Acessibilidade / Reportar erro

O valor prognóstico da telerradiografia de tórax na cardiomiopatia dilatada idiopática na infância

Resumos

OBJETIVOS: Analisar o valor prognóstico da cardiomegalia, da congestão pulmonar e do índice cardiotorácico como marcadores de óbito e sobrevida em crianças com cardiomiopatia dilatada. MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 152 pacientes entre setembro de 1979 e março de 2003. Foram realizados 722 exames nos primeiros 72 meses e 100 nos primeiros 15 dias de evolução. Análise estatística: qui-quadrado, teste t de Student, análise de variância para medidas repetidas e método de Kaplan-Meier. Foram utilizados os valores alfa = 0,05 e beta = 0,80. RESULTADOS: Idade no diagnóstico de 2,2±3,2 anos. Incidência maior nos menores de 2 anos (76,3%; IC 95% = 68,7% a 82,8%) (p < 0,0001). Sexo (p = 0,07) e etnia (p = 0,11) não foram significantes, e a mortalidade não foi influenciada pela faixa etária (p = 0,73), sexo (p = 0,78) e etnia (p = 0,20). A maioria dos pacientes (84,2%; IC 95% = 77,4% a 89,6%) era grave, classe funcional III e IV (p < 0,0001), e todos os 43 óbitos ocorreram neste grupo (p = 0,0008). Cardiomegalia inicial foi observada em 94,1% (IC 95% = 89,1% a 97,2%) (p < 0,0001) e congestão pulmonar em 75,6% (IC 95% = 68,0% a 82,2%)(p < 0,0001), sendo mais freqüente na classe funcional III/IV (RC = 8,03; IC 95% = 2,85% a 23,1%)(p < 0,0001). A congestão pulmonar foi marcadora de óbito (RC = 3,16; IC 95 %= 1,06% a 10,07) (p = 0,0222), o mesmo não ocorrendo com a cardiomegalia (p = 0,1185). A sobrevida foi influenciada pela cardiomegalia (p = 0,0189) e pela congestão pulmonar (p = 0,0050). O índice cardiotorácico máximo e médio foram superiores no grupo óbito (0,749+0,053 versus 0,662+0,080) (p < 0,0001) e (0,716+0,059 versus 0,620+0,085) (p < 0,0001). A análise de variância demonstrou diminuição progressiva do índice cardiotorácico no grupo que sobreviveu (p < 0,0001). CONCLUSÃO: Em crianças com diagnóstico de cardiomiopatia dilatada Idiopática, a presença de congestão pulmonar no exame inicial e o aumento do índice cardiotorácico, são achados associados a menor sobrevida.

Cardiomiopatia dilatada idiopática; criança; radiologia


OBJECTIVE: To analyze the prognostic value of cardiomegaly, pulmonary congestion and cardiothoracic ratio as indicators of death and survival in children with idiopathic dilated cardiomyopathy. METHODS: We carried out a retrospective review of 152 patients with IDCM diagnosed between September 1979 and March 2003. In the first 72 months, 722 exams were performed (100 in the first 15 days). Statistical analysis: chi-square, Student's t test, ANOVA and Kaplan-Meier curves. Alpha = 0.05; beta = 0.80. RESULTS: The mean age at presentation was 2.2±3.2 years. ICDM incidence was higher in children younger than 2 years (76.3% - 95% CI = 68.7% to 82.8%) (p < 0.0001). Sex (p = 0.07) and color (p = 0.11) were not significant and mortality was not influenced by age (p = 0.73), sex (p = 0.78) or color (p = 0.20). Most patients were severely ill (84.2% - 95% CI = 77.4% to 89.6%; functional class III and IV; p < 0.0001). All 43 deaths occurred in this group (p = 0.0008). Cardiomegaly at presentation was observed in 94.1% (95% CI = 89.1% to 97.2%) (p < 0.0001), and pulmonary congestion in 75.6% (95% CI = 68.0% to 82.2%) (p < 0.0001). Pulmonary congestion and cardiomegaly were more frequent in functional class III/IV patients (RC = 8.03 - 95% CI = 2.85% to 23.1%) (p < 0.0001). Pulmonary congestion was a marker of death (RC = 3.16 - 95% CI = 1.06% to 10.07) (p = 0.0222), but not cardiomegaly (p = 0.1185). Survival was influenced by both cardiomegaly (p = 0.0189) and pulmonary congestion (p = 0.0050). Mean and maximum cardiothoracic ratio were higher in the death group (0.749±0.053 vs. 0.662±0.080) (p < 0.0001) and (0.716±0.059 vs. 0.620±0.085) (p < 0.0001). ANOVA revealed a progressive decrease in cardiothoracic ratio in the survival group (p < 0.0001). CONCLUSION: In children with idiopathic dilated cardiomyopathy, the presence of pulmonary congestion at presentation and increased cardiothoracic ratio are associated with poor survival.

