CONFERÊNCIA
O problema da herança em psiquiatria
José Leme Lopes
Livre-docente de Clínica Psiquiátrica da Fac. Nac. de Med., Professor de Neuro-Psiquiatria Infantil do Curso de Puericultura do Depart. Nac. da Criança, Encarregado da Consulta Médico-Psicológica do Inst. Nac. de Puericultura
O contraste entre a psiquiatria do século passado e a do atual é frisante ao estudarmos o problema da herança das doenças mentais. Todo o século XIX é marcado pelas idéias de Morel, relativas à degenerescência, à "deviation maladive", de que as psicopatias seriam o resultado. Depois de Morel, Magnan e Lombroso voltaram a insistir na herança progressiva, polimorfa e engravescente, procurando explicar por ela quase tôda a patologia do espírito. Da psiquiatria, difundiu a noção para a literatura, inspirando os Rougon-Macquart de Zola e os Buddenbrook de Thomas Mann. Nefasta foi sua influência sôbre a orientação geral da especialidade, que se viu dominada por um fatalismo, no ponto de vista etiológico e por uma tendência à inatividade, no domínio da terapêutica. Essas concepções exageradas e sem fundamento na correta observação mereceram os sarcasmos de Virchow, que acusava a psiquiatria de "tornar a patogenia fácil demais". Não há muito tempo, a propósito de certas pesquisas modernas sôbre a hereditariedad das esquizofrenias, Bumke relembrava uma frase causticante do grande médico alemão: "Até a sarna se julgou ser doença hereditária, antes de ser descoberto seu agente causador". A falta de um justo critério fazia com que os tratadistas atribuissem à herança de 4 a 90% de seus casos.
Um primeiro progresso foi atingido com os estudos de Koller e Diem, que investigaram as proporções de doenças mentais, afecções neurológicas, alcoolismo, apoplexia, caracteres anormais e suicídio nos pais, avós, tios e irmãos dos doentes mentais e de sadios. Estabeleceram proporções interessantes relativamente aos fatores agravantes ("Belastungangaben"), que pesam na gênese das diversas psicoses. A aplicação destemétodo ao estudo da herança dos epilépticos por Snell e dos maníaco-depresivos por Summer veio provar que era insustentável a hipótese de uma herança poliforma. Absolutamente insuficiente, êssemétodo ainda era usado em 1931 por Farr, Schwartz e Smith, para apurar a importância dos fatores hereditários nas psicoses constitucionais e orgânicas e na psicose maníaco-depressiva em confronto com a melancolia involutiva. Os atuais conhecimentos de genética prescrevem seu abandono.
Não vamos expor aqui as geniais descobertas de Mendel, nem fazer uma valorização do mendelismo. O certo é que só com a redescoberta dos trabalhos de Mendel foi possível dar àpesquisa heredológica um instrumento seguro. Não ignoramos que a genética não parou no mendelismo, mas os progressos se fizeram confirmando os princípios estabelecidos pelo grande descobridor. Mira y Lopez, restringindo excessivamente os resultados da aplicação do mendelismo àpsiquiatria, talvez o faça por motivos inconscientes. Foi Rüdin
O grande mérito de Rüdin foi mostrar os erros em que incidiam os psiquiatras, dedicando-se ao estudo de famílias com fortes taras, â coleta e publicação de árvores genealógicas carregadas de psicopatias. O interêsse deve dirigir-se ao mesmo tempo para as famílias com pouca ou nenhuma tara. Houve época em que os psiquiatras recebiam freqüentemente de seus colegas informes sôbre famílias em que se acumulavam várias doenças neuro-psiquiátricas; pensavam com isso favorecer o conhecimento do papel da herança. Livros como o de Goddard sôbre os Kallikaks fizeram grande sucesso. Hoje sabemos que pequenos ensinamentos podemos ter dêsse material.
A grande dificuldade da pesquisa genotípica em psiquiatria está em estabelecer um exato ponto de partida, isto é, no reconhecimento e especificação do característica a investigar (no caso, portanto, a entidade nosológica). Ainda hoje a melhor sistematização nosográfica em psiquiatria é a obra de Kraepelin. No entanto, sem chegar ao exagêro de alguns especialistas que querem eliminar tôdasas entidades nosológicas e deixar em seu lugar apenas formas reacionais, síndromes psiquiátricas, não podemos deixar de reconhecer a importância da revisão da sistemática kraepeliana. Portanto, ao iniciar uma investigação heredológica, há necessidade de fixar o conceito da doença a estudar. Foi o que fêz Rüdin tomando para ponto de partida a concepção kraepeliana de demência precoce, em seu famoso estudo sôbre"Herança e neoformação da demência precoce", publicado em 1916.
