicos, como o das construções inacusativas. Tendo em vista esse cenário, investigamos a mudança na posição do sujeito, buscando testar duas hipóteses: (i) a novidade do sujeito perde relevância como fator que favorece a posposição; e (ii) há a emergência de outras estratégias gramaticais para marcar o sujeito focalizado contrastivamente. Assim, apresentamos uma análise da mudança na posição do sujeito e os fatores que a influenciam - tanto gramaticais, como tipo de verbo, e discursivos, como o estatuto informacional do sujeito, seguindo Prince (1981). Em seguida, analisamos as consequências dessa mudança para a focalização, a partir da distinção entre sujeito que codifica informação nova e dada de sujeito focalizado ou não focalizado. Nossos resultados mostram que a ordem VS já não é influenciada principalmente pelo estatuto informacional, que é relevante quando em associação aos verbos inacusativos, e que, com a perda da VS, a clivagem emerge como estratégia para focalização, mas apenas na presença de contraste e exaustividade (ZUBIZARRETA, 1998; KISS, 1998).

Palavras-chave:
Estatuto informacional; Ordem VS; Clivagem; Focalização; Diacronia

ABSTRACT

In this paper, we discuss the relationship between subject informational status and its position in the sentence in Brazilian Portuguese (BP). For this purpose, we analyzed a group of personal letters which were written by Brazilians born in the nineteenth and the twentieth centuries, more specifically between 1800 and 1975, and which are part of the Corpus Histórico da Língua Portuguesa - Corpus Histling. Among the Generative theory framework, which is adopted here, several studies about word order in BP claim that it suffered changes concerning subject position, which lead to a grammar with fixed SV order and VS restricted to specific contexts, such as the inaccusative ones. This order had once suffered the influence of functional factors, as informational status. Taking this scenario into account, we analyze this change and test two hypothesis: (i) the fact of the subject being new is no longer the most important factor for subject postposition and; (ii) others grammatical strategies emerge to apply focus to the subject. Therefore, we present an analysis of the change in subject position and the elements that have impact on its position. These elements are both grammatical, as verb type, and discursive, as subject informational status, adopting Prince (1981). After this first moment, we analyze the consequences of such shift over focus strategies, based in the distinction of a subject which encodes new/old information and a subject which receives, or not, focus. Our results show that the informational status is not, currently, the main factor influencing VS order, but that it is relevant when associated with inaccusative verbs. Our results also show that, with VS restriction, cleft emerge as a strategy for focusing on the subject, but only when contrastiveness and exhaustivity are involved (ZUBIZARRETA, 1998; KISS, 1998).

Keywords:
Informational status; VS order; Clefts; Focus; Diachrony

Introdução

Neste trabalho, buscamos observar a relação entre a posição do sujeito e o estatuto informacional e a sua focalização com o objetivo de verificar como essa relação influencia na sua posição na sentença - pré-verbal, pós-verbal ou clivado - na história do Português Brasileiro, em um corpus de cartas pessoais escritas por brasileiros nascidos entre 1800 e 1975, que compõem o Corpus Histórico da Língua Portuguesa - Corpus HistLing1. Para tanto, retomamos os resultados das dissertações de mestrado de Cruz (2020CRUZ, Anna Beatriz Cavalcante de Melo da. Os efeitos da restrição à ordem VS no PB: estratégias gramaticais de focalização. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.) e Machado (2020MACHADO, Anna Lyssa do Nascimento Donato. A diacronia da ordem VS no PB: estatuto informacional e outros fatores condicionadores. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.) e procuramos estabelecer um diálogo entre ambas, partindo de um ponto em comum: a ideia de que o PB passou por um processo de mudança linguística, que restringiu a ordem Verbo-Sujeito (VS) a contextos específicos, ordem essa antes disponível para indicar sujeitos com maior grau de novidade e também sujeitos focalizados.

O artigo está organizado da seguinte forma: na seção “De onde partimos”, apresentamos um breve panorama sobre a ordem dos constituintes no PB, mostrando as peculiaridades da ordem VS; na seção “Sobre o estatuto informacional e a focalização no Português” discutimos a questão do estatuto informacional (a novidade do referente sujeito) e da focalização do sujeito relacionada com as estruturas de VS e clivagem do sujeito. Estabelecida essa diferença essencial para o tema, apresentamos os resultados obtidos por nossos trabalhos anteriores, devidamente contextualizados, e por fim apresentamos as considerações finais.

De onde partimos

O PB atual é classificado como uma língua que apresenta ordem Sujeito-Verbo (SV) bastante rígida, em que outras configurações de ordem, como a Verbo-Sujeito (VS), são menos usuais. A atual situação do PB é comprovada por diversos estudos de natureza sincrônica e diacrônica, que mostram que a ordem VS se torna menos frequente ao longo do tempo e, mais do que isso, que ela se torna restrita a contextos específicos (COELHO, 2000COELHO, Izete L. A ordem V DP em construções monoargumentais: uma restrição sintático-semântica. 2000. 245f. Tese (Doutorado em Linguística) - Pós-graduação em Letras/Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.; KATO et al., 2006KATO, Mary et al. Português brasileiro no fim do século XIX e na virada do milênio. In: CARDOSO, Suzana Alice; MOTA, Jacyra. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (org.). Quinhentos anos de história lingüística do Brasil. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 2006. p. 413-438.; PILATI, 2006PILATI, Eloisa. Aspectos sintáticos e semânticos da ordem verbo-sujeito no português. 2006. 242 f. Tese (Doutorado em Linguística) - Instituto de Letras, Departamento de Linguística, Línguas Clássicas e Vernáculas, Universidade de Brasília, Brasília, 2006., entre outros).

Outra questão levantada por estudos sobre a ordem dos constituintes no PB é a mudança que ocorre nos fatores condicionadores da ordem VS. Em uma análise dessa ordem em textos produzidos entre os séculos XVIII e XX, Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ), por exemplo, aponta que um fator considerado relevante para a ordem VS no século XVIII seria o estatuto informacional do sujeito. Dessa forma, sujeitos com maior grau de novidade teriam mais chance de aparecerem em posição pós-verbal do que aqueles com menor grau de novidade, já que é essa a posição de maior destaque na sentença. Com a passagem do tempo, no entanto, esse fator perderia relevância, e outros, como a transitividade verbal, tomariam o seu lugar.

Discutindo a influência do tipo de verbo na ordem VS, Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ) também aponta que há uma diminuição muito significativa na frequência dessa ordem com diferentes tipos de verbo, especialmente os transitivos, como vemos na tabela 1.

Tabela 1:
VS e transitividade verbal por período

É observada, então, uma diminuição da ordem VS com todos os tipos verbais, com exceção da VS com verbos intransitivos, existenciais ou não. A autora aponta que isso ocorre porque, com verbos pluriargumentais, como os transitivos, há probabilidade de o sujeito ser interpretado como tendo outra função sintática - como a de objeto -quando pós-verbal. Desse modo, haveria mais chances da ordem VS com verbos monoargumentais, ou seja, com os intransitivos. Logo, a ordem VS apresentaria uma restrição de monoargumentalidade. É importante destacar que esse comportamento já havia sido apontado por Lira (1986LIRA, Solange. Subject postposition in Portuguese. DELTA, v. 2, n. 1, p. 17-36, 1986.), que mostrou que a VS era mais produtiva com verbos intransitivos como chegar, acontecer, sair e vir, verbos que, como os intransitivos de Berlinck, seriam classificados como inacusativos dentro do quadro teórico gerativista.

