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A organização da Enfermagem do HC-UFPR: refletindo sobre seus determinantes

La organización de la Enfermería en lo HC-UFPR: reflexionando sobre los determinantes historicos

The organization of Nursing in the HC-UFPR: reflecting about historical determinations

Resumos

O presente estudo tem como objetivo identificar os determinantes históricos que influenciaram a enfermagem do HC-UFPR e os modelos gerenciais utilizados nos seus diferentes momentos históricos. Trata-se de uma pesquisa retrospectiva, cujos dados foram coletados por meio de entrevista com personagens que vivenciaram esses momentos. Estes dados foram categorizados por períodos históricos, assim como, os respectivos modelos de organização e, posteriormente, analisados à luz do paradigma materialista. Como resultado final, o trabalho apresenta as várias formas de organização da enfermagem do Hospital, segundo os determinantes de cada momento histórico e algumas considerações acerca da inserção da enfermagem no modelo atualmente implantado.

Enfermagem; Administração hospitalar; Organização e administração; História da enfermagem


El presente estudio tuvo como objetivo identificar los determinantes históricos que influenciaron la enfermería del HC-UFPR y los modelos gerenciales utilizados en los diferentes momentos históricos. Es una investigación retrospectiva, cuyos datos fueran colectados por entrevista con personajes que vivenciaran eses momentos. Eses datos fueran agrupados por temas e por períodos históricos, así como, los respectivos modelos de organización y, posteriormente, analizados à luz del paradigma materialista. Como resultado final, el estudio presenta las varias formas de organización de la enfermería del Hospital, según los determinantes de cada momento histórico y algunas consideraciones acerca de la inserción de la enfermería en el modelo actualmente implantado.

Enfermería; Administración hospitalaria; Organización y administración; Historia de la enfermería


The present study aimed at identifying the historical determinants that influenced nursing from the HC-UFPR, and the managerial models used in its different historical moments. This is a retrospective research which data was collected by interviews with people who lived in those occasions. The data was categorized in historical periods and their respective models of organization. Afterwards the data was analyzed by the materialistic paradigm. As final results, the study shows the several stages of the nursing organization at this Hospital, according to the determinants from each historical moment and some considerations of nursing insertion in this new model.

Nursing; Hospital administration; Organization and administration; History of nursing


PESQUISA

A organização da Enfermagem do HC-UFPR: refletindo sobre seus determinantes

The organization of Nursing in the HC-UFPR: reflecting about historical determinations

La organización de la Enfermería en lo HC-UFPR: reflexionando sobre los determinantes historicos

Elisabeth BernardinoI; Vanda Elisa Andres FelliII

IEnfermeira.Doutoranda do Programa Interunidades da EE/EERPUSP. Docente da disciplina de Administração de Enfermagem da Universidade Tuiuti do Paraná. elisaber@onda.com.br

IIEnfermeira. Professora Associada do Departamento de Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da USP. vandaeli@usp.br

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo identificar os determinantes históricos que influenciaram a enfermagem do HC-UFPR e os modelos gerenciais utilizados nos seus diferentes momentos históricos. Trata-se de uma pesquisa retrospectiva, cujos dados foram coletados por meio de entrevista com personagens que vivenciaram esses momentos. Estes dados foram categorizados por períodos históricos, assim como, os respectivos modelos de organização e, posteriormente, analisados à luz do paradigma materialista. Como resultado final, o trabalho apresenta as várias formas de organização da enfermagem do Hospital, segundo os determinantes de cada momento histórico e algumas considerações acerca da inserção da enfermagem no modelo atualmente implantado.

Descritores: Enfermagem; Administração hospitalar. Organização e administração; História da enfermagem.

ABSTRACT

The present study aimed at identifying the historical determinants that influenced nursing from the HC-UFPR, and the managerial models used in its different historical moments. This is a retrospective research which data was collected by interviews with people who lived in those occasions. The data was categorized in historical periods and their respective models of organization. Afterwards the data was analyzed by the materialistic paradigm. As final results, the study shows the several stages of the nursing organization at this Hospital, according to the determinants from each historical moment and some considerations of nursing insertion in this new model.

Descriptors: Nursing, Hospital administration; Organization and administration; History of nursing.

RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo identificar los determinantes históricos que influenciaron la enfermería del HC-UFPR y los modelos gerenciales utilizados en los diferentes momentos históricos. Es una investigación retrospectiva, cuyos datos fueran colectados por entrevista con personajes que vivenciaran eses momentos. Eses datos fueran agrupados por temas e por períodos históricos, así como, los respectivos modelos de organización y, posteriormente, analizados à luz del paradigma materialista. Como resultado final, el estudio presenta las varias formas de organización de la enfermería del Hospital, según los determinantes de cada momento histórico y algunas consideraciones acerca de la inserción de la enfermería en el modelo actualmente implantado.