As idéias de Bleuler sôbreas esquizofrenias e as de Kretschmer relativas às constituições esquizóides e ciclóidevieram naturalmente trazer novos subsídios àinvestigação genotípica. Hoffmann já as inclui em seu trabalho sôbrea"Descendência das psicoses endógenas" de 1921 e Eugen Kahn toma-as como base para sua monografia sôbre a"Transmissão hereditária da esquizoidia e da esquizofrenia" em 1923.
Devemos, portanto, insistir nessa grande dificuldade inicial, que está longe de ser solucionada. Lembramos apenas que ainda não pudemos cortar o problema esquizofrenia ou esquizofrenias, epilepsia ou epilepsias. No entanto, bruscamente poderemos receber auxílio de um setor inesperado, como estamos assistindo no domínio da. epilepsia com o advento da eletrencefalografia.
Fixado o ponto de partida, temos que considerar ainda outras dificuldades. Há absoluta impossibilidade de cruzamento ou seleções, há apequenez da família humana, cujos descendentes ficam muito aquém dos números mendelianos clássicos, eainda alimitação do período de observação apoucas gerações e a dispersão da família humana (especialmente aimigração fora e dentro do país, o que é de inegável importância no caso brasileiro). Convém relembrar amanifestação tardia de muitas doenças psiquiátricas, trazendo aimpossibilidade de decidir sôbre os casos, que ainda não ultrapassaram a zona de periculosidade.
Na segunda etapa da pesquisa, o problema metodológico é o levantamento e agrupamento do material. Aqui devemos lembrar a importância do método das testemunhas ("Probandenmethode") de Weinberg (1913). Isto é, as testemunhas devem incluir todos os doentes de um determinado círculo de apuração ("Zählebezirk"), portanto, todos os doentes de uma mesma forma mórbida de um serviço clínico, num dado período de tempo. Tomamos todos os casos, ou alternadamente de acôrdo com a entrada, ou cada terceiro ou quarto caso. A descoberta de Weinberg consiste em que o testemunha não deve ser computado entre os doentes, ao estabelecer-se a proporção de doentes e sadios entre os irmãos. Êste é o método dos irmãos ("Geschwistermethode"). A inclusão do testemunha aumentaria a tara, seria um fator de agravação, falseando os números, cuja proporção se deve comparar à expectativa teórica dos modos de transmissão hereditária segundo o mendelismo.
Para o levantamento do material, temos de organizar uma lista de todos os parentes, doentes e sadios, reunindo sôbre êles, dados, documentos clínicos, retratos, noticias, escritos, correspondência. Em determinadas pesquisas se podem usar fichas como a que Rüdin ideou para seu estudo sôbre a demência precoce (quadro 1).
A genealogia científica organiza então: Tábua dos ascendentes, Tábua A (quadro 2); Tábua dos descendentes, Tábua D (figura 1) Juntando aos colaterais estabelecemos: Árvores de família - Tábua de parentesco - Tábua P.
A terceira fase é a de elaboração do material, isto é, da determinação de um modo especial de transmissão hereditária. Temos para isso dois métodos: a) o genealógico, em que se estudam as proporções de transmissão nas famílias dos testemunhas; b) o demográfico ou estatística das massas, em que apura com cálculos estatísticos a distribuição das várias psicoses na população média.
Para a investigação da dominância se emprega o método dos irmãos e o método dos testemunhas, de Weinberg, bem como o método dos meio-irmãos, de Rüdin (figura 2). Nas doenças recessivas tem importância a investigação do parentesco entre os ascendentes, havendo sempre maior número de doentes na família dos testemunhas que na população média. Voltaremos a focalizar o assunto ao estudarmos as esquizofrenias. A herança ligada ao sexo é de pouca importância em psiquiatria. Apenas numa modalidade de oligofrenia se pode pensar nela. Não exige método especial, bastando o estudo das tábuas A e D.
Antes de terminarmos essas considerações preliminares, não poderíamos deixar de aludir à importante concepção de Birnbaum, distinguindo, na etiologia das doenças mentais, fatores patogênicos e fatores patoplásticos. Quando a herança fôr fator patogênico teremos uma doença idiopática, doença hereditária sensu strictiori. Quando apenas for patoplástico teremos uma idiodisposição.
Passemos agora a estudar os resultados da aplicação da investigação genotípica em psiquiatria.
