Resumos
OBJETIVO: Avaliar o impacto da internação sobre os desempenhos cognitivo e global em crianças admitidas na unidade de tratamento intensivo (UTI) pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. MÉTODOS: Estudo longitudinal, observacional de amostra seqüencial de crianças gravemente doentes. Foram utilizados os indicadores Pediatric Index of Mortality (PIM), para gravidade e risco de morte na admissão, Pediatric Cerebral Performance Category (PCPC), para morbidade cognitiva, e Pediatric Overall Performance Category (POPC), para morbidade global, na admissão e na alta. Para morbidade relacionada à UTI, foi utilizada a diferença entre as classificações de alta e de admissão (escores delta). Foi empregado o teste de Kruskal-Wallis. RESULTADOS: Foram avaliados 443 pacientes, sendo 54% do sexo masculino, com mediana de idade de 12 meses (IQ 4-45), e mediana de permanência na UTI de 4,24 dias (IQ 2,4-8). A taxa de mortalidade foi de 6,3%. A mediana do PIM foi de 2,36% (IQ 1-7). Na admissão, 46% dos pacientes tinham algum grau de morbidade cognitiva e 66% de morbidade global. Na alta, 60% de morbidade cognitiva e 86% de morbidade global. Na avaliação de morbidade relacionada à UTI, 25% dos pacientes mostraram variação na área cognitiva, enquanto que 41% mostraram variação global na alta em comparação à admissão. CONCLUSÕES: Ainda que influenciado por elevado grau de morbidade na admissão, o impacto da internação na UTI foi mais importante no domínio global do que no cognitivo. Da mesma forma, tanto o risco de morte na admissão quanto o tempo de permanência tiveram efeito significativo na morbidade dos pacientes gravemente doentes.
Desfecho; cuidados intensivos; categoria de performance cerebral pediátrica; categoria de performance global pediátrica; morbidade
OBJECTIVE: To assess the impact of admission to the pediatric intensive care unit (ICU) at the Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brazil on children's cognitive and global performance. METHODS: An observational, longitudinal study of a sequential sample of critically ill children. The following indicators were used: the Pediatric Index of Mortality (PIM), for severity and risk of death at admission, the Pediatric Cerebral Performance Category (PCPC), for cognitive morbidity and the Pediatric Overall Performance Category (POPC), for global morbidity, at admission and at discharge. Morbidity related to the ICU was measured according to the difference between classifications at discharge and at admission (delta scores). The Kruskal-Wallis test was applied. RESULTS: A total of 443 patients were assessed, 54% of whom were male, with a median age of 12 months (IQ 4-45), and a median ICU stay of 4.24 days (IQ 2.4-8). The mortality rate was 6.3%. The median PIM score was 2.36% (IQ 1-7). On admission, 46% of the patients had some degree of cognitive morbidity and 66% had some degree of global morbidity. At discharge there was 60% cognitive morbidity and 86% global morbidity. The assessment of ICU-related morbidity revealed that 25% of the patients had undergone cognitive changes while 41% had undergone global variations, at discharge compared with admission. CONCLUSIONS: Although affected by the elevated degree of morbidity at admission, the impact of the ICU stay was more significant in the global than in the cognitive domain. In the same manner, both risk of death at admission and length of stay had a significant effect on the morbidity of severely ill patients.
