EDITORIAL
Emagrecimento e tireóide: um longo caminho
Gisah Amaral de Carvalho
Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Endocrinologia, Universidade Federal do Paraná SEMPR; Professora da Pós-Graduação do Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Gisah Amaral de Carvalho Rua Agostinho Leão Júnior 285 80030-110 Curitiba, PR E-mail: carvalho@mais.sul.com.br
O CONHECIDO MÉDICO E ESCRITOR Dráuzio Varela, em seu site (http://drauziovarella.ig.com.br/artigos/fmilagrosas.asp), avalia que "fórmulas para emagrecer (FE) constituem exemplos didáticos de polifarmácia. A fórmula típica contém de cinco a 15 componentes: uma substância "tipo-anfetamina" (femproporex e dietilpropiona são as mais empregadas), tranqüilizantes benzodiazepínicos (geralmente diazepan ou clordiazepóxido), agentes tireoidianos (triiodotironina, tetraiodotironina, triac, triatec), diuréticos (furosemida, hidroclortiazida etc.), agentes gastrointestinais (cimetidina, fenolftaleína, dimeticona etc.), uma variedade de produtos vegetais (cáscara sagrada, cavalinha, Fucus vesiculosus e outros representantes da exuberante biodiversidade brasileira), antidepressivos como a fluoxetina e a sertralina, vitaminas, cloreto de potássio, propranolol e "o que mais a imaginação for capaz de criar". De fato, é possível obter facilmente pela Internet promessas como "diminua a gordura corporal, o stress, o apetite e aumente sua energia" ou "perca peso enquanto dorme".
Embasado em fatos como esses, o Conselho Federal de Farmácia, em agosto de 1995, baixou a resolução 273, que veda ao farmacêutico a formulação de produtos magistrais contendo associações medicamentosas que tenham em sua formulação dietilpropiona, anfepramona, d-fenfluramina, femproporex, mazindol, quando associadas entre si e/ou a outras substâncias de ação no sistema nervoso central e/ou substâncias de ação no sistema endócrino. Essa resolução foi reiterada em julho de 1997 pelo Conselho Federal de Medicina e em 2007 pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
O T3 e o TRIAC (ácido triiodotiroacético) são as principais substâncias utilizadas nas FE que alteram os níveis séricos de TSH. O uso de hormônios da tireóide em FE pode ser justificado pelo fato de que alguns estudos demonstraram diminuição do T3 total durante dietas convencionais e de baixa caloria. A diminuição do T3 ocorre pela diminuição da massa magra e pela menor atividade das deiodinases (1). O TRIAC age suprimindo os níveis séricos de TSH e TRH e possui ação tireomimética variável nos tecidos periféricos (2). Na década de 80, chegou-se a preconizar o uso de doses baixas de T3 em casos selecionados de pacientes obesos submetidos a dieta de baixa caloria (3). Com o surgimento de novos conceitos na fisiopatologia e de novas drogas para o tratamento da obesidade, o uso de hormônio tireoidiano passou a ser utilizado apenas nos pacientes com disfunção tireoidiana.
Neste número, Sichieri e colaboradores estudaram a freqüência do uso de medicamentos para emagrecer em 1299 mulheres acima de 35 anos de idade (4). É impressionante a observação de que 34% dessas mulheres, principalmente as obesas e de maior poder aquisitivo, já haviam utilizado essa classe de drogas em alguma fase da vida. Além disso, as participantes desse estudo relataram 85 substâncias diferentes presentes nas várias preparações utilizadas. Este último dado nos leva a inferir que muitas delas utilizaram FE, apesar da proibição dos Conselhos e da ANVISA, como citado acima.
Existem algumas limitações do presente trabalho. Como admitido pelos autores, o desenho transversal do estudo permite apenas uma visão momentânea do problema, o que prejudica a análise das usuárias que admitiram uso anterior das medicações. Além disto, não foi possível correlacionar as alterações do TSH com a composição das diferentes drogas, principalmente quanto à presença ou não de hormônios da tireóide. Isso impede qualquer análise quanto ao mecanismo subjacente da diminuição dos níveis séricos de TSH. Finalmente, a redução do TSH alcançou significância estatística (em relação à média, porém não em relação à mediana). Em termos práticos, entretanto, o grupo de mulheres usuárias atuais, usuárias remotas e as que não relataram uso de medicamentos para emagrecer apresentaram níveis de TSH dentro dos limites de normalidade do ensaio utilizado. Este fato questiona a real importância clínica da diminuição do TSH.
Em conclusão, o estudo de Sichieri e colaboradores demonstrou que cerca de um terço das mulheres analisadas utilizaram drogas para redução de peso, com as mais variadas composições, em alguma fase da vida. As que relataram uso corrente de medicação para emagrecer apresentaram níveis de TSH estatisticamente menores do que os outros grupos estudados. Estudos prospectivos, placebo-controlados, com conhecimento da composição das medicações utilizadas, são necessários. O uso de tireomiméticos com ação seletiva no receptor beta do hormônio tireoidiano (TRb) pode ser uma interessante perspectiva futura para o tratamento da obesidade (5).
- 1. Cavallo E, Armellini F, Zamboni M, Vicentini R, Milani MP, Bosello O. Resting metabolic rate, body composition and thyroid hormones short term effects of very low calorie diet. Horm Metab Res 1990;22:632-5.
- 2. Beck-Peccoz P, Sartorio A, De Médici C, Grugni G, Morabito F, Faglia G. Dissociated thyromimetic effects of 3,5,3'-triiodothyroacetic acid (TRIAC) at the pituitary and peripheral tissue levels. J Endocrinol Invest 1988;11:113-8.
- 3. Pasquali R, Baraldi G, Biso P, Piazzi S, Patrono D, Capelli M, et al. Effect of physiological doses of triiodothyronine replacement on the hormonal and metabolic adaptation to short-term semistarvation and to low-calorie diet in obese patients. Clin Endocrinol 1984;21:357-67.
- 4. Schieri R, Andrade R, Baima J, Henriques J, Vaisman M. TSH levels associated with slimming pills use in a population based study of Brazilian women. Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/9:-.
- 5. Villicev CM, Freitas FR, Aoki MS, Taffarel C, Scanlan TS, Moriscot AS, et al. Thyroid hormone receptor beta-specific agonist GC-1 increases energy expenditure and prevents fat-mass accumulation in rats. J Endocrinol 2007;193:21-9.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
18 Jan 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007