ESQUIZOFRENIAS
A primeira grande pesquisa sôbre a herança da esquizofrenia foi feita por Rüdin. Usou o método dos irmãos, de Weinberg, e criou no curso do trabalho o método dos meio-irmãos. Distribuiu seu material de acôrdo com a ausência de demência precoce entre os pais e de sua presença em um dêles; viu ainda a influência de outras psicoses, de alcoolismo e de demência precoce nas linhas colaterais. Para não nos alongarmos em demasia, citemos apenas alguns dos resultados mais significativos:
a) Pais livres de demência precoce - 701 séries de irmãos. Havia 4„48% de demência precoce entre os irmãos, portanto 1/16 a 1/32, números que possibilitam levantar a hipótese de uma recessividade di-híbrida.
b) Um dos Progenitores demente precoce e outro livre - 34 séries de irmãos. Havia 6,18% de demência precoce entre os irmãos. Número que exclui dominância e fala a favor de recessividade.
c) Pais livres de demência precoce, mas com outras psicoses e alcoolismo, existindo dementes precoces entre os tios. Havia 8,07% de demência precoce entre os irmãos, o que também fala a favor de recessividade.
d) Meio-irmãos - 134 séries, com 498 membros. Havia 0,56% de demência precoce entre os irmãos, o que vem ressaltar de modo absoluto aimportância do fator herança recessiva na esquizofrenia.
Rüdin resume assim os argumentos afavor da recessividade: 1) A des-cedência dos dementes precoces dá apenas uma pequena percentagem de iguais doentes (2, no máximo 3 entre 81 filhos). No caso de dominância se deveria esperar 100% ou 50%. 2) Não há na literatura casos de demência precoce se transmitido continuadamente através duas ou mais gerações. 3) A regra "einmal frei, immer frei" típica da dominância não se manifesta nas famílias dos dementes precoces, onde sempre reponta a doença nos colaterais. 4) O caso mais freqüente é oaparecimento de demência precoce em filhos de pais livres da doença.
Da monografia de Rüdin cumpre ainda destacar a preferência para o irmão mais velho e pelo mais moço, fatos que falam a favor de influências paratípicas, e o fenômeno da anteposição, isto é, ou nos irmãos mais moços ou nas gerações sucessivas a enfermidade se manifesta mais cedo.
As esquizofrenias serviram de tema para diversas outras pesquisas. Uma das mais discutidas foi a de Kahn, em 1923. No seu material há oito séries de irmãos, filhos de pais ambos esquizofrênicos. Passemos ràpidamente em revista a descendência dêsses oito casais, dada sua grande importância teórica para a pesquisa genotípica. Nove dos descendentes morreram na primeira infância. Dos 17 que chegaram à idade adulta, 9 foram esquizofrênicos, 5 esquizóides e 3 normais (os esquizóides e 1 dos normais ainda não haviam vencido a zona perigosa de manifestação da esquizofrenia, ao ser publicado oestudo). Rüdin fêz várias indagações acêrca dêsses dois normais. Os pais dementes precoces seriam genotipicamente diferentes? Um ou os dois teriam uma demência precoce paratípica? Tratar-se-ia de um modo de transmissão hereditária homômero? Devemos esperar que êles ainda adoeçam? Ou serão filhos de um outro pai? Faltará um fator externo, por muitos reconhecido, capaz de desencadear a doença? Êsses dois normais falam decididamente contra uma recessividade simples na esquizofrenia. Kahn propôs a seguinte explicação: a predisposição para a esquizoidia é dominante e para a esquizofrenia é decessiva. As pesquisas ulteriores não trouxeram maiores esclarecimentos. Isto é devido em primeiro lugar à oscilação do conceito de esquizofrenia é recessiva. As pesquisas ulteriores não trouxeram maiores esclareciprever quando será respondida. Alguma coisa, porém, parece fixada. A esquizofrenia não é uma doença dominante, nem se transmite de um modo recessivo simples. É provàvelmente uma anomalia recessiva di-hídrida. Os psicopatas esquizóides seriam heterozígotos do genótipo esquizofrenia.
PSICOSE MANIACO-DEPRESSIVA
A psicose maníaco-depressiva foi estudada por Hoffmann, em seu trabalho sôbre a descendência das psicoses endógenas. Hoffmann pôde fixar que se trata de um círculo hereditário diverso do da esquizofrenia. Múltiplas pesquisas posteriores mostraram que a psicose maníaco-depressiva não é uma doença simplesmente dominante ou recessiva. As últimas pesquisas fazem crer numa polimeria, em que ao lado de fatores recessivos entrem em ação fatores dominantes. Hans Luxemburger, em uma resenha sôbre "Os progressos essenciais da pesquisa genotípica em neuro-psiquiatria", afirma ser precoce falar de dominância ou de recessividade.