Descriptores: Enfermería; Administración hospitalaria; Organización y administración; Historia de la enfermería.

1. INTRODUÇÃO

A origem da gerência remonta ao aparecimento do capitalismo industrial que, a princípio, detinha o conhecimento e a perícia do ofício. Como o capitalismo cria uma sociedade onde impera o interesse próprio e prevalece o contrato de trabalho entre empregado e empregador, a gerência torna-se um instrumento perfeito e sutil(1).

As abordagens teóricas que buscam explicar o gerenciamento das organizações de um modo geral e o gerenciamento em saúde e em enfermagem, mais especificamente, partem de dois paradigmas que coexistem na atualidade: o positivista e o materialista(2). O paradigma positivista tem sido hegemônico na abordagem do trabalho em enfermagem e está fundamentado na Teoria Geral da Administração. Em oposição, no paradigma materialista, o gerenciamento é apreendido enquanto inserido nas práticas de saúde, historicamente estruturadas e socialmente articuladas, sendo que as gerências de serviços estariam subordinadas à política de um determinado período(2). Em aderência a esses dois paradigmas, modelos de atenção à saúde e de gestão são operados pelos serviços de saúde socialmente articulados(3).

Campos(3) identifica dois modelos gerenciais: o da lógica de mercado e o da epidemiologia. Relata que o primeiro está sustentado na lógica neoliberal na qual a prestação de saúde é organizada a partir da demanda por consumo de ações médicas, a presença da racionalidade capitalista significando a relação positiva entre produção de atividades e custos voltada para a assistência médica curativista, o caráter mercantil da assistência entendida como maior lucratividade. Refere que estes modos de produção em saúde consolidam um corpo de conhecimentos administrativos centrados nos hospital. Relata, ainda, que o segundo modelo - o da lógica da epidemiologia, cuja organização da produção em saúde está voltada às necessidades em saúde. Nesta lógica, diferentemente do modelo da lógica de mercado, a eficiência está subordinada à eficácia e à garantia do acesso universal aos serviços de saúde, buscando a equidade e o bem-estar social sem deixar de lado a relação custo-produção.

A forma ou modo de produção em saúde de serviços de saúde seria uma composição concreta de recursos, sejam financeiros, materiais e força de trabalho, como tecnologias e modalidade de atenção, articulados de maneira a constituir uma dada estrutura produtiva e um certo discurso, projetos e políticas que assegurem a sua reprodução social(5). Desta maneira, para um determinado modelo assistencial implica um modelo gerencial(2).

Campos(6) afirma que inventar um modelo de gestão que responda a uma série de exigências do próprio modelo de atenção sugerido pelo SUS é, ainda, um desafio em aberto. Ainda para o autor, seria necessário um sistema de gestão que assegurasse tanto a produção qualificada em saúde, quanto garantisse a própria sobrevivência do sistema e a realização de seus trabalhadores.

Nessa concepção, é instigante analisar os modelos de gestão em enfermagem, em um cenário específico O Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). O HC-UFPR passou, recentemente por uma mudança gerencial, na qual utilizou o modelo de "linha de cuidado", descrito por Cecílio(6). Este pretende atender ao modelo assistencial que está sendo desenhado, tendo como base os princípios da universalidade, integralidade, equidade propostas na Lei orgânica 8080(7).

O cuidado é entendido, neste modelo, como sendo o resultado de muitos "cuidados", isto é, o conjunto de saberes e práticas de todos os profissionais, multidisciplinar, portanto, envolvidos na produção do cuidado. Alguns aspectos deste novo modelo, no que diz respeito a sua lógica, devem ser considerados, para efeito deste estudo: a integralidade do cuidado só pode ser conseguida em rede (Merhy, Cecílio, 2003), pela articulação dos inúmeros serviços de saúde; e a convivência de múltiplas formas de coordenação, com um modo de operar apoiado, fundamentalmente, na lógica de profissões(8).

Segundo Pires(9), a organização do trabalho em enfermagem segue a organização hegemônica do trabalho em saúde em duas lógicas básicas: a do trabalho profissional artesanal e a do trabalho parcelado, implicando em ações compartimentalizadas com poucos espaços de integração. Salienta que, neste espaço, convivem o trabalho profissional, com a divisão parcelar do trabalho e com relações hierárquicas de comando. Refere que este trabalho parcelado é verificado na enfermagem e em outras profissões, sendo que o profissional de nível superior detém o poder e delega tarefas específicas aos trabalhadores de nível médio.

