Resumo
Fundamento:
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica de etiologia multifatorial e de sério agravo à saúde do idoso. Apesar das alterações cardiovasculares influenciarem o desenvolvimento da HAS nesta faixa etária, vários outros fatores genéticos e ambientais têm sido descritos na literatura, incluindo a variante polimórfica do gene da enzima conversora da angiotensina (ECA) e a distribuição da gordura corporal.
Objetivo:
Avaliar a prevalência da HAS entre idosos e sua possível correlação com a variante polimórfica I/D do gene da ECA e outros fatores de risco associados.
Métodos:
Estudo de base populacional com 387 idosos residentes na zona urbana de Ibiaí (MG, Brasil) utilizando, para tal, um modelo hierarquizado.
Resultados:
À análise estatística, a variante polimórfica do gene da ECA não se mostrou associada à HAS (p = 0,316). Por outro lado, mostraram associação significativa com a HAS os fatores: sexo feminino, ausência de companheiro, consumo de mais de uma porção de sal ao dia e alterações nos índices de massa corporal e na relação cintura-quadril.
Conclusão:
Apesar da variante polimórfica da ECA não ter mostrado influência sobre a prevalência de HAS em idosos, algumas variáveis individuais, socioeconômicas, metabólicas e de hábitos comportamentais mostraram associação com esta condição.
Palavras-chave:
Hipertensão; Peptidil Dipeptidase A; Polimorfismo Genético; Idoso; Fatores de Risco; Prevalência
Abstract
Background:
Hypertension is a clinical condition of multifactorial etiology that imposes serious harm to the health of elderly individuals. Despite the fact that cardiovascular disorders influence the development of hypertension in this age group, several other genetic and environmental factors have been described in the literature, including the polymorphic variant of the angiotensin-converting enzyme (ACE) gene and the distribution of body fat.
Objective:
To assess the prevalence of hypertension among elderly individuals and its possible correlation with the I/D polymorphic variant of the ACE gene and other associated risk factors.
Methods:
Population-based study using a hierarchical model and including 387 elderly individuals residing in the urban area of Ibiaí (Minas Gerais, Brazil).
Results:
On statistical analysis, the polymorphic variant of the ACE gene was not associated with hypertension (p = 0.316). On the other hand, there was a significant association between hypertension and the variables female sex, absence of a partner, consumption of more than one portion of salt per day, and changes in body mass index and waist-to-hip ratio.
Conclusion:
Although the polymorphic variant of the ACE gene showed no influence on the prevalence of hypertension in elderly individuals, some variables such as individual, socioeconomic, metabolic, and behavioral habits were associated with this condition.
Keywords:
Hypertension; Peptidyl-Dipeptidase A; Polymorphism, Genetic; Aged; Risk Factors; Prevalence
Introdução
A população com idade acima de 60 anos tem crescido progressivamente em nosso país e acredita-se que em 2020 estará acima dos 30 milhões de indivíduos.11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). Censo demográfico 2010: famílias e domicílios (resultados da amostra). Rio de Janeiro; 2011. [Acesso em 2014 dez 16]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br
http://censo2010.ibge.gov.br...
Este processo de envelhecimento acarreta inúmeras alterações fisiológicas e funcionais no organismo humano, tornando o idoso mais susceptível ao desenvolvimento de doenças crônicas, principalmente as cardiovasculares.22 Silva ST, Ribeiro RC. Leading causes of the elderlies hospitalization due to cardiocascular diseases into the UCOR. Arq Ciênc Saúde. 2012;19(3):65-70.
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa uma das principais condições clínicas de agravo à saúde do idoso, e em idosos hipertensos, o risco cardiovascular é maior do que em idosos normotenso com a mesma idade.33 Franco R, Habermann F. Revisão/atualização em hipertensão arterial: hipertensão arterial na terceira idade-importância clínica, diagnóstico e tratamento. J Bras Nefrol. 1997;19(1):84-8. Fatores genéticos e ambientais estão associados à manutenção crônica de níveis pressóricos elevados e esta correlação na população hipertensa é de 30% e 70%, respectivamente.44 Rondinelli E, Moura Neto RS. Future perspectives: the paper of genetics in the boarding of a hypertensive person. Rev SOCERJ. 2003;16(1):77-83. A HAS pode ser considerada uma condição clínica poligênica na qual as alterações em múltiplos genes interagem entre si e com diversos outros fatores de risco.55 van Rijn MJ, Schut AF, Aulchenko YS, Deinum J, Sayed-Tabatabaei FA, Yazdanpanah M, et al. Heritability of blood pressure traits and the genetic contribution to blood pressure variance explained by four blood-pressure-related genes. J Hypertens. 2007;25(3):565-70.