Ao analisar justamente esses contextos monoargumentais, apontados como os favorecedores de VS, Coelho (2000COELHO, Izete L. A ordem V DP em construções monoargumentais: uma restrição sintático-semântica. 2000. 245f. Tese (Doutorado em Linguística) - Pós-graduação em Letras/Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.) vai além e propõe que, mais do que uma restrição de monoargumentalidade, há, na ordem VS, uma restrição de inacusatividade, termo proposto por ela; ou seja, como mostram os trabalhos de Coelho (2000COELHO, Izete L. A ordem V DP em construções monoargumentais: uma restrição sintático-semântica. 2000. 245f. Tese (Doutorado em Linguística) - Pós-graduação em Letras/Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000.), e de outros autores, a ordem VS estaria limitada aos contextos em que há verbo inacusativo e não um verbo intransitivo propriamente dito2 2 A hipótese inacusativa é proposta pela primeira vez por Perlmutter (1978) e foi incorporada ao quadro gerativista por Burzio (1986), que a denomina “hipótese ergativa”. Esses autores observaram que há verbos intransitivos cujo único argumento apresenta comportamento de objeto e não de sujeito; desse modo, esses verbos foram diferenciados dos intransitivos propriamente ditos. Há, então, entre os verbos monoargumentais, dois tipos: os intransitivos (também chamados de inergativos) e os inacusativos (também chamados de ergativos). Os verbos intransitivos selecionam um argumento externo que apresenta papel temático de agente e/ou experienciador, ao passo que o argumento dos verbos inacusativos, além de ser gerado na posição de argumento interno, possui papel temático de tema e/ou paciente. Há diversos tipos de verbos inacusativos, como os de alçamento e os existenciais, além dos verbos inacusativos que selecionam um DP como argumento interno. Para mais sobre o assunto, veja-se Duarte (2003). . Tais verbos seriam inclusive denominados de forma diferente, sendo os últimos chamados agora de inergativos, por conta da generalização de Burzio (1986BURZIO, Luigi. Italian Syntax: a government-binding approach. Dordrecht: Reidel Publish Company, 1986.). Essa proposta é endossada pelos resultados da autora, replicados na tabela 2:

Tabela 2:
Frequência de VS em contextos monoargumentais

Fica, portanto, nítida a maior produtividade de VS em contexto inacusativo sobre o inergativo, uma vez que o primeiro apresenta índice muito significativo, de 40%, enquanto o segundo apresenta um índice baixíssimo, de apenas 3%. Não basta, como podemos ver, um contexto monoargumental para motivar a ocorrência de VS; esse contexto monoargumental precisa ser de natureza inacusativa.

Vemos, com o percurso apresentado, que o PB passou por um processo de mudança, que não só diminuiu a frequência de VS, tornando SV cada vez mais produtiva, a ordem padrão da língua, como também restringiu tal ordem a um contexto bastante específico, o inacusativo.

Sobre o estatuto informacionale a focalização no Português

Há muito se discute a relação existente entre a posição dos constituintes e a estrutura informacional da sentença. A discussão de Ward e Birner (2006WARD, Gregory.; BIRNER, Betty. Information structure and non-canonical syntax. In: HORN, Laurence; WARD, Gregory. (ed.). The handbook of pragmatics. Oxford: Blackwell Publishing, 2006. p. 153-174.), por exemplo, aponta que um dos fatores mais relevantes para a coerência de um determinado discurso é a existência de elos que liguem o enunciado ao contexto anterior a ele. Esses elos auxiliam o processamento do discurso quando permitem que o ouvinte consiga estabelecer uma correferência entre as entidades nele presentes.

Para dar conta desse processamento, os falantes poderiam recorrer a construções sintáticas não canônicas para indicar o estatuto informacional dos constituintes. Além disso, Ward e Birner (2006WARD, Gregory.; BIRNER, Betty. Information structure and non-canonical syntax. In: HORN, Laurence; WARD, Gregory. (ed.). The handbook of pragmatics. Oxford: Blackwell Publishing, 2006. p. 153-174.) também propõem que muitas línguas apresentam a tendência de estruturar o discurso na base da oposição entre novo e dado. Assim, em línguas que apresentam ordem SV, aquelas informações consideradas dadas para o ouvinte tenderiam a aparecer em posição anterior àquelas que são consideradas novas. Com isso, acreditamos que, no português, uma das construções possíveis para a preservação da oposição novo e dado seria a ordem VS, em que o sujeito, quando novo, ocuparia uma posição menos comum a ele, a pós-verbal.

É a essa conclusão a que chega também Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ), a partir de sua análise de quatro categorias para o estatuto informacional do sujeito: novo, inferível, dado em sentença não-imediatamente anterior e dado em sentença imediatamente anterior. Os resultados obtidos pela autora são os seguintes:

Tabela 3:
VS e estatuto informacional por período

De fato, VS é mais frequente quando o sujeito apresenta maior grau de novidade, não apenas no século XVIII, em que esse fator é apontado como o mais relevante para tal ordem, como também nos outros dois períodos. Apesar disso, todos os índices diminuem conforme o tempo passa, ainda que os índices de VS com sujeitos novos se mantenham os mais altos. Essa seria uma consequência da mudança que Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ) já havia apontado.

Ainda no debate do estatuto informacional, destacamos o trabalho de Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter. (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255.), cuja proposta de categorização é adotada para a análise dos dados na seção “A relação entre VS e estatuto informacional do sujeito: resultados sobre a restrição de VS”. A autora elabora uma discussão acerca da problemática do estatuto informacional e a forma com que as informações são transmitidas linguisticamente. Motivada pela inadequação de categorizações anteriores e por termos como “conhecimento compartilhado”, Prince propõe assumir o termo “familiaridade assumida”. Sua principal questão seria:

Do ponto de vista do falante/escritor, que tipos de suposições acerca do ouvinte/leitor têm influência sobre a forma com que o texto está sendo produzido? Quando essa forma não é determinada exclusivamente pela informação ‘objetiva’ que falante/escritor está tentando transmitir? Do ponto de vista do ouvinte/leitor, que inferências serão feitas com base na forma específica escolhida? Portanto, NÃO estamos interessados no que o indivíduo pode saber ou supor sobre as crenças do outro A NÃO SER na medida em que esse conhecimento e essas suposições afetam as formas e a compreensão das produções LINGUÍSTICAS. (PRINCE, 1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter. (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255., p. 233, tradução nossa)

Dessa forma, mesmo que a questão da relação entre o estatuto informacional e a forma de transmissão das informações esbarre em outras, como conhecimento e raciocínio, o problema é, em primeiro lugar, um problema linguístico. A solução incluiria uma taxonomia das formas linguísticas, morfológicas e sintáticas, uma taxonomia dos valores da familiaridade assumida e uma descrição da correlação entre ambas. A proposta oferecida pela autora então incluiria três grandes categorias e suas respectivas subcategorias: novo, subdividida em disponível, (completamente) novo e novo ancorado; inferível, subdividida em inferível e inferível contido; evocado, dividido em evocado textualmente ou evocado situacionalmente. Tais categorias serão retomadas e explicadas, a partir de dados do corpus, na seção intitulada “A relação entre VS e estatuto informacional do sujeito: resultados sobre a restrição de VS”.

Um texto, oral ou escrito, seria, no raciocínio de Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter. (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255.), como uma receita culinária. Assim como o autor da receita procura dar as instruções para a preparação adequada de um prato, o texto também seria um conjunto de instruções, oferecidas pelo falante/ouvinte, sobre como construir um modelo discursivo, que inclui os referentes do discurso, representados por sintagmas no texto.

