Resumo
Micrurus pacaraimae, sp. n., from Vila Pacaraima, Roraima, Brasil/Venezuela border (04°31'N, 61°09'W), is characterized by: 201 ventrals; 43 subcaudals; no supra-anal tubercles; anal divided; black cephalic cap in contact with the nuchal black ring on the posterior margin of the parietals; throat white; black and red single rings on body and tail.
Micrurus; Brasil
Micrurus; Brasil
Descrição de uma nova espécie de Micrurus do Estado de Roraima, Brasil (Serpentes, Elapidae)
Celso Morato de Carvalho
Departamento de Biologia, Universidade Federal de Sergipe e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. E-mail: cmorato@bol.com.br
ABSTRACT
Micrurus pacaraimae, sp. n., from Vila Pacaraima, Roraima, Brasil/Venezuela border (04°31'N, 61°09'W), is characterized by: 201 ventrals; 43 subcaudals; no supra-anal tubercles; anal divided; black cephalic cap in contact with the nuchal black ring on the posterior margin of the parietals; throat white; black and red single rings on body and tail.
KEYWORDS:Micrurus, Brasil.
Introdução
Entre as espécies de cobras coletadas em Roraima pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, em projetos conjuntos sobre a herpetofauna da região, realizados entre 1986 e 1991, um exemplar de cobra coral procedente da fronteira com a Venezuela parece-me novo.
Micrurus pacaraimae, sp. n.
(Figs 1-4 )
Holótipo: MZUSP 8565, macho, 313 + 42 mm. Brasil: Vila Pacaraima: Rodovia BR 174 na fronteira com a Venezuela (04°31'N, 61°09'W), 10.i.85, coletada pelo Pelotão Especial de Fronteira para C.M.Carvalho.
Etimologia. Do nome da localidade, Vila Pacaraima.
Diagnose. Colorido dorsal e ventral vermelho e negro no corpo e cauda, garganta branca. Capuz cefálico negro em contato com o anel nucal negro. Anéis negros 23, simples; anéis vermelhos cerca de quatro vezes mais largos que os negros. Ventrais 201, subcaudais 43, anal dividida, tubérculos supra-anais ausentes.
Descrição. Rostral mais larga que alta, pouco visível de cima. Nasal grande, a narina localizada na depressão mediana, voltada para trás. Internasal poligonal, com aproximadamente a metade do tamanho da prefrontal. Frontal pouco mais alta que larga, maior que a sua distância à ponta do focinho e pouco menor que a parietal. Uma preocular grande e visível de cima, sua margem posterior perpendicular à porção mediana do olho. Duas post-oculares pequenas, irregulares, oblíquas. Temporais 1 + 1, a anterior oblíqua, estreita e alongada, a posterior menor, poligonal. Supralabiais 7, 3ª e 4ª em contato com o olho, a 3ª mais alta, em contato com a preocular e com o quadrante antero-inferior; 5ª supralabial separada do olho pela post-ocular inferior. Infralabiais 7, as três anteriores e a borda da quarta em contato com as post-mentais anteriores, que são menores que as posteriores.
Dorsais 15-15-15, lisas sem fossetas apicais. Ventrais 201, subcaudais 43. Anal dividida. A escama ventral que antecede a anal também dividida. Tubérculos supra-anais ausentes.
Cabeça com capuz negro cobrindo o terço superior das primeiras supralabiais, parte das post-oculares e das parietais, unindo-se ao anel nucal negro na primeira escama dorsal mediana. Rostral e nasal marmoreadas. Cinco pequenas manchas claras no topo da cabeça: uma em cada internasal, preenchendo quase toda a escama; uma pequena na borda de cada prefrontal; uma irregular na metade posterior da frontal. O anel nucal negro estende-se ventralmente um pouco para a frente, tocando a margem posterior do segundo par de post-mentais; demais partes ventrais da cabeça brancas, as infralabiais anteriores salpicadas de preto.
Corpo com 23 anéis negros (além do anel nucal), simples, completos, com 2 escamas dorsais de largura, separados por anéis vermelhos completos, com 7 a 8 escamas de largura. As escamas dorsais vermelhas têm pequenas manchas negras apicais que ocupam até 1/4 de escama. Margens brancas ausentes nos anéis negros.
Cauda com 9 anéis negros e vermelhos alternados, os últimos levemente salpicados de branco; a escama da extremidade é negra.
