Resumos
OBJETIVO: Verificar como os pais percebem a qualidade de vida dos filhos epilépticos e se crenças relativas à epilepsia controlam a relação pais e filhos. MÉTODO: Foram aplicados 21 protocolos do "Inventário Simplificado de Qualidade de Vida na Epilepsia Infantil" em pais de crianças com 6 a 14 anos portadoras de epilepsia benigna da infância. RESULTADOS: Observou-se que 86% dos pais relataram crenças relativas à epilepsia. A maioria dos pais avaliou a qualidade de vida dos filhos como muito boa, mas relataram dificuldades no lidar com eles. Aparecem comportamentos de superproteção (62%) e sentimentos de preocupação, medo e insegurança (90%). As crianças foram avaliadas como irritadas (52%), dependentes (38%), agitadas e inquietas (38%). No que diz respeito à escola, 33% das crianças freqüentam escolas especiais e apresentam dificuldades escolares e de relacionamento. CONCLUSÃO: Crenças e desinformação parecem controlar o comportamento dos pais na maneira de lidar com seus filhos epilépticos, gerando comportamentos inadequados, apesar disto, percebem a qualidade de vida dos mesmos como muito boa.
epilepsia infantil; qualidade de vida; relação pais-filhos
PURPOSE: to check how parents realize the quality of life of their epileptic children and if the relationship is controlled by their beliefs about epilepsy. METHOD: it has been applied 21 protocols of "Simplified inventory of quality of life in childhood epilepsy" to parents of children aged between 6-14 years old with benign childhood epilepsy. RESULTS: it was observed that 86% of parents evaluated their children's quality of life as very good, but reported difficulties to deal with them. Behaviors of overprotection (62%) and feelings of worry, fear and insecurity (90%) were observed. The children were evaluated as irritated (52%), dependents (38%), overwroughts and inquiets (38%). About school, 33% are in special schools and have difficulties of academic and relationship. CONCLUSION: it was verified a lot of beliefs and acknowledgement seem to control parent's behavior on the way of dealing with epileptic children producing inadequate behaviors, in spite of realizing the quality of life of their children as been very good.
childhood epilepsy; quality of life; parents-child relationship
INVENTÁRIO SIMPLIFICADO DE QUALIDADE DE VIDA NA EPILEPSIA INFANTIL: PRIMEIROS RESULTADOS
PAULA TEIXEIRA FERNANDES*, ELISABETE ABIB PEDROSO DE SOUZA**
RESUMO - OBJETIVO: Verificar como os pais percebem a qualidade de vida dos filhos epilépticos e se crenças relativas à epilepsia controlam a relação pais e filhos. MÉTODO: Foram aplicados 21 protocolos do "Inventário Simplificado de Qualidade de Vida na Epilepsia Infantil" em pais de crianças com 6 a 14 anos portadoras de epilepsia benigna da infância. RESULTADOS: Observou-se que 86% dos pais relataram crenças relativas à epilepsia. A maioria dos pais avaliou a qualidade de vida dos filhos como muito boa, mas relataram dificuldades no lidar com eles. Aparecem comportamentos de superproteção (62%) e sentimentos de preocupação, medo e insegurança (90%). As crianças foram avaliadas como irritadas (52%), dependentes (38%), agitadas e inquietas (38%). No que diz respeito à escola, 33% das crianças freqüentam escolas especiais e apresentam dificuldades escolares e de relacionamento. CONCLUSÃO: Crenças e desinformação parecem controlar o comportamento dos pais na maneira de lidar com seus filhos epilépticos, gerando comportamentos inadequados, apesar disto, percebem a qualidade de vida dos mesmos como muito boa.
PALAVRAS-CHAVES: epilepsia infantil, qualidade de vida, relação pais-filhos.