A enfermagem do HC-UFPR, ao longo de seus 43 anos, se organizou conforme os modelos de gestão adotados pela instituição, modelos estes fundados, como na maioria dos hospitais, nas várias correntes de administração. Atualmente, por conta do novo modelo de gestão implantado no hospital, a enfermagem sofre o impacto de uma ruptura com os modelos anteriores de gestão. Isto porque, as estratégias adotadas pelo grupo superior não foram consistentes, para a implantação de uma mudança deste porte, pois permitiram suscitar dúvidas sobre quais os reais interesses que a sustentaram.

Diante desta nova organização, os profissionais de Enfermagem demonstram dificuldade de reorganizar a assistência em outra lógica e de fazer emergir lideranças para a condução deste momento. Demonstram, ainda, baixa auto-estima desencadeada por uma "provável" mudança paradigmática e pouca adesão à coordenação de uma política de reconstrução, dentro de um novo modelo ou retomada do modelo antigo.

Diante deste fato nos perguntamos: Quais são os determinantes da relação entre os modelos gerenciais e a organização do trabalho de enfermagem, que podem estar influenciando a situação e a organização de enfermagem atual?

Assim, na busca de respostas a esse questionamento e diante do exposto, nos propusemos a desenvolver este estudo que tem por objetivos: resgatar a história da enfermagem do HC-UFPR, segundo seus protagonistas; identificar os determinantes históricos que a influenciaram; e analisar os fatos importantes resgatados, segundo os modelos gerenciais existentes nos diferentes momentos históricos.

2. MÉTODO

Este estudo se caracteriza como retrospectivo, no qual se utilizou apenas fontes primárias para a obtenção dos dados. O local de estudo foi o HC-UFPR e os sujeitos da pesquisa foram seis enfermeiras que ocuparam cargos de direção e de chefia, desde 1961 até 2004. Estas concordaram em participar do estudo, voluntariamente, após terem sido esclarecidas sobre o sigilo das informações e a assinatura do termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quando houve saturação dos dados necessários, as entrevistas foram interrompidas, constituindo, portanto, seis participantes.

Para as coleta de dados, utilizamos o modelo por pauta descrito por Beck, Gonzáles e Leopardi(10), no qual as entrevistadas receberam uma relação de perguntas norteadoras, em relação às funções, organização do serviço de enfermagem e os principais eventos da época em assumiram o cargo de chefia.

As entrevistas foram gravadas, transcritas e as falas foram organizadas e categorizadas, considerando dois momentos distintos: a época cronológica em que estavam ocupando cargo de direção ou similar e nas outras épocas, quando tinham outras atribuições dentro da instituição. A análise das falas, assim, categorizadas permitiu identificar os modelos gerenciais de cada época e os seus determinantes. Estes resultaram de uma ambientação entre o momento da enfermagem na instituição, no contexto profissional e as políticas públicas da época, que influenciavam os modelos de gestão.

A análise permitiu recompor o contexto institucional, inserido no contexto social de cada época, no âmbito de políticas sociais, econômicas e de saúde.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise desses dados permitiu a recuperação da história da enfermagem no HC-UFPR, sua trajetória organizacional e seus determi-nantes em quatro fases:

Primeira Fase: a fase técnica (1961-1986)

A fase técnica caracteriza-se, primeiramente, pela inserção das Irmãs Vicentinas na organização do HC-UFPR, com maior ênfase na Enfermagem, Nutrição, Lavanderia e Passanderia. Na verdade, o trabalho das irmãs começou quase um ano antes da inauguração do hospital, com seis meses de treinamento no HC de São Paulo e seis meses para a organização do trabalho em si. As três primeiras enfermeiras do Hospital eram irmãs Vicentinas e estas recrutaram, posteriormente, outras enfermeiras vindas de diversos pontos do Brasil. Eram auxiliares (religiosas e leigas) e profissionais leigos, indicados pelos médicos, com um certo "dom" para a enfermagem e que foram sistematicamente capacitadas pelas enfermeiras para o exercício da profissão.

"...pessoas leigas mas que tinham o dom de enfermagem, encaminhadas as vezes pelos médicos, conheciam o trabalho mas não tinham esta profissão..."(Ea)

Estas pessoas trabalharam no planejamento, organização das unidades, confecção de normas e rotinas, na seleção e capacitação de pessoal e detinham grande poder.