Idiopathic dilated cardiomyopathy; child; radiology


read this article in english

ARTIGO ORIGINAL

O valor prognóstico da telerradiografia de tórax na cardiomiopatia dilatada idiopática na infância

Vitor M. P. AzevedoI; Francisco M. Albanesi FilhoII; Marco A. SantosIII; Márcia B. CastierIV; Bernardo R. TuraV

IMestre em Cardiologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras

IIProfessor titular, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

IIIMestre em Cardiologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras

IVDoutora em Medicina pela Universidade de São Paulo. Universidade do Estado do Rio de Janeiro

VMestre em Bioestatística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Vitor Manuel Pereira Azevedo Rua Visconde de Ouro Preto, 39/304 CEP 22250-180 - Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2552.4123/9966.4708 E-mail: vitoraze@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar o valor prognóstico da cardiomegalia, da congestão pulmonar e do índice cardiotorácico como marcadores de óbito e sobrevida em crianças com cardiomiopatia dilatada.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo de 152 pacientes entre setembro de 1979 e março de 2003. Foram realizados 722 exames nos primeiros 72 meses e 100 nos primeiros 15 dias de evolução. Análise estatística: qui-quadrado, teste t de Student, análise de variância para medidas repetidas e método de Kaplan-Meier. Foram utilizados os valores alfa = 0,05 e beta = 0,80.

RESULTADOS: Idade no diagnóstico de 2,2±3,2 anos. Incidência maior nos menores de 2 anos (76,3%; IC 95% = 68,7% a 82,8%) (p < 0,0001). Sexo (p = 0,07) e etnia (p = 0,11) não foram significantes, e a mortalidade não foi influenciada pela faixa etária (p = 0,73), sexo (p = 0,78) e etnia (p = 0,20). A maioria dos pacientes (84,2%; IC 95% = 77,4% a 89,6%) era grave, classe funcional III e IV (p < 0,0001), e todos os 43 óbitos ocorreram neste grupo (p = 0,0008). Cardiomegalia inicial foi observada em 94,1% (IC 95% = 89,1% a 97,2%) (p < 0,0001) e congestão pulmonar em 75,6% (IC 95% = 68,0% a 82,2%)(p < 0,0001), sendo mais freqüente na classe funcional III/IV (RC = 8,03; IC 95% = 2,85% a 23,1%)(p < 0,0001). A congestão pulmonar foi marcadora de óbito (RC = 3,16; IC 95 %= 1,06% a 10,07) (p = 0,0222), o mesmo não ocorrendo com a cardiomegalia (p = 0,1185). A sobrevida foi influenciada pela cardiomegalia (p = 0,0189) e pela congestão pulmonar (p = 0,0050). O índice cardiotorácico máximo e médio foram superiores no grupo óbito (0,749±0,053 versus 0,662±0,080) (p < 0,0001) e (0,716±0,059 versus 0,620±0,085) (p < 0,0001). A análise de variância demonstrou diminuição progressiva do índice cardiotorácico no grupo que sobreviveu (p < 0,0001).

CONCLUSÃO: Em crianças com diagnóstico de cardiomiopatia dilatada Idiopática, a presença de congestão pulmonar no exame inicial e o aumento do índice cardiotorácico, são achados associados a menor sobrevida.

Cardiomiopatia dilatada idiopática,criança, radiologia.

