IN MEMORIAM
O Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) perdeu um dos seus mais atuantes membros em 19 de março deste ano, o Prof. Dr. José Antonio Levy. Nascido na cidade de Santos em 22 de agosto de 1925, graduou-se em Medicina na FMUSP em 1950. Desde então passou a integrar a Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, clínica essa a que deu o melhor de si e na qual galgou todos os degraus da carreira universitária: o Doutoramento, a Livre Docência e aquele de Professor Adjunto (1981). Nesta invejável posição, como Professor Associado se manteve com galhardia até sua aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade, em 1995.
Aos pacientes que assistiu na Clínica Neurológica do HC deu sempre o melhor de si. Aos alunos de graduação da FMUSP, sempre orientou nos passos iniciais da especialidade, com bem ministradas aulas, fruto do seu conhecimento da matéria . Nessa mesma clínica encontrou os caminhos das pesquisas que o levaram aos píncaros do saber.
Em duas vertentes pesquisou. Primeiramente, naquela dos transtornos vesicais neurogênicos, introduzindo na prática neurológica um exame até então colocado em segundo plano, o da cistometria e seu significado propedêutico. As novas técnicas que introduziu nesse ramo do conhecimento neurológico levaram a que produzisse trabalhos científicos sobre o tema e, ainda, serviram de eixo para sua Tese de Doutoramento. Esta foi um marco.
Desenvolve a segunda vertente de suas pesquisas no início dos anos sessenta, pouco antes de prestar concurso para Livre Docente de Clínica Neurológica da FMUSP (1963). Esse importante passo da carreira deu-lhe foros de Professor e permitiu ampliar seus estudos sobre as miopatias de âmbito neurológico. De fato, foram as neuromiopatias a segunda real vertente de suas pesquisas. Sozinho, iniciou em nosso meio o estudo do diagnóstico desse amplo espectro da patologia humana. Enfrentou com pertinácia as dificuldades inerentes à fase inicial e, pouco a pouco, estabeleceu o seu próprio laboratório que, posteriormente, passou a ser destacada parte do Centro de Investigações em Neurologia da FMUSP. Tornou-se autoridade reconhecida nos domínios dessa área em particular e, mediante seus estudos, deu à matéria o merecido lugar entre as especialidades neurológicas. As publicações de seus estudos se sucedem. Seu renome ultrapassa nossas fronteiras. Vêm estagiários de vários centros aprender com ele. Da clínica e aconselhamento genético investe no diagnóstico laboratorial: da histologia inicialmente abordada, passa à histoquímica e à microscopia eletrônica; emoldura o desenvolvimento da eletromiografia voltada para as doenças neuromusculares. Incessantemente enriquece o tema. Forma uma escola. Torna-se o primeiro Professor de Moléstias Musculares do Curso de Pós-Graduação em Neurologia da FMUSP, atividade iniciada em 1973 e que exerceu até aposentar-se. Funda a Sociedade Brasileira de Estudos de Doenças Musculares, de que foi o primeiro Presidente, e sempre, o Mentor. Visita, a convite, centros de estudos do tema no Exterior, como na Inglaterra, em 1974. Reune em compêndio a matéria desses estudos, cujos resultados apresentara nos congressos da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), assim como da Federação Mundial de Neurologia (WFN). Passa a ser sempre convidado a apresentar temas oficiais ligados a miopatia nos congressos da ABN e da WFN. Sua palavra passa a ser a última, a mais considerada.
Um professor nato, Levy sabia modular e medir o conteúdo de suas aulas de acordo com a necessidade dos discentes, fossem eles de graduação ou de pós-graduação e, mais ainda, dos estagiários que a ele se dirigiam em sua sede de saber. Levy inicia novo estilo de conduzir o estagiário, pois faz dele um estagiário no trabalho e no ambiente do seu lar. Com Ângela, sua admirável esposa, ouvem a cada um, personalizam o trato, incluindo no ambiente familiar e, assim, diminuindo a saudade de seu canto no mundo. De modo tranqüilo, mas sempre eficiente, soube fazer de seus discípulos verdadeiros amigos e competentes especialistas.
Assim como cuidou de seus estagiários, Levy cuidou com determinação das demais tarefas que a vida universitária lhe foi trazendo, dentre as quais a de ser Professor de Neurologia em novas escolas médicas: da Faculdade de Medicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica, (1966, 1967) e da Faculdade de Medicina de Santos da Fundação Lusíada (1969-1974), para a qual fora unanimemente escolhido pela Congregação em 1968. Dessa forma, foi o pioneiro do ensino formal da neurologia em Santos, sua terra natal.
Igualmente, aos companheiros da Clínica Neurológica da FMUSP estava sempre pronto a ensinar e a ajudar, tornando-se um líder cheio de amizade, amizade essa com que tive o prazer de me beneficiar desde a meus primeiros dias nessa clínica. Foi sempre com um olhar compreensivo que a todos recebeu, a pouco e pouco transformando a compreensão em amizade, profunda amizade.
Difícil é discorrer sobre o médico, o professor universitário e o investigador de muito quilate José Antonio Levy. Muito mais difícil é, no entanto, escrever sobre o amigo, o grande amigo que foi desde o berço neurológico até o final de nossas carreiras universitárias. Fica a imagem do amigo de todas as horas, de todas as ocasiões. Fica a imagem do homem sincero, inteligente e batalhador, avesso a elogios e a homenagens, reto e simples, cujo olhar dizia do calor da amizade. Do homem de uma só palavra, de caráter íntegro. Fica, para todos, a sua lição de vida.
Deixa Levy uma família unida e pródiga, à qual dedicou muitas horas de sua vida, sempre com amor, atenção e carinho. Sua esposa, Ângela, extraordinária companheira, até o fim. As filhas Vera, Ângela, Lúcia e Marialice. O filho Marcos e a esposa Cecília, que deu a ele dois netos Luiza e Thomas. Tenham eles sempre a certeza da admiração, do reconhecimento e da gratidão de todos nós da Clínica Neurológica da FMUSP, dentre eles deste admirador e sempre amigo.
ANTONIO SPINA-FRANÇA
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
11 Abr 2008 -
Data do Fascículo
Set 2007