"...o reconhecimento da estrutura da enfermagem era muito forte dentro do hospital, a gente percebia isso..."(Eb)

A Enfermagem era denominada "T1", significando a sua subordinação à Divisão Técnica do Hospital, passando posteriormente para Direção de Enfermagem. Sua organização, primeiramente, era simplificada, composta por uma chefia geral, chefias de unidade e as supervisões diurna e noturna. Não tinham muitos intermediários, uma vez que o hospital ainda não estava em sua capacidade total. Havia grande compromisso com o trabalho por parte do pessoal de enfermagem e as regras eram claras e seguidas por todos. Com a ampliação dos serviços, foram criados cargos intermediários, dando início ao parcelamento do trabalho.

Os serviços de saúde, como os demais setores da organização produtiva, organizaram-se na lógica em que o controle é o conceito fundamental de todos os sistemas gerenciais e sob os princípios da gerência científica. Assim, o hospital organiza-se para permitir a convivência, no mesmo espaço, da especialização do conhecimento e da divisão pormenorizada do trabalho, internamente às profissões(11).

Este foi um período caracterizado pela organização de rotinas, pela divisão de tarefas, pela preocupação com a capacitação, pela supremacia da técnica. As enfermeiras cuidavam, tanto da assistência aos doentes como da administração das unidades:

"...as enfermeiras, eram, faziam chefia e assistencial. .."(Ed)

Podemos apreender, deste período, que ele reproduziu o modelo de intervenção curativa e individual vigente, caracterizado pela institu-cionalização da atenção médica(12). Analisando, à luz do paradigma materialista, observamos que a prestação de serviços veio a partir da demanda em construir um hospital e melhorar/consolidar a Faculdade de Medicina e o saber médico. Outra demanda foi pelo ensino de enfer-magem sendo que, a partir de 1974, foi criado o Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.

Nesta fase aparece uma grande preocupação com a eficiência, verificada na relação positiva entre produção de atividades/custos. Observamos, também, a organização racional dos recursos pela consolidação do saber centrado no hospital, investimentos grandes em formação, capacitação, organização e reprodução de modelos considerados bem sucedidos, como HC de São Paulo.

"nós adaptamos a nossa realidade, mas nós trouxemos (de São Paulo) muita coisa" ( Ea)

Como conseqüência, no que se refere à organização da produção de serviços em saúde, a Administração do Hospital condicionou o modelo de organização em enfermagem e foi condicionada pelo modelo médico vigente.

Observamos, ainda neste período, que se instala, e que perduraria enquanto cultura organizacional, a preocupação com a assistência humanizada, demonstrada pelos horários de visita, preocupação com o bem-estar do paciente e seus familiares.

"...eles (os pacientes) recebiam,...nós tínhamos a possibilidade de trazer filmes bons, alegres...aqueles filmes do Gordo e do Magro...então eles davam tanta risada..." (Ea)

Esta fase caracterizou-se, além da reprodução do modelo hegemônico assistencial curativista, pela construção do modelo gerencial adotado, com forte influência religiosa e militar apreendido pela: rigidez hierárquica e definição de papéis e funções; eficiência buscada no controle dos processos; e no estabelecimento de padrões de comportamentos, de cuidado e de relações.

Segunda Fase: o auge do capitalismo - a abertura (1986-1994)

Esta fase representou um marco para abertura dos serviços aos apelos tecnológicos e a lógica de mercado. Aparentemente, houve um paradoxo neste período, pois apesar da criação de espaços de discussão e participação dos profissionais, ainda observamos um forte poder centralizador.

"...as nossas idéias não eram ouvidas, era uma administração extremamente autoritária...." (Ef)

Foi intensificada a verticalização da pirâmide hierárquica, com a criação, na estrutura organizacional de enfermagem, de mais um nível intermediário, caracterizado pela inserção de enfermeiros denominados assistenciais e administrativos:

"...foi oficializado a figura do enfermeiro administrativo de andar..." (Ec)

Neste momento, desencadeou-se um importante processo de informatização do hospital, no qual foi percebida muita resistência dos enfermeiros.

"...dizendo (as enfermeiras) que estávamos exigindo delas uma atuação de digitadoras e não mais de enfermeiras assistenciais..." (Ec)

O período foi de crescimento profissional e de delineamento de metas, as atividades foram normatizadas e padronizadas, em decorrência da demanda por conhecimento técnico, relacionada, principalmente, à especialização do trabalho.

Houve a continuidade do modelo anterior (da lógica de mercado). Como referido por Campos(4), somando-se o número de ações médico-hospitalares realizados pelos serviços pela lógica de mercado, comparadas as produzidas na área pública, percebe-se a importância da primeira. Na atenção individual e curativa há um nítido predomínio do hospital sobre as demais alternativas da assistência, evidenciando a centralidade do hospital no sistema de saúde brasileiro.

Como também refere Pires(9), a partir dos anos 90 aparecem alguns elementos do processo de reestruturação produtiva, como a introdução de trabalhadores desenvolvendo múltiplas atividades, uma tendência à utilização de trabalhadores mais qualificados, escolarizados e poli-valentes, provavelmente, pela necessidade de qualificação de pessoal dada a inovação tecnológica.

Contextualizando, o número de enfermeiros cresceu muito para atender a grande especialização, decorrente do Transplante de Medula Óssea e da criação das Unidades críticas, o que exigiu maior número de pessoas mais qualificadas para dar conta de demandas tão específicas.

"...a estrutura foi remodelada, provavelmente o número de enfermeiros de 80 pulou para 200 bem nesse momento aí....(Eb)

Observamos, também, que os servidores começaram a serem chamados para participar de Comissões, introduzindo uma ampliação de papéis ou uma flexibilização, sem alteração da estrutura verticalizada e centralizada do modelo de gestão vigente.

"...a gente optava por qual comissão a gente gostaria de trabalhar, de acordo com as habilidades que a gente tinha..."(Ef)

Continuou a preocupação com a qualidade da assistência, humanização no atendimento, normas e rotinas e a sistematização da assistência.

Em 1992, ocorreu o Processo de Municipalização do SUS em Curitiba(13), demarcando o início de uma mudança paradigmática. Nesta época, também, vemos, a forte participação do sindicato nos espaços do hospital, com sindicalistas pertencentes ao serviço de enfermagem, fato que não se via anteriormente, dando início à participação política dos trabalhadores da enfermagem.

Podemos apreender, desta época, que a tecnologia e a especialização do trabalho exigiram um redimensionamento quantitativo e qualitativo de profissionais da enfermagem. Estas foram as causas da inserção de um novo nível hierárquico, que aumentou a distância entre elaboração e execução do trabalho, conferindo, ao saber administrativo, maior status e poder.

Terceira Fase: o esgotamento do modelo (1994-2002)

Os anos 90 foram um período de transformação no setor saúde do País, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), público, universal e gratuito. A lei 8080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e a recuperação da saúde(7). As constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais(14,15) e a lei 8142, de 28 de dezembro do mesmo ano, versam sobre a participação da comunidade e os mecanismos de recursos financeiros do governo federal às diversas instâncias de gerência. Dadas as dificuldades de implemen-tação desses mecanismos, Negri(16) diz que as crises financeiras marcam os primeiros anos do SUS e comprometeram sua qualidade, valia e desenvolvimento.

Um dos pontos mais importantes da implantação do SUS no País é a descentralização. O SUS passa a regular-se, na sua ação cotidiana, por meio de Normas Operacionais Básicas (NOBs) que incidem, fundamentalmente, sobre a fração da assistência hospitalar e ambulatorial, anteriormente de responsabilidade do INAMPS e depois da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde(14). As NOBs INAMPS/91, SUS/93, e SUS/96 aprofundaram a descentralização (Mendes,1998). Mais recentemente, foram elaboradas as Normas Operacionais de Assistência à Saúde (NOAS, 01/2001 e 01/2002), cuidando especificamente do regionalismo da assistência(16).

Mendes(14) afirma que a descentralização se deu, sobretudo, no campo da atenção ambulatorial e hospitalar. Percebe-se, ainda segundo o autor, a nítida polarização entre o governo federal, com papel normatizador, que detinha os recursos financeiros e os municípios, com seus novos atores sociais, que surgiram para responder, com agilidade, por meio das secretarias municipais de saúde, às demandas organizacionais postas pelo Ministério da Saúde.

De forma prática, com o processo de descentralização, os recursos que eram repassados diretamente do governo ao HC-UFPR, passam a ter um intermediário que é o gestor municipal, ocasionando uma certa "dependência" do hospital ao gestor. Este fato pode explicar, parcialmente, os eventos sucedidos na época relacionados à organização dos serviços, em particular, ao da enfermagem.

Campos(17) afirma que a desarticulação entre o poder local e a área hospitalar foi agravada pela dificuldade concreta de se estabelecer qualquer nível de integração entre os sistemas locais e os hospitais universitários e de ensino:

"Aqui nem se poderia falar em uma futura unificação , já que a lei do SUS assegurou "autonomia administrativa" aos serviços universitários, determinando tão somente sua "integração ao SUS" ( lei federal nº 8080, de 19 de setembro de 1990, art. 45)

Neste período, há uma mudança na condução da escolha da Direção de Enfermagem e uma professora do Departamento de Enfermagem, que já havia trabalhado no hospital, é indicada para assumir a Direção de Enfermagem.