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) pode ser definida como uma síndrome clínica na qual a função de bomba do coração é inadequada em suprir a demanda de sangue oxigenado necessária ao metabolismo tecidual normal, incluindo aquela necessária ao processo de crescimento e desenvolvimento1.

A disfunção ventricular pode ser causada pelo aumento da pós-carga (estenose aórtica grave ou hipertensão arterial sistêmica crônica), pelo aumento da pré-carga (insuficiência mitral ou shunt esquerdo-direito) ou por lesão intrínseca do músculo cardíaco (miocardite ou cardiomiopatia dilatada)2.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cardiomiopatia dilatada é caracterizada pela dilatação e contração inadequada do ventrículo esquerdo ou de ambos os ventrículos3, podendo ser idiopática, familiar ou genética, associada ou não a erro inato do metabolismo, viral e/ou imunológica, alcoólica/tóxica ou associada com doenças cardiovasculares reconhecidas na qual o grau de disfunção miocárdica não pode ser explicado pelas condições anormais de carga ou pela extensão da lesão isquêmica. A histologia não é específica. A apresentação é geralmente por IC, sendo habitualmente progressiva. Arritmias, tromboembolismo e morte súbita são comuns e podem ocorrer em qualquer estágio da doença4-6.

A cardiomiopatia dilatada idiopática (CMDI) no grupo pediátrico contribui com um expressivo número de atendimentos e internações por IC não associada a cardiopatias congênitas, sendo que, abaixo dos 2 anos de idade, ela é responsável por até 29% dos atendimentos7. Apresenta alta taxa de mortalidade, sendo relatadas na literatura taxas variando de 16%8 em 10 anos, até taxas mais elevadas, como 49%9 e 66%10, e mesmo 80%11, em 5 anos. Nos pacientes de má evolução com o tratamento clínico, o transplante cardíaco é o tratamento de escolha; a experiência mundial apresenta curva atuarial de sobrevida de 75 a 80% em 1 ano e de 60 a 75% em 5 anos12-14.

A CMDI se caracteriza pela presença de IC associada a cardiomegalia e congestão pulmonar na telerradiografia de tórax e/ou dilatação do ventrículo esquerdo (VE), com redução da contratilidade visualizada ao ecocardiograma.

Objetivando determinar a importância da telerradiografia de tórax como marcadora e preditora do óbito na CMDI, foram analisadas as características radiológicas da população estudada, incluindo a presença de cardiomegalia e congestão pulmonar, além do índice cardiotorácico, como preditores evolutivos e sua importância como marcadores de sobrevida.

Casuística e métodos

Estudo retrospectivo através de consulta ao banco de dados do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras para posterior análise do prontuário médico de 165 pacientes consecutivos com CMDI diagnosticados entre setembro de 1979 e março de 2003, com idade entre 1 dia e 15,6 anos. Foram localizadas e analisadas as telerradiografias de 152 (92,1%) pacientes do total de 165, sendo este o universo estudado. Foi critério de inclusão a presença de IC (dispnéia, tosse seca, estertores crepitantes, taquicardia, ritmo cardíaco em galope, sudorese e hepatomegalia), associada à presença de cardiomegalia na telerradiografia de tórax e/ou dilatação do VE com redução da contratilidade visualizada ao ecocardiograma. Pacientes com diagnóstico clínico de miocardite não foram excluídos do estudo. Os critérios clínicos sugestivos de miocardite utilizados foram: febre, dor torácica, eletrocardiograma (ECG) com baixa voltagem do complexo QRS ou anormalidades de condução ou de ritmo e elevação laboratorial da creatinafosfoquinase (CK) e sua fração miocárdica (CKmb)7. Foram excluídos os pacientes com cardiopatias congênitas, origem anômala das artérias coronárias, doença de Kawasaki, cardiomiopatia arritmogênica ventricular, lesão isquêmica por asfixia neonatal ou após ressuscitação cardiorrespiratória, uso de droga antineoplásica, arritmias primárias, defeitos orovalvares congênitos ou por doença reumática, doenças neuromusculares, hipertensão arterial, septicemia, infecção pelo HIV, doença de Chagas e difteria.