A enzima conversora da angiotensina (ECA), componente-chave do sistema renina angiotensina (SRA), tem como função converter o decapeptídeo angiotensina I no octapeptídeo angiontensina II, o mais potente vasoconstritor circulante no organismo humano. Deste modo, a ECA exerce um papel fundamental no controle da pressão arterial (PA).66 Hubert C, Houot AM, Corvol P, Soubrier F. Structure of the angiotensin I-converting enzyme gene. Two alternate promoters correspond to evolutionary steps of a duplicated gene. J Biol Chem. 1991;266(23):15377-83. O nível sorológico intraindividual da ECA é estável, mas a variação interindividual é alta e é atribuída às variantes polimórficas do gene da ECA (DD > DI > II).77 Rigat B, Hubert C, Alhenc-Gelas F, Cambien F, Corvol P, Soubrier F. An insertion/deletion polymorphism in the angiotensin I-converting enzyme gene accounting for half the variance of serum enzyme levels. J Clin Invest. 1990;86(4):1343-6. Ressalta-se a inexistência de estudos recentes que tenham avaliado a associação destas variantes polimórficas com a HAS exclusivamente entre idosos.88 Almada BV, Braun V, Nassur BA, Ferreira TS, Paula F, Morelato RL. Association of hypertension with polymorphism of angiotensin converting enzyme in elderly persons. Rev Bras Clin Med. 2010;8(4):320-2.
Além da genética, outros fatores têm sido relatados como sendo de risco para a HAS: idade superior a 60 anos, sexo (mulheres na pós-menopausa), etnia (cor de pele não branca), dieta, sedentarismo, obesidade, etilismo e tabagismo, entre outros.99 Zaitune MP, Barros MB, Cesar CL, Carandina L, Goldbaum M. [Arterial hypertension in the elderly: prevalence, associated factors, and control practices in Campinas, São Paulo, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):285-94. A interação destes vários fatores ao longo do tempo colabora para o surgimento e agravamento da HAS, e quanto maior o número de fatores de risco aos quais o indivíduo está exposto, maior será a sua chance de se tornar hipertenso.1010 Cipullo J, Martin JF, Ciorlia LA, Godoy MR, Cação JC, Loureiro AA, et al. [Hypertension prevalence and risk factors in a Brazilian urban population]. Arq Bras Cardiol. 2010;94(4):519-26.
Desta forma, o presente estudo teve por objetivo avaliar a prevalência da HAS entre idosos e a sua possível correlação com a variante polimórfica I/D do gene da ECA e com outros fatores de risco associados.
Métodos
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal e populacional, conduzido em idosos com idade igual ou superior a 60 anos, residentes e domiciliados no município de Ibiaí, norte de Minas Gerais (MG), Brasil.
Procedimento e instrumento de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no período de 2011 a 2012. Os idosos foram avaliados por profissionais da saúde treinados e calibrados (kappa ≥ 0,63) para as características demográficas, socioeconômicas, comportamentais, antropométricas, laboratoriais e genotípicas da variante polimórfica da ECA. Segundo o censo de 2010, um total de 505 idosos com 60 anos ou mais de idade estavam cadastrados no Sistema de Informação de Atenção Básica. Dos 479 nomes obtidos a partir da lista da Estratégia de Saúde da Família (ESF), 449 (93,74%) foram encontrados. O cadastro possuía ainda 27 idosos cujos nomes não constavam nesta lista mas que foram também adicionados, totalizando 476 idosos. Destes, 387 (84,31%) responderam às perguntas e/ou foram avaliados quanto à principal variável de interesse deste estudo (HAS).