"... não me lembro ao certo, sei que em uma das vezes apareceu um grupo de professores que começou a se queixar que o hospital era universitário, porque não tinha professor no assento?..."(Eb)

Em termos operacionais, este fato representa uma quebra no andamento dos trabalhos (de certa forma vitoriosos) implantados pelas duas gestões anteriores caracterizados, respectivamente, pelo novo desenho organizacional e por relações mais democráticas. O período que o departamento chefiou o hospital, segundo relatos, foi um período de poucas decisões e avanços.

"...achou-se que não caminhou muito, não desenvolveu muito..."(Eb)

Posteriormente, na outra gestão, há uma tentativa da enfermagem em retomar o modelo de administração anterior, porém, a situação política interna conflitante impede a definição de objetivos institucionais, refletindo na própria condução diretiva do hospital, pois neste período de quatro anos, passaram pelo hospital quatro diretores diferentes.

"...começou a briga pelo poder, ....eles(os médicos) começaram a descobrir que estavam perdendo campo e eles quiseram resgatar o poder..."(Ef)

Há muito empenho em continuar com os planejamentos, educação continuada, reformulação de papéis e funções, a diminuição da distância entre as categorias da enfermagem. Percebe-se que o clima organizacional interfere muito na condução do momento e a tentativa de direcionar a enfermagem para ações mais assistenciais sofreu muita resistência e fracassou.

"...foi feito um grupo de trabalho para reverter ou modificar a supervisão, mas não foi conseguido ...até pela resistência....pela quebra de apoio..."(Eb)

Ferraz(18) diz que os sinais fortes de muito empenho e pouco resultado, resistência dos enfermeiros às mudanças são já alguns dos sinais de esgotamento, como também perda de autoridade, transgressões de subordinados, lutas coorporativas.

Em síntese, a turbulência interna, relacionada a múltiplos fatores, não permitiu que a enfermagem se desenvolvesse. Primeiramente porque houve uma quebra de confiança, quando foi escolhida uma Diretora que não pertencia ao hospital. Mesmo quando assumiu outra diretora, apesar de todos os esforços para ter um projeto próprio, o estímulo à pesquisa e aos grupos de trabalho para melhorar a assistência, não há renovação das lideranças e o clima organizacional muito instável, acaba por influenciar na desmotivação e apatia, na falta de perspectivas da categoria, no isolamento das enfermeiras nos seus setores e na migração de antigas lideranças para outras áreas.

Quarta Fase: a quebra dos paradigmas ou a crise de identidade (2002-2005)

O novo grupo diretivo que assume em 2002, efetua mudanças significativas, com uma proposta de um novo modelo de gestão. O modelo teórico adotado é o de "linha de cuidado" segundo as propostas de autores como Luiz de Oliveira Cecílio, Emerson Elias Merhy e Gastão Campos.

A utilização prática da lógica da "linha de cuidado", no Hospital, seria a criação de unidades administrativas ou assistenciais representadas pelo agrupamento de unidades afins, ou seja, pertencentes a uma mesma "linha de cuidados" como, por exemplo, as unidades pediátricas, de urgência/emergência, saúde da mulher e outras, denominadas Unidades Funcionais.

Esta nova proposta de organização contemplaria alguns princípios como: a descentralização das decisões, a participação democrática tendo como fórum os colegiados, o cuidado integrado e a co-responsabilização. Estas mudanças propõem modificar o desenho organizacional do hospital, alterando o organograma tradicional em forma de pirâmide para um organograma circular demonstrando graficamente a descentralização pretendida.

O início do processo de transição foi difícil, em especial para a Enfermagem, que perdeu muito espaço enquanto corporação e força de trabalho. Esta perda não ficou apenas no imaginário das pessoas, ela se concretizou pela perda da sala, da secretária, dos assentos nos fóruns de discussão e no andamento da implantação do novo modelo.

"...a saída da enfermagem tanto física, como estruturalmente foi rapidamente desfeita, a própria sala que foi transferida para uma sala externa foi feita na ausência das pessoas que estavam no dia a dia....houve uma perda material e até emocional ..."(Eb)

"..foi muito traumático a forma, não foi bem trabalhado a perda..."(Ef)

A Coordenação de Enfermagem foi instalada, pelo novo grupo diretivo, fora do prédio central do HC-UFPR, em uma sala desocupada em uma casa distante, uma quadra do hospital, no que parece ser, uma clara negação da importância da enfermagem, enquanto grupo ou força de trabalho neste novo modelo.

