Open-access Eficácia do bloqueio do nervo supraescapular guiado por ultrassom em pacientes com dor crônica no ombro: estudo observacional retrospectivo

Resumo

Introdução:  A síndrome do ombro doloroso é uma condição frequente entre os idosos e uma causa importante de incapacidade funcional na população em geral. O tratamento conservador nem sempre é eficaz, pelo que o bloqueio do nervo supraescapular guiado por ecografia apresenta-se como uma opção de tratamento válida.

Objetivo:  Avaliação da eficácia e segurança do uso de levobupivacaína a 0,25% e 40 mg de triancinolona no bloqueio do nervo supraescapular ecoguiado em doentes com dor crônica no ombro.

Métodos:  Realizou-se um estudo retrospectivo observacional, descritivo e analítico com 71 doentes submetidos à infiltração do nervo supraescapular entre agosto de 2014 e março de 2017. Foram aplicados questionários antes da realização da técnica, após 72 horas; 1, 2 e 6 meses. A intensidade da dor foi avaliada usando a Escala de Avaliação Numérica (EAN).

Resultados:  Dos 71 doentes submetidos ao bloqueio do nervo supraescapular; 81,2% referiram diminuição da dor às 72 horas. Aos primeiro, terceiro e sexto mês, respectivamente 89,8%; 76,1% e 61,8% apresentaram melhoria da dor. Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001), entre a EAN inicial e os 4 momentos após a realização da técnica. 43,7% dos doentes tiveram remissão total da dor (EAN = 0) aos seis meses. A eficácia global do bloqueio do nervo supraescapular foi de 60,6% e, para o subgrupo com patologia da coifa dos rotadores, de 62,2%. Nenhuma complicação do bloqueio do NSE foi registrada.

Conclusão:  Este estudo mostra que o bloqueio eco-guiado do NSE usando levobupivacaína a 0,25% e 40 mg de triancinolona é um procedimento seguro e eficaz em doentes com dor crônica no ombro.

PALAVRAS-CHAVE Bloqueio do nervo supraescapular; Ecografia; Dor crônica; Ombro

Abstract

Introduction:  Painful shoulder syndrome is a frequent condition among the elderly and an important cause of functional disability. As the conservative treatment is not always effective, ultrasound guided suprascapular nerve blockade presents as an important alternative treatment.

Objective:  To evaluate the efficacy and safety of the use of 0.25% levobupivacaine and 40 mg of triamcinolone in the suprascapular nerve blockade in patients with chronic pain in the shoulder.

Methods:  A retrospective, descriptive and analytical study of 71 patients submitted to suprascapular nerve infiltration between August 2014 and March 2017. Surveys were carried out to patients before the technique was performed, after 72 hours and at 1, 3 and 6 months. Pain intensity was assessed using a numeric pain scale (NPS).

Results:  Out of the 71 patients who underwent a blockade of the suprascapular nerve, 81.2% reported a decrease in pain at 72 hours. In the first, third and sixth month, respectively, 89.8%, 76.1% and 61.8% of the patients presented pain relief. A statistically significant difference (p < 0.001) was verified between NPS and the 4 moments assessed after the technique. 43.7% had total pain remission (NPS = 0) at six months. Global effectiveness of suprascapular nerve blockade was 60.6% and for the subgroup of patients with rotators’ cuff patology was 62.2%. No complications were reported regarding the suprascapular nerve block.

Conclusion:  The results show that ultrasound-guided blockade of the suprascapular nerve using 0.25% levobupivacaine and 40 mg of triamcinolone is a safe and effective treatment in patients with chronic shoulder pain.

KEYWORDS Suprascapular nerve blockade; Ultrasound-guided; Chronic pain; Shoulder

Introdução

A dor crônica no ombro é um importante problema médico e socioeconômico. Define- se como uma dor presente por um período superior a seis meses que não responde a tratamentos convencionais, como medicamentos, fisioterapia, reabilitação, infiltrações locais ou procedimentos ortopédicos.