A aferição da PA foi conduzida por técnica auscultatória com esfigmomanômetro calibrado. As medidas da PA foram realizadas com o indivíduo sentado e após descansar por 5 minutos. Os indivíduos foram questionados sobre estarem com a bexiga vazia, terem evitado atividade física, alimentação, fumo, ingestão de bebida alcoólica ou café (pelo menos 30 minutos antes da medida) e se haviam ingerido drogas que pudessem interferir com os mecanismos de regulação da PA.1111 Petersen LC, Chinazzo H, Saldanha C, Basso M, Garcia P, Bartyholomay E, et al. Cardiovascular risk factors and comorbidities in cardiology outpatient in the metropolitan region of Porto Alegre, RS. Revista da AMRIGS (Porto Alegre). 2011;55(3):217-23. Foram realizadas três medidas da PA; a primeira foi desprezada e a média aritmética da segunda e terceira medidas foi considerada. Os pacientes foram instruídos previamente sobre o procedimento, com explicação sobre as suas etapas e objetivos. Foi classificada como HAS a presença de PA diastólica média ≥ 90 mmHg e/ou PA sistólica média ≥ 140 mmHg e/ou uso de medicação sistêmica anti-hipertensiva.1111 Petersen LC, Chinazzo H, Saldanha C, Basso M, Garcia P, Bartyholomay E, et al. Cardiovascular risk factors and comorbidities in cardiology outpatient in the metropolitan region of Porto Alegre, RS. Revista da AMRIGS (Porto Alegre). 2011;55(3):217-23.
Para atingir o objetivo do estudo, as variáveis foram agrupadas em: individuais, socioeconômicas, comportamentais, metabólicas e de saúde, como descrito a seguir:
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Individuais: idade (60 a 69 anos e ≥ 70 anos), sexo (masculino e feminino), cor de pele autodeclarada (branca/amarela e parda/negra) e variante polimórfica I/D (rs 4646994) do gene da ECA (II, DI e DD).
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Socioeconômicas: estado civil (com companheiro [casado e união estável] e sem companheiro [solteiro, viúvo/divorciado]), escolaridade (≥ 4 anos e 0 a 3 anos), aglomeração domiciliar (menos de uma pessoa/cômodo e mais de uma pessoa/cômodo), bens materiais (pelo menos um bem material [domicílio e/ou automotivo] ou ausência de bens materiais), trabalho (sim [empregado, autônomo, trabalho informal, aposentado/empregado] e não [aposentado/sem trabalho, não trabalha/nunca trabalhou e desempregado]) e renda (avaliada pela renda individual mensal em reais).
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Comportamentais: fatores dietéticos (consumo de frutas e hortaliças [mais de 3 porções/dia e menos de 3 porções/dia] e consumo de sal [uma porção/dia e mais de uma porção/dia]),1212 Vinholes DB, Assunção MC, Neutzling MB. [Frequency of healthy eating habits measured by the 10 Steps to Healthy Eating score proposed by the Ministry of Health: Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil]. Cad Saude Publica. 2009;25(4):791-9. tabagismo (não fumantes e fumantes), etilismo (nunca realizou consumo versus consumo de bebidas alcoólicas), atividade física (ativo [moderadamente ativo, ativo e muito ativo] e não ativo [inativo e pouco ativo]).
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Metabólicas e de saúde: colesterol total desejável (< 200 mg/dL), lipoproteína de alta densidade (HDL) desejável (mulheres ≥ 50 mg/dL e homens ≥ 40 mg/dL), lipoproteína de baixa densidade (LDL) desejável (< 130 mg/dL), triglicerídeos desejável (< 150 mg/dL) e relação cintura-quadril (RCQ) desejável (mulheres < 0.85 e homens < 0.95). Avaliou-se a taxa de filtração glomerular (TFG) através da fórmula de Cockcroft-Gault: [TFG (mL/min) = (140 - idade) x peso (kg) / 72 x creatinina sérica (multiplicar por 0.85 para indivíduos do sexo feminino)], na qual valores < 60 mL/min/ 1.73 m2 são considerados alterados e ≥ 60 mL/min/ 1.73 m2 são considerados normais.1313 Firmo JO, Uchoa E, Lima-Costa MF. [The Bambui Health and Aging Study (BHAS): factors associated with awareness of hypertension among older adults]. Cad Saude Publica. 2004;20(2):512-21.
As variáveis antropométricas peso e estatura foram utilizadas para o cálculo do índice de massa corporal (IMC), cujos resultados < 25 kg/m22 Silva ST, Ribeiro RC. Leading causes of the elderlies hospitalization due to cardiocascular diseases into the UCOR. Arq Ciênc Saúde. 2012;19(3):65-70. são considerados desejáveis.