A discussão acerca da correlação entre ordem dos constituintes e estatuto informacional passa não só pelo contraste entre novo e dado, mas também pela focalização do sujeito. O estudo comparativo das sentenças declarativas do PB e do Português Europeu (PE) de Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.), por exemplo, mostra que a marcação do foco nessas duas línguas está condicionada às suas características sintáticas3 3 Vale mencionar que consideramos PE e PB como duas línguas diferentes, porque estamos lidando com o conceito de Língua-I da Teoria Gerativa. Nas palavras de Galves (1998:80): “Duas Línguas-I serão consideradas diferentes se contêm na sua parametrização pelo menos um parâmetro fixado diferentemente. Quando isso ocorre, não só as duas gramáticas produzem enunciados diferentes, mas também atribuem a enunciados superficialmente idênticos (por exemplo no arranjo dos constituintes) estruturas diferentes”. Tendo em vista os inúmeros trabalhos que têm sido desenvolvidos no quadro teórico gerativista, e da sociolinguística paramétrica, podemos dizer que PB e PE constituem línguas diferentes. . O PE, por ser uma gramática que admite inversão do sujeito, pode fazer uso de tal estratégia para marcar o sujeito focalizado. Por outro lado, no PB, por apresentar ordem SV rígida e VS restrita, o sujeito focalizado permanece in situ ou o foco é marcado por uma estrutura compatível com a ordem SVO, como a clivagem.

Além do aspecto estrutural, é importante destacar a noção de foco que Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.) adotam e quais tipos de foco reconhecem, uma vez que a discussão agora não é somente sobre o grau de novidade da informação veiculada pelo constituinte. Kato e Martins assumem a noção clássica de foco, como a parte não-pressuposta da sentença, e consideram para a análise a distinção em dois tipos de foco: o foco informacional e o foco contrastivo. O foco informacional, exemplificado em (1), corresponde à parte não pressuposta da sentença. No diálogo entre A e B, a parte não pressuposta da resposta de B corresponde ao elemento que preenche a variável aberta ‘quem’ da pergunta de A. Logo, Maria é o foco informacional por ser a porção não pressuposta da sentença de B.

(1) A: Quem consertou o brinquedo?

B: [A Maria]Foco [consertou o brinquedo]PRESSUPOSIÇÃO.

O foco contrastivo corresponde à parte não pressuposta da sentença que tem caráter de correção em relação a uma declaração pressuposta do discurso prévio. Vejamos o exemplo em (2). O foco, isto é, parte não pressuposta de B, é ‘o Pedro’, informação que corrige a declaração que Maria teria consertado o brinquedo.

(2) A: Maria consertou o brinquedo?

B: [O Pedro]FOCO [consertou o brinquedo]PRESSUPOSIÇÃO (não a Maria).

Tendo em vista as características das gramáticas do PB e do PE, Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.) chegam a generalizações sobre como seria a marcação gramatical do foco no sujeito nessas línguas. No PE, o foco informacional seria marcado pela inversão do sujeito, de modo que o constituinte focalizado coincida com a posição na qual recai o acento nuclear sentencial. Já no PB, língua que apresenta inversão restrita a verbos inacusativos, o foco informacional é marcado por uma clivada.

(3) A: Quem consertou o brinquedo?

B: Consertou o brinquedo [o Pedro]F (PE/PB*)

B’: Foi [o Pedro]F (que consertou o brinquedo) (PB/PE)

Em se tratando de foco contrastivo, as autoras entendem que o foco ocuparia a posição mais proeminente, na periferia esquerda da sentença nas duas línguas. Então, tanto no PB quanto no PE, a ordem SV(X)4 4 Na representação SV(X), consideramos como X qualquer sintagma que possa ser um complemento ou adjunto e que pode ou não aparecer. O importante é o que o sujeito é pré-verbal. , como a observada em (2B), pode estar relacionada a um sujeito focalizado contrastivamente. Se considerarmos que, no caso do PB, tanto o foco informacional quanto o foco contrastivo podem ser associados a uma ordem SV, as sentenças declarativas podem ser ambíguas quanto à interpretação de foco, como bem apontam Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.). Para evitar a ambiguidade, ou o contexto está bem definido, como as autoras consideram, ou, por hipótese, se daria preferência a outra estratégia mais marcada para focalização. No entanto, as autoras mostram que a clivagem, por exemplo, pode marcar foco informacional e também foco contrastivo no PB e, considerando isso, podemos concluir que a estrutura não resolveria a questão da ambiguidade.

Outro trabalho que busca investigar a relação entre as estruturas de foco e a natureza das gramáticas do PB e do PE é o estudo de peças teatrais portuguesas e brasileiras, escritas nos séculos XIX e XX, desenvolvido por Cavalcante, Duarte e Nicolau de Paula (2019CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira; DUARTE, Maria Eugênia; NICOLAU DE PAULA, Mayara. Estruturas de focalização em peças portuguesas e brasileiras. In: CARRILHO, Ernestina et al. (org.). Estudos linguísticos e filológicos oferecidos a Ivo Castro. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2019. p. 445-460.). As autoras partem da mudança na posição do sujeito no PB, já atestada na literatura, para argumentar que há uma diferença nas estruturas de foco do PB e do PE. Para demonstrar tal diferença, observam o percentual de ordem VS e sujeitos clivados ao longo dos séculos. Atestam que, no PB, a frequência de VS diminui significativamente, partindo de 73% na segunda metade do século XIX a 7% no final do século XX; por outro lado, a frequência de clivagens de sujeito também aumenta nesses mesmos períodos, passando de 27% a 93%. Esses resultados são interessantes, principalmente se os compararmos com os índices observados no PE. As autoras atestam que no PE a diminuição da frequência de VS não é tão expressiva - de 91% a 51% - e o aumento de sujeitos clivados também é inferior ao observado no PB no mesmo período - de 9% a 49%.

Com base nesses resultados, Cavalcante, Duarte e Nicolau de Paula (2019CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira; DUARTE, Maria Eugênia; NICOLAU DE PAULA, Mayara. Estruturas de focalização em peças portuguesas e brasileiras. In: CARRILHO, Ernestina et al. (org.). Estudos linguísticos e filológicos oferecidos a Ivo Castro. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2019. p. 445-460.) sugerem que a focalização do sujeito no PB seria por clivagem, enquanto no PE ainda se admite focalizar o sujeito via VS e via clivagem. Além de observar as frequências, as autoras observaram também a interpretação focal associada às estruturas nas duas línguas, ao controlar se o sujeito codifica foco informacional ou foco contrastivo. No PE, o foco informacional é marcado majoritariamente por VS, e o foco contrastivo, por clivada. Nesse sentido, conclui-se que nessa língua o sujeito posposto e o sujeito clivado não são interpretados da mesma forma no que diz respeito ao foco. Em contrapartida, no PB, assim como Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.) constatam uma ambiguidade relacionada à ordem SV, Cavalcante, Duarte e Nicolau de Paula (2019CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira; DUARTE, Maria Eugênia; NICOLAU DE PAULA, Mayara. Estruturas de focalização em peças portuguesas e brasileiras. In: CARRILHO, Ernestina et al. (org.). Estudos linguísticos e filológicos oferecidos a Ivo Castro. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2019. p. 445-460.) a atestam relacionada à clivagem. Vejamos o gráfico abaixo:

Gráfico 1:
%Clivada (em relação a VS) em peças brasileiras. FI = foco informacional; FC = foco contrastivo.

Nota-se que, até o século XIX, a ordem VS parece estar mais associada ao foco informacional, e os índices de clivagem mais altos são observados em sujeitos focalizados contrastivamente. No entanto, a virada do século aparentemente marca uma mudança na interpretação das estruturas de foco. Já no primeiro quartel do século XX, a clivagem se torna a principal estratégia de focalização no PB, seja para indicar foco informacional, seja para indicar foco contrastivo, como bem ilustram os altos índices, que vão de 78% a 100%. A partir desses resultados, Cavalcante, Duarte e Nicolau de Paula (2019CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira; DUARTE, Maria Eugênia; NICOLAU DE PAULA, Mayara. Estruturas de focalização em peças portuguesas e brasileiras. In: CARRILHO, Ernestina et al. (org.). Estudos linguísticos e filológicos oferecidos a Ivo Castro. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2019. p. 445-460.) argumentam que o PB adota a clivagem como estratégia para marcar o sujeito focalizado, independentemente do tipo de foco, como uma consequência da perda de ordem VS ao longo do tempo; isto é, a ordem VS é substituída pela clivagem para cumprir tal função.

