Resumos
OBJETIVO: Rever a literatura sobre tratamento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) com ênfase nos aspectos farmacológicos. Identificar particularidades do tratamento farmacológico nas manifestações esofágicas e extra-esofágicas da doença. FONTES DE DADOS: Busca eletrônica na base de dados PubMed/MEDLINE e Cochrane Collaboration. Procurou-se identificar estudos controlados e randomizados publicados a partir de 2000, bem como revisões que representassem consensos e diretrizes publicados nos últimos 10 anos. SÍNTESE DOS DADOS: Nenhuma das drogas atualmente usadas no tratamento da DRGE altera comprovadamente o mecanismo principal da doença, ou seja, os relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. O tratamento farmacológico da DRGE com sintomas ou com lesões esofágicas é baseado na inibição da secreção ácida, em particular pelos inibidores da bomba de prótons (IBP). Nas situações em que a hiper-reatividade das vias aéreas inferiores coexiste com sintomas esofágicos da DRGE, a inibição da secreção ácida deve trazer benefícios na condução da doença respiratória se houver uma relação causal; contudo, essa situação não é comum. Quando não coexistem sintomas esofágicos, a pHmetria esofágica de 24 h deve ser realizada previamente ao tratamento farmacológico da DRGE. A melhora dos sintomas respiratórios pode ser tardia em relação aos sintomas esofágicos. A DRGE freqüentemente recorre, e o tratamento farmacológico deve ser repetido ou mantido indefinidamente, conforme a apresentação clínica da doença. CONCLUSÃO: As condutas propostas para o tratamento farmacológico da DRGE na criança são oriundas principalmente de estudos de séries de casos ou de estudos em adultos. Existem poucos estudos controlados e randomizados em crianças. A realização de um número maior desses estudos poderá reafirmar ou introduzir novos aspectos nas condutas propostas.
Refluxo gastroesofágico; quimioterapia; criança; esofagite; doenças respiratórias; asma
OBJECTIVE: To review the literature on the treatment of gastroesophageal reflux disease (GERD) with emphasis on pharmacological aspects. To identify particularities of pharmacological treatment of esophageal and extraesophageal manifestations of the disease. SOURCES: Electronic search of the PubMed/MEDLINE and Cochrane Collaboration databases. Controlled and randomized studies published since 2000 and reviews representing consensus positions and directives published within the last 10 years were identified. SUMMARY OF THE FINDINGS: The drugs currently available for the treatment of GERD do not act in the primary mechanism of the disease, i.e., transitory relaxation of the lower esophageal sphincter. Pharmacological treatment of GERD with symptoms or with esophageal injury is based on the suppression of acid secretion, particularly with proton pump inhibitors. When the hyperreactivity of the lower airways coexists with esophageal GERD symptoms, suppression of acid secretions should be of benefit in managing the respiratory disease in the presence of a causal relationship; however, this is not usual. When esophageal symptoms are not present, esophageal 24-hour pH study should be carried out prior to starting pharmacological treatment for GERD. Improvement of respiratory symptoms may be delayed with relation to esophageal symptoms. It is common for GERD to recur and pharmacological treatment should be repeated or continued indefinitely, depending on clinical presentation of the disease. CONCLUSIONS: The strategies that have been proposed for the pharmacological treatment of GERD in children are primarily based on studies of case series or on studies with adults. There have been very few controlled and randomized studies in children. Undertaking a greater number of these studies might reinforce existing aspects or establish new aspects of management.
Gastroesophageal reflux; child; drug therapy; esophagitis; respiratory tract diseases; asthma
ARTIGO DE REVISÃO
Tratamento da doença do refluxo gastroesofágico
Elizabet Vilar GuimarãesI; Christophe MarguetII; Paulo Augusto Moreira CamargosIII
IProfessora adjunta, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG. Membro, Unidade de Gastroenterologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG
IIUnité de Pneumologie Pédiatrique, Centre Hospitalier Universitaire, Université de Rouen, Rouen, France. Professeur, Université de Rouen, Rouen, France
IIIProfessor titular, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG. Coordenador, Unidade de Pneumologia Pediátrica, Hospital das Clínicas, UFMG, Belo Horizonte, MG
Correspondência Correspondência: Paulo A. M. Camargos Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG Av. Alfredo Balena, 190/4061 CEP 30130-100 - Belo Horizonte, MG Tel.: (31) 3248.9773 Fax: (31) 3248.9664 E-mail: pcamargs@medicina.ufmg.br
RESUMO
OBJETIVO: Rever a literatura sobre tratamento da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) com ênfase nos aspectos farmacológicos. Identificar particularidades do tratamento farmacológico nas manifestações esofágicas e extra-esofágicas da doença.
FONTES DE DADOS: Busca eletrônica na base de dados PubMed/MEDLINE e Cochrane Collaboration. Procurou-se identificar estudos controlados e randomizados publicados a partir de 2000, bem como revisões que representassem consensos e diretrizes publicados nos últimos 10 anos.
SÍNTESE DOS DADOS: Nenhuma das drogas atualmente usadas no tratamento da DRGE altera comprovadamente o mecanismo principal da doença, ou seja, os relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior. O tratamento farmacológico da DRGE com sintomas ou com lesões esofágicas é baseado na inibição da secreção ácida, em particular pelos inibidores da bomba de prótons (IBP). Nas situações em que a hiper-reatividade das vias aéreas inferiores coexiste com sintomas esofágicos da DRGE, a inibição da secreção ácida deve trazer benefícios na condução da doença respiratória se houver uma relação causal; contudo, essa situação não é comum. Quando não coexistem sintomas esofágicos, a pHmetria esofágica de 24 h deve ser realizada previamente ao tratamento farmacológico da DRGE. A melhora dos sintomas respiratórios pode ser tardia em relação aos sintomas esofágicos. A DRGE freqüentemente recorre, e o tratamento farmacológico deve ser repetido ou mantido indefinidamente, conforme a apresentação clínica da doença.
CONCLUSÃO: As condutas propostas para o tratamento farmacológico da DRGE na criança são oriundas principalmente de estudos de séries de casos ou de estudos em adultos. Existem poucos estudos controlados e randomizados em crianças. A realização de um número maior desses estudos poderá reafirmar ou introduzir novos aspectos nas condutas propostas.
Palavras-chave: Refluxo gastroesofágico, quimioterapia, criança, esofagite, doenças respiratórias, asma.
Estratégia de pesquisa
Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed/MEDLINE e Cochrane Collaboration com os seguintes descritores: gastroesophageal reflux AND drug therapy, gastroesophageal reflux AND omeprazole/lanzoprazole/pantoprazole/ranitidine/cisapride/ domperidone/metoclopramide/ erythromycin; gastroesophageal reflux AND esophagitis; gastroesophageal reflux AND Barrett esophagus; gastroesophageal reflux AND respiratory tract diseases, gastroesophageal reflux AND cough; gastroesophageal reflux AND asthma. Foram selecionados ensaios terapêuticos randomizados e controlados, cegos ou não, em crianças (< 18 anos), publicados a partir do ano 2000, revisões que representam consensos ou diretrizes publicados nos últimos 10 anos. Outros artigos julgados relevantes, tais como ensaios terapêuticos não controlados e artigos citados nos textos selecionados, foram consultados e incluídos quando considerados oportunos. Quando a literatura pediátrica foi considerada insuficiente, a literatura de adulto também foi considerada. Esta revisão limitou-se a publicações em língua inglesa.
