Open-access Embolia gasosa venosa inadvertida durante cesariana: bolsas retráteis para líquidos intravenosos sem saídas autovedantes oferecem riscos. Relato de caso

Resumos

O anestesiologista deve estar ciente das causas, do diagnóstico e do tratamento de embolia venosa e adotar padrões de prática para prevenir sua ocorrência. Embora a embolia gasosa seja uma complicação conhecida da cesariana, descrevemos um caso raro de desatenção que causou embolia gasosa iatrogênica quase fatal durante uma cesariana sob raquianestesia. uma das razões para o uso de bolsas autorretráteis para infusão em vez dos frascos convencionais de vidro ou plástico é a precaução contra embolia gasosa. Também demonstramos o risco de embolia venosa com o uso de dois tipos de bolsas plásticas retráteis (à base de cloreto de polivinil [PVC] e de polipropileno) para líquidos intravenosos. As bolsas para líquidos sem saídas autovedantes apresentam risco de embolia gasosa se o sistema de fechamento estiver quebrado, enquanto a flexibilidade da bolsa limita a quantidade de entrada de ar. bolsas à base de pvc, que têm mais flexibilidade, apresentam risco significativamente menor de entrada de ar quando o equipo de administração intravenosa (IV) é desconectado da saída. usar uma bolsa pressurizada para infusão rápida sem verificar e esvaziar todo o ar da bolsa IV pode ser perigoso.

CIRURGIA, Cesárea; COMPLICAÇÕES, Embolia Gasosa; Infusões Intravenosas; Hidratação


El anestesiólogo debe de estar consciente de las causas, del diagnóstico y del tratamiento de la embolia venosa, y adoptar los estándares de práctica para prevenir su aparecimiento. Aunque la embolia gaseosa sea una complicación conocida de la cesárea, describimos aquí un caso raro de falta de atención que causó embolia gaseosa iatrogénica casi fatal durante una cesárea bajo raquianestesia. Una de las razones para el uso de bolsas autoretráctiles para infusión en vez de los frascos convencionales de vidrio o plástico, es la precaución contra la embolia gaseosa. También demostramos riesgo de embolia venosa con el uso de dos tipos de bolsas plásticas retráctiles (a base de cloruro de polivinil [PVC] y de polipropileno) para líquidos intravenosos. Las bolsas para líquidos sin salidas de autosellado, tienen un riesgo de embolia gaseosa si el sistema de cierre está roto, mientras la flexibilidad de la bolsa limita la cantidad de entrada de aire. Bolsas hechas a base de PVC, y que tienen más flexibilidad, también tienen un riesgo signifi cativamente menor de entrada de aire cuando el equipo de administración intravenosa (IV) se apaga en la salida. Usar una bolsa de presión para la infusión rápida sin verifi car y vaciar todo el aire de la bolsa IV puede ser peligroso.

CIRUGÍA, Cesarea; COMPLICACIONES, Embolia Gaseosa; Infusiones Intravenoso; Hidratación


The anesthesiologist must be aware of the causes, diagnosis and treatment of venous air embolism and adopt the practice patterns to prevent its occurrence. Although venous air embolism is a known complication of cesarean section, we describe an unusual inattention that causes iatrogenic near fatal venous air embolism during a cesarean section under spinal anesthesia. One of the reasons for using self-collapsible intravenous (IV) infusion bags instead of conventional glass or plastic bottles is to take precaution against air embolism. We also demonstrated the risk of air embolism for two kinds of plastic collapsible intravenous fluid bags: polyvinyl chloride (PVC) and polypropylene-based. Fluid bags without self-sealing outlets pose a risk for air embolism if the closed system is broken down, while the flexibility of the bag limits the amount of air entry. PVC-based bags, which have more flexibility, have signifi cantly less risk of air entry when IV administration set is disconnected from the outlet. Using a pressure bag for rapid infusion can be dangerous without checking and emptying all air from the IV bag.

