Open-access Conhecimento e prática de promoção da saúde de enfermeiros da Estratégia Saúde da Família

RESUMO

Objetivos:  analisar o conhecimento e a prática de promoção de saúde realizada por enfermeiros de Estratégias Saúde da Família.

Métodos:  estudo descritivo e de abordagem qualitativa. O estudo foi realizado com 18 enfermeiros de Estratégias Saúde da Família do município de São Carlos. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada e analisados por meio da análise temática. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados:  os dados revelaram que os enfermeiros apresentaram dificuldades para conceituar a promoção de saúde, sendo comum descrever a definição de prevenção de doenças. Os enfermeiros também relataram desenvolver atividades grupais para a promoção de saúde; porém, as ações de caráter individual e em forma de consultas ainda eram predominantes.

Considerações Finais:  torna-se necessário o desenvolvimento de estratégias sustentáveis para a realização de atividades coletivas de promoção em saúde, além do fortalecimento do trabalho multidisciplinar e das ações de Educação Permanente.

Descritores: Atenção Básica à Saúde; Estratégia Saúde da Família; Promoção da Saúde; Enfermeiro; Enfermagem em Saúde Comunitária

ABSTRACT

Objectives:  to analyze the knowledge and health promotion practice carried out by Family Health Strategy nurses.

Methods:  a descriptive study and qualitative approach. The study was conducted with 18 Family Health Strategy nurses from the city of São Carlos. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed through thematic analysis. The study was approved by the Research Ethics Committee.

Results:  the data revealed that nurses had difficulties to conceptualize health promotion, and it is common to describe the definition of disease prevention. Nurses also reported developing group activities for health promotion; however, individual actions and consultations were still predominant.

Final Considerations:  it is necessary to develop sustainable strategies for collective health-promoting activities, in addition to strengthening multidisciplinary work and Continuing Education actions.

Descriptors: Primary Health Care; Family Health Strategy; Health Promotion; Nurse; Community Health Nursing

RESUMEN

Objetivos:  analizar el conocimiento y la práctica de la promoción de la salud llevada a cabo por enfermeras de Estrategias de Salud Familiar.

Métodos:  estudio descriptivo y enfoque cualitativo. El estudio se realizó con 18 enfermeras de Estrategias de Salud Familiar de la ciudad de São Carlos. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas semiestructuradas y analizados a través de análisis temáticos. El estudio fue aprobado por el Comité de Ética en Investigación.

Resultados:  los datos revelaron que las enfermeras tenían dificultades para conceptualizar la promoción de la salud, y es común describir la definición de prevención de enfermedades. Las enfermeras también informaron el desarrollo de actividades grupales para la promoción de la salud; sin embargo, las acciones y consultas individuales seguían predominando.

Consideraciones Finales:  es necesario desarrollar estrategias sostenibles para las actividades colectivas de promoción de la salud, además de fortalecer el trabajo multidisciplinario y las acciones de Educación Continua.

Descriptores: Atención Primaria de Salud; Estrategia de Salud Familiar; Promoción de la Salud; Enfermero; Enfermería en Salud Comunitaria

INTRODUÇÃO

O Programa Saúde da Família (PSF) iniciou em 1994, e tornou-se a principal estratégia para a reorientação do modelo assistencial a partir da Atenção Básica à Saúde (ABS). Em 2006 a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) renomeou o PSF para Estratégia Saúde da Família (ESF)(1).

A ABS é a principal porta de entrada e centro de comunicação das Redes de Atenção à Saúde (RAS). A ABS pode ser definida como um conjunto de ações individuais, familiares e coletivas de saúde que englobam a promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde, desenvolvidos por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada realizada por equipe multiprofissional e direcionada à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária(2).

Nesse contexto, a ESF vem sendo considerada a estratégia prioritária para a expansão e consolidação da ABS, assegurando ao usuário o acesso universal, equânime e ordenado às ações e serviços de saúde. A ESF surgiu da necessidade de reestruturação da forma de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS), buscando a responsabilidade territorial, com o foco na assistência ao indivíduo, famílias e comunidade, por meio da criação de vínculos e corresponsabilidade, além das práticas curativistas(2-3).