Refluxo gastroesofágico e doença do refluxo gastroesofágico: aspectos gerais
O refluxo gastroesofágico (RGE) é a passagem do conteúdo gástrico para o esôfago. Sua prevalência no primeiro ano de vida é de cerca de 67% entre 4 e 5 meses, caindo de 61% para 21% entre 6 e 7 meses e para menos de 5% aos 12 meses1. A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), por sua vez, é habitualmente definida como a presença de sintomatologia ou complicações do RGE, não restritas a regurgitações ou vômitos2-5. A terminologia DRGE é usada com significados variados na literatura. Muitas publicações a utilizam como sinônimo de esofagite ou de pHmetria esofágica alterada. Em outras, a terminologia é usada para definir situações que se manifestam com sintomatologia atípica, aqui incluídos os sintomas respiratórios. Recentemente, o "Consenso de Montreal de DRGE", do qual participaram Brasil e França, publicou uma definição e classificação para a doença. O consenso definiu DRGE como "uma condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo do estômago para o esôfago causa sintomas incômodos e/ou complicações". Esta definição valoriza os aspectos negativos dos sintomas, cujo impacto pode variar de paciente para paciente6.
Os sintomas de DRGE são menos freqüentes do que os sintomas de RGE, mas, ainda assim, muito prevalentes. Um estudo de prevalência relatou a ocorrência semanal de sensação de queimação retroesternal e regurgitação ácida em aproximadamente 2% de crianças de 3 a 9 anos e em 5% a 8% de crianças de 10 a 17 anos. Queimação retroesternal isolada foi encontrada em 17,8% das crianças desta última faixa etária7. No mundo ocidental, a prevalência de DRGE é estimada entre 10 a 20% em adultos5.
O material refluído pode ser exclusivamente ácido ou apresentar um padrão misto, com refluxo duodeno-gástrico. O refluxo ácido é mais facilmente identificado e, conseqüentemente, é melhor conhecido nos aspectos fisiopatológicos, diagnósticos e terapêuticos. O papel exato do refluxo biliar é pouco compreendido; porém, parece estar relacionado a quadros graves de esofagite8. A abordagem diagnóstica do padrão misto de refluxo é muito difícil. Essa é a principal limitação da pHmetria esofágica. Ensaios terapêuticos específicos para esse tipo de refluxo não são encontrados na literatura. Assim, as conclusões sobre a abordagem terapêutica da DRGE referem-se às situações em que foi identificado refluxo ácido. O tratamento de situações clínicas provavelmente relacionadas apenas a padrão misto de refluxo permanece indefinido.
O diagnóstico de DRGE é suspeitado a partir de anamnese e exame físico criteriosos. Na criança, as queixas mais comuns são dor abdominal, altamente sugestiva se associada às refeições, regurgitações, vômitos freqüentes ou intermitentes, queimação retroesternal, faringodinia matinal, saciedade precoce e raramente disfagia. Irritabilidade e choro freqüente durante a ingestão de alimentos, bem como ingestão diminuída de alimentos, dificuldade em ganhar peso, anemia e fraqueza são indicativos de DRGE e merecem investigação mais detalhada. A descrição clássica do lactente que não ganha peso, com anemia, postura de hiperextensão dorsal e rotação lateral da cabeça configura a síndrome de Sandifer, associada a formas graves de esofagite. Os sintomas extra-esofágicos mais comuns estão relacionados ao trato respiratório: hiper-reatividade brônquica, tosse crônica, laringite, rouquidão, pneumonia de repetição, otite e sinusite. As variáveis evolutivas mais freqüentemente adotadas nos ensaios terapêuticos da DRGE são o controle dos sintomas e a normalização de parâmetros da pHmetria esofágica (porcentagem do tempo total pelo qual o pH esofágico permanece < 4) na pHmetria de 24 horas. Lactentes com menos de 11 meses de vida podem apresentar índices de refluxo de até cerca de 12%. Valores iguais ou superiores a esse valor são anormais8. Para crianças com mais de 11 meses, índices de refluxo = 6% são anormais2. Em ensaios terapêuticos, de uma forma geral, a seleção de pacientes tem sido feita a partir de índices de refluxo superiores a 5%9,10.
Tratamento da DRGE
O tratamento de DRGE deve ser diferente daquele de RGE infantil. Existem evidências de que a DRGE é uma condição que perdura por toda a vida11. O tratamento da DRGE visa a melhoria da qualidade de vida nos primeiros anos de vida e apresenta potencial impacto positivo na vida adulta, se considerarmos que algumas complicações do RGE estão associadas à duração da doença.
Abordagem terapêutica
Medidas gerais
Mudanças no estilo de vida são indicadas tanto para pacientes com RGE ou com DRGE. Um aspecto de grande importância é transmitir orientações e segurança aos pais do lactente com regurgitações que ganha peso e se desenvolve adequadamente. Nesses casos de RGE sem DRGE, essa conduta, associada à adoção de algumas medidas de mudança no estilo de vida, tais como posicionamento e espessamento da dieta, são suficientes. Pacientes com DRGE, conforme a situação clínica, podem se beneficiar de mudanças no estilo de vida adotadas isoladamente ou em associação a tratamento farmacológico.Os estudos com monitoramento por pHmetria esofágica de 24 horas têm demonstrado que o decúbito prono está relacionado com os menores índices de episódios de RGE3. Por outro lado, estudos populacionais demonstraram elevada associação entre essa posição e a síndrome da morte súbita, sendo sua ocorrência reduzida com a adoção do decúbito supino12-13. Esse, por sua vez, com uma elevação de 30°, parece não apresentar vantagens em relação ao posicionamento plano. Bagucka, em um estudo randomizado e cruzado, monitorou com pHmetria esofágica por 48 h 10 lactentes em decúbito supino plano e elevado. As medianas dos índices de refluxo foram diferentes, com significância estatística, favorecendo o decúbito supino plano14. Tobin avaliou quatro diferentes posições (decúbitos prono, supino, lateral direito e lateral esquerdo). Os lactentes foram monitorados com e sem cabeceira elevada. O índice de refluxo apresentou diferença estatística entre os decúbitos prono e lateral esquerdo em relação aos decúbitos supino e lateral direito, favorecendo os dois primeiros; já as posições planas e elevadas não apresentaram diferenças entre si15.
Assim, a recomendação do decúbito prono para lactentes no primeiro ano de vida apenas deve ser considerada se os riscos relacionados à DRGE superam o risco da síndrome de morte súbita. Na prática clínica, essa recomendação está restrita a um número muito pequeno de casos. O decúbito lateral esquerdo é, então, uma opção.
Nenhum estudo envolveu crianças maiores de 1 ano de vida. Alguns autores consideram que, tal como os adultos, elas se favoreceriam, durante o sono, do decúbito lateral esquerdo com elevação da cabeceira2.
O espessamento de fórmulas lácteas e a introdução de refeições sólidas reduzem as regurgitações provocadas pelo RGE. Entretanto, esse efeito é provavelmente associado apenas à redução dos episódios de refluxo não-ácidos16. Uma revisão sistemática de oito estudos randomizados que compararam dieta espessada com não espessada concluiu que, apesar de a dieta espessada reduzir os sintomas clínicos do RGE, não ocorre alteração do índice de refluxo avaliado pela pHmetria esofágica, ou seja, o esôfago permanece exposto ao refluxo ácido. Além disso, alguns lactentes podem apresentar tosse ou diarréia como conseqüência do espessamento da dieta3.