Cesarean Section; Embolism, Air; Fluid Therapy; Infusions, Intravenous


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Embolia gasosa venosa inadvertida durante cesariana: bolsas retráteis ​​para líquidos intravenosos sem saídas autovedantes oferecem riscos. Relato de caso

Mefkur Bakan; Ufuk Topuz; Asim Esen; Gokcen Basaranoglu; Erdogan Ozturk

Médico; Departamento de Anestesiologia e Reanimação, Faculdade de Medicina, Universidade Bezmialem Vakif, Istambul, Turquia

Correspondência para Correspondência para: Mefkur Bakan Bezmialem Vakif University Vatan Cad, Fatih, 34093 Istanbul, Turkey E-mail: mefkur@yahoo.com

RESUMO

O anestesiologista deve estar ciente das causas, do diagnóstico e do tratamento de embolia venosa e adotar padrões de prática para prevenir sua ocorrência. Embora a embolia gasosa seja uma complicação conhecida da cesariana, descrevemos um caso raro de desatenção que causou embolia gasosa iatrogênica quase fatal durante uma cesariana sob raquianestesia. uma das razões para o uso de bolsas autorretráteis para infusão em vez dos frascos convencionais de vidro ou plástico é a precaução contra embolia gasosa. Também demonstramos o risco de embolia venosa com o uso de dois tipos de bolsas plásticas retráteis (à base de cloreto de polivinil [PVC] e de polipropileno) para líquidos intravenosos. As bolsas para líquidos sem saídas autovedantes apresentam risco de embolia gasosa se o sistema de fechamento estiver quebrado, enquanto a flexibilidade da bolsa limita a quantidade de entrada de ar. bolsas à base de pvc, que têm mais flexibilidade, apresentam risco significativamente menor de entrada de ar quando o equipo de administração intravenosa (IV) é desconectado da saída. usar uma bolsa pressurizada para infusão rápida sem verificar e esvaziar todo o ar da bolsa IV pode ser perigoso.

Unitermos: CIRURGIA, Cesárea; COMPLICAÇÕES, Embolia Gasosa; Infusões Intravenosas; Hidratação.

Introdução

Embolia gasosa venosa (EGV) é uma complicação potencialmente fatal de procedimentos cirúrgicos e invasivos. O anestesiologista deve estar ciente de suas causas, de seu diagnóstico e tratamento e adotar os padrões de prática para prevenir sua ocorrência. Embora a EGV seja uma complicação conhecida da cesariana 1, descrevemos um caso raro de desatenção que causou embolia gasosa iatrogênica quase fatal durante uma cesariana sob raquianestesia. A paciente deu permissão por escrito para a publicação deste relato.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 40 anos, 85 kg, 155 cm, com gestação de 38 semanas, apresentou-se com contrações uterinas e foi programada para cesariana. A paciente era saudável (estado físico ASA I) e tinha história de cirurgias (miomectomia e tireoidectomia subtotal) sem intercorrências, feitas havia um e três anos, respectivamente.

Ao dar entrada, a pressão arterial era de 120/80 mm Hg e a frequência cardíaca de 75 bpm. Inserimos uma cânula de calibre 22G por via intravenosa (IV) no dorso da mão (uma cânula de grosso calibre não poderia ser inserida na enfermaria) e um cateter vesical. Iniciamos o volume de pré-carga e fizemos a contagem sanguínea (o nível de hemoglobina era de 9,1 g.dL-1). Obtivemos consentimento para a cirurgia e anestesia e transferimos a paciente para a sala de cirurgia.