A síndrome do ombro doloroso é uma condição frequente no adulto e uma causa importante de incapacidade funcional. A sua prevalência na população geral é de aproximadamente 20%,1 afetando maioritariamente indivíduos com idade superior a 40 anos.2 Geralmente, esta síndrome apresenta-se como dor no ombro de caraterísticas difusas com restrição da amplitude dos movimentos.3

Diversos processos patológicos podem originar o quadro clínico de omalgia, nomeadamente as alterações inflamatórias dos tendões com ou sem calcificação, situações de conflito anatômico e patologias degenerativas ósseas ou miotendinosas.4 Dessas patologias, destacam-se os distúrbios da coifa dos rotadores, a instabilidade glenoumeral, osteoartrite, patologia da articulação acromioclavicular e capsulite adesiva. Outras causas frequentes de omalgia são radiculopatia cervical e a dor persistente no ombro após tratamento de problemas neurológicos cervicais. Cerca de 40% a 50% dos doentes apresentam dor refratária ao tratamento ou recidiva após um ano.5

O ombro é composto por duas articulações: acromioclavicular e glenoumeral. A coifa dos rotadores é um grupo muscular composto por quatro músculos (supraespinhoso, infraespinhoso, redondo menor e subescapular) que ligam o úmero à omoplata na articulação glenoumeral.

A inervação do ombro é realizada principalmente pelos Nervos Supraescapular (NSE) e axilar. O NSE tem origem no tronco superior do plexo braquial, sendo formado maioritariamente pela porção anterior da quinta e sexta raízes cervicais, podendo ter, ainda, contribuição da quarta raiz cervical. Este nervo inerva 70% da área do ombro, tendo ramos motores (para o músculo supraespinhoso e, mais distalmente, para o infraespinhoso) e ramos sensitivos (que inervam a articulação glenoumeral, acromioclavicular, bursa subacromial e ligamento coracoclavicular). O nervo axilar (que inerva o músculo redondo menor) e os nervos subescapulares superiores e inferior (que inervam o músculo subescapular) têm origem no fascículo posterior do plexo braquial, transportando fibras nervosas originárias de C5 a C8.

Uma vez que 70% da inervação sensitiva do ombro é realizada pelo NSE, para o tratamento da dor crônica no ombro, é de grande utilidade o bloqueio desse nervo.

O Bloqueio do Nervo Supraescapular (BNSE) é um método terapêutico que tem sido utilizado no alívio da dor do ombro de diferentes etiologias, e é utilizado para bloquear transmissões neuronais autonômicas e somáticas aferentes e eferentes entre o ombro e a espinal medula.6 Este bloqueio foi descrito pela primeira vez por Wertheim e Rovenstine em 1941, embora não pudesse ser usado frequentemente por causa das suas complicações, nomeadamente pneumotórax e lesões do NSE e vasos sanguíneos.7

Com os avanços tecnológicos, foi possível aprimorar a técnica de BNSE. Nos últimos anos, a ecografia tem assumido um lugar de destaque nessa matéria, por se tratar de uma técnica inócua (isto é, sem radiação ionizante), de baixo custo, sem necessidade de aplicação de contraste e que permite, em tempo real e de forma precisa, uma visualização direta do local anatômico a bloquear. Em 2007, Harmon e Hearty descreveram a técnica do BNSE guiado por ecografia, aumentando a segurança e a eficácia desse bloqueio.8

Tem-se verificado que a infiltração local desse nervo é uma excelente ferramenta terapêutica, não só pela sua eficácia analgésica, mas também por sua elevada segurança.9 A utilização de corticoide nesta técnica permite um alívio mais prolongado da dor e da inflamação.10 O BNSE tem sido utilizado em muitas entidades clínicas que despertam dor neuropática e/ou nociceptiva no ombro, tais como a capsulite adesiva, atrites, artroses, alterações reumatológicas, traumatismos, dor no pós-operatório, neoplasias e situações dolorosas após acidentes vasculares cerebrais com complicações hemiplégicas.11

Apesar de a maioria dos estudos demonstrar uma boa eficácia das infiltrações no controle da dor, estas apresentam como principal limitação a utilização de amostras de reduzida dimensão. Em relação especificamente à dor crônica no ombro, essa limitação é particularmente acentuada pela existência de escassos estudos, não sendo possível encontrar na literatura uma análise sistematizada dos resultados clínicos.