Os trabalhos cotejados até então nos permitem levantar questões que buscaremos discutir neste artigo. Considerando as restrições de VS no PB, em que o mais importante é o tipo de verbo envolvido na construção, nossa questão é: como ficariam os sujeitos considerados novos, em termos de estatuto informacional, e como ficaria a codificação do foco no sujeito? Que construções assumiriam os papéis antes assumidos por ordem VS? As construções de foco do PB seriam ambíguas?

A relação entre VS e estatuto informacional do sujeito: resultados sobre a restrição de VS

Retomamos aqui a discussão de Machado (2020MACHADO, Anna Lyssa do Nascimento Donato. A diacronia da ordem VS no PB: estatuto informacional e outros fatores condicionadores. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.) e utilizamos um corpus formado por cartas escritas por brasileiros nascidos entre os séculos XIX e XX. Essas cartas, trocadas entre familiares e amigos, fazem parte do acervo de diferentes famílias e são essenciais para o trabalho, uma vez que nos dá acesso a períodos anteriores da história do Português, favorecendo o estudo da mudança na ordem. Além disso, os documentos usados são, em sua maioria, parte do acervo de famílias ilustres, o que também nos oferece outras informações importantes, como o ano de nascimento dos escreventes.

Controlar o período de tempo pela data de nascimento do missivista é importante para nós por considerarmos, dentro do modelo de mudança da Teoria Gerativa, que a mudança linguística se dá quando há duas gramáticas distintas em jogo, não sendo possível ocorrer mudança dentro de uma mesma gramática (KROCH, 1989KROCH, Anthony. Reflexes of grammar in patterns of language change. Language variation and change, v. 1, n. 3, p. 199-244, 1989. ; GALVES, KROCH, 2016GALVES, Charlotte; KROCH, Anthony. Main syntactic changes from a Principles and Parameters view. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons, 2016. p. 487-503.). A distinção é oriunda de uma diferença entre a marcação de um dado parâmetro nas gramáticas consideradas, o que constitui a mudança. Os reflexos da mudança, no entanto, não são imediatos e pode levar gerações para que a gramática com a nova marcação se estabeleça completamente, considerando, em especial, o modelo de competição de gramáticas. Por isso, consideramos gerações de falantes de modo a tentar observar a passagem de uma configuração gramatical a outra. Consideramos então, no estudo sobre o estatuto informacional e a posição do sujeito, sete períodos de nascimento, que levam em conta um intervalo de 25 anos, o que acreditamos ser suficiente para compreender a passagem das gerações.5 5 Essa discussão acerca do intervalo considerado e da passagem de uma geração à outra ultrapassa os limites do presente trabalho. Para uma abordagem mais profunda sobre essa questão, conferir Machado (2020). Desse modo, os períodos analisados vão de 1801 a 1975.

Além dos períodos de nascimento, para que seja possível uma análise diacrônica da posição do sujeito, se anteposto, em SV, ou posposto, em VS, também controlamos outros fatores considerados relevantes, especialmente para VS. Dentre eles, destacamos o tipo de verbo e o estatuto informacional do sujeito6 6 Outros fatores também controlados, como tipo de sentença, forma e animacidade do sujeito, fogem do escopo deste trabalho. .

Para o primeiro fator, foram considerados verbos transitivos, predicativos, de cópula, passivas analíticas, inergativos e inacusativos. Assim, seria possível verificar a influência principalmente dos inacusativos sobre a ordem VS, uma influência que tenderia a aumentar ao longo do tempo, enquanto que a dos outros tipos de verbo diminuiria. Já para a análise do estatuto informacional, nos baseamos na taxonomia proposta por Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter. (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255.), que inclui as grandes categorias novo, inferível e evocado. A proposta, mencionada na seção “Sobre o estatuto informacional e a focalização no Português”, é explicada brevemente a seguir e ilustrada com exemplos do corpus7 7 Por serem dados de textos escritos em séculos anteriores, é possível que haja uma ortografia distinta da atual ou mesmo desvios ortográficos. Optamos por manter a ortografia original. .

Ao introduzirmos pela primeira vez uma entidade no discurso, ela é considerada nova. Caso haja necessidade de “criação”, por parte do ouvinte/leitor8 8 Manteremos apenas referência a leitor, a partir desse momento, por se tratar de um estudo baseado em um corpus escrito. A classificação, no entanto, se aplica à fala e à escrita. dessa entidade em seu acervo mental, ela é classificada como (completamente) nova. Se essa entidade já está presente nesse inventário e só precisa ser “ativada”, é considerada disponível e, por último, se a entidade nova apresentar alguma ligação linguística com outra entidade do discurso, ela é considerada nova ancorada. Seguem abaixo exemplos dessas categorias, em ordem de menção:

- Hontem para ahi seguiu uma caminha de feres com grades lateraes e colxão para a Roza Maria. (Corpus Histling, nascido entre 1826-1850)

- Quero crer que Nossa Senhora fará o Milagre pois és temente a Deus assim como teu pae e tua maĩ (Corpus Histling, nascido entre 1851-1875)

- A filha do Paulino virá a Paris no fim de julho (Corpus Histling, nascido entre 1926-1950)

As entidades denominadas evocadas são as que já estão presentes no discurso ou mesmo estão em pauta. No caso dela já ter sido evocada antes, de forma textual, quando era nova ou inferível, pelo leitor, instruído pelo escritor, essa entidade é classificada como evocada textualmente. Se ela pode ser evocada pelo leitor, sem necessidade de instruções do escritor, por conta de razões situacionais, essa mesma entidade é considerada evocada situacionalmente. É o caso de participantes do discurso, elementos do contexto ou o próprio texto. Vejamos a seguir os exemplos do corpus:

(4) Disse-me ela que êle é muito magrinho (Corpus Histling, nascido entre 1876-1900)

(5) Vão estas linhas para comunicar-lhe a noticia, que recebi hoje, da sahida de Amalia da Bahia para o Recife. (Corpus Histling, nascido entre 1876-1900)

As últimas entidades controladas são as classificadas como inferíveis, de identificação e categorização mais complexa, uma vez que deixam dúvidas, como Prince aponta, se se aproximam mais das entidades novas ou das evocadas. Quando determinada entidade pode ser inferida pelo leitor por meio de outras já presentes no discurso, ela será considerada inferível. Há também aquelas entidades que contêm inferível, quando a entidade inferível está contida no próprio sintagma inferível. Abaixo podemos ver exemplos das duas naturezas.

(6) A missa foi celebrada pelo Arcebispo D. Alberto Ramos. A igreja estava toda decorada e lotada de pessôas amigas e parentes. (Corpus Histling, nascido entre 1876-1901-1925)

(7) Uma das minhas alumnas cujo coração é realmente delicado ideou presentear-me com este mimo para escrever aos meus irmãos... (Corpus Histling, nascido entre 1876-1900)

Essas são, portanto, as categorias utilizadas para o estudo da relação entre estatuto informacional do sujeito e sua posição na sentença.

Partindo da proposta de que o PB passou por uma mudança em direção a ordem VS mais restrita, apresentamos, primeiramente, os resultados para as ordens SV e VS ao longo do tempo. Essa mudança, por sua vez, tem impacto na codificação do estatuto informacional e da focalização de constituintes na sentença, como vamos ver.

Gráfico 2:
Ordem VS e VS ao longo do tempo

Analisando o gráfico acima, observamos que há uma preferência maior por SV, em detrimento de VS, ao longo do tempo. Se compararmos especificamente os dados dos nascidos no primeiro e no último períodos, podemos verificar que aqueles apresentavam um índice de 21% de VS, enquanto que estes apresentavam um índice de apenas 7%, três vezes menor. Esse resultado vai ao encontro do apontado por outros autores, que atestam a rigidez de SV e a restrição de VS a contextos específicos, a saber, os inacusativos. Vejamos agora justamente o comportamento dessa ordem com verbos dessa e de outras naturezas para verificar como essa restrição se dá.

