Resumos
O tumor fibroso solitário (TFS) é neoplasia mesenquimal rara, originalmente descrita na pleura e sendo mais recentemente também observada em vários outros sítios. Sua extensão para estruturas adjacentes não é incomum. O acometimento da meninge pelo TFS é raro, havendo relato de apenas vinte e seis casos na literatura. Apresentamos o caso de uma paciente de 25 anos, sexo feminino, com crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas desde há seis anos. Durante a investigação, foi diagnosticado tumor em região occipital esquerda. A paciente foi submetida à craniotomia occipital, com exérese completa do tumor. O diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico foi de tumor fibroso solitário da meninge. Após seguimento pós-operatório por três anos, a paciente mantém o exame neurológico sem alterações e não apresenta evidência de recidiva nos controles tomográficos. É apresentada também uma breve revisão da literatura.
tumor solitário da meninge; tumor meníngeo; CD-34
The solitary fibrous tumor (SFT) is a rare mesenquimal neoplasm, found originally in association with the pleura. Recently, SFT was reported in others sites. The extension into adjacent structures is not uncommon. The meningeal involvement by SFT is rare and there has only twenty-six cases been reported previously in the literature. We report a case of a 25 years-old female patient with generalized tonic clonic seizures in the last six years. During the neurologic investigation, a tumor in the left occipital region of the brain was found. The patient underwent an occipital craniotomy with total resection of the tumor. The histopatological and immunohistochemical diagnosis was STF. After three years of follow-up, the patient remains stable, with a normal neurological exam. There is no sign of tumor recidive in the postoperative cranial tomography. We will briefly review the literature about STF.
solitary fibrous tumor of the meninges; meningeal tumor; CD-34
TUMOR FIBROSO SOLITÁRIO DA MENINGE
Relato de Caso
Ricardo Silva Centeno1 1 Disciplina de Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), São Paulo SP, Brasil: Mestre em Neurocirurgia; 2 Residente em Neurocirurgia; 3 Médico anátomo-patologista do Laboratório Salomão e Zoppi; 4 Professor Doutor em Neurocirurgia. , Alessandra Augusta Gorgulho Pedroso2 1 Disciplina de Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), São Paulo SP, Brasil: Mestre em Neurocirurgia; 2 Residente em Neurocirurgia; 3 Médico anátomo-patologista do Laboratório Salomão e Zoppi; 4 Professor Doutor em Neurocirurgia. , Emilio Marcelo Pereira3 1 Disciplina de Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), São Paulo SP, Brasil: Mestre em Neurocirurgia; 2 Residente em Neurocirurgia; 3 Médico anátomo-patologista do Laboratório Salomão e Zoppi; 4 Professor Doutor em Neurocirurgia. , Aziz Rassi Neto4 1 Disciplina de Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), São Paulo SP, Brasil: Mestre em Neurocirurgia; 2 Residente em Neurocirurgia; 3 Médico anátomo-patologista do Laboratório Salomão e Zoppi; 4 Professor Doutor em Neurocirurgia.
RESUMO - O tumor fibroso solitário (TFS) é neoplasia mesenquimal rara, originalmente descrita na pleura e sendo mais recentemente também observada em vários outros sítios. Sua extensão para estruturas adjacentes não é incomum. O acometimento da meninge pelo TFS é raro, havendo relato de apenas vinte e seis casos na literatura. Apresentamos o caso de uma paciente de 25 anos, sexo feminino, com crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas desde há seis anos. Durante a investigação, foi diagnosticado tumor em região occipital esquerda. A paciente foi submetida à craniotomia occipital, com exérese completa do tumor. O diagnóstico histopatológico e imuno-histoquímico foi de tumor fibroso solitário da meninge. Após seguimento pós-operatório por três anos, a paciente mantém o exame neurológico sem alterações e não apresenta evidência de recidiva nos controles tomográficos. É apresentada também uma breve revisão da literatura.
PALAVRAS-CHAVE: tumor solitário da meninge, tumor meníngeo, CD-34.
Solitary fibrous tumor of the meninges: case report
ABSTRACT - The solitary fibrous tumor (SFT) is a rare mesenquimal neoplasm, found originally in association with the pleura. Recently, SFT was reported in others sites. The extension into adjacent structures is not uncommon. The meningeal involvement by SFT is rare and there has only twenty-six cases been reported previously in the literature. We report a case of a 25 years-old female patient with generalized tonic clonic seizures in the last six years. During the neurologic investigation, a tumor in the left occipital region of the brain was found. The patient underwent an occipital craniotomy with total resection of the tumor. The histopatological and immunohistochemical diagnosis was STF. After three years of follow-up, the patient remains stable, with a normal neurological exam. There is no sign of tumor recidive in the postoperative cranial tomography. We will briefly review the literature about STF.