As variáveis analisadas foram as seguintes: idade e faixa etária na apresentação (antes de 2 anos versus a partir de 2 anos), sexo e cor do paciente (branca versus não-branca). O paciente foi classificado em classe funcional (CF) na apresentação pelos critérios da New York Heart Association (NYHA), a saber: CF I - sem limitações das atividades próprias à idade; CF II - confortável no repouso, porém atividades físicas comuns à idade resultam em sintomas de IC; CF III - confortável no repouso, porém atividade física leve resulta em sintomas de IC; CF IV - sintomas de IC mesmo em repouso, e qualquer atividade física aumenta o desconforto15.

Telerradiografias de tórax inicial e de seguimento: foram analisados o índice cardiotorácico (ICT) e a presença ou ausência de cardiomegalia e de congestão pulmonar na primeira telerradiografia de tórax realizada pelo paciente. Foi considerada como presença de cardiomegalia o ICT superior a 0,55 no primeiro ano de vida e a 0,50 a partir do primeiro ano de vida16. A telerradiografia inicial foi aquela realizada nos primeiros 15 dias de evolução, tendo sido avaliados 100/67 pacientes (x = 1,49). Foi anotado o maior valor do ICT alcançado em cada paciente durante a sua evolução, sendo nomeado de ICT máximo. Foram realizadas 773 telerradiografias de tórax em posição póstero-anterior (PA) ou ântero-posterior (AP), dependendo da idade do paciente (x = 5,09/paciente), referentes a 172 meses de evolução radiológica, sendo 722 (x = 4,75/paciente) nos primeiros 72 meses de evolução. As telerradiografias de tórax foram avaliadas por dois dos autores em momentos diferentes, sendo o ICT médio calculado para cada telerradiografia. Houve concordância dos valores do ICT entre as medidas em 92,6%. A análise da presença ou ausência de congestão pulmonar também foi realizada por dois autores em momentos diferentes e, em casos de discordância dos dados, foi reavaliada por um terceiro autor.

O tratamento medicamentoso empregado foi o clássico utilizado no tratamento da IC, sendo constituído de digoxina oral, furosemida, espironolactona, captopril e ácido acetilsalicílico (AAS) na prevenção de eventos tromboembólicos. A análise da influência do tratamento na evolução do paciente não foi objeto deste trabalho.

A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Epi Info 6.04 do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) e o programa Statistica 6.0 da Statsoft Inc.

Os dados dicotômicos foram avaliados pelo c2(qui-quadrado) e, quando aplicado, foram calculados a razão de chances (RC) e seu intervalo de confiança de 95% (IC 95%).

Os dados descritivos foram expressos em média ± desvio padrão (DP) e faixa de valores, sendo analisados pelo teste t de Student.

Variáveis contínuas dependentes do tempo foram avaliadas pela análise de variância (ANOVA) para dados não-balanceados de medidas repetidas, sendo agrupados pelo tipo de evolução (sobrevivente versus óbito) e pelo tempo decorrido de evolução.

A análise de sobrevida foi realizada pelo método de Kaplan-Meier.

Foi utilizado um valor alfa = 0,05 e beta = 0,80.

Aspectos éticos

Foi obtida autorização da Comissão de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro para a utilização das informações contidas no prontuário médico na realização deste estudo.

Resultados

Aspectos gerais

A idade média na apresentação foi de 26,4 ± 39,5 meses (mediana = 8,40 meses; 0 a 188 meses) ou 2,2 ± 3,2 anos (mediana = 0,69 ano; 0 a 15,4 anos). O tempo médio de acompanhamento da amostra estudada foi de 3,56 anos (mediana = 2,23 anos; 0 a 15,94 anos). Ao término do estudo, 72 (47,3%) pacientes estavam em acompanhamento ambulatorial, 10 (6,6%) haviam recebido alta médica, 43 (28,3%) haviam falecido e 27 (17,8%) perderam o contato com o hospital, sendo que, neste último grupo, o tempo médio de acompanhamento foi de 2,47 (0,1 a 7,89) anos.