Gráfico 3:
Ordem VS e tipo de verbo ao longo do tempo.

Em relação aos tipos de verbo, podemos ver que a ordem VS é produtiva com verbos de todos os tipos, inclusive transitivos e inergativos, nos dados dos nascidos no primeiro período. Os verbos inacusativos, no entanto, são os que apresentam maior índice de VS, não só nos dados desse grupo de falantes, mas em todos os outros. Tal resultado mostra que, para os falantes do primeiro período, ainda não havia de fato restrição de VS, ainda que houvesse, desde sempre, maior produtividade da ordem VS inacusativa. Esse cenário muda conforme o avanço do tempo, já que a ordem VS com verbos de outros tipos fica cada vez menos produtiva, chegando até a desaparecer com os verbos inergativos.

Com base nas questões levantadas por Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ), analisamos também a influência do estatuto informacional do sujeito sobre sua posição na sentença. Por hipótese, um sujeito considerado novo, pela taxonomia adotada aqui, a de Prince (1981PRINCE, Ellen. Toward a taxonomy of given-new information. In: COLE, Peter. (ed.). Radical pragmatics. New York: Academic Press, 1981. p. 223-255.), seria posposto ao verbo com mais frequência, especialmente nos dados dos nascidos nos primeiros períodos controlados, do que os com outras classificações. Com a restrição já comprovada de VS, essa influência seria perdida com o tempo. Vejamos os resultados a seguir:

Gráfico 4:
Ordem VS e estatuto informacional ao longo do tempo.

Primeiramente, os índices de VS com sujeitos das três categorias controladas são maiores nos dados dos nascidos no período 1 do que nos dos nascidos no último. Isso era esperado, uma vez que já verificamos a diminuição, em geral, de VS. Além disso, os resultados ainda apontam para uma determinada influência do estatuto informacional do sujeito sobre a sua posição independente do período de nascimento, já que os índices de VS com sujeitos novos são maiores em todos os períodos, o que não era esperado. Não só isso, a diferença entre o índice de VS com sujeitos novos e evocados parece significativa.

A fim de confirmar o que está por trás desse resultado, optamos por realizar um cruzamento entre nossos dois fatores de interesse: o estatuto informacional e o tipo de verbo. O resultado pode ser visto na tabela 4.

Tabela 4:
Estatuto informacional e tipo de verbo ao longo do tempo

A partir da análise desse resultado, verificamos que, em geral, sujeitos novos aparecem em ordem VS com mais frequência que os evocados e inferíveis, independentemente do tipo de verbo, nos dados dos nascidos entre os períodos 1 e 4. No entanto, olhando os resultados de forma mais criteriosa, observamos que os sujeitos novos são mais frequentes especialmente com verbos inacusativos, em todos os períodos. O que esse comportamento parece indicar é que, desde os nascidos nos primeiros períodos, o fato de o verbo ser inacusativo é importante para que o sujeito apareça em posição pós-verbal. A partir dos dados dos nascidos no período 4, os sujeitos novos são menos frequentes com verbos variados, mas se mantêm de forma significativa com os inacusativos. O fato de haver manutenção dos índices de VS mais altos com sujeitos novos pode ser um indício que o estatuto ainda é relevante, mas que essa relevância é bastante diminuída quando envolve outros verbos que não os inacusativos. Assim, nossos resultados se alinham aos de Berlinck (1989BERLINCK, Rosane de A. A construção V SN no Português do Brasil: uma visão diacrônica do fenômeno da ordem. In: TARALLO, Fernando. Fotografias Sociolingüísticas. Campinas: Pontes, 1989. p. 95-112. ), que propõe a associação do estatuto informacional a fatores mais relevantes para VS, como o tipo de verbo. Assim, o estatuto informacional não é mais suficiente para desencadear essa ordem.

Os efeitos da mudança na focalização

Os resultados apresentados na seção acima sinalizam que o estatuto informacional do sujeito, se novo ou dado, não seria um fator suficiente para favorecer a posposição do sujeito, uma vez que o fator que prevalece é o verbo ser inacusativo. Além de discutir a mudança nos fatores que favorecem a ordem VS, objetivamos analisar de que forma tal mudança atinge as estratégias gramaticais usadas para marcar sujeito focalizado. Para tanto, analisamos as construções de SV, VS e clivagem de sujeito em sentenças matrizes das cartas, buscando verificar a informação focal associada ao sujeito e se há, de fato, uma especialização das estratégias de foco. Antes de apresentarmos detalhadamente a metodologia e os resultados do trabalho de Cruz (2020CRUZ, Anna Beatriz Cavalcante de Melo da. Os efeitos da restrição à ordem VS no PB: estratégias gramaticais de focalização. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.), é importante fazermos algumas considerações sobre a noção de foco.

Nos trabalhos que analisam a relação da ordem e o estatuto informacional do sujeito, as noções de estatuto informacional e foco, por muitas vezes, se sobrepõem. A articulação foco e pressuposição e a relação entre informação nova e informação dada são postas em paralelo, isto é, por vezes entende-se que o foco é necessariamente uma informação nova, e pressuposição, uma informação dada. No entanto, trazemos exemplos, um da amostra analisada neste trabalho, para ilustrar que são concepções distintas. No diálogo hipotético a seguir, mostramos que o foco de uma sentença pode corresponder a uma informação dada do ponto de vista discursivo.

(8) [Contexto: A e B estão conversando sobre dois amigos da faculdade: André e Daniel]

A: Quem não entregou o trabalho a tempo, André ou Daniel?

B: O DANIEL (não entregou o trabalho a tempo).

Pressuposição: x não entregou o trabalho a tempo.

Foco: Daniel

Notemos que, no diálogo entre A e B, a pergunta realizada por A deixa uma variável em aberto, conteúdo não pressuposto, para a resposta de B (quem) e já direciona as duas informações que possivelmente podem corresponder a essa variável (André ou Daniel). A partir da pergunta, pressupõe-se que, entre André e Daniel, alguém não entregou o trabalho a tempo. Na resposta de B, temos a confirmação de que o conteúdo não pressuposto, o foco da sentença, é Daniel, uma informação dada discursivamente. Temos, portanto, um exemplo de que o foco de uma sentença não será necessariamente uma informação nova, uma vez que Daniel é o foco da sentença e uma informação dada. O próximo exemplo foi retirado de uma carta analisada neste trabalho. O pai dá à sua filha instruções sobre como plantar batatas. Ele afirma que ela irá observar “uns caroçinhos” e é justamente “dali” que começará a brotar.

(9) Para fazer brotar a batata: você repara que a batata tem uns caroçinhos.

(10) [F Dalí] é que vai sair o broto. (Corpus Histling,nascido entre XX)

É interessante observar que o “dali” é um constituinte clivado que corresponde ao foco da sentença. Fica também evidente que tal elemento faz referência a “uns carocinhos”, informação que aparece no discurso prévio. Constitui, portanto, mais um exemplo de elemento focalizado que consiste em uma informação dada textualmente.

Tendo em vista essa importante distinção, optamos por seguir, nessa análise, a definição de foco proposta por Zubizarreta (1998ZUBIZARRETA, Maria Luiza. Prosody, focus and word order. Cambridge, MA: MIT Press, 1998.), que considera o foco como a parte não pressuposta da sentença, independentemente do estatuto de novo ou dado dessa porção. Assumimos também a noção de contrastividade, da qual a autora se utiliza para distinguir dois tipos de foco: o foco não-contrastivo e o foco contrastivo. Vejamos o exemplo hipotético, abaixo.