O principal objetivo da realização deste trabalho é avaliar a eficácia do BNSE eco-guiado utilizando levobupivacaína a 0,25% e 40 mg de triancinolona em doentes com dor crônica no ombro.

Materiais e métodos

Desenho do estudo e seleção dos doentes

Foi realizado um estudo observacional e retrospectivo de todos os doentes seguidos na Unidade de Dor Crônica de um Serviço de Anestesiologia propostos para infiltração ecoguiada do nervo supraescapular entre Agosto de 2014 e Março de 2017. Não foi necessário excluir nenhum doente do estudo, tendo sido incluídos 71 doentes.

O bloqueio ecoguiado do nervo supraescapular foi realizado em todos os doentes, utilizando a mesma técnica e protocolo, por dois médicos especialistas em anestesiologia do serviço. O período do estudo prolongou-se por seis meses após a realização da técnica para avaliação da evolução de todos os doentes.

Protocolo utilizado

Após preparação de todo o material envolvido na técnica, procedeu-se à desinfecção da pele com solução de iodopovidona e colocação de campos esterilizados. Com o doente sentado, colocou-se a sonda ecográfica paralela à espinha da omoplata e ajustada no sentido céfalo-caudal em direção à porção interna da apófise coracoideia, com o objetivo de se visualizar pavimento, incisura e ligamento supraescapular. Utilizando uma agulha de 22G, com a técnica in-plane guiada por ecografia, no sentido médio-lateral, administraram-se cerca de 3 mL de levobupivacaína 0,25% e 40 mg de triancinolona rodeando o nervo supraescapular. Infiltrou-se também a fáscia do músculo trapézio e supraespinhoso com 4 mL de levobupivacaína 0,25%.

Recolha de dados

Foi recolhida informação detalhada dos processos clínicos (informatizados ou em suporte físico), nomeadamente idade, sexo, classe sociodemográfica, etiologia do síndrome doloroso, presença/ausência de alterações no exame físico e imagiológico, cirurgias no ombro realizadas, fármacos analgésicos prescritos, caraterísticas e intensidade da dor, complicações e efeitos adversos decorrentes da técnica realizada. A avaliação dos doentes foi feita em vários momentos: por meio de questionários preenchidos antes da realização da técnica, por contato telefônico após 72 horas e por avaliação dos registros do processo clínico na consulta da dor/contato telefônico no decurso do primeiro, terceiro e sexto mês.

Análise estatística

Estatísticas descritivas são apresentadas em frequências absolutas (n) e relativas (%) para as variáveis qualitativas e mediana, Amplitude Interquartil (AIQ) e valores mínimo e máximo [média (M) e desvio padrão (σ)] para as variáveis quantitativas. A normalidade das variáveis foi testada através de Kolmogorov-Smirnov, valores de assimetria e curtose (-1; 1) e histogramas. Verificou-se que os dados referentes à intensidade da dor representados pela EAN não apresentaram uma distribuição normal durante os vários momentos de avaliação, pelo que foi utilizada a estatística não paramétrica. Utilizou-se o teste de Friedman seguido por testes de Wilcoxon, com correção Bonferroni, para estabelecer a diferença entre a EAN ao longo dos vários momentos de avaliação. Para comparar a toma de opioides entre os três momentos de avaliação, tratando-se de variáveis qualitativas dicotômicas, foi utilizado o teste Q-Cochcran seguido por três testes de McNemar com correção de Bonferroni. Considerou-se estatisticamente significativo um valor de p < 0,05. Todas as análises estatísticas foram realizadas com recurso ao IBM SPSS Statistics 23 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Comissão de ética e consentimento informado

O estudo foi aprovado pela Subcomissão de Ética da Universidade do Minho e pela Comissão de Ética para a Saúde do Hospital de Braga. O consentimento aprovado foi obtido de todos os doentes. Os autores sempre mantiveram o anonimato e a confidencialidade de todos os participantes.