Em relação ao início da doença, foi observada preferência pela faixa etária inferior aos 2 anos (116; 76,3%; IC 95% = 68,7-82,8%; x = 0,67±0,50), comparada ao grupo com 2 ou mais anos (36; 23,7%; IC 95% = 17,2-31,2%; x = 6,98±3,64) (p < 0,0001). Não foi observada diferença na incidência em relação ao sexo - feminino: 84 (55,3%; IC 95% = 47,0-63,3%) versus masculino: 68 (44,7%; IC 95% = 36,7-53,0%) (p = 0,07) - nem quanto à cor - branca: 69 (45,4%; IC 95% = 37,3-53,7%) versus não-branca: 83 (54,6%; IC 95% = 46,3-62,7%) (p = 0,11). Não houve diferença na mortalidade entre as faixas etárias no momento do diagnóstico (p = 0,73), entre os sexos (p = 0,78), nem entre os grupos étnicos (p = 0,20).

Na avaliação do critério de gravidade do quadro clínico inicial, foi utilizada a CF segundo a NYHA, obtendo-se 10 (6,6%) pacientes na CF I, 14 (9,2%) na CF II, 32 (21,0%) na CF III e 96 (63,2%) na CF IV. Portanto, a maioria dos pacientes (128; 84,2%; IC 95% = 77,4-89,6%) era grave (CF III e IV) (p < 0,0001). Todos os óbitos ocorreram nos pacientes que estavam em CF III/IV na apresentação (p = 0,0008).

Telerradiografias de tórax

Cardiomegalia e congestão pulmonar na telerradiografia de tórax inicial

A cardiomegalia esteve presente em 94,1% (143) dos casos (p < 0,0001) (IC 95% = 89,1-97,2%). A congestão pulmonar foi diagnosticada em 75,6% (115) dos pacientes (p < 0,0001) (IC 95% = 68-82,2%), sendo mais freqüente nas CF III e IV (82,8%) do que nas CF I e II (37,5%) (p < 0,0001) (RC = 8,03; IC 95% = 2,85-23,1%).

Em relação à cardiomegalia, não houve diferença significativa na incidência entre o grupo sobrevivente e o que evoluiu ao óbito (p = 0,1185). A congestão pulmonar foi marcadora de óbito (p = 0,0222) (RC = 3,16; IC 95% = 1,06-10,07%) (Tabela 1).

Curva de sobrevida na presença de cardiomegalia e congestão pulmonar na apresentação

Considerando a presença de cardiomegalia na telerradiografia de tórax na apresentação, foi observada uma diferença nítida na sobrevida (p = 0,0189), com pior prognóstico quando da presença da mesma (Figura 1); o mesmo ocorreu na presença de congestão pulmonar (p = 0,0050) (Figura 2).



Índice cardiotorácico

O índice cardiotorácico (ICT) máximo alcançado durante todo o acompanhamento do paciente apresentou diferença significativa entre os grupos evolutivos, sendo que, no grupo óbito, a média foi de 0,749±0,053, e no grupo sobrevivente, de 0,662±0,080 (p < 0,0001) (Figura 3).


Foi realizada análise evolutiva do ICT considerando o momento do diagnóstico e com 1, 3, 6, 12, 18, 24, 36, 48, 60 e 72 meses de evolução. O ICT médio no grupo sobrevivente foi de 0,620±0,085, e no grupo que evoluiu ao óbito, de 0,716±0,059, sendo a diferença estatisticamente significativa (p < 0,0001) (Figura 4). A evolução do ICT foi diferente entre os sobreviventes e os que evoluíram ao óbito, com diminuição progressiva no grupo que sobreviveu (p < 0,0001). Na Figura 5, pode-se observar a evolução do ICT nos primeiros 72 meses entre os dois grupos e os respectivos intervalos de confiança de 95%, observando-se que há nítida separação entre os grupos a partir de 3 meses de evolução.



Discussão

A amostra objeto de estudo descrita neste artigo é a maior já relatada na literatura e a que apresenta o mais longo período de observação da CMDI na infância, reduzindo a possibilidade de vieses amostrais.