As recomendações para crianças maiores e adolescentes são baseadas naquelas definidas para adultos. Em termos de restrições dietéticas, devem-se evitar substâncias que aumentam a freqüência de relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior: cafeína, chocolate, alimentos picantes e álcool. Recomenda-se, ainda, o controle da obesidade, a abstenção do uso de tabaco e a suspensão da exposição ao tabagismo passivo2.
Tratamento farmacológico da DRGE
O Consenso de Montreal6 classificou a DRGE, tendo suas manifestações sido caracterizadas como síndromes esofágicas e extra-esofágicas. As síndromes esofágicas foram divididas em síndromes sintomáticas e síndromes com lesões esofágicas; as síndromes extra-esofágicas foram divididas em associações estabelecidas e associações propostas. O emprego de uma classificação da DRGE baseada nessas situações racionaliza a abordagem farmacológica, pois, em alguns momentos, a conduta inicial não exige precisão diagnóstica, principalmente quando se considera a relação custo/risco/benefício. Nesse contexto, testes terapêuticos são muitas vezes adotados, o que exige um seguimento rigoroso do paciente. O Grupo de Consenso6 não delimitou a abrangência da classificação em relação à faixa etária, mas a maior parte das definições são aplicáveis a pacientes adultos. Porém, uma analogia com as situações clínicas pediátricas pode ser feita. Assim, abordaremos aqui o tratamento farmacológico da DRGE a partir dessa classificação, fazendo, porém, uma pequena modificação. Devido à escassez de dados em crianças que permitam seguramente distinguir síndromes extra-esofágicas com associações estabelecidas de síndromes extra-esofágicas com associações propostas, essas situações serão tratadas no mesmo item.
Síndrome esofágica sintomática
O lactente que não ganha peso e apresenta vômitos freqüentes
Merece atenção especial o fato de que esse quadro pode ser a apresentação de várias doenças, como doenças metabólicas, alergias alimentares, afecções do sistema nervoso central e alterações anatômicas do trato gastrointestinal2. Esses diagnósticos devem ser excluídos antes do estabelecimento do diagnóstico de DRGE.
Lactentes jovens não apresentam nenhuma vantagem na realização de endoscopia digestiva antes do tratamento com drogas, já que geralmente os achados são negativos. A realização da endoscopia pode ser útil em lactentes mais velhos, pois nessa idade os achados positivos são mais comuns. Embora existam muitas dúvidas sobre o uso de pró-cinéticos, estes são recomendados associados a inibidores H2 (IH2). A observação clínica é essencial. Se a evolução não é satisfatória, pH-metria esofágica pode ser realizada a fim de adequar a inibição ácida. Posteriormente, pode ser usado inibidor da bomba de prótons (IBP), com a vantagem adicional de reduzir o volume da secreção gástrica e, conseqüentemente, os vômitos.
O lactente que chora muito
Choro excessivo e irritabilidade são motivos freqüentes de consulta médica do lactente com menos de 3 meses. Nessa idade, 50% dos lactentes apresentam RGE e, assim, a coexistência desses achados, por si só, não configura relação causal3. Apesar dessa correlação não ser clara, os pediatras freqüentemente consideram o refluxo gastroesofágico como a causa desse choro17. A importância desse sintoma aumenta se ele ocorrer durante ou após a ingestão de alimentos. Contudo, a alergia à proteína do leite de vaca também causa esofagite18. Assim, uma conduta inicial pode ser uma prova terapêutica com substituição, na dieta, da proteína do leite de vaca por fórmulas hidrolisadas, por períodos não inferiores a 2 semanas. Embora alguns autores indiquem teste terapêutico com inibidores da secreção ácida para lactentes com irritabilidade2, até o momento os dados da literatura não oferecem evidências que o apóiem.
Moore et al. mostraram, em 30 lactentes de 3 a 10 meses com diagnóstico comprovado de DRGE, que o omeprazol (dose de 1,0 a 2,0 mg/kg/dia) diminui a irritabilidade e o choro sem relação com a seqüência de tratamento. Os autores concluíram que a irritabilidade melhorou com o tempo e não esteve associada à abordagem farmacológica para DRGE9.
A criança com vômitos esporádicos ou cíclicos
Vômitos esporádicos ou cíclicos podem estar relacionados a várias doenças sistêmicas ou do trato digestivo. Nesse caso, cabe ressaltar a importância das alterações funcionais, não relacionadas à DRGE19. É importante avaliar a relação com a alimentação. Se o exame contrastado do trato digestivo superior não revelar alterações, pode-se iniciar terapia com pró-cinético, sendo o tempo de uso pautado pela resposta terapêutica2. Ocorrendo melhora clínica, é difícil avaliar se a melhora resultou da atuação sobre os mecanismos do refluxo ou sobre o esvaziamento gástrico. É importante ainda considerar um possível efeito placebo do medicamento.
A criança jovem com dor abdominal
Trata-se de manifestação comum da DRGE7. Ashorn et al. encontraram a dor abdominal recorrente como sintoma mais comum da DRGE na criança20. Por outro lado, a DRGE está longe de ser a causa mais comum de dor abdominal na criança. Teste terapêutico empírico com inibição da secreção ácida, em particular com a prescrição de inibidores de bomba de prótons, é aceito como critério diagnóstico em crianças com história consistente de DRGE21. Nessa situação, a presença de dor epigástrica e queimação (mais comuns em crianças mais velhas) é um achado importante, juntamente com história pregressa de sintomas compatíveis com DRGE, em suas manifestações esofágicas ou extra-esofágicas. Os inibidores de bomba de prótons devem ser usados por 4 a 6 semanas e retirados a seguir, sendo sua eficácia avaliada em termos de melhora clínica. A melhora clínica, seguida de recorrência da dor após a suspensão do medicamento, reafirma a suspeita clínica e seleciona melhor pacientes para a realização de endoscopia digestiva. É importante considerar o caráter não invasivo dessa conduta e a grande segurança relacionada aos inibidores de bomba de prótons. Todavia, essa conduta não é adequada para lactentes, e é baseada em estudos realizados em adultos22.
A criança com queimação retroesternal
As crianças e adolescentes que referem queimação retroesternal podem ser tratados da mesma forma que os adultos2,23. Além de mudanças no estilo de vida, é aceitável um prova terapêutica com inibidores H2 ou de bomba de prótons administrados por 2 a 4 semanas. Caso ocorra melhora clínica, o tratamento pode ser continuado por 12 semanas. A recorrência da sintomatologia ou a impossibilidade de suspensão do tratamento farmacológico exige a realização de endoscopia digestiva. É importante ficar atento para a ocorrência de formas mais graves de esofagite e esôfago de Barret.
O alívio sintomático de episódios de queimação retroesternal pode ser obtido com doses isoladas de inibidor H2. Orenstein et al. avaliaram parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos de doses baixas de ranitidina (75 mg/dia) administradas a crianças de 4 a 11 anos com queixas esofágicas de DRGE. Após a administração da droga, foi observado um aumento significativo do pH intragástrico por 5 a 6 horas, além de perfis farmacodinâmico e farmacocinético adequados. Assim, tal como em adultos, essa dose de ranitidina pode ser usada para controle de sintomas de queimação em crianças maiores24.