CORÉIA DE HUNTINGTON
Merece ser citada em especial por ser a única doença nervosa, em que se pôde estabelecer, de modo seguro, um modo de transmissão hereditária simplesmente dominante. O trabalho fundamental a respeito é o de Entres (1921), que tem por título "Clínica e herança da Coréia de Huntington". Reproduzimos como ilustração uma de suas árvores genealógicas (figura n. 3). São as seguintes as conclusões de Entres: 1) A coréia de Huntington se transmite em linha direta; 2) A descendência dos membros sadios da família fica permanentemente livre da doença; 3) Em quase tôdas as gerações com um número suficiente de filhos, originários de um pai doente, encontram-se doentes de coréia.
Concluindo, Entres julga que todos os pacientes de coréia de Huntington e seus filhos devem ser aconselhados a evitar a procriação. "O sacrifício, que com isso sofre o atingido, é pequeno em relação à infelicidade que traria à sua descendência, não seguindo o consêlho" - De passagem, chamamos a atenção para esta linguagem tão diversa da usada pelos comentadores da famigerada lei de proteção racial de 1933.
EPILEPSIA
O problema da herança da epilepsia é dos mais difíceis. Evidentemente não há uma única doença sob essa rubrica. É clássica a separação entre epilepsias sintomáticas e epilepsia essencial. O conceito de epilepsia essencial, idiopática ou criptogenética é dos mais oscilantes. Um episódio ainda recente retrata a diversidade de opiniões. No Congresso Neurológico Internacional reunido em Londres em 1935, o tema oficial foi epilepsia. Ao discutir-se o aspecto etiológico, formaram-se duas correntes, separadas geogràficamente. Abadie, que relatava, exprimiu a opinião dos especialistas de aquém Reno, afirmando que a epilepsia é um síndrome, em cuja gênese a herança pouco tem a ver. Os neuro-psiquiatras germânicos sustentaram a opinião oposta. De lá para cá, a questão pode ser discutida sem "parti pris" político. Conrad, em 1936. deu à publicidade seus minuciosos estudos sôbre gêmeos e epilepsia e, em 1937, sôbre a descendência dos epilépticos. Êsses trabalhos deixaram segura a existência de uma epilepsia genotípica. Bruscamente aparece uma confirmação de terreno absolutamente diversos. Lowenbach (1939), Lennox, E. Gibbs e F. Gibbs (1939 e 1942), usando a eletrencefalografia, em parentes de epilépticos, livres de manifestações clínicas dessa enfermidade, encontraram nêles traçados típicos do mal comicial. As proporções em que são encontradas essas alterações elétricas corticais fazem crer ser a epilepsia uma doença recessiva, para a qual se fazem mister ao mesmo tempo fatores paratípicos. Lennox compara a disposição hereditária (o que Foerster chama aptidão convulsiva) à semente, sendo a epilepsia manifestada a árvore, para cuja eclosão se fizeram necessários outros fatores, o solo, o ar, a luz além da semente. Podemos, pois, aceitar uma forma de epilepsia hereditária.
AS OLIGOFRENIAS
O assunto é extremamente complexo. Para as formas graves de olgofre-nia, com profundas alterações do encéfalo e de todo o organismo, os fatores condicionais, infecções e intoxicações fetais ou precocemente adquiridas, são da maior importância. Que haja fatores genotípicos também em ação, não se pode recusar. Os precursores como Goddard usaram métodos insuficientes para a seleção e colheita de material. As pesquisas de Verschuer em gêmeos e as de Luxemburger com o mesmo material mostraram que fatores condicionais são de menor importância que os constitucionais, nas oligofrenias Rosanoff levantou uma hipótese interessante para explicação da transmissão hereditária de certas formas leves de oligofrenia. Para êle há uma dimeria, sendo um dos fatores recessivo autossômico e o outro localizado no cromó-soma X. Assim se explicaria, pela herança ligada ao sexo, a maior freqüência de débeis mentais entre os homens.
OUTRAS PSICOPATIAS
Estudos heredológicos têm sido feitos para apurar o significado da herança na etiologia das psicopatias, das psicoses senis, da arteriosclerose e da criminalidade. Ainda não há elementos positivos acumulados, a permitirem uma conclusão. Não deve ficar sem uma referência o intrigante trabalho de Lange sôbre "O crime como destino", que segundo comentadores foi uma das alavancas para a lei de esterilização nazista.