Discussão
A nova espécie pode ser reconhecida pelo padrão bicolor dos anéis corporais, os negros sem formarem tríades e cerca de quatro vezes mais estreitos que os vermelhos, pela ausência de tubérculos supra-anais e pela disposição do capuz negro cefálico, unido ao anel nucal preto atrás das parietais. Entre as Micrurus de ocorrência na região, com padrão de anéis negros e vermelhos simples e escamas supra-anais lisas, são relevantes no presente contexto as espécies geograficamente próximas M. circinalis e M. psyches, da Venezuela e regiões vizinhas; M. remotus, M. langsdorffi e M. ornatissimus, do oeste da Amazônia; e M. paraensis, do Pará e Maranhão (Vanzolini, 1986; Peters & Orejas-Miranda, 1986).
Micrurus circinalis Duméril, Bibron & Duméril, 1854, (MZUSP 8651-52, Trinidad), ocorre em Trinidad, noroeste da Venezuela e norte da Guyana (Roze, 1996: 149). Os caracteres merísticos de M. circinalis são semelhantes aos da espécie nova; as principais diferenças estão no padrão de colorido, aliás regra geral para a maioria das espécies do gênero. O capuz negro de M. circinalis cobre todo o focinho e as parietais; uma faixa branca nucal está presente; a garganta é negra, com estreita faixa branca cobrindo as infralabiais intermediárias e parte das post-mentais posteriores. O capuz negro de M. pacaraimae cobre somente parte da cabeça; faixa branca nucal ausente e a garganta é branca. Os anéis negros de M. circinalis (22-31), com 2-3 escamas de largura, são delimitados por anéis brancos ou amarelos no corpo, seguidos por anel negro estreito; cauda com anéis brancos e vermelhos (somente anéis negros e vermelhos em M. pacaraimae).
Micrurus psyches (Daudin, 1803), ocorre no sudeste da Venezuela, Guianas e Suriname (Roze, 1996:210). A cabeça é toda negra, com um anel branco na porção posterior das parietais. A coloração do corpo consiste de anéis vermelhos e negros, ambos estreitos, aproximadamente da mesma largura, os vermelhos tão melânicos que parecem roxos. Os anéis negros, 27 a 41 em M. psyches (23 em M. pacaraimae), são delimitados por anéis brancos ou amarelos; a cauda tem anéis negros, vermelhos irregulares e brancos.
Micrurus remotus Roze, 1987, é conhecida do sul da Venezuela, leste da Colômbia e oeste do Amazonas (Roze, 1996:213). O capuz negro de M. remotus (Roze, 1987) cobre todo o focinho e as parietais (apenas parcialmente a cabeça em M. pacaraimae); as manchas cefálicas são azuis; a garganta é negra com faixa branca irregular que se estende às infralabiais. Os anéis negros em remotus (25-40), 2-3 escamas dorsais de largura, são delimitados por anéis brancos; os anéis vermelhos têm 4-5 escamas dorsais de largura (7-8 dorsais em M. pacaraimae); 6-11 anéis negros na cauda, separados por anéis vermelhos e pontuações brancas.
Micrurus langsdorffi Wagler, 1868 (MZUSP 8331, Ecuador) (revisão em Cunha & Nascimento, 1982; Vanzolini, 1986; Roze, 1996:185) tem focinho marrom, negro ou amarelo; temporais e parte das supralabiais vermelhas; infralabiais geralmente negras. Cabeça ventralmente negra, marrom ou amarela, geralmente vermelha na porção posterior. Os anéis negros (36-91) são em maior número que em M. pacaraimae (23). Em M. langsdorffi os anéis são negros, amarelos ou marrons, separados por anéis vermelhos; os anéis negros são delimitados por anéis brancos interrompidos ventralmente; faixas brancas ventrais presentes; a cauda é negra com anéis brancos.
Micrurus ornatissimus (Jan, 1858) (revisão em Cunha & Nascimento, 1982; Vanzolini, 1986; Roze, 1996:206) tem a cabeça negra com pontuações claras e garganta negra com manchas brancas. Os anéis negros (38-67), 2-3 escamas de largura, são delimitados por anéis brancos; os anéis vermelhos são aproximadamente da mesma largura que os negros (cerca de quatro vezes mais largos que os negros em M. pacaraimae); a cauda é intensamente melânica.
Finalmente, Micrurus paraensis Cunha & Nascimento, 1973 (MZUSP 8047, Pratinha, Pará parátipo) (revisão e comentários em Cunha & Nascimento, 1973, 1982; Hoge & Romano-Hoge, 1978; Vanzolini, 1986; Roze 1996:207) tem a cabeça negra com pequena faixa branca interrompida nas parietais, estendendo-se nas temporais, supralabiais posteriores, infralabiais intermediárias e parte das post-mentais posteriores. Os anéis vermelhos de M. paraensis são cerca de seis vezes maiores que os negros (mais largos que os de M. pacaraimae) e separados deles por anéis brancos; a cauda é negra com anéis brancos.