A implementação da ESF proporcionou avanços à saúde, como a redução na taxa de internação entre 2001 e 2016 de todas as condições de saúde analisadas, apontando para o declínio e correlação negativa entre a taxa de internações por condições sensíveis à ABS e a cobertura das ESF no Brasil. É plausível a relação da cobertura de ESF e alguns fatores como a melhoria no acompanhamento das condições crônicas, no diagnóstico e no acesso da população aos medicamentos(1).

Entre as propostas da ESF para a consolidação da ABS, a promoção da saúde é compreendida como um conjunto de estratégias e formas de produzir saúde, considerando o individual e o coletivo, além de buscar atender às necessidades sociais de saúde e a melhoria da qualidade de vida. A promoção da saúde foi defendida na Carta de Ottawa, em 1986, por representantes de 35 países, os quais assumiram que as ações de promoção da saúde deveriam resultar na redução das iniquidades em saúde e na garantia de oportunidade a todos os cidadãos de fazerem as escolhas favoráveis à saúde e serem protagonistas no processo de produção da saúde e melhoria da qualidade de suas vidas(4). Ressalta-se que este estudo utilizou o referencial teórico de promoção da saúde adotado pela Carta de Ottawa, em 1986.

As diretrizes da promoção da saúde estão presentes desde a Constituição Federal de 1988 e Lei Orgânica de Saúde de 1990. Entretanto, a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) foi instituída em 2006, e foi revisada em 2014 pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT) e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). A PNPS ressalta a importância dos condicionantes e determinantes sociais da saúde no processo saúde-doença e tem como pressupostos a intersetorialidade e a criação de redes de corresponsabilidade, que visam a melhoria da qualidade de vida(5-7).

A PNPS trouxe avanços em programas e ações de enfrentamento ao uso do tabaco e seus derivados; alimentação adequada e saudável; práticas corporais e atividades físicas; promoção do desenvolvimento sustentável; enfrentamento do uso abusivo de álcool e outras drogas; promoção da mobilidade segura e sustentável; e promoção da cultura da paz e de direitos humanos(8).

Entretanto, decorridos 25 anos da criação das primeiras ESF, ainda há uma predominância do modelo centrado na doença e na assistência curativista, de forma que as ações de promoção da saúde ainda não foram consolidadas a ponto de modificar expressivamente a maneira de produzir saúde e enfrentar os determinantes do processo saúde-doença, sendo necessária a ressignificação da PNPS e a elaboração de estratégias de enfrentamento dos desafios de acordo com o perfil epidemiológico, demográfico e nutricional dos brasileiros(8).

Nesse cenário, destaca-se o enfermeiro como sendo um profissional essencial para o desenvolvimento das ações de promoção da saúde, uma vez que possui um maior vínculo com a comunidade adscrita, facilitando a adesão dos usuários às ações educativas. O enfermeiro contribui diretamente na mudança do estilo de vida das pessoas, minimizando os fatores de risco, assim como promove a capacidade de auto-avaliação e protagonismo do usuário no próprio cuidado.

Assim, o enfermeiro deve atuar como um dos principais responsáveis pela realização de atividades promotoras da saúde, enfatizando a sua posição de educador, o qual contribui na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Considerando a relevância das atividades promotoras da saúde desenvolvidas pelos enfermeiros, definiu-se como pergunta-problema desta pesquisa: qual a percepção de enfermeiros da ESF sobre a promoção da saúde?

OBJETIVOS

Analisar o conhecimento e a prática de promoção de saúde realizada por enfermeiros da Estratégia Saúde da Família (ESF).

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi realizado após autorização concedida pela Secretaria Municipal de Saúde do município de São Carlos e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, nos termos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde(9).

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo descritivo e de abordagem qualitativa. O estudo foi realizado em 18 ESF do município de São Carlos, SP, que possui 221.950 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) e a cobertura da ESF no município é de 30,6% da população (67.916 habitantes). Ressalta-se que os dados foram coletados no período de agosto de 2017 a dezembro de 2017.