O PROGNÓSTICO HEREDITÁRIO
Os estudos da escola de Rüdin foram expressos sob a forma sugestiva de prognóstico hereditário. Conhecendo-se a incidência das diversas psicoses na população média, podemos, baseados no exame das árvores genealógicas dos testemunhas, estabelecer proporções de expectativa para os filhos e irmãos dos doentes mentais. O primeiro elemento a fixar é a incidência na população média. O trabalho fundamental da escola de Munich é o de Luxemburger (1928), que encontrou os seguintes números para a população média alemã: 1) esquizofrenia -. 0,85%; 2) psicose maníaco-depressiva - 0,44%; 3) epilepsia - 0,27%. Stroemgren estudou a população de Bornholm, uma inha dinamarquêsa no mar Báltico, com 46.000 habitantes. Chegou aos seguintes resultados: 1) esquizofrenia - 0,66% (desvio padrão - 0,01); 2) psicose maníaco-depressiva - 0,20% (desvio padrão - 0,07); 3) epilepsia - 0,35% desvio padrão - 0,07).
Vamos dar a seguir os dados para o prognóstico hereditário acumulados por Rüdin e seus colaboradores para a esquizofrenia e psicose maníaco-depressiva.
Esquizofrenia - Os filhos dos esquizofrênicos estão dez vezes mais expostos a sofrer esta doença que a população média (9,1% contra 0,85%). Entre êlesencontramos 17,6% de psicopatas esquizóides e 22,6% de psicopatas de outros tipos. Ao todo 50% são tarados. Os irmãos dos esquizofrênicos sofrem dessa doença em 7.5% dos casos e apresentam uma constituição psicopática em 26%.
Psicose maníaco-depressiva - Os filhos sofrem da enfermidade em 32,3% dos casos, enquanto na população média a freqüência é de 0,44%; é portanto, 60 vezes mais freqüente. Há entre êles 30,3% de personalidades psicopáticas, sendo, portanto, 60,5% tarados. Dos irmãos, 13,5% sofrem da psicose e 10% são psicopatas.
HERANÇA POLIFORMA
Não poderíamos terminar sem dedicar algumas palavras ao problema da herança poliforma. Ainda correm em certos meios intelectuais idéias errôneas acerca da transmissão hereditária das doenças mentais, entre elas a de que nas gerações sucessivas se agrava a disposição mórbida, assim o alcoolismo geraria epilepsia, que produziria idiotas e com êsses terminaria a estirpe. Os atuais conhecimentos de genética não permitem esperar essas ocorrências. Há, no entanto doenças hereditárias que se propagam tomando aspectos diversos. É mais conhecida a esclerose tuberosa, em cuja árvore genealógica a forma descrita por Bourneville se alterna com casos de adenoma sebáceo e de tumores do coração ou dos rins. Nesse caso temos uma doença hereditária polifenotípica.
Para Rüdin o polimorfismo se poderia explicar por uma das seguintes maneiras: 1) Coexistência na mesma familia de várias doenças hereditárias; 2) Coexistência de uma doença hereditária com uma doença predominantemente ou totalmente paratípica (como a paralisia geral); 3) O aparecimento de mutações, em virtude de lesões do plasma germinativo; 4) Manifestação de forma diferente em diversas famílias da mesma doença hereditária (paravariabilidade ou mixovariabilidade).
O estudo da blastoftoria ou das lesões do plasma germinativo deveria ser encarado também aqui, mas queremos restringir nossas considerações ao problema pròpriamente genotípico.
Concluindo, podemos dizer que encontramos hoje em dia uma especialização bem caraterizada dentro da psiquiatria: a heredopsiquiatria. Êsse é um terreno absolutamente virgem em nosso país. As dificuldades inerentes ao problema se agravam entre nós pela mestiçagem intensiva, pela miscigenação de correntes imigratórias múltiplas, pela dispersão territorial da população. Os estudos iniciais sôbre a incidência das psicoses endógenas na população média poderiam ser levados a efeito em centros de população brasileira bem fixada (como algumas velhas cidades de Minas Gerais) e aí prosseguidos os levantamentos de árvores genealógicas. Não devemos tomar os dados obtidos em meios diferentes como pontos de referência fixos, precisamos obter os nossos próprios. Essa uma tarefa que apontamos às autoridades encarregadas dos serviços oficiais.
Vistos assim em conjunto os frutos da pesquisa genotípica em psiquiatria, não são êles muitos, nem todos seguros. Ainda não possuia a heredopsiquiatria elementos de que a sociologia ou a política se utilizem. As medidas mu-tiladoras decretadas por legisladores fanáticos racistas não encontram apôio na objetividade dos dados científicos. Ainda o esclarecimento individual é a única medida de psico-higiene recomendável.
Recebido para publicação em 5 dezembro 1944.
Referências bibliográficas
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Fev 2015 -
Data do Fascículo
Mar 1945