A nova Coordenação foi eleita pelos servidores da enfermagem, sem conhecer muito bem seu papel no momento. Primeiramente, porque não tinham sido definidos os papéis e as funções no novo modelo gerencial; e, em segundo lugar, porque a enfermagem só conhecia o modelo de gestão tradicional, do qual havia feito parte até o momento e do qual, infelizmente, não havia surgido lideranças capazes de assumir a reorganização fundada em outros modelos.

"...outra proposta... pra se tentar recuperar a enfermagem desta perda (da direção de enfermagem)"... (Ef)

Houve, nessa época, uma migração de antigas lideranças da enfer-magem para outras coordenações, configurando uma aparente contradição. Por um lado, um fortalecimento da enfermagem pela ascensão de enfermeiras em cargos de confiança, reconhecendo o seu potencial administrativo; e, por outro, uma desconsideração pela representativi-dade de, praticamente, um terço do total de servidores do hospital, da Coordenação de Enfermagem.

"...por que ela (direção) deu a essas pessoas funções tão importantes quanto elas (as antigas lideranças) têm hoje? ...porque essas pessoas são os alicerces deles, são a base deles..."(Ef)

As atribuições da Coordenação de Enfermagem passaram de executivas para normativas, sem que houvesse um suporte adequado, ou seja, as funções executivas, antes pertencentes à Direção de Enfermagem, ficaram a cargo de setores e pessoas que não tinham familiaridade, provocando uma desorganização administrativa.

O erro estratégico de desconsiderar o impacto da mudança tornou o período confuso. O cotidiano da enfermagem ficou a cargo das enfermeiras administrativas que tentaram (e conseguiram) trabalhar isoladamente, cada uma em sua unidade, não reconhecendo, nem as outras instâncias deliberativas, nem a Coordenação de Enfermagem como liderança, mesmo porque este papel não era reconhecido pelos pares.

Na tentativa de restabelecer a organização da enfermagem no hospital, um grupo começou uma discussão, primeiro entre seus pares, depois com o grupo diretivo e obtém alguns avanços, como a volta da sala da enfermagem para dentro do hospital, assento em todos os fóruns deliberativos e algumas assessorias. Este novo modelo da enfermagem consegue pequenos avanços praticamente um ano e meio após a mudança gerencial.

Após dois anos, houve uma nova eleição para Coordenação de Enfermagem e o cenário institucional foi marcado pela convivência (nem sempre pacífica) dos dois modelos: o antigo, presente nas unidades e serviços, que ainda não assinaram o contrato de gestão e, portanto, não se transformaram em unidades funcionais; e o novo, que corresponde às unidades funcionais já implantadas. Estas são independentes administrativamente da Coordenação, porém com subordinação normativa, que ainda não é realizada. Esta forma híbrida de organização traz dificuldades práticas na administração das unidades, pois enquanto a enfermagem das unidades funcionais se organiza de uma maneira, as demais ainda trabalham quase que de forma independente.

Atualmente, ainda, há dificuldade de reconhecer o conflito instalado. Aparentemente, sua origem (do conflito) é atribuída à perda da Direção de Enfermagem e são muitas as discussões e movimentações neste sentido. Dificilmente a discussão avança para a construção de modelos alternativos de gestão. Muitas tentativas foram feitas para restabelecer uma relação de parceria entre grupo diretivo e a enfermagem, todas sem sucesso. A quebra de confiança dividiu grupos, opiniões e se tornou palco de disputas de poder entre segmentos da enfermagem. As propostas de implantação dos muitos programas e projetos para o hospital obtêm pouca adesão da Enfermagem, não importando a origem ou os prováveis benefícios.

"...com todas as dificuldades que se teve..., quem colocou as dificuldades foi a própria categoria, não foi a direção..." (Ef)

"...qualquer pessoa que entrar na coordenação vai ter dificuldades...ou ela vai ser uma pessoa que a categoria coloca lá no sentido de....agredir a direção...ou entra e compreenda este novo modelo de gestão é contrário a equipe lá fora..."(Ef)

É um período no qual se observa a queda da qualidade da assistência, com a perda de antigos padrões assistenciais, dificuldade de articulação pela exacerbação dos conflitos entre as categorias de enfermagem, a apatia e isolamento dos enfermeiros e a dificuldade de se obter pactos estratégicos que fortaleceriam a enfermagem enquanto grupo.

Esta nova proposta de organização institucional assinalou uma tentativa de mudança paradigmática, influenciada, principalmente (mas não totalmente), pelo avanço do SUS na regionalização no município de Curitiba, trazido principalmente pela norma em vigor (NOAS-SUS 01/02). Esta estabelece duas condições de gerência municipal: a gestão plena da atenção básica ampliada, quando o município recebe com base per capita o financiamento das ações básicas, e a Gestão plena do sistema municipal quando o município recebe o total de recursos federais para o custeio da assistência(19).