(11) A: O que Maria comeu?

B: Maria comeu [F maçã]

Pressuposição: Maria comeu alguma coisa.

Foco: maçã

No contexto de foco contrastivo, a informação não pressuposta apresenta um papel duplo: além de negar uma informação introduzida no discurso prévio, atribui um novo valor a essa variável. Consideremos que, após a fala de B observada no exemplo acima, um terceiro participante conteste sua resposta com a réplica observada em (11). A informação “uva”, além de negar que a Maria tenha comido maçã, atribui um novo valor à variável aberta na pergunta de A, “o que”.

(12) C: Maria comeu [F uva] (não maçã)

Consideramos também a noção de exaustividade, na qual Kiss (1998KISS, Katalin. Identificational focus versus information focus. Language, v. 74, n. 2, p. 245-273, 1998.) se baseou para distinguir tipos de foco em sua análise do inglês e do húngaro. A autora assume dois tipos de foco, o identificacional e o informacional. O foco é identificacional quando o elemento focalizado representa um item de leitura exaustiva, isto é x e somente x, dentre um grupo de elementos contextual ou situacionalmente dados que poderiam ser válidos como resposta para a variável da pressuposição. Por outro lado, quando o foco corresponde à informação não pressuposta sem estar associada a uma leitura de identificação exaustiva, o foco é informacional. Contrastemos os exemplos em (12) e (13).

(13) A: O que Tolstoi escreveu?

B: Tolstoi escreveu [F Guerra e Paz].

(14) A: Quem escreveu Guerra e Paz?

B: Foi [F Tolstoi] que escreveu Guerra e Paz.

No exemplo em (12), “Guerra e Paz” não consiste em uma resposta de identificação exaustiva, uma vez que seria possível atribuir outras obras de autoria de Tolstoi, como Anna Karenina. Em (13), por outro lado, ainda que não esteja explícito contextualmente, a leitura de identificação exaustiva é confirmada pelo seguinte fato: Tolstoi, e não qualquer outro autor, escreveu Guerra e Paz.

Por ser nosso objetivo analisar não só o tipo de foco associado ao sujeito, mas também o seu estatuto informacional, controlamos nossos dados de sujeito com base em quatro categorias: (i) informação nova não-contrastiva/não-exaustiva; (ii) informação dada não-contrastiva/não-exaustiva; (iii) informação nova contrastiva/exaustiva e (iv) informação dada contrastiva/exaustiva. Notemos que, até a presente análise, optamos por não controlar separadamente os tipos de foco do sujeito, se associado à exaustividade ou à contrastividade, por uma razão metodológica pontual. Nesta análise, buscamos mostrar principalmente que os fatores estatuto informacional, novo ou dado, e focalização, sujeito focalizado ou não focalizado, se relacionam diferentemente à posição do sujeito em virtude da mudança ocorrida no PB.

Consideramos como uma informação nova não-exaustiva e/ou contrastiva as entidades que são mencionadas pela primeira vez no contexto da carta e não apresentam leitura de exaustividade e/ou contraste, como podemos observar no exemplo abaixo. O “Aragão” é uma informação nova no discurso e, pelo contexto da carta, não se depreende leitura de contraste ou exaustividade.

(15) Esteve no nosso camarote o Aragão, perguntou muito por ti e fallou em como havias de gostar dos discursos do Recife.” (Corpus Histling, nascido entre 1851-1900)

Na segunda categoria, em que o sujeito codifica informação dada não-contrastiva e/ou exaustiva, a entidade já foi mencionada anteriormente no contexto da carta, mas não há contraste e/ou exaustividade associados a ela, como podemos ver no exemplo abaixo.

(16) tem vindo aqui, Noemi e o Baptista. Quarta feira não fomos á casa de Sinhasinha pois tem chovido ag[ora to]rrencialmente, 3 dias e 2 noites sem parar. [...] Só esteve lá o Dr Barroso que convidou-os para um concerto muito intimo em casa delles, hoje domingo. Elles foram tambem a um concerto (por signal que não prestou) em casa do Imbassaluy[?]. (Corpus Histling, nascido entre 1851-1900)

A terceira categoria é a que chamamos de informação nova contrastiva e/ou exaustiva, na qual o sujeito, além de ser uma informação nova no contexto discursivo, apresenta leitura exaustiva e/ou contrastiva. No exemplo (16), o missivista identifica, dentre possíveis passeios, o da colina como o que mais o agrada; portanto, essa nova entidade discursiva é focalizada por apresentar exaustividade.

(17) Dentre os passeios é este da colina o que mais me agrada, ha porém varios outros interessantes, e até instructivos. (Corpus Histling, nascido entre 1851-1900)

Por fim, temos a categoria informação dada contrastiva/exaustiva, na qual um referente já mencionado no discurso prévio está focalizado na sentença e apresenta contraste e/ou exaustividade. Em (17), a missivista fala sobre sua rotina com Mom e Dad e deixa a informação implícita de que Mom normalmente assume a tarefa de cozinhar. Em sua ausência, essa tarefa passa a ser não dela, mas da missivista e de Dad (nós).

(18) Dad é uma pessoa maravilhosa, ele realmente se preocupa comigo, [...]. Quando geralmente Mon não está em casa à noite, ele sempre me telefona do serviço falando que vai chegar tarde, se não tenho muito que estudar, etc. Quando acontece de Mon sair, nós é que fazemos o nosso jantar. Sexta passada fizemos panquequas! (Corpus Histling, nascido entre 1950-1975)

Levamos em consideração essas quatro categorias para analisar, como já mencionado, construções de SV, VS e sujeito clivado em sentenças matrizes de cartas pessoais escritas entre os séculos XIX e XX. Por haver grande diferença no número de dados das construções SV em detrimento do número de VS e sujeitos clivados, preferimos definir quatro períodos de tempo com intervalos de 50 anos. É importante destacar também que, como nosso objetivo era observar o comportamento do sujeito focalizado, optamos por excluir da análise dados de sujeitos de verbos inacusativos, inversão locativa, expressões fixas da língua e também nos restringimos às sentenças matrizes. Ao eliminarmos esses contextos, conseguimos evitar que fatores gramaticais que comprovadamente influenciam a posição do sujeito enviesassem nossa análise. Na tabela 5, mostramos a distribuição geral, ao longo do tempo, dos dados de sujeito coletados.

Tabela 5:
Distribuição geral de dados (SV, VS, clivagem) por período de tempo

Podemos observar que a ordem SV, como esperado, é a construção mais frequente ao longo dos períodos, apresentando 82% entre 1801 e 1850, 92% no período entre 1851 e 1900, 91% entre 1901 e 1950 e, por fim, 96% entre 1951 e 1975. Em contrapartida, a frequência de ordem VS diminui ao longo dos anos, partindo de 14% no início do século XIX a 2% em meados do século XX, resultado também esperado em um cenário de restrição a VS ao longo do tempo. A produtividade de sujeitos clivados em todos os períodos é pouco expressiva, variando entre 2% e 6%. Observamos o tipo de foco associado ao sujeito, seguindo a categorização supracitada, com vistas a atestar possíveis mudanças nas estratégias de focalização ao longo do tempo e verificar se, de fato, há substituição de estratégias.

O gráfico acima mostra o tipo de construção - SV, VS ou sujeito clivado - por estatuto informacional ao longo do tempo. Ao olharmos para o período de 1801 a 1850, verificamos que a ordem SV é a mais produtiva em todos os contextos de foco, apresentando 83% e 87% em informação nova não-contrastiva e dada não-contrastiva, respectivamente; nos contextos que apresentam contrastividade, os índices foram de 55% para informação nova e 79% para informação dada. Os índices de VS flutuaram na faixa de 11% a 20%, sendo esse último verificado no contexto de informação nova contrastiva. Os sujeitos clivados apresentaram índices baixos, de 2% e 3%, quando o sujeito veicula informação dada e nova não-contrastiva; em sujeitos que veiculam informação dada contrastiva, o percentual foi de 7% e, quando veiculam informação nova contrastiva, 25%.