Tanto a paciente quanto o feto estavam estáveis no momento da chegada à sala de cirurgia. O monitoramento foi feito com ECG, pressão arterial não invasiva, SpO2 e administração de oxigênio (5 L.min-1) via máscara facial. Inserimos outra cânula IV de calibre 18G na veia antecubital para expansão rápida do volume e aplicamos a raquianestesia com a paciente na posição sentada. Posicionamos uma agulha espinhal de calibre 25, sem causar trauma, na primeira punção do espaço subaracnóideo no nível de L3-L4 e injetamos 2,5 mL de bupivacaína hiperbárica a 0,5% sem incidentes. Até aquele momento, a paciente havia recebido 600 mL de solução cristaloide através de ambos os cateteres. A paciente foi posicionada em decúbito dorsal e a cirurgia teve início no décimo minuto de anestesia espinhal. Cinco minutos mais tarde, a paciente sentiu náusea, enquanto sua pressão arterial tendeu a diminuir ligeiramente (Tabela 1). Efedrina (5 mg) foi administrada duas vezes e aceleramos a administração de líquidos IV e apertamos a bolsa de líquidos com um infusor pneumático. Uma criança saudável do sexo masculino nasceu com um escore de Apgar 9. Administramos 10 UI de oxitocina IV. A perda sanguínea foi de aproximadamente 400 mL e até aquele momento havíamos aplicado 1.100 mL de líquido. Entre os minutos 25 e 30 de raquianestesia, a paciente subitamente ficou agitada e confusa, com níveis de SpO2 entre 84-80%. Administramos efedrina (10 mg) e midazolam (2 mg IV) e iniciamos a ventilação manual com máscara de oxigênio a 100%. O pulso da artéria radial era palpável e os pulmões eram facilmente expandidos, com baixa resistência das vias aéreas, mas o nível de SpO2 estava diminuindo e EtCO2 estava em 12 mm Hg. Naquele momento, o anestesiologista percebeu que o equipo de administração IV (tanto a câmara de gotejamento quanto o tubo) estava cheio de ar e interrompeu o fluxo imediatamente. Havia também um pouco de ar na bolsa IV (medido após o caso como 55 mL) sem líquido restante.

Administramos propofol (100 mg) e rocurônio (20 mg) e fizemos uma intubação de urgência, mas o nível de EtCO2 não se alterou e os valores de SpO2 diminuíram. A paciente desenvolveu colapso circulatório, que foi tratado em minutos com noradrenalina, atropina, adrenalina e expansão do volume com uma solução coloide (Tabela 1). Depois de restaurar a estabilização hemodinâmica, inserimos uma cânula arterial e colocamos um cateter venoso central na veia jugular interna esquerda (a tentativa da jugular interna direita falhou). Tentativas repetidas para aspirar o ar do cateter venoso central falharam. A primeira gasometria arterial revelou pH: 7,27; pCO2: 43 mm Hg; pO2: 111 mmHg; HCO 3 : 19 mmol.L-1; BE: -7 mmol.L-1; lactato: 3 mmol.L-1. Antes da extubação, o pH era 7,38 e o nível de lactato diminuiu para 2 mmol.L-1. A paciente foi extubada 50 minutos após a cirurgia. A paciente recuperou a consciência sem déficits neurológicos e foi transferida para a unidade de cuidados pós-operatórios.

Após o caso, uma conversa com a enfermeira anestesista esclareceu o acontecido: ao posicionar a paciente para a raquianestesia, o equipo de administração IV se desprendeu da linha IV e ficou involuntariamente contaminado. Ao fazer a troca do equipo, a enfermeira virou a bolsa IV de cabeça para baixo (como mostra a Figura 1-A) e um pouco de ar entrou na bolsa. O uso de um infusor pneumático para a administração rápida do volume causou a EGV.


Geralmente, uma pequena quantidade de ar na vasculatura venosa é absorvida espontaneamente sem sequela, mas a entrada rápida de uma grande quantidade de ar pode resultar em morbidade severa e mortalidade. Em relatos de casos, o volume letal de ar foi descrito como 200-300 mL ou 3-5 mL.kg-1 para adultos e a taxa de entrada de ar também é importante 2. Para calcular o volume estimado de ar que entrou na vasculatura da paciente, testamos dois tipos diferentes de bolsas de líquidos IV disponíveis, com capacidade de 1.000 mL, em nosso instituto e descobrimos alguns resultados interessantes.

O cloreto de polivinil (PVC) é um produto químico amplamente usado na fabricação de recipientes retráteis para líquidos IV, especialmente por causa da flexibilidade. Porém, os produtos contendo vinil representam um risco para a saúde 3 e causam danos ambientais. Muitas empresas de saúde instituíram programas destinados a encontrar substitutos para o PVC. A bolsa de líquido IV do presente caso era à base de polipropileno (PP), um material com menos flexibilidade em comparação com PVC. Testamos bolsas de PVC e PP, mudamos o equipo IV ao virar a bolsa de cabeça para baixo (como no caso presente) após retirar várias quantidades de líquido e, em seguida, medimos a quantidade de ar na bolsa com uma seringa de 50 mL e uma torneira de três vias. Repetimos o teste cinco vezes e os resultados medianos estão apresentados na Tabela 2. Depois de mudar o equipo de administração IV, a quantidade de ar introduzida na bolsa depende do volume de líquido usado (quanto mais líquido for usado, mais espaço haverá para a entrada de ar) e da flexibilidade da bolsa, pois a flexibilidade limita significativamente a quantidade de entrada de ar (Tabela 2).