A mudança em curso aponta uma série de fragilidades institucionais, como a falta de preparo, tanto dos dirigentes, como dos servidores em passar de um modelo construído na lógica clínica, para um modelo epidemiológico, cada vez mais construído na lógica das necessidades dos usuários. É, como afirma Campos (1994), muito difícil mudar um modelo de gestão, sem que a maioria dos gerentes e trabalhadores de saúde, não só estejam de acordo com a nova proposta como se empenhem em consolidá-la.

O maior determinante para a situação atual é, sem dúvida, o próprio modelo hegemônico (clínico e hierarquizado) construído, vivido e cultuado pela enfermagem como sendo o modelo ideal, que não estimulou a produção de lideranças e que impediu a ampliação das discussões, dificultando uma possível reorganização.

Este período expõe a histórica (porque já foi percebida em outros momentos), dificuldade da categoria em se reorganizar em novos cenários, pela falta de um projeto próprio e pelo culto à tradição. Esta dificuldade parece estar relacionada a alguns fatores como a cultura organizacional; o distanciamento das políticas de saúde do dia-a-dia da enfermagem, sobretudo a hospitalar; e a formação clássica/tradicional, como dificultadora na instituição de novas formas de organização e perfis profissionais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A História da enfermagem no HC-UFPR é marcada pelas parcerias com outros atores institucionais, pela fidelidade aos objetivos institucionais, pelo protagonismo de muitas inovações na assistência e pela produção de enfermeiros com grande potencial assistencial e administrativo.

As mudanças impostas, que são objeto de análise da última fase, são ainda muito recentes e, suscitam ainda, mais perguntas que respostas. Mesmo assim, entendemos que as dificuldades apresentadas, relativas ao reposicionamento ao novo modelo de gestão, não são exclusividade da enfermagem. Ao contrário, atinge todas as profissões da área da saúde. Na verdade, este cenário está contextualizado historicamente pela mudança de modelo assistencial proposto pelo SUS e no empenho, por parte das autoridades governamentais, pela sua operacionalização, como um projeto viável para atender as necessidades de saúde da população brasileira.

Os hospitais públicos e de ensino, que deveriam assumir o protagonismo destas mudanças, não conseguem se reorganizar, institucionalmente, ao projeto nacional de saúde que está posto. Parece ser muito difícil a transição de um modelo construído na lógica de mercado para um modelo na lógica da epidemiologia, cujos objetivos deveriam ser construídos a partir das necessidades dos usuários. Esta lógica exigiria uma nova reorganização no processo de produção em saúde, uma reorganização que nem os próprios profissionais da área da saúde parecem estar preparados para fazê-la.

O trabalho oportunizou observar que a enfermagem do HC-UFPR organizou-se segundo o modelo gerencial tradicional, com poucas adaptações que, em geral, se limitaram a atender as demandas imediatas e não as que se originam na sociedade.

A maior quebra parece ter ocorrido quando o hospital adotou um modelo gerencial que atendia ao modelo assistencial, proposto nacionalmente (não se discute aqui o método de implantação). A enfermagem hospitalar acostumada às práticas, essencialmente, curativas e com forte incorporação tecnológica, parece ter dificuldade em se reorganizar mais democraticamente e se perceber como parte de uma cadeia de cuidados à saúde, que incluem todos os níveis de atenção.

Finalmente, acreditamos que os determinantes históricos que estão atuando nessa realidade estão relacionados ao fato da Enfermagem do Hospital, historicamente, se organizou orientada pelo modelo religioso e militar, instituído pelas Irmãs Vicentinas; um outro determinante da organização da Enfermagem do Hospital, foi a inserção de novas tecnologias médicas e a crescente especialização que, juntas, implicaram em novos níveis hierárquicos e contribuíram para a distância entre o planejar e o fazer; e enfim, a mudança de modelo assistencial alterando, por princípio, o processo de trabalho da enfermagem.

É certo que a Enfermagem do HC-UFPR, não irá se reorganizar considerando somente os princípios com os quais foi tradicionalmente construída, pois nenhuma profissão (ou instituição) passa por esta experiência incólume. O modelo clínico, curativista e hospitalar não será suficiente para sustentar sua reconstrução. Como uma profissão contextualizada e articulada historicamente, ela não poderá ir à contramão de um projeto que está sendo construído nacionalmente.

Submissão: 26/08/2005

Aprovação: 10/02/2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2006

Histórico

  • Aceito
    10 Fev 2006
  • Recebido
    26 Ago 2005
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