A idade média da apresentação foi de 2,2 anos nesta série17, sendo semelhante à maioria dos relatos da literatura9,10,18-20. Entretanto, alguns autores encontraram médias superiores8,11, 21,22. Na amostra estudada, foi observada preferência do início da doença pela faixa etária inferior aos 2 anos (76,3%), comparado ao grupo >2 anos17. A literatura é controversa, sendo esta observação compartilhada por alguns autores18,23, mas não por outros19,24. Pode-se especular que esta preferência pela faixa etária inferior aos 2 anos se deva à maior incidência de doenças virais neste grupo de pacientes.

A faixa etária no momento do diagnóstico não influenciou a mortalidade17, sendo encontrada idêntica observação na literatura25-27. Entretanto, Arola et al.9 encontraram, na população finlandesa, mortalidade maior nos menores de 1 ano de vida portadores de fibroelastose endocárdica e nos adolescentes masculinos. Já outros autores encontraram mortalidade maior nos maiores de 2 anos18,23,28.

Não foi observada diferença na incidência em relação ao sexo17, estando este dado de acordo com a literatura7-11,23,27,29-31. O sexo não influiu na mortalidade nesta série17, também conforme o relatado por outros autores11,19,27. Apesar de extensa pesquisa, não foram encontradas outras referências bibliográficas em relação à incidência e prognóstico quanto à etnia.

No momento inicial do diagnóstico, a maioria (84,2%) dos pacientes foi considerada grave (CF III e IV), sendo que todos os 43 óbitos ocorreram neste grupo de pacientes. Em estudo realizado na Polônia22, não houve diferença na distribuição da gravidade dos pacientes nem diferença de CF entre o grupo sobrevivente e o óbito. No relato brasileiro de Silva et al.29, houve um predomínio dos pacientes menos graves (CF I e II), porém não há menção quanto à influência da CF na mortalidade. O paciente que, no início da doença, apresenta-se em CF III e IV e que não responde ao tratamento clínico tem maior risco de falecer.

A metodologia empregada na análise das telerradiografias de tórax poderia trazer um viés de interpretação inerente, porém acreditamos que ele foi reduzido ao máximo com a avaliação dos exames por dois autores em momentos diferentes, tendo havido concordância entre as medidas em 92,6%.

Nesta amostra, a telerradiografia de tórax inicial revelou cardiomegalia na grande maioria dos pacientes, constituindo-se numa característica da doença. Entretanto, a congestão pulmonar caracterizou os pacientes mais graves (CF III e IV). O óbito não pôde ser predito pela presença de cardiomegalia, porém a presença de congestão pulmonar na telerradiografia de tórax inicial foi marcadora de óbito (p = 0,0222) (RC = 3,16). A análise da curva de sobrevida revelou que a presença de cardiomegalia influenciou o tempo de sobrevida, porém a presença de congestão pulmonar foi fator deletério na sobrevida do paciente (na sua ausência, após 1 ano de evolução, nenhum paciente faleceu).

Na literatura, a cardiomegalia foi relatada com uma incidência entre 75 e 100%29,32, dependendo da gravidade da amostra estudada; não houve relato de sua relação com o óbito. A congestão pulmonar foi descrita por Arola et al.10 em 78,0% dos pacientes, apresentando uma tendência à má evolução (p = 0,06). A congestão pulmonar revela disfunção diastólica do VE, na qual ocorre aumento da pressão diastólica final do VE, agravada pela insuficiência mitral freqüentemente encontrada na CMDI, ambas aumentando a pressão dentro do átrio esquerdo e nas veias pulmonares e acarretando extravasamento de líquido nos alvéolos e, conseqüentemente, graus variados de dispnéia.

O ICT máximo alcançado durante a evolução foi significativamente inferior no grupo sobrevivente em relação ao grupo que faleceu, porém houve grande sobreposição de valores, dificultando a separação entre os grupos. Observação idêntica ocorreu com o ICT médio, que foi inferior no grupo sobrevivente em relação ao falecido, havendo também muita sobreposição de valores entre os grupos e, assim, dificultando a indicação dos limites para cada tipo de evolução.

A literatura apresenta uma abordagem distinta na análise do ICT, considerando o inicial e o evolutivo e sua influência no óbito. O ICT inicial foi descrito entre 0,600±0,080 e 0,660±0,05819,23, não sendo observada diferença em relação ao óbito. Entretanto, em apenas um estudo foi observada diferença entre grupos (vivo = 0,571±0,061 versus óbito = 0,651±0,068, p < 0,0001)11. O ICT evolutivo foi marcador de óbito em apenas um relato (vivo = 0,573±0,068 versus óbito = 0,697±0,058, p < 0,0001)23.

Na análise de variância do ICT em relação ao óbito, observa-se, a partir do terceiro mês de evolução, com intervalo de confiança de 95%, uma nítida separação entre os grupos (p < 0,0001), sendo inferior ou igual a 0,68 no grupo que sobreviveu e superior a 0,68 no grupo falecido. A literatura pesquisada não analisa a evolução do ICT ao longo do tempo em relação ao óbito no acompanhamento do paciente.

A telerradiografia de tórax foi um dos primeiros exames complementares úteis na cardiologia e mantém sua importância nos dias atuais pela sua simplicidade e baixo custo. A análise do ICT demonstra ser extremamente útil e simples no acompanhamento longitudinal do paciente pediátrico portador de CMDI, alertando para a evolução desfavorável e a provável necessidade de transplante cardíaco.