Resultados

O estudo incluiu 71 doentes com uma média de 60 anos, dos quais 58 (81,7%) eram do sexo feminino. As caraterísticas sociais e clinicopatológicas dos doentes e etiologia do síndrome doloroso estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Características sociais, clinico patológicas e etiologia do síndrome doloroso dos doentes

A tabela 2 demonstra a evolução da intensidade da dor ao longo dos vários momentos de avaliação. No sexto mês após BNSE, 31 (43,7%) apresentaram EAN = 0 e 16 (22,5%) apresentaram EAN ≥ 7.

Tabela 2
Evolução da intensidade da dor ao longo dos vários momentos de avaliação

Dos 31 doentes que obtiveram remissão completa da dor, 17 tinham diagnóstico de patologia da coifa dos rotadores, quatro de instabilidade glenoumeral e dez de síndrome de ombro doloroso de causa inespecífica, o que corresponde a remissão completa da dor em 45,9%; 100% e 33,3% dos casos, respectivamente.

Verificou-se uma diminuição da percentagem de doentes com dor severa inicial (EAN ≥ 7) de 53,5% para 11,3% 72 horas após o BNSE. Essa percentagem diminuiu para 8,5% no final do primeiro mês, momento em que se registrou o menor número de doentes com dor severa. No que diz respeito ao alívio total da dor (EAN = 0), verificou-se um valor de 18,3% às 72 horas e 42,3% no primeiro mês. O pico máximo de alívio total da dor foi atingido no terceiro mês com 47,9% dos doentes sem qualquer queixa de dor. No sexto mês; 43,7% dos doentes não apresentavam sintomatologia dolorosa.

Na tabela 3, está apresentada uma avaliação descritiva com números absolutos e percentagens de doentes que referiram alteração na EAN nos cinco momentos de avaliação. Nesta tabela, é possível contabilizar o número de doentes perdidos em follow-up: dois na avaliação das 72 horas, dois na avaliação do primeiro mês, cinco na avaliação do terceiro mês e quatro na avaliação do sexto mês após BNSE.

Tabela 3
Analise descritiva do comportamento da EAN nos diferentes momentos

Em termos absolutos, os resultados demonstraram que a dor inicial referida pelos doentes antes do BNSE era superior (estatisticamente significativa) à dor referida nos quatro momentos de avaliação que se seguiram (p < 0,001). Comparando a dor que sentiam 72 horas após BNSE com o mês e trimestre que se seguiram, verificou-se que houve uma melhoria estatisticamente significativa da dor (p < 0,001 e p = 0,013, respectivamente). No entanto, ao fim de seis meses, a dor mencionada não era estatisticamente diferente daquela que sentiam após as 72 horas do BNSE. Verificou-se um aumento estatisticamente significativo da dor entre o 1° e o 6° meses (p = 0,010), bem como entre o terceiro e o sexto mês (p = 0,012). Após o primeiro mês e o terceiro mês não se encontrou nenhuma diferença estatisticamente significativa na dor referida pelos doentes.

De forma a facilitar e ilustrar as variações da dor após o BNSE apresentamos na tabela 4 e na figura 1 os valores da EN registados por período de tempo.

Tabela 4
Comportamento da dor nos seis períodos em estudo. Analise da mediana, média, desvio padrão e AIQ

Figura 1
Comportamento da dor nos seis momentos de avaliação. Avaliação da Med, AIQ, máximo e mínimo.

Considerando-se um BNSE eficaz como um bloqueio que reduz a EAN ≥ 30% durante um período igual ou superior a três meses, verificou-se uma eficácia do BNSE de 60,6% (33,8% não eficaz e 5,6% de doentes sem o follow-up necessário para avaliar a eficácia).