Avaliação do polimorfismo da ECA - reação em cadeia da polimerase
Para investigar as frequências genotípicas da variante polimórfica I/D (rs 4646994) do gene da ECA (II, DI e DD), foram obtidas amostras salivares. Amostras do gene foram obtidas por meio de esfregaço da mucosa bucal feito com um swab, armazenado em temperatura de -20 ºC e em tubos de ensaio com solução de Krebs. As amostras foram isoladas com utilização de partículas de sílica, que absorvem o DNA. Subsequentemente, o DNA foi lavado para remoção de impurezas e suspendido com tampão TE. A amplificação do DNA genômico foi realizada pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR).
Análise estatística
Todos os dados foram tabulados e analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 20.0. As variáveis investigadas foram descritas como distribuições de frequências. Na análise univariada, foram estimados os valores brutos de odds ratio, com intervalo de confiança de 95%. As variáveis com nível descritivo p ≤ 0,20 foram selecionadas para a análise múltipla. Na análise múltipla, foi adotado o modelo de regressão logística hierarquizada e a ordem de entrada dos blocos foi determinada a partir de um modelo teórico e envolveu conhecidos fatores associados à HAS.1111 Petersen LC, Chinazzo H, Saldanha C, Basso M, Garcia P, Bartyholomay E, et al. Cardiovascular risk factors and comorbidities in cardiology outpatient in the metropolitan region of Porto Alegre, RS. Revista da AMRIGS (Porto Alegre). 2011;55(3):217-23.
Para a análise hierarquizada neste estudo, foi seguido o esquema apresentado na Figura 1, que orientou a ordem de entrada dos blocos das variáveis no modelo. O bloco dos "fatores individuais" foi o primeiro a ser incluído no modelo e permaneceu como fator de ajuste para as demais variáveis. Foram incluídos em seguida os "fatores socioeconômicos", e somente aqueles que apresentaram nível descritivo p < 0,05 permaneceram no modelo após o ajuste pelas variáveis do bloco dos "fatores individuais". Foi incluído, logo após, o bloco "hábitos comportamentais" e permaneceram no modelo somente as variáveis com nível descritivo p < 0,05 após ajuste pelos "fatores individuais" e "socioeconômicos". Para inclusão dos demais blocos, foi adotado o mesmo procedimento dos blocos anteriores.
Modelo hierarquizado das variáveis analisadas em idosos no município de Ibiaí, MG. ECA: enzima conversora da angiotensina; HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; HAS: hipertensão arterial sistêmica.
Aspectos éticos
O projeto foi conduzido de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e apresentou parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (CEP/Unimontes) com o parecer consubstanciado nº 2903/11. Os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, concordando com a participação na pesquisa.
Resultados
A prevalência da HAS entre os 387 idosos avaliados foi de 76%. Quanto às características individuais, prevaleceram a faixa etária de 60-69 anos de idade (n = 131, 78,7%), o sexo feminino (n = 184, 80,7%), a cor de pele parda/negra (n = 252, 77,3%) e o genótipo II (n = 67, 82,7%). A maior parte vivia sem companheiro (n = 155, 82%), apresentava baixa escolaridade (n = 231, 76,2%), residia em domicílios com pouca aglomeração (n = 251, 75,8%), tinha pelo menos um bem material (n = 269, 75,8%), não trabalhava (n = 212, 77,4%) e apresentava uma renda média de R$ 531,97 ± 219,86 (Tabela 1).
Distribuição dos idosos não hipertensos e hipertensos segundo fatores individuais e socioeconômicos (Ibiaí, MG)
Quanto aos hábitos comportamentais, destacaram-se o baixo consumo de hortaliças (n = 225, 76,5%), enquanto que o consumo de sal esteve dentro do considerado ideal (n = 206, 80,2%). A maioria não tinha hábito etílico (n = 173, 77,6%) e não era tabagista (n = 178, 78,8%). Dentre as condições metabólicas e de saúde, a maioria apresentava alteração no IMC (n = 134, 81,2%), na RCQ (n = 209, 80,1%) e na TFG (n = 143, 76,9%) (Tabela 2).