KEY WORDS: solitary fibrous tumor of the meninges, meningeal tumor, CD-34.
O tumor fibroso solitário (TFS) foi primeiramente descrito por Klemperer e Rabin1 , em 1931. Tratava-se de tumor pleural, em adulto. Subsequentemente, novos casos foram relatados em outros sítios: serosos e não-serosos. É descrita a presença de TFS em localizações como: mediastino, peritônio, fígado, estômago, ovário, tireóide, trato respiratório superior, pulmão, pericárdio, faringe, rim, cavidade nasal e órbita2-4. Recentemente, foram descritos casos de TFS acometendo a meninge4-6. Estudos histopatológicos e imunohistoquímicos confirmaram a relação deste tumor com o tumor fibroso solitário da pleura. Apesar de ainda não haver consenso quanto à histogênese desta neoplasia, estudos imunohistoquímicos e ultraestruturais sugerem origem mesenquimal, não sendo mais aceita a hipótese de origem mesotelial7-13.
Nosso objetivo é relatar um caso de TFS da meninge, bem como discutir os critérios diagnósticos e os diferenciais dessa lesão tão rara na meninge. Apresentamos também breve revisão dos casos da literatura.
CASO
Mulher de 25 anos, com história de crises convulsivas generalizadas tônico-clônicas há seis anos, desencadeadas por situações de estresse. Apresentava crises duas a três vezes por mês. Estava em acompanhamento médico há dois anos, fazendo uso de Carbamazepina 600 mg/dia e Fenobarbital 200 mg/dia. Não houve melhora no controle das crises. O exame neurológico apresentava-se normal. O EEG evidenciava foco temporal esquerdo. Foi solicitada ressonância magnética (RM) de crânio que evidenciou uma lesão parassagital occipital esquerda. A lesão era hipointensa em T1 e hiperintensa em T2, realçando intensamente após a injeção de gadolínio (Fig 1). Em setembro de 1997, a paciente foi submetida à craniotomia occipital esquerda para exérese do tumor, tendo sido realizada a ressecção completa do mesmo, com comprovação por tomografia computadorizada (TC) de crânio no pós-operatório (Fig 2).
O material foi enviado para estudo anatomopatológico. À macroscopia, notava-se estrutura nodular, cujo maior eixo media 1,6 cm, de superfície lisa e coloração pardo-clara. A superfície de corte mostrou-se homogênea, com coloração castanho-acinzentada e consistência fibroelástica. A histopatologia do presente caso demonstra uma neoplasia mesenquimal constituída por células de núcleos ovóides ou alongados, com citoplasma escasso (Fig 3). As células não apresentam atipias importantes e estão dispostas em arranjos irregulares, alternando áreas densamente celulares com áreas paucicelulares contendo fibras colágenas "queloideanas". Em áreas em meio à neoplasia, são observados vasos sanguíneos de tamanhos variados com contornos angulados. Figuras de mitose são ocasionais. O estudo imuno-histoquímico revelou intensa positividade para vimentina e CD-34 no citoplasma das células neoplásicas. Estas células foram negativas para proteína S-100, antígeno de membrana epitelial (tMA), CD-31 e citoqueratina (AE1, AE3). Este perfil imuno-histoquímico é compatível com o diagnóstico de tumor fibroso solitário.
A paciente evoluiu com evidente melhora da frequência das crises convulsivas (uma a cada trimestre). Após três anos de acompanhamento ambulatorial, mantém exame neurológico normal e não há evidência de recidiva tumoral em tomografias de controle.
DISCUSSÃO
TFS é neoplasia mesenquimal de histogênese incerta, com graus variáveis de comportamento biológico. Até o momento foram descritos 26 casos de tumor fibroso solitário da meninge4-6,13-19 (Tabela 1). A primeira descrição foi feita em 1996, por Carneiro et al.5, com relato de 7 casos deste tumor. Apesar da maioria dos casos não ter apresentado recidiva ou metástases, os critérios diagnósticos para graduação do potencial de malignidade ainda são incertos. Dentre os 26 casos descritos, cinco recidivaram, tendo sido feita extirpação subtotal em dois desses casos. Nos demais, apesar da exérese na primeira cirurgia ter sido descrita como completa, houve recidiva. Em contrapartida, em outros dois casos de ressecção subtotal não houve recidiva. Recentemente, HoKeung et al.14 descreveram o primeiro caso de TFS da meninge de evolução maligna, caracterizada por múltiplas recidivas locais e metástases extra-SNC. A Tabela 1 contém resumidamente os dados dos casos descritos na literatura, inclusive o nosso. Observamos que há discreta prevalência no sexo feminino. Quanto à idade, há prevalência maior na faixa etária acima dos 40 anos, exatamente como ocorre nos outros TFS extra-pleurais15.