Síndromes com lesões esofágicas
Esofagite erosiva
Diante do diagnóstico inequívoco de esofagite erosiva, aspectos importantes do tratamento devem ser considerados. O tratamento visa a melhoria dos sintomas, cicatrização da mucosa esofágica, tratamento e prevenção das complicações e manutenção da remissão clínica. É possível que uma conduta terapêutica inadequada ou tardia em casos de DRGE aumente o risco de outras manifestações da doença, tal como as estenoses esofágicas. O tratamento farmacológico da esofagite ancora-se nos inibidores da secreção ácida.
A experiência científica com os inibidores H2 em crianças com DRGE é proveniente, principalmente, dos inúmeros relatos de séries de casos. Até o momento, apenas a cimetidina25 e a nizatidina26,27 foram avaliadas em crianças em relação à evolução clínica da DRGE através de estudos controlados e randomizados. A cimetidina apresenta um grande número de interações medicamentosas. A experiência clínica com ranitidina em crianças é superior a qualquer outro IH2. O uso de ranitidina em crianças apóia-se nos vários relatos de séries de casos e na literatura de adultos, que é mais rica em estudos controlados e randomizados com a droga28,29.
Simeone et al. realizaram o primeiro estudo controlado, randomizado e duplo cego com nizatidina. Vinte e quatro crianças com esofagite leve ou moderada foram tratadas com nizatidina (10 mg/kg/dia) ou placebo. A nizatidina foi mais eficaz que o placebo em aliviar os sintomas e cicatrizar a esofagite26.
Em um estudo multicêntrico, randomizado e aberto, a nizatidina foi administrada a 210 crianças cuja idade variou de 5 dias a 18 anos com diagnóstico clínico de DRGE. Trinta e dois por cento dos pacientes alcançaram melhora total dos sintomas após 8 semanas de uso da droga27. Apesar do número significativo de pacientes envolvidos, esse estudo sugere uma eficácia limitada da droga, ou, mais provavelmente, uma dificuldade em avaliar a DRGE a partir de sintomas clínicos. Ademais, em relação à segurança da droga, vários efeitos adversos, como infecção do trato respiratório superior, vômito, diarréia, pneumonia, lesão cutânea, fadiga e tremor foram observados. Por outro lado, estudos em adultos comprovaram a superioridade dos IBP sobre os IH2 na cicatrização de esofagite grave30,31. Séries de casos com essa classe de drogas em crianças têm selecionado pacientes a partir da falha terapêutica com IH2, alcançando grandes taxas de alívio de sintomas e cicatrização de mucosa esofágica32-35.
Cucchiara et al. compararam as duas classes de drogas em crianças. Pacientes que não responderam a uma terapia inicial com a dose habitual de ranitidina (4 mg/kg/dia, duas vezes ao dia) e cisaprida (0,2 mg/kg/dia, três vezes ao dia) por 8 semanas foram randomizados para receber omeprazol 40,0 mg/1,73 m2 ou dose elevada de ranitidina (20 mg/kg/dia) por mais 8 semanas33. Os autores não encontraram nenhuma diferença significativa na taxa de cicatrização, 75% e 83%, e na taxa de melhora dos sintomas, 62% e 69%, respectivamente nos pacientes tratados com omeprazol e ranitidina. Note-se que estudos posteriores têm demonstrado um número significativo de pacientes que não cicatrizam esofagite com a dose de omeprazol usada por Cucchiara et al32. Além disso, a dose administrada de ranitidina foi muito alta, não existindo estudos que comprovem a segurança da mesma em crianças.
Estudos em crianças têm evidenciado que o omeprazol em doses a partir de 0,7 mg/kg/dia contribui para a cicatrização de erosões esofágicas. Hassal et al. estudou 57 crianças de 1 a 16 anos com esofagite erosiva e índice de refluxo maior que 6% à pHmetria. Cinqüenta por cento dos pacientes eram portadores de problemas neurológicos ou atresia de esôfago. A pHmetria esofágica foi realizada a cada 5 a 14 dias até a obtenção de um índice de refluxo < 6%, sendo o tratamento mantido por mais 3 meses após a determinação da dose de cicatrização. A dose de cicatrização variou de 0,7 a 3,5 mg/kg/dia. A dose de 0,7 mg/kg/dia cicatrizou a esofagite de 44% dos pacientes e 28% cicatrizaram com dose de 1,4 mg/kg/dia. Houve cura 90±30 dias após ter sido atingida a dose de cicatrização. A melhora dos sintomas ocorreu nas 2 semanas iniciais do tratamento32. Três pacientes necessitaram de um segundo curso de tratamento e demoraram até 325 dias para atingir a cura. Apesar da grande carência de estudos randomizados e controlados do uso de IBP, a experiência clínica com omeprazol é cada vez maior. Os cursos de tratamento podem ser repetidos.
Lansoprazol é o segundo IBP liberado para uso pediátrico pela Food and Drug Administration (FDA). Porém, ensaios terapêuticos com a droga em crianças são ainda mais escassos do que com o omeprazol. Em uma série de casos, 35 pacientes de 3 a 15 anos com esofagite refratária ao uso de IH2 foram tratados com lansoprazol por 12 semanas. Os pacientes foram submetidos a endoscopia digestiva e pHmetria esofagiana de 24 horas. O ajuste da dose foi realizado com pHmetria. Endoscopia digestiva foi repetida ao final do tratamento. Doze pacientes foram tratados inicialmente com dose de 1,3 a 1,5 mg/kg/dia e 23 com dose de 0,8 a 1,0 mg/kg/dia. No primeiro grupo, a dose foi eficiente para a maioria dos pacientes (75%), porém apenas 53,5% dos pacientes do segundo grupo cicatrizaram as erosões esofágicas36. Em um estudo multicêntrico, 64 adolescentes com DRGE não erosiva e 22 com esofagite erosiva receberam 15 mg de lansoprazol uma vez ao dia por 8 semanas. Os sintomas de refluxo foram reduzidos (com significância estatística) de 91% para 51% nos pacientes sem esofagite erosiva. Nos pacientes com esofagite erosiva, a taxa de cicatrização da mucosa foi de 95% após 8 semanas de tratamento com a droga37.
Recentemente, resultados similares foram novamente relatados. As doses de lansoprazol de 20 e 40 mg foram efetivas em reduzir precocemente - em até 1 semana - os sintomas de DRGE comprovada por endoscopia em crianças. O mesmo não ocorreu com a dose de 10 mg38.
Assim, omeprazol é recomendado na dose de 0,7 a 3,5 mg/kg, por um período médio de 3 meses. Lansoprazol na dose de 1,5 mg/kg/dia ou 30 mg/dia parece ser efetivo na cicatrização de erosões esofágicas. A dose de 15 mg/dia melhora os sintomas da esofagite não erosiva. É importante ressaltar que o erro mais comum na prescrição dos inibidores de bomba de prótons são as doses subterapêuticas. Se a resposta for limitada, deve-se rever a dose prescrita, verificar a adesão ao tratamento e reavaliar o diagnóstico. A esofagite eosinofílica é uma entidade que sempre deve ser lembrada nesses casos. A DRGE usualmente recorre com a interrupção do tratamento. Aproximadamente 80% dos pacientes adultos apresentam recaídas após 6 a 12 meses, necessitando, dessa forma, de inibidores da secreção ácida por longo tempo39.