No intervalo entre 1851-1900, observamos um aumento na frequência de SV em contextos não-contrastivo - 94% para informação nova e 96% para informação dada. Em contrapartida, observamos que a frequência de ordem VS é ainda mais baixa em contextos não-contrastivos, como mostram os percentuais de 5% e 4%. Em sujeitos que veiculam contraste, a frequência de SV diminui expressivamente em contextos de informação nova, passando de 55% a 29%, ao passo que a frequência de clivagem nesse mesmo contexto aumenta, de 25% a 55%.

Gráfico 5:
Posição do sujeito (SV, VS, clivagem) por estatuto informacional ao longo do tempo.

Ao compararmos o primeiro período de tempo com o segundo, constatamos que (i) a ordem SV começa a se consolidar em contextos não-contrastivos e a perder cena em contextos contrastivos, (ii) que a produtividade de ordem VS, que já era baixa, diminui e, por último, (iii) que os sujeitos clivados associados à contrastividade começam a ser mais frequentes. No que diz respeito ao estatuto do sujeito, novo ou dado, notamos que a ordem VS é um pouco mais produtiva quando o sujeito veicula informação nova, ainda que os índices sejam baixos. A partir disso, podemos considerar que possivelmente esse fator, mesmo que não seja mais determinante, ainda tenha alguma influência na posição do sujeito, como aponta o trabalho de Machado (2020MACHADO, Anna Lyssa do Nascimento Donato. A diacronia da ordem VS no PB: estatuto informacional e outros fatores condicionadores. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.).

Na primeira metade do século XX, as tendências observadas nos contextos não-contrastivos se mantêm: índices de SV altos, acima de 90%, e índices de VS e clivagem baixos, entre 2% e 4%. Por outro lado, há diferenças importantes no que concerne à contrastividade. A produtividade de SV diminui no contexto de informação nova contrastiva - de 29% a 16% - e diminui expressivamente no contexto de informação dada contrastiva - de 81% a 10%. Apesar de um leve aumento, os índices de VS são semelhantes aos observados no período anterior. A clivagem se estabelece como estratégia para marcar o sujeito focalizado contrastivamente; nesse contexto, o aumento mais significativo é observado em sujeitos com estatuto de informação nova, que vai de 9% a 76%.

No último período de tempo analisado, observamos que, nas quatro categorias de estatuto informacional, os índices de VS são baixíssimos; essa construção parece resistir um pouco mais quando o sujeito codifica informação nova contrastiva, mas, ainda assim, o índice é de apenas 11%. Os índices de SV, como observado no período anterior, são altos em contextos não-contrastivos, 95% e 100%, e baixos em contextos contrastivos, apresentando apenas 22% e 13%. Os sujeitos clivados apresentam frequência praticamente nula em contextos não-contrastivos; em contrapartida, quando o sujeito veicula foco contrastivo, a clivagem é a construção mais frequente, independentemente de a informação ser nova ou dada.

A partir desses resultados, temos indícios de como se estrutura o padrão de marcação de foco do sujeito no século XX: a ordem SV é a preferencial na ausência de contraste e exaustividade; a ordem VS é pouco frequente de modo geral, porém apresenta índice um pouco mais alto quando o sujeito codifica informação nova; e, por fim, clivagem se apresenta como estratégia adotada para marcar principalmente sujeito focalizado contrastivamente. No que concerne à ordem SV, não verificamos a possível ambiguidade, apontada por Kato e Martins (2016KATO, Mary.; MARTINS, Ana Maria. European Portuguese and Brazilian Portuguese: an overview on word order. In: WETZELS, Willem. Leo.; COSTA, João.; MENUZZI, Sérgio. (ed.). The handbook of Portuguese linguistics. New York: John Wiley & Sons , 2016. p. 15-40.), na focalização do sujeito no PB quando o contexto não é bem definido, uma vez que o sujeito anteposto é bastante produtivo em contextos não-contrastivos e pouco produtivo em contextos contrastivos9 9 As autoras consideram que foco informacional é uma informação nova não-pressuposta e, apesar de considerarmos outros aspectos, essa categoria se aproxima do que consideramos aqui como informação nova não-contrastiva. . Soma-se a isso o fato de os dados de SV contrastiva estarem sempre associados a partículas de foco como o “só”, como é possível observar no exemplo abaixo.

(19) Ontem teimei e fui a missa as 19;00 horas, quiz estar fortalecida do Cristo Vivo, só Ele pode aliviar a dor Saudade, é dor sem remédio é cruel, mas você está num lugar que pode telo todos os dias, forta-lecido no Cristo com a Hóstia Viva nós temos força de Leão. Só Ele nos dá isto. (Corpus Histling, nascido entre 1901-1950)

Com relação a outra hipótese, levantada em alguns estudos, de que a ordem VS seria substituída por outra estrutura gramatical para marcação de foco, de fato observamos um aumento na frequência de clivagem ao longo do tempo. No entanto, essa mudança na produtividade não se dá em todos os contextos, mas sim quando o sujeito está focalizado contrastivamente. Desse modo, nossos resultados também não corroboram a hipótese de Cavalcante, Duarte e Nicolau de Paula (2019CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira; DUARTE, Maria Eugênia; NICOLAU DE PAULA, Mayara. Estruturas de focalização em peças portuguesas e brasileiras. In: CARRILHO, Ernestina et al. (org.). Estudos linguísticos e filológicos oferecidos a Ivo Castro. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, 2019. p. 445-460.), uma vez que a clivagem não substitui a VS em todos os contextos de foco, informacional ou contrastivo. Para analisarmos essa questão com mais escrutínio, optamos por tomar duas decisões metodológicas: (i) retirar os dados de SV da análise, uma vez que, por hipótese, a ordem VS poderia ser substituída por clivagem; (ii) ajustar as categorias de foco controladas, a fim de evitar a sobreposição do estatuto de novo ou dado e a presença ou não de contrastividade. Apresentamos, portanto, separadamente, duas análises, uma que opõe informação nova a informação dada e outra que opõe informação contrastiva e informação não-contrastiva. Vejamos nos gráficos abaixo os resultados da análise de VS (gráfico 6) e sujeito clivado (gráfico 7) em relação ao estatuto de novo ou dado.

Gráfico 6.
%VS (por suj clivado) e o estatuto informacional.

Gráfico 7.
%Suj cliv (por VS) e o estatuto informacional.

O gráfico 6 mostra que os índices de VS que veiculam informação nova e dada são próximos, respectivamente, 73% e 79%. A partir da segunda metade do século XIX, o percentual diminui quando o sujeito codifica informação dada, alcançando apenas 13% no último período; observamos tal diminuição também no sujeito que veicula informação nova até o terceiro período - chega a 39% - e depois torna a subir na segunda metade do século XX. Por outro lado, ao observamos o gráfico 7, que mostra o índice de sujeitos clivados, verificamos que a sua frequência aumenta quando o sujeito codifica informação dada - passa de 21% a 87%. A produtividade aumenta também no contexto de informação nova até a primeira metade do século XX - passa de 27% a 61% - e, no período seguinte, torna a cair (38%).

Com vistas a comprovar estatisticamente se esse fator, o grau de novidade do sujeito, é de fato relevante para o tipo de construção a ser adotada, VS ou clivagem, aplicamos um teste de hipóteses10 10 O teste de hipóteses nos permite chegar ao valor de probabilidade (valor-p) que nos permite calcular qual é a probabilidade de a diferença observada ter sido encontrada ao caso. Caso o valor-p seja menor do que 0,05, a diferença observada na distribuição em virtude do fator controlado é significativa. . O teste mostrou que a diferença só foi significativa, valor-p= 0,003, no período IV. Dessa forma, não é possível afirmar que o estatuto informacional seja um fator que influencie o tipo de construção, VS ou clivagem. Entretanto, quando controlamos a atuação da contrastividade, os resultados foram diferentes. Vejamos os gráficos 8 e 9.