População e critérios de inclusão e exclusão

A população do estudo foi composta por 18 enfermeiros de ESF do município de São Carlos, SP que foram incluídos no estudo por estarem exercendo a função na unidade de saúde há mais de três meses. No município há 24 ESF, porém foram excluídos os enfermeiros que estavam no período de férias, licença ou que não aceitaram participar do estudo.

Protocolo de estudo

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, utilizando um instrumento adaptado de Lasmar(10). O instrumento criado por Lasmar era composto por três blocos de perguntas (caracterização da comunidade atendida; promoção da saúde; percepções acerca da ESF e atuação profissional), sendo utilizada nesta pesquisa o bloco referente à promoção da saúde que era composto por quatro questões abertas e foi incluída mais uma pergunta. As entrevistas foram gravadas, transcritas e, devido às questões éticas, foram enumeradas de 1 a 18.

A entrevista semiestruturada permitiu a obtenção da singularidade e especificidades presentes nas ações de promoção de saúde, as quais incluem as relações sociais e aspectos subjetivos(11).

Análise de dados

Os dados foram analisados por meio da análise temática, que iniciou-se com a leitura exaustiva das entrevistas, considerando os objetivos e o referencial teórico, além da identificação dos temas centrais e aspectos relevantes(11).

O referencial analítico utilizado neste estudo compreendeu três etapas: pré-análise, que consistiu na leitura do material e a constituição do corpus, ou seja, a construção do universo estudado; exploração do material, etapa caracterizada pela busca de categorias; e, por fim, foi realizada a classificação e agregação dos dados(11).

A análise dos dados permitiu a identificação de duas unidades temáticas: conhecimentos, ideias e concepções dos enfermeiros sobre promoção de saúde; e práticas, ações e percepções dos enfermeiros sobre o desenvolvimento de promoção de saúde.

RESULTADOS

Os resultados sobre o conhecimento e as práticas de promoção da saúde dos enfermeiros da ESF foram subdivididos em duas unidades temáticas a serem exploradas. A primeira foi denominada “Conhecimentos, ideias e concepções dos enfermeiros sobre promoção de saúde” e a segunda unidade temática foi intitulada “Práticas, ações e percepções dos enfermeiros sobre o desenvolvimento de promoção de saúde”, constituída pelos dois subtemas: “Cuidados coletivos e individuais de promoção de saúde” e “Desafios e estratégias para o desenvolvimento de atividades de promoção da saúde”.

Conhecimentos, ideias e concepções dos enfermeiros sobre promoção de saúde

Nessa unidade temática, encontram-se as definições estabelecidas pelas enfermeiras quando questionadas sobre o que entendem por promoção de saúde.

Foi observado que as respostas referentes à promoção de saúde remeteram imediatamente aos termos “prevenir doenças” ou “prevenir agravos à saúde”.

Ah, muito complexo. É difícil falar promoção, né, porque ela envolve um monte de atividades. (E8)

Por outro lado, a promoção da saúde para alguns participantes deve envolver desde as condições de moradia e trabalho até as condições de acesso dos usuários à assistência à saúde, destacando a necessidade do fortalecimento da educação da população sobre a própria saúde.

Promoção de saúde, para mim, é a pessoa ter bem-estar em todos os sentidos. Promover saúde é você dar condição dessa pessoa de acesso, de casa, de trabalho, de salário, de acesso a uma rede de cuidados [...]. Eu acho que promover saúde é trabalhar em rede, é você ter acesso à alimentação, acesso à informação, à educação. Uma coisa que falta, para mim, dentro da rede pública de saúde, é você educar a população para fazer uso de serviço. Isso é uma forma de promover saúde. (E16)

O enfermeiro foi destacado como importante personagem para a promoção da saúde por ser um profissional que estimula e cria vínculo entre equipe de saúde e a população.

