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Aumento do risco de doença febril com altas doses de suplementação com ferro

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CARTAS AO EDITOR

Aumento do risco de doença febril com altas doses de suplementação com ferro

Helena WatsonI;Michael EisenhutII

I

IIMB. B. Chir. Luton & Dunstable Hospital NHS Foundation Trust, Luton, Inglaterra

Prezado Editor,

O estudo conduzido por da Silva et al. se propôs a investigar as vantagens e desvantagens relativas de três diferentes regimes profiláticos com ferro1. Os autores afirmam que as descobertas sobre uma associação entre a suplementação com ferro e um aumento da vulnerabilidade a infecções são controversas, e também afirmam que os grupos do seu estudo não apresentaram diferenças na morbidade. Um olhar mais atento dos dados revela que, ao se comparar o grupo suplementado com 2 mg/kg/dia com os outros grupos, que receberam 1 mg/kg/dia ou menos, reunidos em um único grupo, a incidência de febre foi significativamente mais alta no grupo com maior ingestão de ferro (28/36), comparada com a incidência observada no grupo que recebeu metade dessa ingestão ou menos (42/77) (p = 0,03, teste do qui-quadrado). A maior parte das comparações (sete de 10) de incidência de doenças infecciosas entre os três grupos revela uma elevação (embora estatisticamente não significativa) da incidência no grupo com 2 mg/kg/dia de ferro. Amostras maiores poderiam ter revelado uma diferença estatisticamente significativa para cada comparação. Tal diferença tornou-se evidente no maior estudo controlado e randomizado de suplementação com ferro, de Sazawal et al., que envolveu 24.076 crianças2. Esse estudo, o maior até o momento, concluiu que, em áreas com altos índices de malária, a suplementação com ferro e ácido fólico pode resultar em um aumento de 12% no risco de doenças graves e mortes. A análise dos resultados das causas relacionadas às infecções incluiu a confirmação de doença febril que não se enquadrava nas definições de malária (por exemplo, pneumonia, sepse, meningite, sarampo, coqueluche) e revelou que, comparados com placebo, os grupos que receberam suplementação com ferro tiveram um risco significativamente maior de desenvolver eventos adversos sérios (1,32; 1,10-1,59), mortes (1,61; 1,03-2,52) e hospitalizações (1,28; 1,05-1,55) devido a essas causas. As descobertas foram significativas o bastante para que o comitê de monitoramento de dados e segurança encerrasse prematuramente o estudo da suplementação com ferro e ácido fólico. A análise dos subgrupos desse estudo demonstrou que esses efeitos são causados principalmente pelo aumento no risco de complicações infecciosas nas crianças que não tinham deficiência de ferro no início do estudo. Com base nesse trabalho, conclui-se que não há justificativa para a suplementação profilática com ferro em crianças que não têm deficiência de ferro em áreas com alta incidência de doenças infecciosas.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Resposta dos autores

Danielle G. da SilvaI;Sylvia do C. C. FranceschiniII;Dirce M. SigulemIII

IDoutora. Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

IIDoutora. Docente, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Nutrição, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG

IIIDoutora. Docente, Programa de Pós-Graduação em Nutrição, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

Prezado Editor,

Agradecemos o comentário apresentado pelos pesquisadores sobre nosso artigo1. Contudo, reconhecemos que é necessário cautela na interpretação das diferenças na ocorrência de morbidade entre os grupos suplementados com ferro, uma vez que não foram controladas possíveis variáveis de confusão. Deve-se ainda destacar que, diferentemente do estudo citado pelos pesquisadores2, cuja região é endêmica da malária, a população avaliada pertence a uma área não-endêmica. Sendo assim, acreditamos serem necessários outros estudos que investiguem as relações entre morbidade e suplementação profilática com ferro em populações com características similares. Alguns autores têm verificado que a suplementação com ferro parece não aumentar o risco geral de infecções em áreas não-endêmicas da malária, em contraposição às áreas endêmicas, onde esse risco parece existir3,4. As discussões relacionadas ao tema em questão são de grande valia, uma vez que reforçam a necessidade de identificar os reais riscos e benefícios da utilização da suplementação profilática com ferro como medida preventiva da deficiência de ferro nos primeiros anos de vida. Além disso, de posse desses dados, deve-se ainda avaliar se a comprovação da ocorrência de riscos específicos justificaria a supressão dos benefícios oferecidos à população em geral.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

Referências(Resposta dos Autores)/ References (Author's Reply)

  • 1. da Silva DG, Franceschini SC, Sigulem DM. Growth in non-anemic infants supplemented with different prophylactic iron doses . J Pediatr (Rio J). 2008;84:365-72.
  • 2. Sazawal S , Black RE , Ramsan M , Chwaya HM , Stoltzfus RJ , Dutta A , et al. Effects of routine prophylactic supplementation with iron and folic acid on admission to hospital and mortality in preschool children in a high malaria transmission setting: community-based, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2006;367:133-43.
  • 1. da Silva DG, Franceschini SC, Sigulem DM. Growth in non-anemic infants supplemented with different prophylactic iron doses . J Pediatr (Rio J). 2008;84:365-72.
  • 2. Sazawal S , Black RE , Ramsan M , Chwaya HM , Stoltzfus RJ , Dutta A , et al. Effects of routine prophylactic supplementation with iron and folic acid on admission to hospital and mortality in preschool children in a high malaria transmission setting: community-based, randomised, placebo-controlled trial. Lancet. 2006;367:133-43.
  • 3. Oppenheimer SI. Iron and its relation to immunity and infectious disease . J Nutr. 2001;131:616S-35S.
  • 4. Gera T , Sachdev HP . Effect of iron supplementation on incidence of infectious illness in children: systematic review. BMJ. 2002;325:1142-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2009
  • Data do Fascículo
    Fev 2009
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