Outcome; critical care; pediatric cerebral performance category; pediatric overall performance category; morbidity
ARTIGO ORIGINAL
Impacto da internação em unidade de terapia intensiva pediátrica: avaliação por meio de escalas de desempenho cognitivo e global
Patrícia T. AlieviI; Paulo R. A. CarvalhoII; Eliana A. TrottaIII; Ricardo Mombelli FilhoIV
IMestre. Pediatra rotineira, Emergência Pediátrica, Hospital da Criança Santo Antônio, Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS
IIDoutor. Professor associado, Departamento de Pediatria e Puericultura e Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS
IIIMestre. Professora adjunta, Departamento de Pediatria, UFRGS, Porto Alegre, RS
IVMédico
Correspondência Correspondência: Patrícia Tollens Alievi Av. Praia de Belas, 1870/405 CEP 90110-000 -Porto Alegre, RS Tel.: (51) 3217.1003 Email: patitollens@bol.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar o impacto da internação sobre os desempenhos cognitivo e global em crianças admitidas na unidade de tratamento intensivo (UTI) pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
MÉTODOS: Estudo longitudinal, observacional de amostra seqüencial de crianças gravemente doentes. Foram utilizados os indicadores Pediatric Index of Mortality (PIM), para gravidade e risco de morte na admissão, Pediatric Cerebral Performance Category (PCPC), para morbidade cognitiva, e Pediatric Overall Performance Category (POPC), para morbidade global, na admissão e na alta. Para morbidade relacionada à UTI, foi utilizada a diferença entre as classificações de alta e de admissão (escores delta). Foi empregado o teste de Kruskal-Wallis.
RESULTADOS: Foram avaliados 443 pacientes, sendo 54% do sexo masculino, com mediana de idade de 12 meses (IQ 4-45), e mediana de permanência na UTI de 4,24 dias (IQ 2,4-8). A taxa de mortalidade foi de 6,3%. A mediana do PIM foi de 2,36% (IQ 1-7). Na admissão, 46% dos pacientes tinham algum grau de morbidade cognitiva e 66% de morbidade global. Na alta, 60% de morbidade cognitiva e 86% de morbidade global. Na avaliação de morbidade relacionada à UTI, 25% dos pacientes mostraram variação na área cognitiva, enquanto que 41% mostraram variação global na alta em comparação à admissão.
CONCLUSÕES: Ainda que influenciado por elevado grau de morbidade na admissão, o impacto da internação na UTI foi mais importante no domínio global do que no cognitivo. Da mesma forma, tanto o risco de morte na admissão quanto o tempo de permanência tiveram efeito significativo na morbidade dos pacientes gravemente doentes.
Palavras-chave: Desfecho, cuidados intensivos, categoria de performance cerebral pediátrica, categoria de performance global pediátrica, morbidade.
Introdução
Na medicina intensiva, a avaliação de resultados na unidade de tratamento intensiva (UTI) ainda está voltada quase que exclusivamente para os desfechos "morte" ou "sobrevida", através de indicadores como taxa de mortalidade, taxa de readmissões ou taxa de complicações relacionadas com alguma terapia específica. Indicadores de morbidade são auxiliares importantes1, mas podem ser difíceis de quantificar, particularmente em crianças2.
No cuidado intensivo pediátrico, no entanto, a morte pode ser um acontecimento relativamente raro, dependendo do volume de pacientes admitidos, do tamanho e do tipo de unidade, e que não permite avaliar em toda a sua extensão as repercussões provocadas pela doença aguda e pela internação em UTI3-5. A admissão e o tratamento em cuidados intensivos podem não resultar em morte, mas em diferentes graus de incapacidade nos sobreviventes4.
A avaliação de resultados das intervenções médicas pode quantificar melhor a eficácia das diferentes terapias, possibilitando melhores decisões, condutas padronizadas e otimização no uso de recursos6,7. Isso se torna mais relevante na medida em que não se tem claro qual é o impacto da internação sobre as funções fisiológicas e cognitivas dos pacientes. A avaliação do comprometimento cognitivo e funcional do paciente após ser submetido a um período de estresse importante e a potencial necessidade de ajuda para a sua reinserção no meio familiar e social podem ajudar a compreender melhor as repercussões da doença ou trauma agudos e do atendimento médico8.
Em contrapartida à existência de vários trabalhos sobre condições de saúde e instrumentos de qualidade de vida em adultos9, poucos instrumentos são validados para uso em crianças4. A maioria destes mede apenas o grau de incapacidade em questões de reabilitação ou desenvolvimento.
Fiser et al. relataram estudos de validação de duas novas escalas de desfechos para crianças, a categoria de performance cerebral pediátrica (PCPC) e a categoria de performance global pediátrica (POPC)2,10. São alguns dos raros instrumentos utilizáveis para crianças com menos de 1 ano de idade3. Esses dois índices foram adaptados para uso pediátrico, pois na sua essência já eram usados para avaliação de adultos11. Suas variações mostraram relação direta com o grau de morbidade medido por outros índices já estabelecidos, como tempo de permanência na UTI, custo hospitalar total, cuidados domiciliares pós-alta e gravidade de doença, numa análise de 1.469 pacientes internados em UTI pediátrica2. A diferença entre as categorias de alta e admissão foi denominada de escore delta, reflexo mais direto da alteração na capacidade funcional como resultado de um episódio de doença ou injúria. Um estudo multicêntrico em 16 unidades de cuidados intensivos nos EUA, com 11.104 pacientes, utilizando as escalas PCPC e POPC reproduziu e validou os resultados do estudo inicial12.
Essas escalas foram recomendadas também para relatar resultados associados com ressuscitação cardiopulmonar em crianças13,14 e desfechos neurológicos em trauma craniano15,16.
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da internação sobre o desempenho cognitivo e funcional em crianças admitidas na UTI pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), por meio da aplicação das escalas POPC e PCPC na admissão e na alta, para a obtenção do escore delta, relacionando-o também com o índice de mortalidade pediátrico (PIM) da admissão17 e com o tempo de internação na UTI.
Métodos
Foi realizado um estudo longitudinal, observacional e individual, de risco mínimo, de uma amostra seqüencial dos pacientes internados na UTI pediátrica do HCPA, nos períodos de abril a novembro de 2002 e de junho de 2004 a janeiro de 2005. Foram excluídos os pacientes com permanência na UTI inferior a 24 horas e aqueles cujos pais e/ou responsáveis não aceitaram participar do estudo. Os dados gerais colhidos foram: idade, sexo, diagnóstico de admissão, procedência, tempo de internação na UTI, PIM da admissão e desfecho.
O HCPA é um hospital geral, universitário, de nível terciário, cuja UTI pediátrica possui 13 leitos e admite pacientes de 1 mês a 17 anos com doenças clínicas ou cirúrgicas, exceto as situações de trauma e cirurgia cardíaca. Apresenta média anual de 550 admissões. Desse modo, essa UTI pediátrica é um serviço de referência para crianças criticamente doentes, recebendo pacientes de todo o Estado do Rio Grande do Sul.
Foi feita adaptação transcultural das ferramentas de pesquisa (PCPC e POPC), realizando tradução para a língua portuguesa falada no Brasil, através do método de retrotradução (back-translation)18.
A morbidade foi avaliada através da utilização das escalas PCPC e POPC aplicadas na admissão, através de histórico clínico colhido com os pais, e na alta dos pacientes, através da observação clínica dos mesmos. A medida utilizada para avaliar o impacto da internação foi a classificação de morbidade, ou seja, a diferença entre as classificações de alta e de admissão -o escore delta (delta-PCPC e delta-POPC).
Deve-se enfatizar que um escore delta de zero indica que o desempenho da criança não se alterou durante a internação. Já um valor positivo significa um acréscimo de morbidade, e um valor negativo indica que houve uma melhora em relação ao estado pré-admissão.
Tanto a colheita do histórico clínico quanto a observação de todos os pacientes estudados foram realizadas por um dos autores (P.T.A.). Dada a potencial subjetividade na aplicação das escalas, foi realizado um estudo piloto com 30 pacientes para avaliação da concordância interobservador, com dois observadores independentes e cegos, tendo-se obtido um bom índice de concordância (índice kappa de 0,7 a 1,0).
O tamanho da amostra foi calculado em 432 pacientes, para um poder de 80% e um alfa = 0,05, utilizando o software PEPI, versão 2.
As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão quando a distribuição era simétrica, e mediana e amplitude interquartil quando assimétrica. Para comparação de tempo de internação na UTI e PIM entre os escores delta, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Foi considerado um nível de significância de 5%. Os dados foram analisados por meio do programa SPSS, versão 14.0.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética do HCPA. Para participação no estudo, foi solicitada a concordância dos pais e/ou responsáveis pelo paciente mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
Durante o período do estudo, foram considerados elegíveis 499 pacientes. Cinqüenta e quatro pacientes foram excluídos por permanecerem menos de 24 horas internados na UTI e dois porque os responsáveis não concordaram em participar do estudo. Assim, foram estudados, nos dois períodos, 443 pacientes no total. As características de cada período foram comparadas e não foram observadas diferenças. As características gerais da amostra estão ilustradas na Tabela 1.
As causas de admissão mais freqüentes foram disfunção respiratória (43,3%), sepse e choque (25,5%), pós-operatório (19%) e crises convulsivas (8,1%).
De acordo com a classificação de categorias de performance empregadas no estudo, à admissão foram identificadas 46% de crianças com algum grau de morbidade cognitiva e 66% com algum grau de morbidade funcional. Na alta, foram identificados 60% de crianças com algum grau de morbidade cognitiva e 86% de morbidade funcional. A Figura 1 ilustra o desfecho de cada grupo de pacientes de cada uma das categorias de PCPC e POPC na admissão em relação às suas categorias PCPC e POPC na alta.
A mediana das categorias cognitivas (PCPC) na admissão foi 1 (normal) e, na alta, foi 2 (incapacidade leve). A mediana das categorias funcionais (POPC) na admissão foi 2 (incapacidade global leve) e, na alta, foi 3 (incapacidade global moderada).
O impacto da internação na UTI, indicado pelos escores delta tanto para as categorias cognitivas (PCPC) quanto para as funcionais (POPC), é mostrado na Tabela 2. Em 75% dos casos, o escore delta-PCPC não mostrou alteração na alta em comparação à admissão (delta = 0), enquanto que o escore delta-POPC não mostrou variação em 59% dos casos.
A Tabela 3 ilustra as relações entre o tempo de internação e o risco de mortalidade e os escores delta-PCPC e delta-POPC.
Na POPC, para um grupo de 21 pacientes (4,7%), houve melhora na função global, com 85,7% destes correspondendo a pacientes de pós-operatório. Este grupo teve o risco de mortalidade mais baixo.
A análise estatística indicou diferenças significativas entre os escores delta e os tempos de internação (p < 0,001) e entre os escores delta e os riscos de mortalidade (p < 0,001).
À medida que o escore delta-POPC foi aumentando, ou seja, declínio de função, o risco de mortalidade também foi maior, exceto para o escore delta 5. Para o tempo de internação, o aumento não foi linear, com os pacientes com escores delta-PCPC e delta-POPC de 2 e 3 apresentando as maiores medianas.
Discussão
No presente estudo, identificou-se que 46% dos pacientes possuíam, no momento da internação, algum grau de incapacidade cognitiva e aproximadamente 67% de incapacidade funcional. Comparativamente com outros estudos publicados que utilizaram a mesma metodologia, nossos dados apresentam resultados semelhantes, porém com uma magnitude maior. No estudo original de Fiser, quando as escalas foram empregadas em 1.469 crianças, 16% destas não eram hígidas no momento da admissão em relação ao desempenho cognitivo e 43% em relação ao desempenho funcional2. No trabalho de Oom, que estudou 580 pacientes, foram identificados 24% com alteração no desempenho cognitivo e 49% no funcional por ocasião da admissão à UTI4. No estudo multicêntrico de Fiser et al. com 11.104 pacientes, os números foram mais próximos ao do presente estudo, com 31% dos pacientes apresentando algum grau de morbidade cognitiva na admissão e 59% de morbidade funcional12. Volakli et al., em estudo avaliando a mortalidade e a morbidade de pacientes após 2 anos de internação na UTI, encontraram 25,8% dos pacientes com alteração na escala PCPC e 40% na POPC já na admissão19. Cunha et al., estudando o estado funcional de crianças antes e após internação em unidades de cuidados intensivos pediátricas portuguesas, relataram morbidade cognitiva em 28% e funcional em 43% dos pacientes20. Já Gemke et al., utilizando outro instrumento, observaram dano à saúde global em 68,5% dos pacientes previamente à internação3.
A avaliação dos pacientes no momento da alta da UTI neste estudo mostrou que, em 60% das crianças, observou-se algum grau de dano cognitivo e, em 85%, dano funcional. Os estudos de Fiser referem alterações cognitivas que variam de 15 a 42% e funcionais de 70 a 73%2,12. No estudo de Oom, foi observada a presença de seqüelas cognitivas em 32% das crianças e de seqüelas físicas em 62% dessas na alta4. Já conforme Cunha et al., 34% dos pacientes apresentaram danos cognitivos e 53% funcionais20. Em Taylor et al., em que se avaliou o resultado funcional após 3 anos de seguimento, identificou-se que 10,3% dos sobreviventes apresentaram resultado desfavorável e provavelmente dependeriam de terceiros para seus cuidados, enquanto que 89,7% tinham resultado favorável e provavelmente levariam uma vida independente21.
Os escores delta-PCPC e delta-POPC representam uma visão mais direta das alterações nas capacidades cognitiva e funcional decorrentes de um episódio de doença índice e/ou de uma internação. Assim, conforme citação de Oom, independentemente da maior ou menor extensão da morbidade no momento da alta, o impacto da doença aguda e da internação em UTI só pode ser avaliado quantificando-se o acréscimo de morbidade sofrido pelos pacientes individualmente, por meio do escore delta4. No presente estudo, observou-se piora de função cognitiva em 25% das crianças, e piora no desempenho funcional em aproximadamente 37% dessas. Tais dados denotam maior comprometimento dos pacientes do que em outros estudos com semelhante metodologia. Fiser et al. encontraram acréscimo de morbidade cognitiva e funcional em 14 e 24% dos casos, respectivamente14, e Oom, 10 e 20%, respectivamente4. Cunha et al. encontraram valores menores ainda, de 11 e 16%20.
Por outro lado, casos de melhora também são relatados, assim como neste estudo, em que houve 21 crianças com delta-POPC negativo, correspondendo a 4,7% dos casos. Por exemplo, Cunha et al. encontraram 7% de casos com melhora funcional20. Fiser, em seu estudo original, relatou apenas quatro casos com melhora funcional2. Já no seu estudo com 11.104 pacientes, houve 576 pacientes com melhora, correspondendo a 5,1% dos casos12. Oom também encontrou números semelhantes, relatando 6,4% de casos com delta-POPC negativo4. Assim como neste estudo, os casos de melhora funcional corresponderam, em sua imensa maioria, a pacientes em pós-operatório e pós-transplante hepático e renal, ou seja, pacientes que tiveram suas incapacidades e/ou doenças recuperadas e/ou melhoradas por meio de procedimentos cirúrgicos2,4,12.
O que chama a atenção neste estudo é a grande porcentagem de pacientes que chegaram à UTI já com algum grau de comprometimento, seja cognitivo ou global.
Isso significa que não há como avaliá-los sem conhecer seu estado pré-mórbido, pois na alta a disfunção ou incapacidade verificada seria erroneamente imputada aos tratamentos da UTI ou à doença que motivou a internação. Na alta, os pacientes saíram da UTI com graus importantes de morbidade também, muitos com piora de função. Esses acontecimentos remetem a reflexões em relação a qual tipo de paciente se beneficiaria mais de cuidados intensivos e de como estão sendo tratados pacientes considerados crônicos ou com seqüelas irrecuperáveis, pois esses fatos estão relacionados com a alta demanda de pacientes críticos e a constante falta de leitos nas UTI. Assim, uma ampla discussão sobre critérios de admissão e de alta, sobre agressividade e limitação de tratamento e sobre quantidade e qualidade de sobrevivência deveria ocorrer para se tentar evitar ou minimizar esses problemas22,23.