Então eu acho que o papel da enfermeira na promoção e na relação de confiança com a mulher, com a família, é fundamental pra USF funcionar [...] então, muitas vezes a gente consegue resolver antes que chegue no médico. Que é o papel da atenção básica, né? A gente tentar resolver as coisas antes que a pessoa fique doente e precisa de assistência médica. (E10)

O vínculo entre a equipe de saúde da família e a população adscrita e a autonomia do usuário no cuidado em saúde foram apontadas como formas de fortalecimento e auxílio no entendimento do conceito de promoção de saúde.

Então, promoção da saúde, pra mim, são ações que você desenvolve para oferecer para pessoa a oportunidade dela ser saudável, né? É desenvolver autonomia na pessoa para ela conseguir viver bem, e também escutar o que que é viver bem para ela. (E14)

Pra mim, isso é saúde, né? É um bem-estar, é mais do que ausência de doenças né, acho que elas se sentirem bem com o corpo, com a mente, com ambiente que elas estão, né. E é isso, eles têm que ver a gente como parceiro, não ver a gente ali em cima de um pedestal. (E3)

Entende-se que para os enfermeiros desta pesquisa, a promoção da saúde está relacionada às condições de trabalho e moradia, acesso à assistência, atividades de educação em saúde, vínculo entre a equipe e a população, ou seja, apresentam um discurso ampliado sobre o processo saúde-doença, transcendendo o conceito simplificado de saúde, uma vez que integram aspectos socioeconômicos e apontam para a necessidade do desenvolvimento de atividades de promoção de saúde com vistas a uma maior equidade.

Práticas, ações e percepções dos enfermeiros para o desenvolvimento de promoção de saúde

Nessa unidade temática, encontram-se agrupados dois subtemas: cuidados coletivos e individuais de promoção da saúde; os desafios encontrados e estratégias para enfrentamento.

Cuidados coletivos e individuais realizados como promoção da saúde

No decorrer das entrevistas, foram questionados exemplos práticos dessas ações, visando a maior compreensão e observação dessas práticas. As atividades realizadas em grupos operativos se mostraram como uma estratégia bastante comum entre os participantes da pesquisa, como forma de desenvolver ações de promoção da saúde.

Para os participantes deste estudo, a estratégia de grupos é positiva e auxilia na troca de informações em uma relação horizontal, além de propiciar o diálogo e a aproximação com a comunidade.

A frequência das atividades coletivas apresentada na Figura 1 é distinta em cada ESF, varia entre diariamente, nos casos de sala de espera, semanal, quinzenal e mensal, além de atividades como o Programa Saúde na Escola (PSE) e campanhas que foram pontuadas como semestrais ou anuais na maioria dos casos.

Figura 1
Atividades coletivas realizadas como promotoras de saúde, São Carlos, São Paulo, Brasil, 2018

Nota: No item “outros” estão agrupados os grupos de tabagismo, alcoolismo, crochê, meditação e zumba, que apareceram como atividades propostas uma única vez cada.


Os grupos de gestantes foram os mais citados, sendo realizados mensalmente em quase todas as ESF. Algumas equipes tentam desenvolver atividades semanais ou quinzenais, com o objetivo de aumentar a adesão, uma vez que atendem gestantes em diferentes períodos gestacionais.

No que se refere aos demais grupos, os participantes destacaram a importância da orientação sobre a necessidade da prática de atividade física, em especial para pessoas que visam a perda de peso, controle de pressão arterial, dislipidemia, colesterol e como uma forma terapêutica e de convívio social. As atividades físicas desenvolvidas nessas ESF referem-se à caminhada e alongamento. Também foram relatadas atividades como zumba e dança circular.

Participantes citaram que realizavam grupos de hipertensos e pessoas com diabetes, pois eram atividades que estavam relacionadas ao Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (Hiperdia), que visava o controle e acompanhamento clínico de pessoas com essas doenças, além da troca de experiências, orientações sobre medicações, hábitos alimentares e atividade física.

De acordo com os participantes do estudo, algumas atividades de grupos que abordam alimentação saudável são realizadas em conjunto com o grupo de atividade física, sendo, por vezes, relacionados ao Hiperdia, discutindo temas como obesidade, colesterol, controle de diabetes e pressão arterial.