Simplified inventory of quality of life in childhood epilepsy: initial results
ABSTRACT - PURPOSE: to check how parents realize the quality of life of their epileptic children and if the relationship is controlled by their beliefs about epilepsy. METHOD: it has been applied 21 protocols of "Simplified inventory of quality of life in childhood epilepsy" to parents of children aged between 6-14 years old with benign childhood epilepsy. RESULTS: it was observed that 86% of parents evaluated their children's quality of life as very good, but reported difficulties to deal with them. Behaviors of overprotection (62%) and feelings of worry, fear and insecurity (90%) were observed. The children were evaluated as irritated (52%), dependents (38%), overwroughts and inquiets (38%). About school, 33% are in special schools and have difficulties of academic and relationship. CONCLUSION: it was verified a lot of beliefs and acknowledgement seem to control parent's behavior on the way of dealing with epileptic children producing inadequate behaviors, in spite of realizing the quality of life of their children as been very godo.
KEY WORDS: childhood epilepsy, quality of life, parents-child relationship.
Qualidade de vida tem sido diferentemente conceituada como a realização de um plano de vida, como satisfação de necessidades, mas será entendida neste estudo como senso de bem estar1. Há inúmeros fatores que podem ter influência na qualidade de vida das crianças epilépticas, não só os fatores relacionados diretamente à epilepsia (tipo e frequência das crises, etiologia, tratamento, medicamentos, cuidados médicos), como também os fatores psico-sócio-culturais (comportamentos, relacionamento familiar e escolar, crenças, emoções) 2.
A qualidade da interação entre pais e filhos é responsável pelos problemas de comportamento e pelas competências da criança em casa e na escola. Crianças com epilepsia têm alta prevalência de comportamento alterado3 e dificuldades de aprendizagem4 que aparecem relacionadas com dificuldades interacionais entre pais e filhos. O desenvolvimento social e emocional prejudicados, consequentemente, alteram a qualidade de vida da criança, sua adaptação ao tratamento e seu ajustamento psicossocial5. Muitos estudos falam de evidente relação entre a doença e as variáveis do contexto familiar, envolvidas num processo de ajustamento6. Estudos de Lothman e Pianta7 e Austin e col.8 observaram a relação existente entre o ajustamento das crianças epilépticas com as atitudes dos pais. Relações familiares, principalmente entre mãe e filho têm importante significado na auto-estima, interação social, dependência e habilidades acadêmicas6. Uma outra variável importante apontada por Souza e Guerreiro1 diz respeito aos lapsos nas explicações sobre a epilepsia, pois reforçam os medos, trazem insegurança e podem influenciar negativamente o ajustamento comportamental e psicossocial da criança, pois alteram a forma de lidar com o filho epiléptico. Muitas vezes, problemas interacionais podem ser prejudicados pela falta de informação sobre a doença, gerando crenças e sentimentos de insegurança, preocupação, medo e superproteção dos pais no lidar com seus filhos epilépticos1.
O objetivo deste estudo foi verificar, junto a pais de crianças epilépticas, como percebem a qualidade de vida dos seus filhos e se crenças relativas à epilepsia controlam a relação pais e filhos.
MÉTODO
Sujeitos
Os pais que acompanhavam seus filhos nas consultas do ambulatório de epilepsia infantil do HC/UNICAMP foram encaminhados para o setor de psicologia para participarem voluntariamente de grupos de apoio. Estes grupos, supervisionados por uma psicóloga, têm em média uma hora de duração, onde são discutidos aspectos psicológicos e informações relativas à epilepsia.
Os primeiros 21 pais que preencheram os critérios de seleção, e concordaram em participar da pesquisa, foram submetidos à aplicação do inventário. Foram selecionados pais cujas crianças tivessem de 6 a 14 anos e fossem portadoras de epilepsia benigna da infância. As crianças tinham em média 10 anos e 4 meses (idades de 6 a 14 anos) e o tempo da doença variava de 1 a 10 anos (média 4 anos e 9 meses).
Instrumento
O "Inventário Simplificado de Qualidade de Vida na Epilepsia" avalia dados pessoais da criança (idade, escolaridade, pais), variáveis da doença (tipo da epilepsia, tempo da doença, medicação, controle e frequência das crises), variáveis culturais (crenças irracionais), variáveis psicológicas e sociais (comportamento da criança em casa e na escola, comportamento dos pais em relação aos filhos, relacionamento social e escolar da criança) e a percepção da qualidade de vida das crianças com epilepsia (apresentada numa escala de 1 a 10)9.
Este inventário foi elaborado a partir do "Inventário de Qualidade de Vida" de Guerreiro e col.4 e é baseado no relato dos pais de crianças portadoras de epilepsia, sobre aspectos importantes que afetam a vida de seus filhos, permitindo a identificação do impacto da doença no comportamento da criança e na dinâmica familiar.
RESULTADOS
No que se refere aos aspectos culturais, pôde-se perceber que 86% dos pais apresentam respostas que identificam a respeito da epilepsia. Aparecem comportamentos supersticiosos como alternativa de tratamento em 24% dos pais. As crenças que mais foram relatadas dizem respeito à possibilidade da criança engolir a língua durante a crise (33%) e à possibilidade das crises ocorrerem porque o filho possui algum verme (29%).
Em relação aos aspectos pessoais, os dados revelam que 76% dos pais consideram seus filhos como pessoas normais, mas apresentam medo da ocorrência de nova crise (71%), medo de contrariar o filho (43%) e comportamentos de superproteção (62%).
No que diz respeito à qualidade de vida, a maioria dos pais avaliou-a como muito boa (48% deram nota dez, 19% deram nota nove, 19% deram nota oito), mas relataram dificuldades no lidar com seus filhos. Aparecem sentimentos de preocupação, medo e insegurança em 90% dos pais.
Em relação aos aspectos pessoais, as crianças foram avaliadas como irritadas (52%), dependentes (38%), agitadas e inquietas (38%), agressivas (19%) e com poucos amigos (19%). (Obs: houve pais que associaram mais de um comportamento).
No que se refere a escola, 33% das crianças frequentam escolas especiais e foi relatado que elas apresentam dificuldades acadêmicas e de relacionamento com os colegas. Entre as crianças com escolaridade adequada, houve queixas de memória em 19% dos casos.
DISCUSSÃO
A epilepsia é doença crônica comum na infância e é considerada uma experiência frustrante para a família, pois influencia o comportamento da criança e o ajustamento familiar10. A frequência de comportamentos alterados na criança influencia a qualidade de vida dela.
Alguns autores11,12 sugerem que o uso de drogas antiepilépticas pode comprometer o dia-a-dia das crianças, porque seus efeitos afetam o comportamento e as funções cognitivas, podendo causar irritabilidade, problemas de aprendizagem, hiperatividade, ansiedade e desordens de conduta. Entretanto, a maioria dos estudos concorda quanto a importância de variáveis psicossociais como determinantes dos problemas de comportamento6,13,14.
Neste estudo, foi possível a identificação de comportamentos alterados a nível acadêmico e de relacionamento. A maioria das crianças apresenta escolaridade adequada (apenas 33% frequentam escolas especiais e apenas 19% apresentam queixas de memória). Este dado mostra que as alterações apresentadas não estão relacionadas com algum déficit intelectual, mas com a possibilidade da presença de estigma relacionado à doença e consequentes reações inadequadas dos pais e professores. O não saber lidar com a epilepsia pode gerar baixas expectativas nos pais e professores e uma baixa auto-estima nas crianças portadoras de epilepsia1.
No que diz respeito ao comportamento das crianças no relacionamento familiar e social, elas foram avaliadas como irritadas, dependentes, inquietas e agitadas, agressivas. Os pais relataram sentimentos de preocupação, medo, insegurança e ansiedade que parecem ser gerados pelo número excessivo de crenças (86%) relacionadas à epilepsia. A presença de superproteção e comportamentos inadequados reforçam a hipótese de inabilidades dos pais em lidar com suas crianças, decorrentes de sentimentos e crenças irracionais. Esses dados coincidem com os de Guerreiro e col.2 que identificaram significante presença de alteração de comportamento nas crianças após o início da doença, contingente às atitudes dos pais. Keith15 também evidenciou sentimentos de inadequação, raiva, confusão relacionados a atitudes de superproteção nos pais.
Algumas idéias controlam os comportamentos dos pais. Idéias provenientes de uma infinidade de fontes (vizinhos, parentes, amigos) cuja validade raramente é checada com médicos e profissionais envolvidos no tratamento. No presente estudo muitos pais apresentaram crenças irracionais relativas ao medo da criança engolir a língua. De acordo com Ford e col.14, essa idéia é bastante comum e os pais costumam colocar canetas, dedos, réguas na boca da criança. Por isso, quando expõem para os profissionais suas dúvidas e ansiedades, podem ser instruídos em como agir em situações de crise, evitando assim estresse e tensão familiar.
Muitas vezes, alguns conceitos errados não são expostos pelos pais ou não são identificados pelos médicos. O uso de um instrumento de avaliação da qualidade de vida pode permitir essa identificação e com isso, a possibilidade de uma orientação adequada que saliente a importância do tratamento da epilepsia tanto a nível médico, como a nível psicológico.
Thompson e Upton16, evidenciaram que os pais, geralmente, são um pouco confusos no que diz respeito à epilepsia; para eles essa desordem, muitas vezes, tem má conotação, pois é associada com doença ou retardo mental. Existe um alto nível de ansiedade que é alimentado por mitos e preconceitos sobre a doença e pelo medo da epilepsia vir acompanhada de sérios problemas de personalidade. Informações que são totalmente errôneas e acarretam sérios danos às pessoas. A presença de uma crença irracional é suficiente para gerar ansiedade e comportamentos inadequados17. Uma reação comum dos pais é a superproteção, que pode ser mais prejudicial do que as próprias crises. Muitas vezes, os pais precisam de permissões médicas e de encorajamento para impor limites. Por medo das consequências, precisam de estímulo para tratar as crianças com normalidade14.
Quando o médico, além de avaliar os sinais da doença, abre espaço para o paciente e/ou familiares colocarem suas dificuldades a respeito de estar doente ou de ter alguém doente em casa, amplia a perspectiva de atendimento integral ao paciente e sua família, prevenindo uma relação inadequada entres os mesmos, através de informações corretas.
Quanto à percepção de qualidade de vida das crianças com epilepsia, a maioria dos pais definiu esta variável como muito boa. Provavelmente, estes pais estavam se baseando no fato das crises estarem sob controle e de suas crianças estarem levando uma vida normal, frequentando escolas, e não a relacionaram com as dificuldades de interação e problemas de comportamento por eles relatados.
Entrevistas com os pais, muitas vezes, permitem conhecer não só medidas de qualidade de vida, como também aspectos importantes que afetam as relações e o comportamento das crianças com epilepsia. Seria importante confirmar os dados obtidos através do relato dos pais com a própria criança, obtendo novas informações que complementam informações a respeito do real impacto da doença na vida da criança e sua percepção das mudanças familiares.
A investigação de variáveis familiares em relação ao controle de comportamentos e ajustamento à doença é muito importante. A identificação destas permite a prevenção de comportamentos inadequados e, consequentemente, a melhora na qualidade de vida das crianças epilépticas e suas famílias. A desmistificação de crenças e preconceitos, através de informações corretas sobre a doença e seu tratamento, diminui a ansiedade da família, garante mais cuidados eficazes no atendimento à criança com epilepsia e promove melhor ajustamento dela13,16.
Algumas vezes, a criança sente-se estigmatizada por causa da reação dos pais ou de outras pessoas próximas. Quando se identifica precocemente estas variáveis, é possível atuar de modo mais positivo na dinâmica familiar, controlando o ajustamento da criança e da família à epilepsia.
O "Inventário Simplificado de Qualidade de Vida na Epilepsia"9 é de fácil aplicação em uso clínico, com linguagem clara para o entendimento dos sujeitos e permite a identificação de importantes aspectos que atuam no cotidiano da criança com epilepsia e sua família. A padronização do instrumento será feita posteriormente, à medida que novos casos de epilepsia forem sendo avaliados.
Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP):
Paula Teixeira Fernandes ¾ Departamento de Neurologia/FCM/UNICAMP ¾ Caixa Postal 6111 ¾ 13083-970 Campinas SP ¾ Brasil. E-mail: famfern@correionet.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Nov 2000 -
Data do Fascículo
Mar 1999
Histórico
-
Aceito
19 Out 1998