Alguns aspectos e fatores que poderiam estar relacionados com os números maiores encontrados neste estudo, ou seja, maior porcentagem de pacientes com morbidade, são as características da UTI do HCPA e dos pacientes atendidos. É um hospital terciário, com alto nível de tecnologia moderna e de referência para pacientes oncológicos, para portadores de síndromes genéticas raras e de erros inatos de metabolismo, além de pacientes com as mais diversas doenças neurológicas. Assim, é uma unidade que atende pacientes de alto risco e que tem à disposição tratamentos mais agressivos, o que muitas vezes pode resultar em baixa mortalidade e maior morbidade desses pacientes. No estudo de Oom4, houve também maior porcentagem de crianças com alteração no PCPC de admissão, sendo também justificada pelo autor por uma elevada prevalência de pacientes com doenças neurológicas.
Aspectos que poderiam ser alvo de viés de aferição e limitações deste estudo são os fatos de as escalas possuírem uma característica de subjetividade na sua aplicação e a classificação de morbidade da admissão ser realizada de forma retrospectiva. O teste de confiabilidade interobservador realizado no estudo piloto foi outro aspecto importante e mostrou, assim como em outros estudos, que a utilização das escalas é factível e confiável na avaliação de pacientes12. Assim, pode ser um método adotado por instituições que queiram monitorar seus desempenhos e para comparações de resultados de UTI.
O momento ideal para medida de resultado não é bem definido. Avaliação no final de um episódio de tratamento, na alta da UTI, como o realizado neste estudo, é o método mais freqüentemente relatado24. Porém, não informa sobre o resultado em longo prazo dessas crianças, e muitas vezes subestima o seu grau de recuperação. Com o passar dos anos, muitas persistirão com as suas deficiências, ainda mais se não houver um acompanhamento ambulatorial adequado de acordo com as suas necessidades, mas também muitas outras apresentarão melhora e até recuperação de suas limitações. Assim, a avaliação na alta da UTI é fundamental para se conhecer as necessidades desses pacientes, servindo como uma ferramenta para investigar dificuldades particulares e, dessa forma, auxiliar na sua reabilitação, sendo desejável o seu acompanhamento, cuidado e estimulação em longo prazo.
Ainda que influenciado por elevado grau de morbidade na admissão, o impacto da internação na UTI é mais importante no domínio global do que no cognitivo. Da mesma forma, tanto a gravidade da doença na admissão quanto o tempo de permanência têm efeito significativo na morbidade de pacientes gravemente doentes.
Artigo submetido em 26.02.07, aceito em 11.07.07.
Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Referências bibliográficas
- 1. Morrison AL, Gillis J, O'Connell AJ, Schell DN, Dossetor DR, Mellis C. Quality of life of survivors of pediatric intensive care. Pediatr Crit Care Med. 2002;3:1-5.
- 2. Fiser DH. Assessing the outcome of pediatric intensive care. J Pediatr. 1992;121:68-74.
- 3. Gemke RJ, Bonsel GJ, van Vught AJ. Long term survival and state of health after paediatric intensive care. Arch Dis Child. 1995;73:196-201.
- 4. Oom P. Morbilidade em cuidados intensivos pediátricos. Acta Pediatr Port. 2004;35:279-85.
- 5. Marcin JP, Song J, Leigh JP. The impact of pediatric intensive care unit volume on mortality: a hierarchical instrumental variable analysis. Pediatric Crit Care Med. 2005;6:136-41.
- 6. Epstein AM. The outcomes movement -will it get us where we want to go? N Engl J Med. 1990;323:266-70.
- 7. Fiser DH. Outcome evaluations as measures of quality in pediatric intensive care. Pediatr Clin North Am. 1994;41:1423-38.
- 8. Gordon SM, Jackson JC, Ely EW, Burger C, Hopkins RO. Clinical identification of cognitive impairment in ICU survivors: insights for intensivists. Intensive Care Med. 2004;30:1997-2008.
- 9. Hurel D, Loirat P, Saulnier F, Nicolas F, Brivet F. Quality of life 6 months after intensive care: results of a prospective multicenter study using a generic health status scale and a satisfaction scale. Intensive Care Med. 1997;23:331-7.
- 10. Fiser DH, Long N, Roberson PK, Hefley G, Zolten K, Brodie-Fowler M. Relationship of pediatric overall performance category and pediatric cerebral performance category scores at pediatric intensive care unit discharge with outcome measures collected at hospital discharge and 1- and 6-month follow-up assessments. Crit Care Med. 2000;28:2616-20.
- 11. Jennett B, Bond M. Assessment of outcome after severe brain damage. Lancet. 1975;1:480-4.
- 12. Fiser DH, Tilford JM, Roberson PK. Relationship of illness severity and length of stay to functional outcomes in the pediatric intensive care unit: a multi-institutional study. Crit Care Med. 2000;28:1173-79.
- 13. Zaritsky A, Nadkarni V, Hazinski MF, Foltin G, Quan L, Wright J, et al. Recommended guidelines for uniform reporting of pediatric advanced life support: the pediatric Utstein style. A statement for healthcare professionals from a task force of the American Academy of Pediatrics, the American Heart Association, and the European Resuscitation Council. Pediatrics. 1995;96(4 Pt 1):765-79.
- 14. Morris MC, Wernovsky G, Nadkarni VM. Survival outcomes after extracorporeal cardiopulmonary resuscitation instituted during active chest compressions following refractory in-hospital pediatric cardiac arrest. Pediatr Crit Care Med. 2004;5:440-6.
- 15. Perez A, Minces PG, Schnitzler EJ, Agosta GE, Medina SA, Ciraolo CA. Jugular venous oxygen saturation or arteriovenous difference of lactate content and outcome in children with severe traumatic brain injury. Pediatr Crit Care Med. 2003;4:33-8.
- 16. Spinella PC, Dominguez T, Drott HR, Huh J, McCormick L, Rajendra A, et al. S-100beta protein-serum levels in healthy children and its association with outcome in pediatric traumatic brain injury. Crit Care Med. 2003;31:939-45.
- 17. Martha VF, Garcia PC, Piva JP, Einloft PR, Bruno F, Rampon V. Comparação entre dois escores de prognóstico (PRISM e PIM) em unidade de terapia intensiva pediátrica. J Pediatr (Rio J). 2005;81:259-64.
- 18. Sperber AD. Translation and validation of study instruments for cross-cultural research. Gastroenterology. 2004;126(1 Suppl 1): S124-8.
- 19. Volakli EA, Sdouga M, Tamiolaki M, Antoniades A, Reizoglou M, Giala MM. Mortality and morbidity two years after pediatric intensive care. Intensive Care Med. 2004;30 Suppl 1: S127.
- 20. Cunha F, Carvalho L, Pereira G, Santo E, Ribeiro O, Santos LA. Estado funcional de los niños ingresados en unidades de cuidados intensivos pediátricos portuguesas. In: Reunión Nacional, Sociedad Española de Cuidados Intensivos Pediátricos (SECIP) de la AEP 3; 2006 Nov 17-18; Madrid, España. http://reunir.med.up.pt Acesso: 21/01/2007.
- 21. Taylor A, Butt W, Ciardulli M. The functional outcome and quality of life of children after admission to an intensive care unit. Intensive Care Med. 2003;29:795-800.
- 22. Ruttimann UE, Pollack MM, Fiser DH. Prediction of three outcome states from pediatric intensive care. Crit Care Med. 1996;24:78-85.
- 23. Eiser C. Children's quality of life measures. Arch Dis Child. 1997;77:350-4.
- 24. Haley SM, Graham RJ, Dumas HM. Outcome rating scales for pediatric head injury. J Intensive Care Med. 2004;19:205-19.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Jan 2008 -
Data do Fascículo
Dez 2007
Histórico
-
Recebido
26 Fev 2007 -
Aceito
11 Jul 2007