O diagnóstico é firmado com base na histopatologia compatível e na imunohistoquímica. O diagnóstico imunohistoquímico definitivo é estabelecido por meio da positividade do CD-34, que é uma glicoproteína de membrana usualmente expressa em células precursoras do sistema hematopoiético e em algumas células mesenquimais de função ainda não-determinada. A imunorreatividade para CD-34 exibe padrão citoplasmático difuso e granular. Outro marcador expressado no TFS é a vimentina.
O diagnóstico diferencial mais importante é com o meningioma, principalmente a variante fibroblástica (MF)16. Há tendência maior do TFS em acometer o ângulo ponto-cerebelar e a medula, ao contrário do MF, que é supratentorial em sua maioria. A despeito da histologia ser distinta em casos típicos, há casos em que a diferenciação é feita apenas através da análise da imunohistoquímica, na qual encontramos reação positiva para EMA e proteína S-100 nos MF e negativa nos TFS. O CD-34 pode ser negativo ou fracamente positivo com padrão focal nos MF4, enquanto no TFS é difusamente positivo. À microscopia eletrônica, notam-se também algumas características ultraestruturais que são peculiares ao meningioma e não são observadas no TFS, tais como as interdigitações das membranas citoplasmáticas1,26,27.
Outro diagnóstico diferencial é o hemangiopericitoma (HPC) meníngeo4 cuja evolução é marcadamente diferente do TFS. Este tumor exibe imunorreatividade para a vimentina e é ocasionalmente positivo para CD-34, notadamente nas células perivasculares.
Outros diagnósticos diferenciais incluem os tumores da bainha nervosa (schwanoma e neurofibroma), fibrossarcoma meníngeo e o miofibroblastoma da meninge. Este último é também neoplasia mesenquimal de evolução benigna, apresentando um padrão focal de positividade ao CD-34.
Recorrências e transformações malignas já foram descritas para o TFS em diversas localizações. Em levantamento de 214 casos de TFS da pleura, 36% apresentaram comportamento maligno e 13% recidivaram28. A maioria dos TFS extra-pleurais tende a apresentar evolução benigna, embora existam relatos de comportamento maligno29. Na meninge, há apenas o relato de um caso de evolução maligna. O principal fator prognóstico para boa evolução parece ser o grau de ressecabilidade da lesão28. Embora pareça existir também correlação entre índice mitótico e atipia celular, isso não se confirmou em uma série de casos, visto que apresentaram aspectos histológicos desfavoráveis, porém evoluíram de maneira benigna15,30,31.
O comportamento biológico desta neoplasia ainda não está bem estabelecido. Isto decorre tanto do fato dessa entidade ter sido recentemente descrita quanto pelo reduzido número de casos da literatura. Sabemos que tumores de histologia mais atípica comportam-se clinicamente bem, enquanto outros, mesmo com ressecção cirúrgica total, recidivam. Portanto, o que podemos concluir sobre o TFS da meninge é que se trata de neoplasia rara, cujo diagnóstico é estabelecido pela imunohistoquímica através da positividade de aspecto difuso pelo CD-34. O principal diagnóstico diferencial é feito com MF e com HPC. O TFS tende a ter evolução benigna porém pode haver metástase ou recidiva. As recidivas caracterizam-se por serem bastante tardias (até 30 anos depois da primeira cirurgia)21, razão pela qual o follow-up desses pacientes deve ser mantido indefinidamente.
Recebido 6 Setembro 2001, recebido na forma final 12 Novembro 2001. Aceito 23 de Novembro 2001.
Dra Alessandra A. Gorgulho Pedroso Rua Três de Maio, 260/15º andar - 04044-020 São Paulo SP - Brasil. FAX: 11 3846 4200.
E-mail: alepedroso@uol.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jul 2002 -
Data do Fascículo
Jun 2002
Histórico
-
Recebido
06 Set 2001 -
Aceito
23 Nov 2001