Também foi relatado pelos enfermeiros de ESF a existência de grupos de saúde mental, relaxamento e arteterapia. Os grupos de saúde mental foram direcionados para atender às demandas dos usuários que fazem uso de medicamentos psicotrópicos, e ainda possuem um olhar direcionado para os efeitos colaterais da medicação e adesão ao tratamento. Os grupos de relaxamento, intitulados como Lian Gong por alguns entrevistados, utilizam como referencial teórico a Medicina Tradicional Chinesa, que visa trabalhar a saúde mental em conjunto com atividades de alongamento.

Em conjunto com as ações já citadas, são realizadas atividades promotoras de saúde direcionadas especificamente para as mulheres, como rodas de conversa sobre sexualidade, planejamento familiar, métodos contraceptivos. Além disso, também foi relatada a existência de grupos para a devolutiva de resultados de exames de Papanicolau.

Em relação às crianças, a criação de grupos está direcionada para mães de crianças menores de um ano, que visa fortalecer as orientações sobre calendário vacinal, cuidados com o bebê, amamentação e higiene. Outra estratégia para a promoção da saúde infantil consiste na aproximação com creches, na tentativa de abordar os pais das crianças sobre promoção da saúde infantil. Em conexão com os grupos de crianças, encontra-se o PSE, citado pelos participantes como sendo uma atividade coletiva realizada uma vez ao ano, tendo como público-alvo adolescentes e crianças. Nessa atividade, são abordadas questões odontológicas, higiene, prevenção de violências, educação sexual e reprodutiva.

Para os participantes da pesquisa, os grupos de hipertensão e diabetes e de gestantes eram os que possuíam maior adesão da população.

Além das atividades em grupos, também eram desenvolvidas outras estratégias para realizar ações promotoras de saúde como conversas direcionadas para os usuários na sala de espera.

Todo dia tem sala de espera aqui na unidade, feito pelos agentes comunitários, o médico, enfermeiro, dentista, todo dia de manhã. (E17)

Os enfermeiros afirmaram a importância do atendimento privado e individual para ampliar o cuidado em saúde, em especial para trabalhar a prevenção de doenças e a promoção da saúde.

A cada consulta de enfermagem que eu faço, eu começo a direcionar o paciente para melhorar a qualidade de vida dele, junto com a medicação. É o que eu falei, eu tenho que tratar a saúde mental, o corpo, eu tenho que tratar um monte de coisas. Eu não tenho subsídio para fazer aquilo que eu gostaria de fazer, então eu tô fazendo aquilo que eu posso fazer, e uma dessas coisas é encaminhar para o grupo. (E16)

Algumas ESF possuem acesso facilitado e ampliado para os usuários, oferecendo acolhimento e consultas de enfermagem e médicas, quando necessárias. A implementação do acesso ampliado e as visitas domiciliares e busca ativa são importantes elementos para a captação da população, pois ampliam as ações de intervenção em saúde.

Destaca-se a diversidade de atividades de promoção da saúde que estão sendo desenvolvidas nas ESF, e, em especial, pelo fato de os profissionais de saúde considerarem a opinião da população para a realização dessas ações. As atividades, como rifas, bingos, jogos, festas temáticas, além de reuniões que oferecem café da manhã e brindes são as mais apreciadas e contam com a maior participação popular segundo as entrevistadas.

Por outro lado, participantes de duas ESF relataram não desenvolver nenhuma atividade coletiva relacionada à promoção de saúde. Em algumas ESF, as atividades são pontuais e realizadas por meio de campanhas, como Outubro Rosa, para prevenção do câncer de mama, e Novembro Azul, para prevenção do câncer de próstata.

Desafios encontrados e estratégias para enfrentamento

Conhecimento sobre os princípios da promoção de saúde precisam estar interligados com a prática, e para o sucesso das atividades desenvolvidas, torna-se necessário a análise do território, condições e manejo das situações adversas. Para os participantes da pesquisa, a maior dificuldade para a implantação das atividades coletivas está relacionada à baixa adesão da população.