No grupo de doentes diagnosticados com patologia da coifa dos rotadores, verificaram se resultados semelhantes na EAN após o BNSE: uma redução estatisticamente significativa da dor em 72 horas, um mês, três meses e seis meses. A eficácia do bloqueio (redução da EAN ≥ 30%) durante um período igual ou superior a três meses foi de 62,2% (29,7% não eficaz e 8,1% de doentes sem o follow-up necessário para avaliar a eficácia).

Após a realização do BNSE, a medicação dos doentes foi ajustada conforme as necessidades. A tabela 5 resume as alterações que ocorreram na medicação dos doentes no que se refere aos fármacos opioides. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas na proporção de doentes que tomavam fármacos opioides nos diferentes momentos de avaliação (p < 0,001). tabelas 6-8

Tabela 5
Eficácia do BNSE, considerando eficaz uma redução da EAN ≥ 30% durante um período ≥ 3 meses
Tabela 6
Comportamento da dor nos doentes com omalgia de etiologia na coifa dos rotadores. Análise da mediana, média, desvio padrão e AIQ
Tabela 7
Eficácia do BNSE nos doentes com patologia da coifa dos rotadores, considerando eficaz uma redução da EAN ≥ 30% durante um período ≥ 3 meses
Tabela 8
Evolução da utilização de opioides ao longo dos vários momentos de avaliação

Discussão

A dor crônica do ombro é um motivo frequente de consulta e causa limitações significativas à mobilidade funcional dos membros superiores.3 O tratamento conservador com recurso a fisioterapia e medicação oral, em muitos casos, não é suficiente para o alívio álgico e recuperação funcional.12 Além disso, o uso de medicação oral, mesmo em baixa dose, é frequentemente mal tolerado por muitos doentes e, quando usada de forma abusiva, entre outros efeitos adversos, são comuns os distúrbios gastrointestinais.13 Assim, o BNSE pode ser uma importante alternativa à terapia conservadora no tratamento da dor no ombro.14

No passado, os bloqueios nervosos eram realizados sem recurso a exames imagiológicos, o que tornava a técnica menos precisa e eficaz e gerava um maior número de efeitos adversos. Atualmente, com os avanços imagiológicos, em particular da ecografia, é possível identificar em tempo real estruturas anatômicas com uma precisão de 95% a 100%, o que permite guiar, de forma eficaz e segura, técnicas invasivas.15,16 No nosso estudo, verificamos que o BNSE guiado por ecografia se revelou extremamente seguro, uma vez que não foi observada nenhuma reação adversa para além dos três doentes que apresentaram uma reação vagal transitória que se resolveu de forma imediata.

Vários estudos foram realizados com o intuito de averiguar a eficácia do BNSE comparativamente a outros métodos terapêuticos.

O estudo de Taskaynatan et al. (2005) comparou a eficácia da injeção de corticoide (na bursa subacromial e sulco bicipital) com o BNSE utilizando lidocaína em 60 doentes com dor crônica no ombro de causa não específica. Ambos os métodos foram igualmente eficazes na redução da dor, embora não tenham sido relatadas quaisquer complicações quando se realizou o BNSE; ao contrário da injeção com corticoide, que aumentou a dor na face anterior do ombro em três a quatro doentes nos primeiros dias. Por causa dos efeitos adversos da corticoterapia, os autores concluem que, apesar de ambos os métodos serem eficazes, o BNSE é preferível para o tratamento da dor no ombro de causa inespecífica.17

O ensaio randomizado e controlado de Kiliç et al. (2015) estudou o benefício de aliar o BNSE à fisioterapia em 41 doentes com capsulite adesiva. Os autores conseguiram concluir que o BNSE é um método seguro e bem tolerado pelos doentes, e que há um claro benefício na redução dos níveis de dor e melhoria da capacidade funcional quando este método é adicionado a um programa de reabilitação com fisioterapia.18

Picelli et al. (2017) também obtiveram resultados animadores quando estudaram o efeito do BNSE em dez doentes com dor crônica do ombro de causa hemiplégica. Não foram encontrados quaisquer efeitos adversos do BNSE e houve uma clara melhoria das dores sentidas pelos doentes ao longo do mês em que foram avaliados.9

Os resultados do nosso estudo enquadram-se nos resultados da bibliografia previamente descrita, uma vez que se encontrou uma melhoria estatisticamente significativa da dor percebida pelos doentes nos diferentes momentos de avaliação quando comparada com aquela referida pré-BNSE. A ausência de complicações/efeitos adversos neste estudo também é sobreponível aos estudos já publicados.