Esofagite não erosiva
A maioria das crianças com esofagite apenas histológica se beneficia de cursos de IH2 por 8 a 12 semanas2. Porém, muitos pacientes adultos com DRGE e esofagite erosiva, apesar de apresentarem exposição maior a conteúdos esofágicos ácidos do que os pacientes sem esofagite erosiva, parecem responder melhor à terapia de inibição ácida com IBP do que os pacientes com a forma não erosiva. O mecanismo fisiopatológico encontrado para explicar esse achado é que os IBP apresentam menor efeito sobre a acidez gástrica pós-prandial em pacientes sem esofagite erosiva. Essa foi a conclusão de Gardner et al. em um estudo controlado, randomizado e cruzado envolvendo 26 adultos com índice de refluxo > 10%, oito deles sem e 18 com esofagite erosiva40. Esse achado talvez possa explicar a queimação retroesternal pós-refeição que muitos dos pacientes com esofagite não erosiva apresentam, pois o volume de secreção ácida pós-prandial é maior. Assim, durante o emprego de IBP, muitos pacientes sem esofagite erosiva podem necessitar de diminuição maior na acidez gástrica do que pacientes com esofagite erosiva. Não se sabe se o mesmo se aplica a crianças maiores e adolescentes.
Estenose péptica e esôfago de Barrett
A estenose péptica é a complicação mais freqüente da esofagite de refluxo. A terapia de inibição ácida com IBP é capaz de impedir a evolução da estenose e de reduzir a necessidade de dilatações endoscópicas2,31.
O esôfago de Barrett é uma condição pré-maligna, na qual o epitélio escamoso normal do esôfago distal é substituído por metaplasia intestinal especializada que predispõe a adenocarcinoma. O risco de adenocarcinoma nesses pacientes é de 0,5% ao ano. Ocorre como conseqüência de exposição excessiva e prolongada do esôfago ao material ácido e não ácido. O objetivo terapêutico no esôfago de Barrett é a redução da exposição do esôfago ao material refluído a fim de melhorar sintomas e prevenir a progressão para adenocarcinoma. O tratamento tem consistido na inibição ácida profunda e prolongada com inibidores da bomba de prótons, cirurgia (fundoplicatura) e técnicas endoscópicas ablativas.
O uso do IBP deve ser mantido por toda a vida. Os pacientes necessitam ser freqüentemente monitorados quanto à eficiência da supressão ácida e da evolução da displasia. Existem vários ensaios terapêuticos sobre esôfago de Barrett, porém são poucos os estudos controlados e randomizados. Apenas dois estudos com esse desenho compararam tratamento farmacológico com cirurgia. Faybush et al., em recente revisão dos estudos randomizados e controlados, concluíram que o tratamento com IBP não resulta em completa regressão do esôfago de Barret. A combinação de IBP com técnicas ablativas parece ser promissora41,42.
Síndromes extra-esofágicas com associações estabelecidas ou propostas
Apnéia
A relação causal entre apnéia e DRGE não é até hoje completamente compreendida. A dificuldade em se compreender as características dessa relação repousa principalmente em dois pontos: a ocorrência de episódios de apnéia e de refluxo é mais provável no momento pós-prandial; os episódios de refluxo no recém-nascido são predominantemente não ácidos43. Orenstein considera improvável que os episódios de apnéia que ocorrem durante o sono, com o lactente em posição prona, sejam relacionados a episódios de refluxo44. Porém, alguns autores identificam características clínicas da apnéia que a tornam merecedora de prova terapêutica para DRGE: apnéia em vigília, apnéia obstrutiva2, apnéia na concomitância de vômitos ou cianose43. Nesses casos, decúbito lateral esquerdo deve ser adotado, bem como espessamento da dieta com administração de volumes menores e mais freqüentes. Pode-se tentar o uso de pró-cinéticos e inibidores da secreção ácida, sendo o IH2 a primeira opção, podendo, posteriormente, ser substituído por IBP2,43,45.
Pneumonias recorrentes
Refluxo de conteúdo gástrico para a árvore respiratória é causa de pneumonia recorrente e, eventualmente, de fibrose pulmonar2. Porém, as macroaspirações são relativamente raras e ocorrem mais em crianças com atraso do desenvolvimento e alterações estruturais, tal como ocorre na atresia de esôfago corrigida44. Nessas situações, o quadro clínico e radiológico são claros e não deixam dúvidas quanto ao diagnóstico43. Quando o refluxo ocorre em crianças sem essas alterações, a integridade dos mecanismos fisiológicos protetores das vias aéreas deve ser investigada. O quadro exige o uso de um arsenal de métodos propedêuticos familiares aos pneumologistas pediátricos2. Esses pacientes podem se beneficiar de medicação pró-cinética. Os inibidores da secreção ácida, em particular os IBP, por reduzir o volume de secreção produzida, podem ser benéficos para alguns pacientes. Em algumas situações graves e recorrentes, a fundoplicatura é uma opção2,44.
Estridor laríngeo
O estridor laríngeo recorrente é relativamente freqüente em crianças. A principal causa de estridor crônico é laringomalácia. A associação entre sintomas laríngeos e DRGE em crianças foi identificada em séries de casos. Orenstein considera que estridor e refluxo podem formar um ciclo vicioso, perpetuando e agravando um ao outro. Em crianças maiores, pode ocorrer laringoespasmo secundário a episódios de refluxo44. Estudos em adultos e crianças têm demonstrado a eficácia da inibição da secreção ácida em vários pacientes. Porém, nenhum desses estudos foi controlado e randomizado. Assim, alguns autores não recomendam o tratamento farmacológico da DRGE nessas situações2, enquanto que outros, considerando que as manifestações laríngeas podem ser secundárias a refluxo ácido, acreditam que o uso de inibidores da secreção ácida pode beneficiar alguns pacientes44. Em adultos, recomenda-se que, quando for realizada prova terapêutica com inibidores da secreção ácida, o tempo de tratamento deve ser superior a 3 meses; tempos mais curtos não são suficientes para concluir falha terapêutica. Talvez o mesmo raciocínio seja adequado para crianças maiores.
Otites, sinusites e faringites
A existência de relação entre essas situações e a DRGE não é claramente estabelecida. O teste terapêutico com pró-cinéticos ou inibidores da secreção ácida muitas vezes é realizado em crianças, mesmo não sendo formalmente indicado.
Asma
A asma é a doença crônica mais comum na infância e adolescência. Muitos estudos demonstram que a DRGE e a asma freqüentemente coexistem. Estudos com instilação ácida no esôfago, nos quais se logrou demonstrar broncoconstrição reflexa, são usados como argumento da relação entre essas duas afecções46. Estudos mostram que crianças e adolescentes com RGE freqüentemente apresentam sintomas respiratórios20.
A associação clínica entre as duas entidades existe, porém a relação causal continua sem esclarecimento. Alguns estudos ilustram bem essa associação. Um estudo observou que a prevalência de refluxo estava diretamente relacionada à gravidade da asma. Através de pHmetria esofágica de 24 horas, observou-se ausência de DRGE em pacientes com asma intermitente, ao passo que naqueles com as formas persistentes leve, moderada e grave, a pHmetria estava alterada em 11%, 23% e 57%, respectivamente. Ademais, um ou mais sintomas de DRGE estava presente em 53% dos pacientes com refluxo e em 13% dos pacientes sem refluxo, enquanto que a endoscopia digestiva revelou esofagite em 44% dos pacientes com pHmetria alterada e em 9% dos pacientes sem pHmetria alterada47.
Outro grande estudo comparou crianças neurologicamente normais hospitalizadas com diagnóstico de DRGE com crianças sem esse diagnóstico em relação à prevalência de manifestações respiratórias. Essas manifestações foram duas vezes mais freqüentes em crianças com refluxo comparadas a crianças sem refluxo48.