Gráfico 8.
%VS (por suj clivado) e a contrastividade.

Gráfico 9.
%Suj cliv (por VS) e a contrastividade.

No gráfico 8, podemos observar que os índices de VS em sujeitos não focalizados com informação de contrastividade são superiores aos índices de sujeito clivado, em torno de 80%, em todos os períodos, mesmo que observemos um índice um pouco menor, de 52%, entre 1900-50. Por outro lado, a frequência de VS diminui em contextos contrastivos, partindo de 59% no período I e alcançando apenas 5% no período IV (1950-1975). No gráfico 9, que mostra os percentuais de sujeitos clivados, percebemos claramente que, ao longo do tempo, a clivagem foi se consolidando como estratégia que marca foco contrastivo. Os testes de hipóteses aplicados às quatro sincronias nos mostram que as diferenças observadas na distribuição são significativas, já que verificamos valor-p menores do que 0,05 em todos os períodos (Período I: p= 0,02; Período II: p=0,000001; Período III: p=0,0006; Período IV: p=0,0000006). Esses resultados demonstram que a contrastividade/exaustividade é, de fato, relevante para a opção por VS ou clivagem em nossa amostra.

Considerações finais

O presente trabalho se propôs a observar a relação do estatuto informacional e da focalização com posição do sujeito na sentença. Primeiro, analisamos como o grau de novidade do sujeito influenciaria sua posposição, considerando que a ordem VS, no PB atual, seria restrita a contextos específicos, os inacusativos. Essa análise foi realizada por haver, em períodos anteriores do português, uma forte relação entre sujeitos considerados novos e a ordem VS, um cenário que sofre mudanças com o tempo. Em seguida, buscamos investigar de que forma as mudanças relacionadas à posição do sujeito poderiam influenciar a marcação gramatical do foco. Para tanto, analisamos cartas pessoais escritas por brasileiros entre os séculos XIX e XX.

Testamos duas hipóteses principais: a de que a novidade do sujeito não mais seria o principal fator de influência para a ordem VS, que agora seria motivada principalmente pelo tipo de verbo, e a hipótese de que o estatuto de informação nova ou dada e informações de foco, contraste e exaustividade, influenciam de forma distinta a posição do sujeito.

Os resultados sobre o estatuto informacional do sujeito mostram que, primeiramente, a ordem VS é, em termos gerais, cada vez menos produtiva e que os sujeitos com maior grau de novidade apresentam de fato maiores índices de VS nos períodos analisados. Contudo, mesmo quando o índice de VS com sujeitos novos era mais significativo, o fator de maior influência sobre tal ordem é a inacusatividade verbal. Assim, o estatuto informacional do sujeito ainda exerce influência sobre a posição do sujeito, mas apenas quando associado ao tipo de verbo. No que concerne à segunda hipótese, os resultados mostraram que os comportamentos das construções de SV, VS e sujeito clivado são distintos. No século XX, a ordem SV se consolida como a construção de sujeitos não focalizados, a VS, por estar bastante restrita, é pouquíssimo frequente. A clivagem, por outro lado, se confirma como estratégia que marca sujeitos focalizados contrastivamente. Foi possível demonstrar, também, que esta estratégia não substitui a VS em todos os contextos. Nossos resultados mostram que a substituição da ordem VS pela SV só ocorre, de fato, quando o sujeito apresenta contraste e/ou exaustividade.

REFERÊNCIAS

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  • ZUBIZARRETA, Maria Luiza. Prosody, focus and word order Cambridge, MA: MIT Press, 1998.

Notas:

  • 2
    A hipótese inacusativa é proposta pela primeira vez por Perlmutter (1978PERLMUTTER, David. Impersonal Passives and the Unaccusative Hypothesis. In: Annual Meeting of the Berkeley Linguistic Society, 4, 1978, Berkeley. Proceedings […]. Berkeley: Berkeley Linguistics Society, 1978. p. 157-189. ) e foi incorporada ao quadro gerativista por Burzio (1986BURZIO, Luigi. Italian Syntax: a government-binding approach. Dordrecht: Reidel Publish Company, 1986.), que a denomina “hipótese ergativa”. Esses autores observaram que há verbos intransitivos cujo único argumento apresenta comportamento de objeto e não de sujeito; desse modo, esses verbos foram diferenciados dos intransitivos propriamente ditos. Há, então, entre os verbos monoargumentais, dois tipos: os intransitivos (também chamados de inergativos) e os inacusativos (também chamados de ergativos). Os verbos intransitivos selecionam um argumento externo que apresenta papel temático de agente e/ou experienciador, ao passo que o argumento dos verbos inacusativos, além de ser gerado na posição de argumento interno, possui papel temático de tema e/ou paciente. Há diversos tipos de verbos inacusativos, como os de alçamento e os existenciais, além dos verbos inacusativos que selecionam um DP como argumento interno. Para mais sobre o assunto, veja-se Duarte (2003DUARTE, Inês. A família das construções inacusativas. In: MATEUS, Maria Helena Mira et al. (org.). Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho, 2003. p. 507-548.).
  • 3
    Vale mencionar que consideramos PE e PB como duas línguas diferentes, porque estamos lidando com o conceito de Língua-I da Teoria Gerativa. Nas palavras de Galves (1998GALVES, Charlotte. A gramática do Português Brasileiro. Línguas e Instrumentos Linguísticos, v. 1, p. 79-94, 1998.:80): “Duas Línguas-I serão consideradas diferentes se contêm na sua parametrização pelo menos um parâmetro fixado diferentemente. Quando isso ocorre, não só as duas gramáticas produzem enunciados diferentes, mas também atribuem a enunciados superficialmente idênticos (por exemplo no arranjo dos constituintes) estruturas diferentes”. Tendo em vista os inúmeros trabalhos que têm sido desenvolvidos no quadro teórico gerativista, e da sociolinguística paramétrica, podemos dizer que PB e PE constituem línguas diferentes.
  • 4
    Na representação SV(X), consideramos como X qualquer sintagma que possa ser um complemento ou adjunto e que pode ou não aparecer. O importante é o que o sujeito é pré-verbal.
  • 5
    Essa discussão acerca do intervalo considerado e da passagem de uma geração à outra ultrapassa os limites do presente trabalho. Para uma abordagem mais profunda sobre essa questão, conferir Machado (2020MACHADO, Anna Lyssa do Nascimento Donato. A diacronia da ordem VS no PB: estatuto informacional e outros fatores condicionadores. 2020. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.).
  • 6
    Outros fatores também controlados, como tipo de sentença, forma e animacidade do sujeito, fogem do escopo deste trabalho.
  • 7
    Por serem dados de textos escritos em séculos anteriores, é possível que haja uma ortografia distinta da atual ou mesmo desvios ortográficos. Optamos por manter a ortografia original.
  • 8
    Manteremos apenas referência a leitor, a partir desse momento, por se tratar de um estudo baseado em um corpus escrito. A classificação, no entanto, se aplica à fala e à escrita.
  • 9
    As autoras consideram que foco informacional é uma informação nova não-pressuposta e, apesar de considerarmos outros aspectos, essa categoria se aproxima do que consideramos aqui como informação nova não-contrastiva.
  • 10
    O teste de hipóteses nos permite chegar ao valor de probabilidade (valor-p) que nos permite calcular qual é a probabilidade de a diferença observada ter sido encontrada ao caso. Caso o valor-p seja menor do que 0,05, a diferença observada na distribuição em virtude do fator controlado é significativa.

Notas:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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