Quase todos os doentes (93%), previamente ao BNSE, estavam medicados com opioides. Com o BNSE, verificamos uma redução estatisticamente significativa no consumo de opioides, refletindo a importância no alívio da dor sentida pelos doentes após a técnica como também a potenciação no aumento da qualidade de vida destes, uma vez que estão menos expostos aos numerosos efeitos adversos destes fármacos.19

A principal limitação deste estudo é tratar-se de um estudo retrospectivo, o que pode resultar em erros de amostragem e na não representatividade da população. Para isso, também contribui o tamanho reduzido da amostra, resultante do curto período do estudo.

A limitação funcional dos doentes previamente ao BNSE não pôde ser contemplada neste estudo devido à escassez dos registros clínicos neste aspecto.

A presença de patologias concomitantes como, por exemplo, a fibromialgia ou patologia psiquiátrica, ou o fato de os indivíduos já terem sido intervencionados cirurgicamente no ombro podem também ter influência nos resultados obtidos e necessitam de estudos mais pormenorizados para atestar a influência do BNSE nesses doentes. De referir o fato que, neste estudo, todos os doentes sujeitos a intervenção cirúrgica foram submetidos à cirurgia previamente ao BNSE.

De salientar também o fato de haver uma grande heterogeneidade no que diz respeito à etiologia da omalgia, não se tendo verificado igual eficácia de resposta ao BNSE no nosso estudo.

Apesar de o grupo de doentes com instabilidade glenoumeral ter apresentado uma taxa de remissão da dor de 100%, podendo traduzir um potencial grupo particularmente sensível ao BNSE, o reduzido número de doentes inseridos neste grupo não nos permite extrapolar conclusões. No entanto, um estudo prospectivo e randomizado de BNSE em doentes com dor crônica no ombro com instabilidade glenoumeral poderá objetivar a eficácia desse método de tratamento para essa população particular.

A população de doentes com patologia identificada da coifa dos rotadores que sofreu remissão completa da dor após seis meses do BNSE foi de 45,9%. Uma vez que a tendinopatia da coifa dos rotadores é a etiologia mais comum de dor no ombro e tem uma prevalência na população que pode atingir os 30%,20 a utilização do BNSE nesse grupo de indivíduos pode traduzir-se em um alívio sintomático para milhões de doentes que experienciam essa síndrome. Estudos prospectivos e randomizados de BNSE nessa população a serem desenvolvidos no futuro poderão comprovar a melhoria da dor nesses doentes. Como estudos complementares para esse grupo de doentes, seria interessante avaliar as implicações que uma melhoria sintomática provocada pelo BNSE teria na reabilitação de doentes com tendinopatia da coifa dos rotadores por melhor colaboração dos doentes na sua reabilitação física.

Conclusão

Os resultados deste estudo mostram um claro benefício do uso de levobupivacaína (0,25%) e 40 mg de triancinolona no BNSE em doentes com dor crônica refratária à fisioterapia e tratamento com farmacoterapia oral. O BNSE, pela sua eficácia no alívio do síndrome doloroso do ombro e por seu excelente perfil de segurança demonstrado, pode ser uma boa opção de tratamento quando o tratamento conservador é ineficaz.

Uma vez que existem poucos estudos publicados sobre o tema, novos estudos prospectivos, com amostras de maiores dimensões e protocolos padronizados, serão importantes para verificar os resultados obtidos neste trabalho.

Agradecimentos

Não podemos deixar de agradecer a todos aqueles que colaboraram para a concretização deste estudo, com um especial agradecimento à equipe de enfermagem e médica da Unidade de Dor do Hospital de Braga.