Em trabalho realizado em Belo Horizonte, 69 crianças de 1 a 5 anos com asma persistente moderada ou grave foram avaliadas através de pHmetria de 24 horas. A DRGE foi observada em 68,1% das crianças e foi mais prevalente na forma persistente grave (82,1%) do que na moderada (58,5%). A DRGE sem sintomas esofágicos ocorreu em 31,8% dos casos49.
Entretanto, mesmo na ausência de conclusões definitivas sobre a relação causal, é clinicamente relevante indagar se o tratamento da DRGE em asmáticos teria repercussão positiva sobre o comportamento e controle da asma.
Dentre os estudos realizados em crianças abordando tratamento farmacológico do refluxo em asmáticos, destaca-se o estudo controlado, randomizado e cruzado de Gustafsson50. Nesse estudo foram avaliadas 37 crianças e adolescentes entre 10 e 20 anos com asma moderada ou grave, cujo diagnóstico se baseou em parâmetros clínicos. Para diagnóstico de DRGE foram adotados critérios clínicos (11 pacientes não apresentavam sintomas esofagianos), pHmetria de 24 horas e teste de perfusão ácida. Os pacientes receberam ranitidina na dose de 150 ou 300 mg ou placebo. As variáveis analisadas foram o volume expiratório forçado em um segundo (VEF1), o pico de fluxo expiratório (PFE), hiper-reatividade das vias aéreas e quadro clínico. Nenhuma dessas variáveis foi capaz de identificar a superioridade da ranitidina em relação ao placebo na evolução da asma.
Ensaios terapêuticos controlados e randomizados do tratamento da DRGE em adultos com asma50 também não identificaram melhora nos testes de função pulmonar usando inibidor H2 ou omeprazol ou cirurgia anti-refluxo. Porém, alguns desses estudos demonstraram melhora em parâmetros clínicos, como sintomas noturnos e sibilância.
Koshoo et al.45 selecionaram 46 crianças de 5 a 10 anos com asma persistente moderada. Essas crianças foram tratadas para refluxo, independentemente da presença de DRGE diagnosticada à pHmetria. Os tratamentos realizados foram clínicos (mudanças no estilo de vida, omeprazol, procinéticos) e cirúrgicos. Vinte e sete crianças apresentavam DRGE à pHmetria e 19 não apresentavam DRGE. Dezoito crianças do primeiro grupo e oito do segundo receberam tratamento com mudanças no estilo de vida, pró-cinéticos e IBP. Dentre as crianças tratadas para DRGE, foram observadas reduções significativas na necessidade de medicação para asma nos pacientes com asma e DRGE e em dois pacientes com asma e sem DRGE. Os pacientes do grupo sem DRGE que receberam tratamento para refluxo não apresentaram melhora da asma em relação aos que não receberam.
Recentemente, Stordal et al., em estudo controlado com placebo, randomizado e duplo cego, avaliaram 38 crianças de 7 a 16 anos com asma (no mínimo dois episódios nos últimos 6 meses necessitando de medicação) e DRGE. Foram elegíveis pacientes com no mínimo um sintoma digestivo e índice de refluxo à pHmetria maior que 5%. O omeprazol foi usado por 12 semanas na dose de 0,25-1 mg/kg/dia. Apesar de pretender comprovar se a supressão ácida foi adequada, nova pHmetria foi realizada ao final do tratamento em menos da metade dos pacientes. Nenhuma diferença foi observada entre os grupos em relação aos sintomas de asma, qualidade de vida e medidas da função pulmonar51.
Os estudos realizados até o momento apresentam grandes limitações. O parâmetro clínico de melhora de sintomas esofágicos de refluxo, usado isoladamente, é falho para avaliação da adequada inibição ácida e cicatrização de mucosa esofágica. Apenas um estudo procurou identificar melhora de parâmetros da DRGE em exames diagnósticos51. Porém, a pHmetria esofágica ao final do tratamento foi realizada apenas em metade dos pacientes. Além disso, o número de pacientes recrutados foi sempre menor do que o necessário e, na maioria dos estudos, o tempo de tratamento foi curto. Outro aspecto importante a ser considerado nesses estudos é que os pacientes foram selecionados a partir de um critério primário de asma. Os resultados poderiam ter sido diferentes se a seleção se tivesse se dado a partir de sintomas de DRGE, com comprovação laboratorial.
O tratamento de pacientes com asma precisa ser rigorosamente monitorado. É útil que se registrem as variáveis evolutivas que serão consideradas na avaliação da eficácia do tratamento, tais como tosse, dispnéia, sibilância, freqüência e gravidade das exacerbações, sintomas noturnos, uso de beta-2 agonistas e qualidade de vida. Crianças aptas a realizar a espirometria devem fazer esse teste antes e após o tratamento do refluxo. Existem recomendações para a seleção dos pacientes com asma que se beneficiariam do tratamento farmacológico para DRGE. Crianças nas quais coexistam sintomas de asma e sintomas esofágicos de refluxo indubitavelmente devem ser tratadas para DRGE e acompanhadas. Nesta situação, a DRGE deve ser considerada uma comorbidade, e nenhuma melhora na asma deve ser esperada. Contudo, em pacientes com asma de difícil controle, isto é, com sintomas noturnos mais do que 1 vez por semana, que necessitam de tratamento contínuo com corticóide oral, altas doses de corticóide inalatório ou mais que dois ciclos de corticóide oral por ano, com asma persistente, sem condições de suspensão do tratamento farmacológico, independentemente da gravidade2, um papel predominante da DRGE deve ser investigado com pHmetria esofágica de 24h. Esses casos são raros. O mesmo pode ser considerado nos casos de lactentes que sibilam ou tossem durante ou após a alimentação. Assim, deve ser realizada terapia de inibição ácida com IBP por 3 meses em doses mais altas do que as habitualmente preconizadas47. Alguns autores acreditam que a melhora dos sintomas respiratórios é tardia em relação aos outros sintomas da DRGE, demorando de 2 a 3 meses para ocorrer. Para controle de sintomas noturnos, pode ser necessário dividir a dose em duas tomadas, sendo uma após o jantar.
Tosse crônica inespecífica
Tal como ocorre com a asma, a DRGE pode coexistir com a tosse crônica. Contudo, esses casos são superestimados, e as características e momento da tosse são essenciais na suspeição diagnóstica. Até o momento, estudos randomizados e controlados que avaliam a resposta ao tratamento da DRGE na evolução da tosse crônica foram realizados apenas em adultos. Em crianças, a resposta da tosse inespecífica ao tratamento farmacológico do refluxo não foi estudada.
Estudos em adultos foram avaliados em revisões sistemáticas da Cochrane Collaboration52. Os resultados desses estudos não revelam melhora da tosse crônica com o tratamento farmacológico do refluxo (inibidor H2, IBP, pró-cinético). Os revisores chamam atenção para a grande diferença entre os resultados de estudos não controlados quando comparados a estudos controlados. Os primeiros não consideram o efeito placebo do tratamento em si e do tempo sobre a evolução da tosse. Além disso, a supressão ácida intensa, tal como é recomendada para a asma, não foi usada em nenhum dos estudos controlados. Contudo, 11 desses estudos usaram IBP como abordagem terapêutica, e as variáveis evolutivas usadas permitiram a inclusão em uma meta-análise53. Algum efeito benéfico sobre a tosse pôde ser percebido nos adultos com DRGE. Os autores concluem que o tratamento de adultos com tosse crônica inespecífica por 2 a 8 semanas pode ser considerado como teste terapêutico. Em crianças, outras causas de tosse devem ser exaustivamente procuradas antes de submetê-las à prova terapêutica52.
Na Tabela 1 podemos observar de maneira resumida o tratamento das principais síndromes esofágicas e extra-esofágicas associadas à DRGE. Nas situações em que a relação causal não foi ainda indubitavelmente estabelecida, as opções de tratamento aparecem como um ponto de interrogação ("?").
Considerações sobre a farmacologia e a segurança das drogas usadas no tratamento da DRGE da criança
Procinéticos
O mecanismo fisiopatológico mais fortemente relacionado à DRGE é o aumento da freqüência dos episódios de relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior. Estudos demonstraram que o tônus do esfíncter esofágico inferior aumenta com a terapia procinética, mas isso não se reflete na diminuição dos episódios de refluxo2.
A cisaprida é um agente serotoninérgico que facilita a liberação de acetilcolina nas sinapses dos plexos mioentéricos da parede intestinal. A cisaprida apresenta efeitos pró-cinéticos no esfíncter esofágico inferior e no estômago54. Dentre as drogas usadas no tratamento da DRGE na criança, certamente a cisaprida é a que mais foi avaliada em estudos controlados e randomizados. A melhora de sintomas clínicos, de parâmetros à pHmetria, de histologia esofágica e de complicações respiratórias foi observada em alguns estudos com a droga2,55-57, embora uma revisão realizada pela Cochrane Collaboration tenha indicado apenas a existência de melhora do índice de refluxo54. A cisaprida nunca foi liberada para menores de 12 anos, mas foi amplamente prescrita para crianças nessa faixa etária em todo o mundo58. Porém, efeitos cardíacos potencialmente relacionados à sua administração, induzindo aumento do intervalo QT, arritmias e morte súbita, levaram à restrição do uso da cisaprida, com posterior suspensão de sua comercialização59.
A domperidona é um antagonista periférico do receptor D2 da dopamina. Ela diminui o tempo de refluxo pós-prandial e é usada para tratar regurgitação e vômito. Desde a suspensão da comercialização da cisaprida, a domperidona passou a ser muito usada, sendo a droga pró-cinética mais usada em nosso meio. Pritchard et al. constataram apenas evidências menores da eficácia da domperidona60. A domperidona pode causar sintomas extra-piramidais e episódios de movimentos oculógiros em lactentes. Tal como a cisaprida, a domperidona também é metabolizada no sistema enzimático P450. Assim, o nível sérico da droga pode ser aumentado se houver uso concomitante de derivados imidazólicos e antibióticos macrolídeos. O prolongamento do intervalo Q-T pode ocorrer com o uso associado de cetoconazol e domperidona.
A metoclopramida é um agente antidopaminérgico com efeitos colinérgicos e seratoninérgicos. Age aumentando o tônus do esfíncter esofagiano inferior, melhorando o peristaltismo esofagiano e acelerando o esvaziamento gástrico. A dose usada em ensaios terapêuticos em DRGE variou de 0,125 mg/kg/vez a 0,3 mg/kg/vez, dividida em três a quatro doses diárias de 0,5 a 1,0 mg/kg/dia3. Porém, o uso deve ser criterioso, pois a droga apresenta efeitos adversos importantes e não raros61. A metoclopramida causa sintomas extra-piramidais, incluindo reações distônicas e sonolência. Discinesias são identificadas anos após o seu uso. A partir de 1997, a metoclopramida tem ressurgido com uma opção de droga pró-cinética em função do relato dos efeitos cardíacos da cisaprida e da sua retirada do mercado3. As evidências que apóiam a eficácia dessa droga em DRGE são menores.
Efeitos gástricos pró-cinéticos da eritromicina foram reconhecidos nos últimos 20 anos62. Estudos demonstram que a eritromicina exerce seus efeitos motores gastrintestinais via ativação direta dos receptores da motilina. A motilina é um peptídeo de ocorrência natural, produzido pelas células enterocromafins presentes na mucosa duodenal e jejunal, sendo liberada periodicamente na circulação durante o jejum. A efetividade do uso oral de sais de eritromicina tem sido observada em prematuros com intolerância alimentar por dismotilidade, na gastroparesia pós-operatória e na gastroparesia diabética. No esôfago, a eritromicina parece aumentar a pressão do esfíncter esofágico inferior em jejum e pós-alimentação e a amplitude das contrações esofágicas na porção mais distal do órgão. Esses efeitos já foram observados em pacientes com DRGE62, indicando que a droga possa ter emprego clínico nesses pacientes63. Contudo, foi identificada uma associação entre eritromicina e desenvolvimento de estenose hipertrófica do piloro em lactentes64. A dose oral de eritromicina recomendada para estimular a motilidade gástrica é muito inferior à dose antibiótica, tendo sido recomendada uma dose de 1-3 mg/kg. A dose para tratamento da DRGE não é conhecida62.
O baclofen é um agonista do ácido gama aminobutírico (GABA B) que, apesar de não ser uma droga procinética, tem demonstrado inibir os relaxamentos do esfíncter esofágico inferior em estudos com animais e humanos. Existe a expectativa de que, pelo seu mecanismo de ação, a droga seja capaz de interferir nos episódios de refluxo ácido e não ácido. A droga ainda não foi usada em crianças com DRGE, mas é promissora65.
Inibidores H2
Os inibidores H2 se ligam de modo reversível aos receptores H2 da célula parietal, inibindo a resposta secretória ácida desses receptores. Apresentam efetividade comprovada e são usados por milhões de pessoas no mundo. A eficácia clínica da droga depende da inibição gástrica desejada e de aspectos inerentes a essa inibição. Essa classe de drogas é mais eficiente em inibir a secreção ácida basal, particularmente a secreção ácida noturna66,67. No mercado estão disponíveis cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina. Dentre essas drogas, a ranitidina é a mais prescrita no nosso meio.
A cimetidina inibe as CYP e, dessa maneira, pode aumentar os níveis de vários fármacos que são metabolizados por essas enzimas. A ranitidina interfere em proporção muito pequena com a ação metabólica dessas enzimas. A famotidina e a nizatidina são ainda mais seguras, sem interação medicamentosa com as CYP. É descrita tolerância aos IH2. Isso se deve à hipergastrinemia que surge com o seu uso, a qual estimula a liberação de histamina67.
Pacientes em uso de ranitidina podem experimentar cefaléia, tonteira, cansaço, irritabilidade, rash, constipação, diarréia, trombocitopenia e elevação de transaminases. Porém, esses achados são pouco freqüentes, e a droga pode ser usada com segurança. Atenção deve ser dada a pacientes com insuficiência renal, que devem ter a dose reduzida2.
Bloqueadores da bomba de prótons
IBP são substâncias benzimidazólicas que inibem seletiva e completamente a bomba de prótons H+K+ ATPase (bomba de prótons) na membrana da célula parietal. A secreção gástrica ácida é suprimida em resposta a todos os agentes estimulantes até que novas moléculas da bomba sejam sintetizadas. A potente ação dos IBP, além de elevar o pH gástrico, também resulta em redução do volume intra-gástrico de 24 horas, facilitando o esvaziamento gástrico e reduzindo o volume do refluxo.