Artigo submetido em 04.07.03, aceito em 15.10.03

  • 1. Talner NS. Heart failure. In: Moss AJ, Adams FH, Emmanouilides GC, editors. Moss and Adams Heart Disease in Infants, Children, and Adolescents: Including the Fetus and Young Adult (2 Volume Set). 5th ed. Baltimore: Lippincott, Williams & Wilkins; 1995. p. 1746-73.
  • 2. Lewis AB. The failing myocardium. In: Chang AC, Hanley FL, Wernovsky G, Wessel DL. Pediatric Cardiac Intensive Care. 1st ed. Baltimore: Lippincott, Williams & Wilkins; 1998. p. 483-96.
  • 3. Richardson P. Report of the 1995 World Health Organization/International Society and Federation of Cardiology Task Force on the Definition and Classification of Cardiomyopathies. Circulation. 1996;93:841-2.
  • 4. Günthard J. Dilated cardiomyopathy in children and thrombo-embolism. Eur J Pediatr. 1997;156:3-6.
  • 5. Chang YC. Left ventricular thrombi in children with dilated cardiomyopathy. J Formos Med Assoc. 1995;94:469-73.
  • 6. Berger S. Sudden cardiac death in infants, children and adolescents. Pediatr Clin North Am. 1999;46:221-34.
  • 7. Matitiau A, Perez-Atayde A, Sanders SP, Sluysmans T, Parness IA, Spevak PJ, et al. Infantile dilated cardiomyopathy - relation of outcome to left ventricular mechanics, hemodynamics and histology at the time of presentation. Circulation. 1994;90:1310-8.
  • 8. Friedman RA, Moak JP, Garson A. Clinical course of idiopathic dilated cardiomyopathy in children. J Am Coll Cardiol. 1991;18:152-6.
  • 9. Arola A, Tuominen J, Ruuskanen O, Jokinen E. Idiopathic dilated cardiomyopathy in children: prognostic indicators and outcome. Pediatrics. 1998;101:369-76.
  • 10. Taliercio CP, Seward JB, Driscoll DJ, Fisher LD, Gersh BJ, Tajik AJ. Idiopathic dilated cardiomyopathy in the young: clinical profile and natural history. J Am Coll Cardiol. 1985;6:1126-31.
  • 11. Akagi T, Benson LN, Lightfoot N, Chin K, Wilson G, Freedom RM. Natural history of dilated cardiomyopathy in children. Am Heart J. 1991;121:1502-6.
  • 12. Wong PC, Starnes VA. Pediatric heart and lung transplantation. In: Chang AC, Hanley FL, Wernovsky G, Wessel DL. Pediatric Cardiac Intensive Care. 1st ed. Baltimore: Lippincott, Williams & Wilkins; 1998. p. 327-43.
  • 13. Canter CE. Current outcomes in pediatric thoracic transplantation. Acc Curr J Rev. 1999;6:65-8.
  • 14. Azeka E, Barbero-Marcial M, Jatene M, Camargo PR, Auler JOC, Atik E, et al. Transplante cardíaco no neonato e na infância. resultados a médio prazo. Arq Bras Cardiol. 2000;74:197-202.
  • 15. The Criteria Committee of the New York Heart Association: Nomenclature and Criteria for Diagnosis. 9th ed. Boston: Little Brown; 1994.
  • 16. Paul LW, Juhl JH. Princípio de Interpretação Radiológica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara; 1980. 883p.
  • 17. Azevedo VMP, Santos MA, Albanesi Filho FM. Características epidemiológicas da cardiomiopatia dilatada idiopática na infância. Rev Socerj. 2000;13 Supl A:56.
  • 18. Burch M, Siddiqi SA, Celermajer DS, Scott C, Bull C, Deanfield JE. Dilated cardiomyopathy in children: determinants of outcome. Br Heart J. 1994;72:246-50.
  • 19. Torres F, Anguita M, Gimenez TD, Franco M, Zayas R, Gallardo A, et al. Miocarditis aguda con disfunción cardíaca severa en la población pediátrica. Evolución y características diferenciales con respecto a la miocarditis del adulto. Rev Esp Cardiol. 1995;48:660-5.
  • 20. Müller G, Ulmer HE, Hagel KJ, Wolf D. Cardiac dysrhythmias in children with idiopathic dilated or hypertrophic cardiomyopathy. Pediatr Cardiol. 1995;16:56-60.
  • 21. Lewis AB. Prognostic value of echocardiography in children with idiopathic dilated cardiomyopathy. Am Heart J. 1994;128:133-6.
  • 22. Ciszewski A, Bilinska ZT, Lubiszewska B, Ksiezycka E, Poplawska W, Michalak E, et al. Dilated cardiomyopathy in children: clinical course and prognosis. Pediatr Cardiol. 1994;15:121-6.
  • 23. Griffin ML, Hernandez A, Martin TC, Goldring D, Bolman M, Spray TL, et al. Dilated cardiomyopathy in infants and children. J Am Coll Cardiol. 1988;11:139-44.
  • 24. Silva MAD, Silva RP, Morais SC, Fragata Filho AA, Correia EB. Aspectos clínicos e evolutivos da miocardiopatia dilatada nos lactentes e na infância. Arq Bras Cardiol. 1991;56:213-8.
  • 25. Chen SC, Nouri S, Balfour I, Appleton RS. Clinical profile of congestive cardiomyopathy in children. J Am Coll Cardiol. 1990;15:189-93.
  • 26. Lewis AB. Outcome of infants and children with dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol. 1991;68:365-9.
  • 27. Nogueira G. Miocardiopatia dilatada idiopática na criança: perfil clínico e determinantes do prognóstico. Rev Port Cardiol. 2000;19:191-200.
  • 28. Di Filippo S. Les myocardiopathies dilatees idiopathiques de l'enfant. Evolution et facteurs pronostiques. Arch Mal Coeur Vaiss. 1991;84:721-6.
  • 29. Venugopalan P. Improved prognosis of heart failure due to idiopathic dilated cardiomyopathy in children. Int J Cardiol. 1998;65:125-8.
  • 30. Cabrera A. Dilated myocardiopathy in children. Rev Esp Cardiol. 1990;43:246-50.
  • 31. Herdy GVH, Menezes DMF, Lopes VGS, Azevedo SM, Odeh CSA, Mendonça C, et al. Miocardite por citomegalovírus em lactentes. Arq Bras Cardiol. 1988;50:397-400.
  • Endereço para correspondência

    Vitor Manuel Pereira Azevedo
    Rua Visconde de Ouro Preto, 39/304
    CEP 22250-180 - Rio de Janeiro, RJ
    Tel.: (21) 2552.4123/9966.4708
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Aceito
      15 Out 2003
    • Recebido
      04 Jul 2003
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, CEP: 90480-000 , Tel.: (+55 51) 3108-3328 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: assessoria@jped.com.br