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Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana: comparação entre cristalóide ou colóide

Expansión volemica en raquianestesia para cesárea: comparación entre cristaloide y coloide

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A hipotensão arterial materna é a complicação mais comum após raquianestesia para cesariana. O objetivo deste estudo foi comparar o bem estar materno e fetal de pacientes submetidas à cesariana sob raquianestesia, após expansão volêmica com cristalóide ou colóide (gelatina fluida modificada). MÉTODO: Foram estudadas prospectivamente 50 gestantes de termo, estado físico ASA I, submetidas à cesariana sob raquianestesia. As pacientes foram aleatoriamente divididas em dois grupos que receberam expansão volêmica como segue: Grupo Cristalóide 10 ml.kg-1 de Ringer com lactato e Grupo Colóide, 10 ml.kg-1 de solução coloidal (gelatina fluida modificada). Definiu-se como pressão arterial de controle a média de três valores sucessivos de pressão arterial sistólica (PAS). A PAS foi medida a cada minuto e administrou-se bolus de 0,2 mg de metaraminol, por via venosa, para diminuição de PAS maior que 10% e bolus de 0,4 mg para diminuição de PAS maior que 20%. Ao nascimento avaliou-se o índice de Apgar e realizou-se gasometria da artéria umbilical. A análise estatística foi feita com os testes t de Student modificado e para igualdade de variáveis (p < 0,05). RESULTADOS: A hipotensão arterial 10% (100% e 100% das pacientes); hipotensão arterial 20% (72% e 72% das pacientes), náusea (4% e 8% das pacientes); consumo de vasopressor (1,67 ± 0,89 mg e 1,88 ± 0,74 mg) e pH da artéria umbilical (7,25 ± 0,04 e 7,26 ± 0,04), nos grupos Cristalóide e Colóide, respectivamente foram semelhantes. CONCLUSÕES: Nas condições estudadas, o colóide (gelatina fluida modificada) se mostrou equivalente ao cristalóide (Ringer com lactato) no sentido de garantir o bem estar materno e fetal.

CIRURGIA; CIRURGIA; COMPLICAÇÕES; VOLEMIA; VOLEMIA


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La hipotensión arterial materna es la complicación más común después de raquianestesia para cesárea. El objetivo de este estudio fue comparar el bien estar materno y fetal de pacientes sometidas a cesárea bajo raquianestesia, después de expansión volemica con cristalóide o coloide (gelatina fluida modificada). MÉTODO: Fueron estudiadas prospectivamente 50 gestantes de término, estado físico ASA I, sometidas a cesárea bajo raquianestesia. Las pacientes fueron aleatoriamente divididas en dos grupos que recibieron expansión volemica a seguir: Grupo Cristaloide 10 ml.kg-1 de Ringer con lactato y Grupo Coloide, 10 ml.kg-1 de solución coloidal (gelatina fluida modificada). Se definió como presión arterial de control la media de tres valores sucesivos de presión arterial sistólica (PAS). La PS fue medida a cada minuto y se administró bolus de 0,2 mg de metaraminol, por vía venosa, para disminución de PS mayor que 10% y bolus de 0,4 mg para disminución de PS mayor que 20%. Al nacimiento se evaluó el índice de Apgar y se realizó gasometria de la arteria umbilical. El análisis estadístico fue hecho con los tests t de Student modificado y para igualdad de las variables (p < 0,05). RESULTADOS: La hipotensión arterial 10% (100% y 100% de las pacientes); hipotensión arterial 20% (72% y 72% de las pacientes), náusea (4% y 8% de las pacientes); consumo de vasopresor (1,67 ± 0,89 mg y 1,88 ± 0,74 mg) y pH de la arteria umbilical (7,25 ± 0,04 y 7,26 ± 0,04), en los grupos Cristaloide y Coloide, fueron semejantes respectivamente. CONCLUSIONES: En las condiciones estudiadas, el coloide (gelatina fluida modificada) se mostró equivalente al cristaloide (Ringer con lactato) en el sentido de garantizar el bien estar materno y fetal.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Maternal hypotension is the most common complication following spinal anesthesia for cesarean section. This study aimed at comparing the incidence of hypotension and the need for vasopressors in patients submitted to cesarean section under spinal anesthesia following preload with either crystalloid or colloid (modified fluid gelatin). METHODS: Participated in this prospective study 50 term pregnant patients, physical status ASA I, submitted to cesarean section under spinal anesthesia. Patients were randomly allocated into two groups receiving preload as follows: Crystalloid group, 10 mL.kg-1 lactated Ringer; Colloid group, 10 mL.kg-1 colloid (modified fluid gelatin). Control blood pressure was defined as the mean of three successive systolic blood pressure (SBP) values. SBP was measured at 1-minute intervals and 0.2 mg intravenous bolus of metaraminol was administered for SBP decrease above 10% of control blood pressure, and 0.4 mg bolus of the same drug for SBP decrease above 20% of control. Apgar score was evaluated after delivery and umbilical artery blood was sent for analysis. Modified Student's t test was used for statistical analysis and p < 0.05 was considered statistically significant. RESULTS: Hypotension 10% (100% and 100% of patients); hypotension 20% (72% and 72% of patients), nausea (4% and 8% of patients); vasopressor consumption (1.67± 0.89 mg and 1.88 ± 0.74 mg) and umbilical artery pH (7.25 ± 0.04 and 7.26 ± 0.04), in Crystalloid and Colloid groups, respectively, were similar. CONCLUSIONS: In the conditions of this study, colloid (modified fluid gelatin) was equivalent to crystalloid (lactate Ringer) in preventing or decreasing the incidence of hypotension in patients submitted to cesarean section under spinal anesthesia