Um outro desafio relatado pelos participantes refere ao contexto socioeconômico, especialmente em áreas vulneráveis, uma vez que essa condição interfere na adesão da população a determinados tipos de tratamento, em especial não-medicamentoso, além de comprometer a compreensão das atividades educativas em saúde.

A falta de conscientização da população sobre saúde preventiva reflete no funcionamento ineficaz do sistema de saúde. A resistência dos usuários para aderir aos grupos e de participar de atividades promotoras de saúde contribui para que, segundo as entrevistadas, essas ações não sejam realizadas coletivamente, mesmo em ESF que possui estrutura física adequada para atender aos grupos.

Eu falo que não é acolhimento que vocês fazem, é livramento. Para tirar da frente. Então eu acho que a gente tem um pouco de fragilidade nesse sentido, das pessoas se empoderarem. (E2)

Os fatores dificultadores encontrados na prática colaboram para um distanciamento da teoria e uma maior necessidade de incorporar à rotina estratégias de resiliência perante aos problemas enfrentados.

Quando eu fiz faculdade, eu sempre achei que o programa de saúde da família era uma coisa diferente do que a gente tem na prática, né? (E14)

A medicalização dos serviços de saúde, em conjunto com a baixa adesão da população às ações direcionadas para a promoção de saúde, interfere no cumprimento dos princípios da ESF.

Eu acho que as USF aqui no município [...] é uma UBS com agente comunitário, entendeu? (E14)

As características das áreas de abrangência das ESF aparecem como sendo um fator relevante na implementação das atividades coletivas.

Aqui, na unidade, a gente gosta muito de grupo, mas a gente tem uma população que não adere facilmente a grupo. Porque é uma população adulto-jovem, que muita gente trabalha né, então a gente tem uma certa dificuldade. (E14)

A participação e empenho da equipe das ESF no desenvolvimento das ações coletivas e promotoras da saúde são fundamentais, uma vez que contribuem para um cuidado mais integral e potencializam as chances de sucesso nas atividades propostas.

Eu tenho uma equipe que é muito bem, muito envolvida. Eu tenho sorte com isso eu acho, sabe, toda a reunião de equipe a gente discute os casos né, discute formas de tá mudando atendimento, de estar tentando melhorar o acesso. (E14)

A falta de envolvimento e adesão da população adscrita às atividades desenvolvidas pelas ESF impactam no desgaste físico e emocional da equipe de saúde, além de se constituírem em um dos elementos que interferem diretamente na desmotivação da equipe, além de minimizar as potencialidades do serviço.

Eu acho que falta bastante, muito isso, falta empenho que tinha antigamente. (E12)

Associadas à falta de interesse da população adscrita, também deve-se ressaltar a elevada demanda de trabalho e a falta de recursos, que também estiveram presentes nos discursos dos participantes, caracterizados como barreiras para o desenvolvimento de atividades promotoras de saúde, e diretamente contribui para tornar a ESF uma reprodução do modelo curativista.

Eu acho que se o país conseguisse conscientizar que a prevenção é mais barato, seria muito mais fácil né, mas infelizmente a gente ainda investe muito dinheiro na atenção terceirizada, né, e esquece a atenção básica. E a atenção básica fica essa, enxugando gelo, né, então fica muito complicado trabalhar dessa forma. (E3)

As atividades educativas em saúde também foram elencadas como uma lacuna no sistema de saúde, uma vez que não esclarecem para a população sobre a organização e as ações desenvolvidas nos serviços de saúde.

Então, cadê a equidade do serviço? Cadê? Nós falamos tanto, tanto, tanto de SUS, quem tá afundando o SUS somos nós mesmos. E uma outra questão, quando você pergunta para o paciente, você pergunta assim: “Oh, o que você acha do atendimento da unidade?”, “Ah depende de quem atende, é ótimo”. “O que você acha do SUS?”, “Uma droga!”. O paciente ele não tá conseguindo enxergar, e nós estamos errando aí, quando ele não enxerga que o SUS somos nós [...]. Eu sou funcionária do SUS, eu pago pelo SUS, aqui é o SUS. (E16)

A falta de recursos humanos, estruturais, físicos ou de equipamentos também foi amplamente abordada pelos participantes que relataram usar recursos próprios ou dividem as despesas entre a equipe para realizar atividades promotoras em saúde.