Distribuição dos idosos não hipertensos e hipertensos segundo fatores comportamentais, metabólicos e de saúde (Ibiaí, MG)
Na análise univariada, a faixa de idade de 60-69 anos demonstrou uma associação positiva com a HAS, sendo que as mulheres tiveram uma chance maior de HAS em relação aos homens. Os idosos sem companheiro(a) mostraram também esta associação, assim como os que apresentavam IMC e RCQ alterados (Tabela 1 e 2) do gene da ECA não se mostrou associada à HAS (p = 0,316).
Na análise de regressão logística múltipla após ajuste hierarquizado, as seguintes variáveis foram mantidas no modelo por apresentarem diferenças estatisticamente significativas: sexo, estado civil e RCQ. As demais variáveis perderam o efeito após este ajuste (Tabela 3).
Discussão
A abordagem hierarquizada é uma alternativa aplicável a estudos epidemiológicos com grande número de variáveis. Este estudo tentou estabelecer uma inter-relação entre vários fatores de risco e em vários níveis, avaliando a importância de cada bloco sobre a HAS. Os principais achados do presente estudo apontam para uma prevalência de 76% de idosos hipertensos na população estudada, com associação significativa de maior acometimento da doença em idosos do sexo feminino, sem companheiro, que consumiam mais de uma porção de sal ao dia e com alterações nos índices de RCQ e IMC.
O presente estudo não encontrou associação da HAS com a variante polimórfica I/D do gene da ECA. Em idosos, os estudos são escassos e não mostram uma associação desta variante polimórfica com a HAS; neste sentido, este estudo corroborou com esta literatura, sugerindo talvez a pouca influência genética desta variante no aumento da PA nesta faixa etária.1414 Cooper RS, Wolf-Maier K, Luke A, Adeyemo A, Banegas JR, Forrester T et al. An international comparative study of blood pressure in populations of European vs African descedent. BMC Med. 2005;3:2.
Nossos achados corroboram os de outro estudo epidemiológico brasileiro que demonstrou uma prevalência de HAS em torno de 65% em idosos, com maior prevalência entre as mulheres com idade acima de 75 anos, podendo chegar a 80%.1515 Muraro AP, dos Santos DF, Rodrigues PR, Braga JU. [Factors associated with self-reported systemic arterial hypertension according to VIGITEL in 26 Brazilian capitals and the Federal District in 2008]. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1387-98. Nesta presente investigação, esta condição clínica foi semelhante à observada em outros estudos populacionais.99 Zaitune MP, Barros MB, Cesar CL, Carandina L, Goldbaum M. [Arterial hypertension in the elderly: prevalence, associated factors, and control practices in Campinas, São Paulo, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):285-94.,1616 Andrade C. Estrutura genética e desequilíbrio de ligação em africanos, ameríndios e remanescentes de quilombos brasileiros estimados por novos STRs-X. [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo; 2013.
A maior chance de apresentação de HAS foi verificada entre as mulheres (p = 0,009). A literatura destaca uma maior prevalência de HAS entre mulheres idosas quando comparadas a homens da mesma faixa etária.99 Zaitune MP, Barros MB, Cesar CL, Carandina L, Goldbaum M. [Arterial hypertension in the elderly: prevalence, associated factors, and control practices in Campinas, São Paulo, Brazil]. Cad Saúde Pública. 2006;22(2):285-94. Um estudo prévio já havia demonstrado esta maior probabilidade de associação com a HAS.1717 Pena SD, Di Pietro G, Fuchshuber-Moraes M, Genro JP, Hutz MH, Kehdy Fde S, et al. The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected. Plos One. 2011;6(2):e17063. Até a menopausa, as mulheres são hemodinamicamente mais jovens do que os homens de mesma idade e, desta forma, menos vulneráveis às elevações da PA. Contudo, após a menopausa e devido ao ganho de peso e às alterações hormonais, as mulheres tornam-se mais vulneráveis ao aumento da PA.1818 Tobe SW, Kiss A, Szalai JP, Perkins N, Tsigoulis M, Baker B. Impact of job and marital strain on ambulatory blood pressure results from the double exposure study. Am J Hypertens. 2005;18(8):1046-51.