COMPLICATIONS; SURGERY; SURGERY; VOLEMY; VOLEMY


ARTIGO CIENTÍFICO

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Comparação entre cristalóide ou colóide* * Recebido da Disciplina de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Departamento de Anestesiologia do Hospital e Maternidade Santa Joana/Pro-Matre, São Paulo, SP

Expansión volemica en raquianestesia para cesárea. Comparación entre cristaloide y coloide

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso, TSAI; Sandra BliacherieneII; Cláudia R C FreitasIII; Daniel S CésarIII; Marcelo Luís Abramides Torres, TSAIV

IDoutora em Anestesiologia pela FMUSP. Médica Supervisora da Anestesia Obstétrica do HCFMUSP. Anestesiologista do Hospital e Maternidade Santa Joana

IIME3 da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP

IIIME2 da Disciplina de Anestesiologia da FMUSP

IVDoutor em Anestesiologia pela FMUSP. Anestesiologista da Maternidade Pro-Matre Paulista

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 8º andar PAMB Divisão de Anestesia 05403-900 São Paulo, SP

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A hipotensão arterial materna é a complicação mais comum após raquianestesia para cesariana. O objetivo deste estudo foi comparar o bem estar materno e fetal de pacientes submetidas à cesariana sob raquianestesia, após expansão volêmica com cristalóide ou colóide (gelatina fluida modificada).

MÉTODO: Foram estudadas prospectivamente 50 gestantes de termo, estado físico ASA I, submetidas à cesariana sob raquianestesia. As pacientes foram aleatoriamente divididas em dois grupos que receberam expansão volêmica como segue: Grupo Cristalóide 10 ml.kg-1 de Ringer com lactato e Grupo Colóide, 10 ml.kg-1 de solução coloidal (gelatina fluida modificada). Definiu-se como pressão arterial de controle a média de três valores sucessivos de pressão arterial sistólica (PAS). A PAS foi medida a cada minuto e administrou-se bolus de 0,2 mg de metaraminol, por via venosa, para diminuição de PAS maior que 10% e bolus de 0,4 mg para diminuição de PAS maior que 20%. Ao nascimento avaliou-se o índice de Apgar e realizou-se gasometria da artéria umbilical. A análise estatística foi feita com os testes t de Student modificado e para igualdade de variáveis (p < 0,05).

RESULTADOS: A hipotensão arterial 10% (100% e 100% das pacientes); hipotensão arterial 20% (72% e 72% das pacientes), náusea (4% e 8% das pacientes); consumo de vasopressor (1,67 ± 0,89 mg e 1,88 ± 0,74 mg) e pH da artéria umbilical (7,25 ± 0,04 e 7,26 ± 0,04), nos grupos Cristalóide e Colóide, respectivamente foram semelhantes.