Referências bibliográficas

  • 1 Philadelphia Panel. Philadelphia Panel - Philadelphia panel evidence-based clinical practice guidelines on selected rehabilitation interventions for shoulder pain. Phys Ther. 2001;81:1719-30.
  • 2 Codsi MJ. The painful shoulder: when to inject and when to refer. Cleve Clin J Med. 2007;74:473-82.
  • 3 Kurt E, Van Eijk T, Henssen D, et al. Neuromodulation of the suprascapular nerve. Pain Physician. 2016;19:235-9.
  • 4 Oliveira S, Mendes B, Branco JP, et al. Corticosteroid injection for treatment of shoulder pain. Reva Soc Portuguesa Med Fís Reabil. 2015;27:14-21.
  • 5 Laslett M, Steele M, Hing W, et al. Shoulder pain patients in primary care-part 1: Clinical outcomes over 12 months following standardized diagnostic workup, corticosteroid injections, and community-based care. J Rehabil Med. 2014;46:898-907.
  • 6 Dahan THM, Fortine L, Pelletier M. Double blind randomized clinical trial examining the efficacy of suprascapular nerve block in frozen shoulder. J Rheumatol. 2000;27:1464-9.
  • 7 Wertheim HM, Rovenstime FA. Suprascapular nerve block. Anesthesiology. 1941;2:541-5.
  • 8 Harmon D, Hearty C. Ultrasound-guided suprascapular nerve block technique. Pain Physician. 2007;10:743-6.
  • 9 Picelli A, Bonazza S, Lobba D, et al. Suprascapular nerve block for treatment of hemiplegic shoulder pain in patients with long-term chronic stroke: a pilot study. Neurol Sci. 2017;38:1697-701.
  • 10 Eker HE, Cok OY, Aribogan A, et al. Management of neuropathic pain with methylprednisolone at the site of nerve injury. Pain Med. 2012;13:443-51.
  • 11 Yasar E, Vural D, Safaz I, et al. Which treatment approach is better for hemiplegic shoulder pain in stroke patients: Intra-articular steroid or suprascapular nerve block? A randomized controlled trial. Clin Rehabil. 2011;25:60-8.
  • 12 Eyigor C, Eyigor S, Kilvicim Korkmaz O. Are intra-articular corticosteroids injections better than convencional TENS in treatment of rotator cuff tendinitis in the short run? A randomized study. Eur J Phys Rehabil Med. 2010;46:315-24.
  • 13 Luime JJ, Koes BW, Hendriksen IJM, et al. Prevalence and incidence of shoulder pain in the general population: A systematic review. Scand J Rheumatol. 2004;33:73-81.
  • 14 Schultz JS. Clinical evaluation of the shoulder. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2004;15:351-71.
  • 15 Chan CW, Pen PWH. Suprascapular nerve block. A narrative review. Reg Anesth Pain Med. 2011;36:358-73.
  • 16 Shanahan EM, Ahern M, Smith M, et al. Suprascapular nerve block (using bupivacaine and methylprednisolone acetate) in chronic shoulder pain. Ann Rheum Dis. 2003;62:400-6.
  • 17 Taskaynatan MA, Yilmaz B, Ozgul A, et al. Suprascapular nerve block versus steroid injection for non-specific shoulder pain. Tohoku J Exp Med. 2005;205:19-25.
  • 18 Kiliç Z, Filiz MB, Çakir T, et al. Addition of suprascapular nerve block to a physical therapy program produces extra benefit to adhesive capsulitis. Am J Phys Med Rehabil. 2015;94:912-20.
  • 19 Kosten TR, George TP. The Neurobiology of Opioid Dependence: Implications for Treatment. Sci Pract Perspect. 2002;1:13-20.
  • 20 Abat F, Alfredson H, Cucchiarini M, et al. Current trends in tendinopathy: consensus of the ESSKA basic science committee. Part I: biology, biomechanics, anatomy and an exercise- based approach. J Exp Orthop. 2017;4:18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2019
  • Aceito
    15 Nov 2019
location_on
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro