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Escala de avaliação da reação de retração no bebê: Um estudo de validade

The baby alarm distress scale: a validity study

Resumos

Avaliar a retração da criança pequena, a partir de um instrumento padronizado, deve levar em conta o contexto psicopatológico e o momento de desenvolvimento da criança. Apresentamos a validação do questionário BADS, a partir de sua aplicação em 90 crianças, com idade entre 0 e 2 anos, obtendo concordância entre os dois avaliadores, representada por Kappa de 0,71 para p<0,01 e coeficiente de Spearman de 0,866. A análise fatorial mostrou 4 fatores para 63,5% da amostra estudada. Com essas qualidades psicométricas, a escala demonstra ser importante como instrumento de triagem, embora deva ser estudada em outras populações.

retração da criança pequena; criança; questionário; validação


It should take into account the psychopatologic context and the child's development moment to evaluate the baby alarm distress from a standardized instrument. We present the BADS questionnaire validation by its application in 90 children, from 0 to 2 years-old, obtaining a K=0.783 to p<0.01, with a Spearman coeficient of 0.866 and factorial analysis to 4 factors to 63.5% of the population studied. With these psychometrical qualities, the scale shows its importance as a screening but is important its study in others populations.

baby alarm distress; child; questionnaire; validation


Um estudo de validade

Francisco Baptista Assumpção Jr.11Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (DM) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo SP, Brasil:Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Diretor Técnico do SEPIA-IPq-HC-FMUSP; 2Pediatra - Psiquiatra da Infância e da Adolescência, Médica Assistente do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da FMUSP; 3Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP. Mestre em Neurociências pelo Instituto de Psicologia da USP(IP-USP), Doutoranda em Neurociências pelo IP-USP; 4Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP. , Evelyn Kuczynski21Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (DM) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo SP, Brasil:Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Diretor Técnico do SEPIA-IPq-HC-FMUSP; 2Pediatra - Psiquiatra da Infância e da Adolescência, Médica Assistente do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da FMUSP; 3Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP. Mestre em Neurociências pelo Instituto de Psicologia da USP(IP-USP), Doutoranda em Neurociências pelo IP-USP; 4Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP. , Márcia Gabriel da Silva Rego31Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (DM) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo SP, Brasil:Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Diretor Técnico do SEPIA-IPq-HC-FMUSP; 2Pediatra - Psiquiatra da Infância e da Adolescência, Médica Assistente do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da FMUSP; 3Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP. Mestre em Neurociências pelo Instituto de Psicologia da USP(IP-USP), Doutoranda em Neurociências pelo IP-USP; 4Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP. , Cristiana Castanho de Almeida Rocca41Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (DM) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo SP, Brasil:Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Diretor Técnico do SEPIA-IPq-HC-FMUSP; 2Pediatra - Psiquiatra da Infância e da Adolescência, Médica Assistente do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da FMUSP; 3Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP. Mestre em Neurociências pelo Instituto de Psicologia da USP(IP-USP), Doutoranda em Neurociências pelo IP-USP; 4Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP.

RESUMO - Avaliar a retração da criança pequena, a partir de um instrumento padronizado, deve levar em conta o contexto psicopatológico e o momento de desenvolvimento da criança. Apresentamos a validação do questionário BADS, a partir de sua aplicação em 90 crianças, com idade entre 0 e 2 anos, obtendo concordância entre os dois avaliadores, representada por Kappa de 0,71 para p<0,01 e coeficiente de Spearman de 0,866. A análise fatorial mostrou 4 fatores para 63,5% da amostra estudada. Com essas qualidades psicométricas, a escala demonstra ser importante como instrumento de triagem, embora deva ser estudada em outras populações.

PALAVRAS-CHAVE: retração da criança pequena, criança, questionário, validação.

The baby alarm distress scale: a validity study

ABSTRACT - It should take into account the psychopatologic context and the child's development moment to evaluate the baby alarm distress from a standardized instrument. We present the BADS questionnaire validation by its application in 90 children, from 0 to 2 years-old, obtaining a K=0.783 to p<0.01, with a Spearman coeficient of 0.866 and factorial analysis to 4 factors to 63.5% of the population studied. With these psychometrical qualities, the scale shows its importance as a screening but is important its study in others populations.

KEY WORDS: baby alarm distress, child, questionnaire, validation.

A nosografia psiquiátrica, baseada principalmente na experiência com pacientes e fundamentada em observações psicopatológicas de cunho eminentemente descritivo com a finalidade de estabelecer a especificidade sintomatológica e sindrômica, apresenta grandes dificuldades na psiquiatria da infância, em função da questão do desenvolvimento, que propicia uma mudança contínua nas características do sujeito, com maiores dificuldades na avaliação desses sintomas, quando da ocorrência em crianças de baixa idade. Não havendo marcadores biológicos ou quaisquer mensurações objetivas para a maior parte dos transtornos psiquiátricos, o julgamento de sua presença é realizado com base na sintomatologia1. Diante dessas dificuldades, faz-se necessária a elaboração de testes e escalas, enquanto medidas objetivas e padronizadas de uma amostra de comportamento2. Em relação ao bebê, as dificuldades são muito grandes, uma vez que, ao se apresentar como um ser sensório motor, a sintomatologia observada prende-se, na maioria das vezes, eminentemente na avaliação reflexa que, embora importante na detecção das grandes sindromes neurológicas e psiquiátricas, é pouco sensível na suspeita de quadros psiquiátricos que comprometem frequentemente o padrão interacional e lingüístico do indivíduo afetado, refletindo a possibilidade adaptativa desse indivíduo. Assim sendo, torna-se difícil precisar patologias psiquiátricas especificas em idades precoces, em que pese a apresentação de depressão anaclítica, descrita por Spitz3. Tendo em vista essas dificuldades diagnósticas, Guedeney4 passa a utilizar o conceito de reação de retração como precursora de quadros psiquiátricos, principalmente depressão. Esse conceito, longe de ser recente, foi descrito por Brazelton, em 19745, como modo de regulação normal da interação, embora estruturado por breve espaço de tempo. Engel6 descreve uma retração mais duradoura como reação de base, e uma das primeiras manifestações de angústia. Esta se caracterizaria como uma reação de alarme7 para grande parte das patologias psiquiátricas de ocorrência precoce, principalmente depressão.

A Escala de Avaliação da Retração do Bebê (Echelle d'évaluation de la réaction de retrait prolongé du jeune enfant ou The baby alarm distress scale - BADS) é uma escala clínica, construída com 8 itens, ordenados de maneira habitual e progressiva, representando o contato do profissional com o bebê, tendo sido idealizada para ser utilizada durante a consulta pediátrica como uma forma rica e variada, porém condensada, de estimulação, na maneira proposta por Winnicott8. É pontuada de 0 a 4 em cada um dos 8 itens, tendo sido validada4, observando-se um coeficiente de Spearman entre 0.7 e 0.8, e um coeficiente alfa de Cronbach de 0.8, podendo ser utilizada em diferentes locais, de maneira simples e breve, principalmente durante o atendimento rotineiro em Pediatria, dispensando o treinamento dos profissionais envolvidos.

Parece-nos útil enquanto escala de rastreamento de possíveis casos psiquiátricos9, o que nos levou a estruturar o presente trabalho, visando propiciar mais um instrumento adaptado à realidade brasileira, para a utilização clínica e em outros projetos de pesquisa na área.

MÉTODO

Para adaptação em nosso meio, foi pedida autorização a seu idealizador, que forneceu vídeo mostrando sua aplicação, visando maiores conhecimentos por parte dos futuros aplicadores. Após o conhecimento da escala e sua aplicação, o questionário foi traduzido do francês para o português por psiquiatra com conhecimento da língua sendo, posteriormente, feita a back translation por pessoa com conhecimentos da língua francesa e portuguesa (Anexo Anexo ).

Posteriormente, o questionário foi aplicado simultaneamente por dois avaliadores diferentes (ambos com terceiro grau completo e formação na área de saúde mental), em 90 crianças, com idades de até dois anos. Ambos os avaliadores não sabiam dos resultados obtidos pelo colega. As crianças são provenientes de quatro creches conveniadas com a prefeitura da cidade de São Paulo, e não apresentam nenhuma patologia detectada previamente.

A escala foi pontuada, conforme orientação do autor, ou seja, de 0 a 4 em cada um dos 8 itens, com a pontuação global tendo sido feita através da simples soma aritmética dos escores obtidos. O tempo médio de aplicação foi pequeno, situando-se ao redor de 10 minutos, o que garante sua fácil aplicabilidade.

Os dados obtidos foram analisados através do teste de Kappa10, do coeficiente de correlação de Spearman11 e da análise fatorial, com itens com peso maior que 0.5, seguido de rotação Varimax. A análise fatorial teve por função selecionar o conjunto de variáveis mais correlacionadas entre si, agregando-as em fatores que visavam identificar as variáveis que compõem os principais fatores e tentando inferir qual aspecto do estudo o fator identifica, possibilitando a análise de menor número de fatores.

RESULTADOS

A média total de pontos obtidos foi de 5,98±2,57 para o primeiro observador, e 6,26±2,47, para o segundo, obtendo-se, ao teste de Kappa, um K de 0,783 para p<0,001 (Tabela 1), o que mostrou boa concordância entre os avaliadores. O coeficiente de Spearman, medindo o grau de associação entre duas variáveis de mensuração numérica, foi igual a 0,866, mostrando forte correlação positiva entre as respostas dos dois avaliadores (Tabela 2). Com a análise fatorial, obteve-se 4 fatores, que totalizaram 63,5% da variação total (Tabelas 3 e 4), agregando os seguintes itens:

Fator 1 ¾ Expressão facial (item 1) e atividade corporal (item 3); Fator 2 ¾ Contato visual (item 2), vivacidade das reações aos estímulos (item 6) e atratividade (item 8); Fator 3 ¾ Gestos de auto estimulação (item 4) e relação (item 7); Fator 4 ¾ Vocalizações (item 5).

DISCUSSÃO

A avaliação psicopatológica da criança que se encontra no período sensório motor é difícil, embora deva ser estabelecida, visando a determinação de sinais precursores de futuros quadros clínicos, para que medidas preventivas e terapêuticas possam ser implementadas, buscando minorar as conseqüências futuras. A reação de retração precoce pode ser um bom indicador desses quadros, principalmente naquilo que se refere aos quadros depressivos e outros quadros relativos a problemas de desenvolvimento, quer de natureza psicológica ou orgânica, uma vez que se baseia predominantemente em esquemas motores e de sociabilidade em sua apresentação mais primitiva.

De maneira similar à do autor que a concebeu4, sua validade é boa, conforme o dado obtido na testagem estatística, podendo ser aplicada por diferentes profissionais, de forma bastante homogênea. Entretanto, diferentemente do autor, encontramos pequena correlação entre as variáveis, o que nos obrigou a definir 4 fatores, ao contrário dos dois propostos por ele, a saber, uma dimensão não interpessoal (itens 1, 5 e 6) e uma dimensão interpessoal (itens 2, 3, 4, 7 e 8). Em nosso estudo, parece haver uma dependência de fatores, embora possamos entender os quatro fatores descritos como manifestações da relação do bebê consigo mesmo e com o outro, a partir da mímica, do contato com o estímulo, da estimulação motora e das emissões vocálicas, sendo esta última, aparentemente, o item mais independente do grupo.

Também, de maneira diferente do autor, preferimos não calcular um ponto de corte, uma vez que nos parece que o instrumento precisa ainda ser mais utilizado e conhecido, com seus resultados replicados. Dessa maneira deveremos, como segundo passo, aplicá-lo em crianças com diagnósticos clínicos prévios para, posteriormente, podermos estabelecer a comparação entre as amostras.

Devido à sua facilidade de uso, bem como confiabilidade, acreditamos que, após aprimoramento e estudos, possa ser de utilidade na prática da psiquiatria infantil, como instrumento de screening.

Recebido 31 Maio 2001, recebido na forma final 24 Agosto 2001. Aceito 12 Setembro 2001.

Dr. Francisco B. Assumpção Jr - Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP - 1º andar - R. Dr. Ovídio Pires de Campos s/n - 05403-900 - São Paulo SP - Brasil. FAX: 11 3085 0228.

  • 1. Menezes PR, Nascimento AF. Validade e confiabilidade das escalas de avaliação em psiquiatria. In Gorenstein C, Andrade LHSG, Zuardi AW. (eds) Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos, 2000:23-28.
  • 2. Anastasi A. Testes psicológicos. São Paulo: Herder, 1972.
  • 3. Spitz R. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • 4. Guedeney A. De la reaction precoce et durable de retrait a la depression chez le jeune enfant. Neuropsychiatr Enfance Adolesc 1999;47:63-71.
  • 5. Brazelton TB, Koslowski B, Main M. Origins of reciprocity. In Lewis M, Rosemblum L. (eds) Mother infant interaction. New York: John Wiley & Sons, 1974.
  • 6. Engel GL. Anxiety and depression withdrawl: the primary effects of unpleasure. Int J Psychoanal 1962;43:89-97.
  • 7. Ironside W. The infant development distress syndrome: a predictor of impaired development? Aust N Z J Psychiatry 1975;9:153-158.
  • 8. Winnicott DW. De la pediatrie a la psychanalise. Paris: Payot, 1969.
  • 9. Andreoli SB, Blay SL, Mari JJ. Escalas de rastreamento aplicadas na populacão geral. In Gorenstein C, Andrade LHSG, Zuardi AW (eds) Escalas de avaliação clinica em psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos, 2000:45-52.
  • 10. Agresti A. Categorical data analysis. Washington: John Willey & Sons, 1990.
  • 11. Glantz SA. Primer of biostatistics. Washington: McGraw Hill, 1997.

Anexo

  • 1
    Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (DM) da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo SP, Brasil:
    Professor Livre Docente do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Diretor Técnico do SEPIA-IPq-HC-FMUSP;
    2
    Pediatra - Psiquiatra da Infância e da Adolescência, Médica Assistente do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da FMUSP;
    3
    Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP. Mestre em Neurociências pelo Instituto de Psicologia da USP(IP-USP), Doutoranda em Neurociências pelo IP-USP;
    4
    Psicóloga do SEPIA-IPq-HC-FMUSP, Mestranda em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2002
    • Data do Fascículo
      Mar 2002

    Histórico

    • Recebido
      24 Ago 2001
    • Aceito
      12 Set 2001
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