CONCLUSÕES: Nas condições estudadas, o colóide (gelatina fluida modificada) se mostrou equivalente ao cristalóide (Ringer com lactato) no sentido de garantir o bem estar materno e fetal.

Unitermos: CIRURGIA, Obstétrica: cesariana; COMPLICAÇÕES: hipotensão arterial; VOLEMIA: expansão colóide, cristalóide

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La hipotensión arterial materna es la complicación más común después de raquianestesia para cesárea. El objetivo de este estudio fue comparar el bien estar materno y fetal de pacientes sometidas a cesárea bajo raquianestesia, después de expansión volemica con cristalóide o coloide (gelatina fluida modificada).

MÉTODO: Fueron estudiadas prospectivamente 50 gestantes de término, estado físico ASA I, sometidas a cesárea bajo raquianestesia. Las pacientes fueron aleatoriamente divididas en dos grupos que recibieron expansión volemica a seguir: Grupo Cristaloide 10 ml.kg-1 de Ringer con lactato y Grupo Coloide, 10 ml.kg-1 de solución coloidal (gelatina fluida modificada). Se definió como presión arterial de control la media de tres valores sucesivos de presión arterial sistólica (PAS). La PS fue medida a cada minuto y se administró bolus de 0,2 mg de metaraminol, por vía venosa, para disminución de PS mayor que 10% y bolus de 0,4 mg para disminución de PS mayor que 20%. Al nacimiento se evaluó el índice de Apgar y se realizó gasometria de la arteria umbilical. El análisis estadístico fue hecho con los tests t de Student modificado y para igualdad de las variables (p < 0,05).

RESULTADOS: La hipotensión arterial 10% (100% y 100% de las pacientes); hipotensión arterial 20% (72% y 72% de las pacientes), náusea (4% y 8% de las pacientes); consumo de vasopresor (1,67 ± 0,89 mg y 1,88 ± 0,74 mg) y pH de la arteria umbilical (7,25 ± 0,04 y 7,26 ± 0,04), en los grupos Cristaloide y Coloide, fueron semejantes respectivamente.

CONCLUSIONES: En las condiciones estudiadas, el coloide (gelatina fluida modificada) se mostró equivalente al cristaloide (Ringer con lactato) en el sentido de garantizar el bien estar materno y fetal.

INTRODUÇÃO

A hipotensão arterial materna é a complicação mais comum após raquianestesia para cesariana. As medidas profiláticas e terapêuticas mais freqüentemente empregadas para reduzir a sua incidência e gravidade incluem deslocamento uterino para a esquerda, expansão volêmica e uso de vasopressores 1.

A expansão volêmica pode ser praticada de várias maneiras: com diferentes volumes e velocidades de infusão de fluidos; antes, durante ou após a instalação da anestesia regional ou ainda com diferentes tipos de soluções. Variações na forma como é praticada determinam respostas clínicas diferentes em termos de prevenção de hipotensão arterial.

Em pacientes não obstétricas, Ewaldsson e col. 2 mostraram que a expansão volêmica rápida, realizada imediatamente após o término da injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo, era mais eficaz em reduzir a incidência e a gravidade da hipotensão que a expansão volêmica lenta, realizada imediatamente antes da raquianestesia. Entretanto, em pacientes obstétricas, o mesmo fato não foi observado. Cardoso e col. 3 demonstraram que em pacientes submetidas à raquianestesia para cesariana, a incidência de hipotensão arterial e o consumo de vasopressores eram semelhantes nos grupos que receberam a expansão volêmica rápida ou lenta, antes ou após a realização da anestesia.

Em relação ao tipo de solução a ser administrada demonstrou-se que a utilização de soluções coloidais traria maior benefício para a gestante em relação aos cristalóides para a profilaxia da hipotensão arterial pós-raquianestesia para cesariana. Os colóides tenderiam a ser mais eficazes pelo seu maior poder coloidosmótico e por permanecer por um tempo maior no espaço intravascular 4.

Na atualidade estão disponíveis várias soluções coloidais. Embora estejam classificadas dentro de um mesmo grupo farmacológico apresentam características físico-químicas e conseqüentemente farmacodinâmicas diferentes.

O objetivo do estudo é comparar as variáveis relacionadas ao bem estar materno (incidência de hipotensão arterial materna e náuseas, consumo de vasopressor) e fetal (pH, pCO2, BE da artéria umbilical e índice de Apgar) em pacientes submetidas à cesariana sob raquianestesia, após expansão volêmica com cristalóide ou colóide (gelatina fluida modificada).

MÉTODO

Após aprovação das Comissões de Ética e de Análise de Projetos de Pesquisa, foram avaliadas prospectivamente 50 gestantes de termo, sem antecedentes patológicos, com feto único de termo, a serem submetidas à cesariana sob raquianestesia. Foram excluídas as pacientes portadoras de hipertensão arterial crônica ou induzida pela gestação, com doenças cardiovasculares ou vasculares encefálicas, com anomalias fetais conhecidas e aquelas nas quais ocorreu falha total ou parcial da raquianestesia.

As pacientes foram divididas aleatoriamente em dois grupos de 25 pacientes, que receberam, imediatamente após a injeção do anestésico local no espaço subaracnóideo:

Grupo Cristalóide: expansão volêmica com 10 ml.kg-1 de solução de Ringer com lactato, com velocidade máxima de infusão permitida pela cateterização da veia cefálica com cateter 18G, utilizando-se como altura padrão da solução de infusão a extensão máxima do equipo (1,43 m);

Grupo Colóide: expansão volêmica com 10 ml.kg-1 de solução coloidal (Gelafundin®), com velocidade máxima de infusão permitida pela cateterização da veia cefálica com cateter 18G, utilizando-se como altura padrão da solução de infusão a extensão máxima do equipo (1,43 m).

O estudo foi duplamente encoberto e aleatório (sorteio de envelopes fechados).

A raquianestesia foi realizada em L2-L3/L3-L4 com a paciente na posição sentada, utilizando-se 15 mg de bupivacaína hiperbárica a 0,5% associados a 40 µg de morfina injetados em 60 segundos.

Foi definida como pressão arterial controle a média de três valores sucessivos de pressão arterial sistólica (PAS) obtidos imediatamente antes da realização da raquianestesia. O controle da pressão arterial foi realizado a cada minuto, corrigindo-se diminuições maiores que 10% da PAS controle com bolus de 0,2 mg de metaraminol e diminuições superiores a 20% com bolus de 0,4 mg de metaraminol, por via venosa. O deslocamento uterino foi realizado com a cunha de Crawford modificada e mantido até a extração fetal.

Após o nascimento, foi iniciada a administração de ocitocina (10 U em 500 ml de Ringer com lactato administrado na velocidade de 30 gotas por minuto). Imediatamente após extração fetal, foi coletado sangue do cordão umbilical.

As variáveis maternas estudadas foram: incidência de hipotensão arterial, ocorrência de náusea e/ou vômito e consumo de metaraminol. As variáveis fetais analisadas foram o pH, o pCO2 e o BE da artéria umbilical e os valores do índice de Apgar do 1° e 5° minutos. O peso do recém-nascido, os minutos decorridos entre indução-nascimento e incisão uterina-nascimento foram anotados.

As médias de pressão arterial, freqüência cardíaca e consumo de metaraminol ao longo do tempo foram comparadas entre os grupos utilizando-se a Análise de Variância para medidas repetidas. As demais variáveis estudadas foram comparadas utilizando-se os testes t de Student e Exato de Fisher, conforme apropriado. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS

Os grupos Cristalóide e Colóide foram semelhantes em relação às variáveis antropométricas (Tabela I). Da mesma forma não se encontraram diferenças em relação às incidências de hipotensão acima de 10% e 20% dos valores controle, náusea e consumo de metaraminol antes do nascimento entre os dois grupos. Os dados encontram-se resumidos na tabela II. Nenhuma paciente, em ambos os grupos, apresentou vômito. Os grupos ainda foram semelhantes em relação às variáveis fetais (Tabela III).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 6: 781-787

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Comparação entre cristalóide ou colóide

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Sandra Bliacheriene; Cláudia R C Freitas;

Daniel S César; Marcelo Luís Abramides Torres

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 6: 781-787

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Comparação entre cristalóide ou colóide

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Sandra Bliacheriene; Cláudia R C Freitas;

Daniel S César; Marcelo Luís Abramides Torres

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 6: 781-787

Expansão volêmica em raquianestesia para cesariana. Comparação entre cristalóide ou colóide

Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso; Sandra Bliacheriene; Cláudia R C Freitas;

Daniel S César; Marcelo Luís Abramides Torres

DISCUSSÃO

Neste estudo observou-se que a expansão volêmica com o colóide (gelatina fluida modificada) não se mostrou superior ao cristalóide (Ringer com lactato) para prevenir ou reduzir a gravidade da hipotensão arterial materna pós-raquianestesia em cesariana. Esses dados contrariam os estudos de Ueyama e col. 5 e Riley e col. 6 que demonstraram incidência de hipotensão arterial materna maior nas pacientes submetidas à expansão volêmica com cristalóide que no grupo que utilizou o colóide. As diferenças de resultados poderiam ser atribuídas a vários fatores:

1) Neste estudo foi utilizada a Gelatina Fluida Modificada e nesses estudos utilizou-se como colóide o hetastarch a 6%. Embora os colóides, de maneira geral sejam classificados dentro de um mesmo grupo farmacológico, eles apresentam características físico-químicas e farmacocinéticas distintas entre si, podendo explicar maior eficiência de um em relação ao outro. Vercauteren e col. 7, comparando a eficácia da utilização de duas soluções distintas de colóides (hetastarch versus gelatina fluída modificada) para a expansão volêmica em raquianestesia para cesariana demonstraram maior eficácia com o uso do hetastarch. Assim, é possível que neste estudo a equivalência entre colóide e cristalóide na profilaxia da hipotensão arterial em raquianestesia para cesariana seja decorrente do uso específico da gelatina fluida modificada, não se devendo generalizar o mesmo conceito para outros colóides como o hetastarch.

2) O segundo fator refere-se ao volume de colóide utilizado. Ueyama e col. 5 só encontraram redução significativa da incidência de hipotensão arterial materna durante raquianestesia para cesariana no grupo que utilizou volume de 1000 ml de hetastarch a 6%. Neste estudo o volume de colóide administrado foi limitado em 10 ml.kg-1 (o que gerou um volume de administração médio de colóide de 727,5 ml), pois o objetivo era comparar com a prática rotineira do serviço de se administrar o cristalóide nunca em volumes superiores a 10 ml.kg-1. Esta padronização baseia-se na observação de que uma alta porcentagem de pacientes tornou-se anêmica após a infusão de quantidades de fluídos superiores 8. Além da anemia pode-se citar como desvantagens da administração de grandes volumes de colóides o risco de sobrecarga do sistema cardiovascular principalmente no pós-operatório imediato, e ainda o risco potencial de alterações da coagulação 9.

3) A terceira variável refere-se ao momento em que a expansão volêmica foi realizada. Tradicionalmente, e como realizado por Ueyama e col. 5, a expansão volêmica foi sempre realizada imediatamente antes da execução da anestesia regional. Neste estudo, optou-se por realizá-la simultaneamente à execução da raquianestesia, já que do ponto de vista teórico parece ser mais eficaz. A expansão volêmica tenderia a ser mais efetiva quando realizada após a instalação do bloqueio simpático porque a constante de eliminação de fluidos do organismo se reduz após a indução da anestesia regional 2. Isto traduz uma maior tendência do organismo em preservar o fluido administrado no compartimento central. Esse fenômeno teria pouca importância para os colóides, pois naturalmente tendem a permanecer no compartimento intravascular. Entretanto, em relação aos cristalóides, que rapidamente são redistribuídos do compartimento central para o periférico (após 30 minutos, somente 28% do volume administrado permanece no compartimento central), a sua administração, após a indução da anestesia, poderia determinar melhor rendimento em termos de profilaxia de hipotensão por diminuir suas perdas do compartimento central para o periférico. Assim, é possível que, nesse estudo, a inexistência de diferença entre colóide e cristalóide, em termos de profilaxia da hipotensão arterial após anestesia regional, possa ser explicada exclusivamente pelo melhor rendimento do cristalóide. A sua administração, em momento teoricamente mais oportuno, teria contribuído para perda de menor volume de cristalóide para o compartimento extravascular. Isto o tornaria semelhante ao colóide que permanece inicialmente no intravascular e reduziria, assim, em um primeiro momento, as possíveis diferenças de redistribuição das duas soluções.

Optou-se por utilizar o metaraminol como vasopressor para tratar a hipotensão arterial materna após anestesia regional, já que os a-agonistas têm-se mostrado superiores à efedrina tanto em relação ao bem estar fetal como em relação ao bem estar materno 10. Em gestantes submetidas à cesariana eletiva sob raquianestesia, demonstrou-se que baixas doses de metaraminol estavam associadas à menor incidência de náusea e taquicardia que a efedrina 11.

A incidência de hipotensão arterial materna foi semelhante entre os grupos Cristalóide e Colóide, tanto em diminuição acima de 10% (100% e 100%) da pressão arterial controle quanto acima de 20% (72% e 72%). É interessante notar-se que, apesar de que quase todas as medidas profiláticas e terapêuticas terem sido adotadas (expansão volêmica, deslocamento uterino para esquerda e uso de vasopressores), a incidência de hipotensão arterial materna, nos dois grupos de pacientes estudados, foi bastante elevada. Isso provavelmente é reflexo da maneira com que a hipotensão foi definida e das mudanças com relação à freqüência com que a pressão arterial materna é aferida. Tradicionalmente definia-se como hipotensão arterial materna na paciente obstétrica a diminuição maior ou igual a 20% do valor da pressão arterial sistólica de controle ou diminuição de pressão arterial sistólica inferior a 100 mmHg, sendo a pressão arterial aferida a cada três minutos. Na atualidade define-se como hipotensão arterial a diminuição de pressão igual ou superior a 10% e afere-se a pressão arterial a cada minuto até o nascimento 12. Medidas de pressão arterial mais freqüentes e correção da diminuição de pressão arterial mais precoce explicam assim a sua maior ocorrência. Entretanto, apesar da elevada incidência de hipotensão arterial, observou-se incidência bastante reduzida de náuseas (4% a 8%) e ausência de vômitos. Isto teoricamente mostra a vantagem de se tratar precocemente eventuais oscilações de pressão arterial na paciente obstétrica sob anestesia regional para cesariana. Apesar de numericamente ter-se encontrado uma incidência maior de pacientes com hipotensão, conseguiu-se garantir com essa técnica grande conforto materno.

Os grupos cristalóide e colóide também foram semelhantes com relação às variáveis fetais analisadas. Isto sugere mais uma vez que o bem estar fetal da paciente obstétrica sob anestesia regional está mais na dependência de evitarem-se períodos prolongados de hipotensão arterial do que do tipo de solução que se utiliza para realizar a expansão volêmica ou da própria escolha do vasopressor que será utilizado para profilaxia e tratamento de tal complicação.

Concluindo, a expansão volêmica com cristalóide ou colóide, desde que realizada imediatamente após a instalação da anestesia regional e com volumes de no máximo 10 ml.kg-1, foi semelhante no que se refere à profilaxia da hipotensão arterial materna durante raquianestesia para cesariana. Nesse sentido, a expansão volêmica com cristalóide seria vantajosa, por representar solução de menor custo e menor risco potencial de complicações no que se refere à sobrecarga do sistema cardiovascular, reações alérgicas e distúrbios de coagulação.

Apresentado em 03 de março de 2003

Aceito para publicação em 07 de maio de 2004

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Mônica Maria Siaulys Capel Cardoso
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255
    8º andar PAMB Divisão de Anestesia
    05403-900 São Paulo, SP
  • *
    Recebido da Disciplina de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Departamento de Anestesiologia do Hospital e Maternidade Santa Joana/Pro-Matre, São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      07 Maio 2004
    • Recebido
      03 Mar 2003
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