Atualmente, os IBP em uso clínico no mundo são omeprazol, lansoprazom, pantoprazol, rabeprazol e esomeprazol. Dentre esses, o esomeprazol é o que mais reduz a acidez intra-gástrica68. Apenas omeprazol e lanzoprazol são aprovados pela FDA para uso em crianças. Para menores de 1 ano, nenhum é aprovado.
Embora semelhantes em sua estrutura, os IBP apresentam diferenças em relação ao metabolismo. Os IBP, principalmente omeprazol, são metabolizados em graus variados pelo sistema enzimático hepático P450, especificamente pelas enzimas CYP2C19 e CYP3A4. Aspectos importantes sobre a farmacocinética e a farmacodinâmica dos IBP referem-se ao polimorfismo genético dessas enzimas que afeta a biotransformação e a eliminação plasmática dos IBP. O polimorfismo genético pode levar a grandes diferenças na cinética dos IBP. Indivíduos que metabolizam pior a droga podem ter maior exposição após uma dose terapêutica. Assim, parte da grande variabilidade da dose observada em estudos com omeprazol em crianças pode ser explicada por esses achados69,70.
O grau de supressão ácida dos IBP correlaciona-se com a exposição sistêmica à droga71. O omeprazol é eliminado rapidamente do plasma (meia-vida de aproximadamente 1 hora), mas o seu efeito pode persistir por 24 a 72 horas devido à forte ligação da sua forma ativa aos receptores alvo. A implicação clínica disso é uma grande exposição sistêmica à droga. A biodisponibilidade oral do omeprazol é nitidamente inferior à do lansoprazol, respectivamente 35 a 65% e 80 a 91%71.
O omeprazol é comercializado como uma cápsula de revestimento entérico e na formulação MUPS (multiple unit pellet system). A cápsula de liberação entérica contém grânulos de liberação atrasada, os quais não devem ser mastigados ou triturados porque são ácido-lábeis. Não existe preparação líquida. Quando se prescrevem cápsulas para crianças que não são capazes de degluti-las, as cápsulas são abertas e misturadas a meios ácidos, de preferência semi-líquidos, tais como iogurtes. Parecem não existir mudanças na farmacodinâmica da droga quando adotadas essas formas alternativas de administração72, mas os estudos não são conclusivos. O omeprazol-MUPS apresenta uma nova tecnologia de formulação. Contém grânulos envolvidos individualmente por uma cobertura entérica. A preparação MUPS é protegida da degradação intraluminal, e tem a vantagem de dissolver em água. Esses aspectos são importantes quando se considera a administração em crianças.
A administração ótima de IBP é uma vez ao dia, antes da primeira refeição, momento no qual as bombas de prótons são geradas e podem ser eficientemente bloqueadas. Existem circunstâncias nas quais pode ser indicada a adição de uma dose com o jantar. Essas incluem esofagite grave, estenose péptica, distúrbios de motilidade esofágicos, persistência de sintomas de refluxo noturnos e DRGE extra-esofágica. Em relação a esta última, os dados são inconclusivos e ainda são necessários estudos que avaliem os esquemas de tratamento4.
Em adultos, o omeprazol demonstrou ser seguro mesmo que usado por 11 anos ou mais69. Em crianças, ainda não existem registros de uso por tempo maior que 2 anos. Usado por esse período, o omeprazol parece ser seguro4. Dados adicionais sobre a segurança do uso prolongado de omeprazol em crianças ainda são necessários. Até o momento, os registros de uso de lansoprazol foram apenas de cursos de 12 semanas.
Os efeitos adversos relacionados ao omeprazol são cefaléia, diarréia, dor abdominal, náusea, rash cutâneo, constipação e deficiência de vitamina B12. O lansoprazol pode causar cefaléia, diarréia, dor abdominal, náusea, elevação de transaminases, proteinúria, angina e hipotensão. Hipergastrinemia e hiperplasia de células parietais são observadas com o uso de omeprazol. A hipergastrinemia pode ter ações pró-cinéticas. Ademais, esses achados não apresentam implicações clínicas relevantes70.
Os IBP podem participar de muitas interações com drogas. Devido à redução intensa da acidez gástrica, os IBP podem reduzir a biodisponibilidade de drogas que precisam de um pH mais baixo para sua absorção, tais como ampicilina, cianocobalamina, ferro, digoxina e cetoconazol.
Como já pontuado, os IBP podem inibir ou induzir enzimas CYO do sistema P450. Assim, apresentam o efeito potencial de interagir com drogas metabolizadas por essa via enzimática. Em humanos, foram identificadas interações do omeprazol com fenitoína, benzodiazepínicos, diazepam, carbamazepina, claritromicina, metotrexate e warfarin70,71. Já o lansoprazol é menos capaz de inibir ou induzir CYP, e o seu envolvimento em interações com drogas é menor.
Na Tabela 2 podemos observar de maneira resumida as principais drogas utilizadas no tratamento clínico da DRGE.
Tratamento cirúrgico da DRGE
Há algum tempo, antes de se conhecer a efetividade e a segurança dos IBP no tratamento da criança com doença clóridro-péptica, a cirurgia tinha um papel maior na criança com DRGE. Apesar de ainda ser largamente usada, seu uso indiscriminado não é compatível com os conhecimentos atuais sobre a eficiência do tratamento farmacológico e com as altas taxas de falhas e morbidade cirúrgica73. Antes da indicação cirúrgica, a DRGE deve ser caracterizada como crônica e recorrente, sendo o paciente caracterizado como necessitando de IBP ao longo da vida. Assim, é o caso de se optar por terapia farmacológica por longos anos ou tratamento cirúrgico. A necessidade de reoperação deve ser considerada, bem como a possibilidade de voltar a utilizar os IBP.
A cirurgia anti-refluxo na criança com problemas respiratórios deve ser considerada quando ocorrerem complicações que ameaçam a vida, como aspiração, laringoespasmo, apnéia; nas situações em que exista falta de resposta à terapia farmacológica devido a distúrbio motor do esôfago, ocorrendo aspirações crônicas; e em crianças com efeitos colaterais intoleráveis da medicação47. Um bom preditor do sucesso cirúrgico é a melhora dos sintomas com IBP e a experiência do cirurgião4.
Considerações finais
As considerações terapêuticas na DRGE devem valorizar o fato de a doença provavelmente se prolongar por longos anos, se não por toda a vida. O tratamento farmacológico da DRGE já alcançou grande avanços. A inibição da secreção ácida seguramente trata as conseqüências do refluxo ácido. Os inibidores da bomba de prótons são as drogas mais eficientes nesse sentido. Porém, nenhuma droga usada atualmente é eficiente para tratar o mecanismo primário da DRGE, ou seja, os relaxamentos transitórios patológicos do esfíncter esofágico inferior. Outro aspecto é que pouco se sabe sobre a magnitude do papel dos refluxos não ácidos nas apresentações primárias da doença e nas melhoras parciais ou falhas terapêuticas do tratamento da DRGE com inibidores da secreção ácida. Por conseguinte, o tratamento dos episódios patológicos de refluxos não ácidos foi apenas poucas vezes considerado em ensaios terapêuticos. A despeito da elevada prevalência da RGE em pacientes com asma, a maioria desses pacientes não necessita de tratamento anti-refluxo, mas estudos controlados e randomizados sobre esse tema devem ser estimulados. As condições clínicas e as modalidades terapêuticas adequadas que podem ser indicadas especialmente para os pacientes com pneumonia recorrente, asma e tosse crônica necessitam ser estabelecidas para os pacientes pediátricos.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Fev 2007 -
Data do Fascículo
Nov 2006