Apesar da relação direta e linear da PA com o aumento da idade, esta não se manteve associada, possivelmente pelo fato da faixa etária nesta população investigada ter sido mais homogênea. A literatura destaca uma maior chance de HAS em negros.1919 Lipowicz A, Lopuszanska M. Marital differences in blood pressure and the risk of hypertension among Polish men. Eur J Epidemiol. 2005;20(5):421-7. No presente estudo, a cor de pele não se mostrou associada com a HAS, o que foi comparável com outro estudo que incluiu esta variável em suas análises.1717 Pena SD, Di Pietro G, Fuchshuber-Moraes M, Genro JP, Hutz MH, Kehdy Fde S, et al. The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected. Plos One. 2011;6(2):e17063. Isto demonstra que ainda não se conhece com exatidão o impacto que a miscigenação brasileira apresenta sobre a HAS. Em um recente estudo sobre a ancestralidade genômica em nosso país, observou-se que o genoma brasileiro é muito mais uniforme do que era esperado devido à grande mistura racial ocorrida nos dois últimos séculos.2020 Lindeman S, Hamalainem J, Isometsa E, Kaprio J, Poikolainen K, Heikkinen M, et al. The 12-month prevalence and risk factors for major depressive episode in Finland: representative sample of 5,993 adults. Acta Psychiatr Scand. 2000;102(3):178-84.
Ao ser controlada pelos fatores socioeconômicos, a variável sexo perdeu a sua força de associação (p = 0,067), ao passo que o estado civil (p = 0,032) se mostrou estatisticamente significativo. Há poucos estudos correlacionando especificamente o estado civil com a HAS.2121 Gryglewska B, Grodzicki T, Kocemba J. Obesity and blood pressure in the elderly free-living population. J Hum Hypertens. 1998;12(9):645-7.,2222 Redón J, Cea-Calvo L, Moreno B, Monereo S, Gil-Guillén V, Lozano JV, et al; investigators of the PREV-ICTUS Study. Independent impact of obesity and fat distribution in hypertension prevalence and control in the elderly. J Hypertens. 2008;26(9):1757-64. No presente estudo, os idosos sem companheiro apresentaram uma maior chance de HAS e uma das possíveis explicações pode ser o fato de que o idoso que vive sozinho apresenta uma maior probabilidade de ter distúrbios emocionais, o que influencia o aumento da PA.2323 Stevens J. Impact of age on association between weight and mortality. Nutr Rev. 2000;58(5):129-37. Entretanto, vale destacar que em outro estudo, a maior chance de HAS esteve entre os casados ou que viviam com companheiro(a).1717 Pena SD, Di Pietro G, Fuchshuber-Moraes M, Genro JP, Hutz MH, Kehdy Fde S, et al. The genomic ancestry of individuals from different geographical regions of Brazil is more uniform than expected. Plos One. 2011;6(2):e17063.
A RCQ passou a apresentar uma correlação positiva (p = 0,050) com a HAS. São poucos os es tudos que investigam especificamente a relação entre diferentes indica dores de gordura (corporal e/ou abdominal) com a HAS.2424 Munaretti DB, Barbosa AR, Marucci MF, Lebrão ML. Hipertensão arterial referida e indicadores antropométricos de gordura em idosos. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(1):25-30.,2525 Sarno F, Monteiro CA. [Relative importance of body mass index and waist circumference for hypertension in adults]. Rev Saude Publica. 2007;41(5):788-96. O excesso de peso entre as pessoas idosas ainda é uma realidade, especialmente entre as mulheres.2626 Redón J, Cea-Calvo L, Moreno B, Monereo S, Gil-Guillén V, Lozano JV, et al; investigators of the PREV-ICTUS Study. Independent impact of obesity and fat distribution in hypertension prevalence and control in the elderly. J Hypertens. 2008;26(9):1757-64. Munaretti et al.2424 Munaretti DB, Barbosa AR, Marucci MF, Lebrão ML. Hipertensão arterial referida e indicadores antropométricos de gordura em idosos. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(1):25-30. publicaram o primeiro estudo de base populacional e domici liar a verificar uma associação entre HAS e indicadores antropométricos de gordura (corporal e abdominal) em idosos brasileiros. No estudo, os indicadores antropométricos de gordura (corporal e abdominal) mostraram-se associados à HAS, corroborando os resultados de outros estudos realizados com indivíduos de diferentes populações e grupos etários, nos quais foi constatado que o excesso de gordura, independentemente do indicador antropométrico utilizado, é um dos principais fatores de risco para HAS.2727 Björntorp P. Body fat distribution, insulin resistance, and metabolic diseases. Nutrition. 1997;13(9):795-803.