Cinco outras espécies de Micrurus ocorrem na área geral de Roraima, com diversos padrões de colorido: M. hemprichii (Jan, 1858), M. surinamensis (Cuvier, 1817) e M. lemniscatus (Lineu, 1758) apresentam os anéis negros dispostos em tríades; M. karlschmidti Romano, 1972 (Roze, 1996:135) tem colorido dorsal marrom-escuro uniforme; M. averyi Schmidt, 1939 (redescrição em Vanzolini, 1985) tem a cabeça negra e vermelha, anel nucal negro ausente e os anéis corporais (8-13) são simples e delimitados por anéis brancos.
Distribuição
A localidade-tipo de M. pacaraimae, Vila Pacaraima, está no marco de fronteira número oito entre o Brasil e a Venezuela (BV-8). É uma região de formações montanhosas (altitude 920 metros) composta por rochas sedimentares do Grupo Roraima, que se estende de sudeste para noroeste até a Guyana e corresponde à unidade morfoclimática do platô interfluvial Amazonas-Orinoco (Radambrasil, 1975:155). A mais conhecida unidade da Serra Pacaraima é o Monte Roraima, um complexo sedimentar (altitude 2850 metros) com o relevo tabular característico dos tepuis, situado no extremo nordeste daquela Serra, na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guyana (Tate, 1932). Aproximadamente 20 quilômetros ao norte da Vila Pacaraima situam-se os tepuis da Gran Sabana venezuelana. Cerca de 50 quilômetros para o sul, descendo a serra através da BR-174, encontra-se a unidade morfoclimática brasileira conhecida como pediplano dos rios Branco e Negro, formada em grande parte pelo lavrado da bacia de Boa Vista (descrição da região em Vanzolini & Carvalho, 1991).
A vegetação da região inclui áreas florestadas, com raras árvores emergentes, sub-bosque bem estruturado, com muitas palmeiras no primeiro estrato; as capoeiras têm as costumeiras características estruturais e fisionômicas desorganizadas, com plantas pioneiras (as embaúbas, diversas espécies de Cecropia são as mais comuns). Há áreas abertas recobertas por gramíneas e ciperáceas (várias espécies de Bulbostylis), arbustos esparsos ou agrupados (o mais freqüente é o caimbé, Curatella americana) e rochas expostas de diversas maneiras e fragmentações. Alguns rios que recortam o lavrado de Roraima têm suas origens na Serra Pacaraima; correm para o sul e deságuam nos rios Surumu, Miang, Tacutu e Uraricoera; os dois últimos formam o rio Branco.
Micrurus pacaraimae foi coletada nas margens de um pequeno igarapé que percorre um vale de 30-40 metros, em área de mata, com muita rocha exposta. Este pequeno igarapé é um dos formadores do rio Miang (Heyer, 1994), o principal formador do rio Surumu, que deságua no rio Tacutu.
O clima da região (Radambrasil, 1975) é caracterizado por chuvas de maio a setembro. A precipitação anual varia em torno de 1500-1800 mm; o mês mais seco é janeiro (aproximadamente 30 mm). A temperatura anual oscila entre 22°C a 30°C; junho e julho são os meses com temperaturas mais baixas.
Agradecimentos
P. E. Vanzolini revisou criticamente o manuscrito e deu sugestões, Jeane Carvalho Vilar revisou as primeiras versões, as ilustrações são de Francisca Carolina do Val e Sergioberto Gomes.
Trabalho recebido para publicação em 16.III.2000 e aceito em 16.VII.2001.
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- Cunha, O. R. & F. P. Nascimento, 1982. Ofídios da Amazônia. XVII. Revalidação de M.langsdorffi (Wagler, 1824) e distribuição geográfica das duas espécies (Ophidia:Elapidae). Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi (Nova Série, Zoologia), Belém, 116:1-17.
- Cunha, O. R. & F. P. Nascimento, 1982. Ofídios da Amazônia. XIV. As espécies de Micrurus, Bothrops, Lachesis e Crotalus do sul do Pará e oeste do Maranhão, incluindo áreas de cerrado desse Estado (Ophidia: Elapidae e Viperidae). Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi (Nova Série, Zoologia), Belém, 112:1-58.
- Cunha, O. R. & F. P. Nascimento, 1993. Ofídios da Amazônia. As cobras da região leste do Pará. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi (Série Zoologia), Belém, 9(1):1-191.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
15 Jan 2003 -
Data do Fascículo
Jun 2002
Histórico
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Recebido
16 Mar 2000 -
Aceito
16 Jul 2001