Quando a enfermeira anestesista trocou o equipo IV, no caso presente, o volume de líquido usado da bolsa de 1.000 mL foi de 300-400 mL e descobrimos que um máximo de 240300 mL de ar pode entrar em uma bolsa de PP nas mesmas condições, enquanto em bolsa de PVC esse valor diminui para 120-130 mL. A quantidade de ar remanescente na bolsa foi de 55 mL e o volume da câmara de gotejamento e tubos era de 15 mL. Portanto, o volume estimado de embolia gasosa foi de 170-230 mL.

Na literatura, os frascos plásticos foram responsabilizados pelo risco de EGV 4,5. Uma das razões para o uso de bolsas de líquido IV retráteis em vez dos frascos convencionais de vidro ou plástico é a precaução contra embolia gasosa. A embolia gasosa está fora de questão quando bolsas retráteis são usadas como um sistema fechado de infusão. Pelo que sabemos, este é o segundo relato de caso de EGV associado ao uso de bolsas de líquido IV retráteis, embora a estimativa do volume de entrada de ar e o material da bolsa não tenham sido mencionados no primeiro caso 6. O sistema fechado oferece risco quando o equipo de administração IV está desconectado da saída. As saídas autovedantes oferecem proteção contra embolia gasosa e contaminação. Quando o equipo precisa ser trocado, a saída da bolsa pode ser vedada com pinça para evitar a entrada de ar (Figura 1-B).

A incidência de EGV durante a cesariana varia entre 11% e 97% e depende da sensibilidade dos instrumentos diagnósticos usados durante os procedimentos e do posicionamento da paciente1. Os fatores predisponentes da gravidez incluem placenta prévia, cirurgia uterina anterior, hipovolemia e posicionamento materno. A entrada de ar a partir da ruptura de veias uterinas, especialmente durante a extração manual da placenta, geralmente não traz consequências clínicas, apesar da ocorrência comum. No caso mencionado acima, é possível que a embolia gasosa do sítio cirúrgico tenha agravado o efeito clínico da embolia iatrogênica.

Por causa do aumento da pós-carga do ventrículo direito, a EGV pode levar à insuficiência aguda do ventrículo direito e a uma consequente diminuição da produção do ventrículo esquerdo 2. Suporte inotrópico para superar a pós-carga é o manejo lógico dessa condição, embora adrenalina tenha sido mais eficaz do que noradrenalina em nosso caso.

Em conclusão, as bolsas retráteis de líquidos IV sem saídas autovedantes oferecem risco de embolia gasosa se o sistema fechado estiver quebrado, enquanto a flexibilidade das bolsas diminui a quantidade de entrada de ar. O uso de uma bolsa de pressão para infusão rápida pode ser perigoso, sem antes verificar e esvaziar todo o ar da bolsa. Os médicos devem estar cientes dessa possibilidade, especialmente quando há outras condições predisponentes, como a cesariana.

Submetido em 17 de agosto de 2012.

Aprovado para publicação em 17 de setembro de 2012.

Recebido do Departamento de Anestesiologia e Reanimação, Universidade Bezmialem Vakif, Istambul, Turquia.

Referências bibliográficas

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  • 4. Gray AJ, Glover P - Air emboli with Haemaccel® Anaesthesia. 1999;54:790-792.
  • 5. Suwanpratheep A, Siriussawakul A - Inadvertent venous air embolism from pressure infuser bag confirmed by transesophageal echocardiography. J Anesthe Clinic Res. 2011;2:2-10.
  • 6. Pant D, Narani KK, Sood J - Signifi cant air embolism: A possibility even with collapsible intravenous fluid containers when used with rapid infusion system. Indian J Anaesth. 2010;54:49-51.
  • Correspondência para:
    Mefkur Bakan
    Bezmialem Vakif University
    Vatan Cad, Fatih, 34093
    Istanbul, Turkey
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      17 Ago 2012
    • Aceito
      17 Set 2012
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