28 Canoy D, Luben R, Welch A, Bingham S, Wareham N, Day N, et al. Fat distribution, body mass index and blood pressure in 22 090 men and women in the Norfolk cohort of the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC-Norfolk) study. J Hypertens. 2004;22(11):2067-74.-2929 Rahmouni K, Correia ML, Haynes WG, Mark AL. Obesity-associated hypertension: new insights into mechanisms. Hypertension. 2005;45(1):9-14. Apesar de não haver um consenso sobre os critérios e valores mais adequados para definir obesidade entre idosos, o IMC ainda é o indicador mais utilizado em estudos epi demiológicos nesta faixa etária.2828 Canoy D, Luben R, Welch A, Bingham S, Wareham N, Day N, et al. Fat distribution, body mass index and blood pressure in 22 090 men and women in the Norfolk cohort of the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC-Norfolk) study. J Hypertens. 2004;22(11):2067-74. Entretanto, alguns autores têm sugerido que o IMC por si só não é suficiente para identificar a associação en tre a gordura corporal e a HAS.3030 Organización Panamericana de la Salud. (OPS/OMS). La obesidad en la pobreza: um nuevo reto para la salud pública - Washington DC; 2000. (Publicación Científica nº 576).
Em um estudo realizado com 9.936 homens e 12.154 mulheres com idades entre 45 a 79 anos, os indicadores RCQ e IMC apresentaram, de forma similar, uma associação com a HAS.2828 Canoy D, Luben R, Welch A, Bingham S, Wareham N, Day N, et al. Fat distribution, body mass index and blood pressure in 22 090 men and women in the Norfolk cohort of the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC-Norfolk) study. J Hypertens. 2004;22(11):2067-74. Tal fato pode ser provavelmente explicado pelas alterações fisiológicas que ocorrem nos indivíduos obesos, como por exemplo, a ativação do sistema nervoso simpático, do SRA, da disfunção endotelial e da resistência à insulina (aumentando a reabsorção tubular de sódio).2828 Canoy D, Luben R, Welch A, Bingham S, Wareham N, Day N, et al. Fat distribution, body mass index and blood pressure in 22 090 men and women in the Norfolk cohort of the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC-Norfolk) study. J Hypertens. 2004;22(11):2067-74. Destaca-se que a predominância da obesidade tende a ser maior nas classes socioeconômicas mais baixas, como foi o caso desta população investigada.3030 Organización Panamericana de la Salud. (OPS/OMS). La obesidad en la pobreza: um nuevo reto para la salud pública - Washington DC; 2000. (Publicación Científica nº 576).
O fato das outras variáveis do estudo não terem apresentado força de associação com a HAS talvez se deva ao tamanho da amostra e às possibilidades de vieses de seleção e/ou informação envolvendo fatores de confusão e achados ocasionais da análise, que constituem limitações de estudos observacionais em geral.
Conclusão
Apesar da variante polimórfica da ECA não ter mostrado influência sobre a prevalência da HAS em idosos, fatores de risco como sexo feminino, estado civil (ausência de companheiro) e fatores de risco modificáveis, como consumo excessivo de sal e alterações da RCQ e peso corporal, mostraram associação com esta condição. O estudo propõe a adoção de um estilo de vida saudável para a prevenção da doença, uma vez que fatores modificáveis se correlacionaram significativamente à HAS. Além disso, pesquisas que abordem esta questão em grupos populacionais de maior risco são fundamentais para melhorar o conhecimento de polimorfismos genéticos na etiologia da doença.
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Fontes de financiamentoO presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
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Vinculação acadêmicaPrograma de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCS) - Universidade Estadual de Montes Claros.
References
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1Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). Censo demográfico 2010: famílias e domicílios (resultados da amostra). Rio de Janeiro; 2011. [Acesso em 2014 dez 16]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br
» http://censo2010.ibge.gov.br -
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Feb 2017
Histórico
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Recebido
13 Jul 2016 -
Revisado
09 Jan 2017 -
Aceito
25 Jan 2017