Eu acho que seria diferente se você tivesse condição de trabalho, que hoje nós não temos, o insumo para desenvolver esse trabalho, tanto do humano, como de aparelhos leves, de aparelho de pressão... aqui falta tudo, aqui falta aparelho de pressão, aqui tem um sonar que eu comprei, o oxímetro que é do meu bolso... tem um monte de coisa aqui, a impressora também é minha, o computador também, que eu tive que trazer alguns insumos que eu tinha, que eu não estava usando, para que as pessoas tenham condições de trabalho, né. Eu tinha uma maca que me derrubava mulheres, eu não poderia por uma mulher de 60 quilos, quanto mais uma de 100. Só que a de 100 tem o direito do exame assim como a de 60. (E16)

Para um melhor funcionamento dos serviços de saúde, os participantes evidenciaram a necessidade do fortalecimento dos serviços de saúde em rede e criação de parcerias intersetoriais para a execução de um cuidado integral.

Talvez falta um pouco de intersetorialidade. Talvez envolver outros setores né, mais escolas talvez, centro comunitário, a gente poderia aproveitar mais esses espaços. (E5)

Os descontentamentos com o funcionamento e a gestão em saúde estiveram presentes nas falas, demonstrando desmotivação e inquietação perante o cenário atual.

Você usaria o SUS? Até que ponto? Até que ponto você tem um retorno desse SUS? Eu acredito muito no SUS. Acredito muito no que está escrito nele, na filosofia dele, mas do jeito que tá o nosso país... onde os nossos dirigentes né, geral, seja ele do município, na esfera municipal, na estadual, na federal, eles usam o SUS? Eles sabem como o SUS funciona realmente? Eles sentem na pele? Eu acho que enquanto não sentir na pele a gente vai continuar desse jeito. Fragmentado, perdido, né. Tenho isso, mas não tenho aquilo. “Ah, o pobre tem que esperar”. E isso tá deixando, pelo menos eu [...] estou muito desmotivada para o trabalho. Triste com o SUS. O que eu posso fazer dentro da unidade eu faço, mas quando eu tento encaminhar, eu fico perdida... e o paciente mais ainda. (E9)

Os participantes da pesquisa relataram dificuldades relacionadas às áreas que possuem maior mobilidade de pessoas, o que implica a necessidade de organização e planejamento das atividades dos serviços de saúde em torno dessa particularidade. Além disso, enfatiza-se a falta de integração em rede de internet dos serviços de saúde, o que contribui para a duplicidade de atendimentos e falta de informações.

O sistema não é interligado, é outra coisa que a gente precisaria ter na unidade, porque aí a gente ia saber por onde esse paciente fez o trajeto dele, o que que ele tá tomando, quais são as queixas dele. (E13)

Em relação à avaliação das atividades de promoção de saúde desenvolvidas nas ESF, os profissionais afirmaram que essas atividades precisam melhorar para alcançar os objetivos propostos.

Ressalta-se que mesmo perante as adversidades, as enfermeiras procuram manter uma organização e planejamento das atividades promotoras de saúde, além de apresentarem uma visão crítica sobre a atual situação dos serviços de saúde e contribuírem para a construção e prática da saúde coletiva.

Então eu imagino um atendimento à saúde [...] onde as pessoas tenham acesso mais livre, sabe? Assim, que as coisas aconteçam de uma forma mais humana, mais livre. E que a gente tenha respaldo para essas situações que eu não consigo resolver aqui. (E14)

Apesar de existirem déficits estruturais e de recursos humanos, as enfermeiras estão desenvolvendo atividades de promoção de saúde aliadas a um ideal de melhorias e a um pensamento ampliado sobre a importância da intersetorialidade para o funcionamento adequado do serviço. As adaptações perante a comunidade e o território, bem como a utilização dos recursos disponíveis, se mostram como importantes ferramentas e estão relacionados com a experiência dos profissionais e entrosamento em equipe.

DISCUSSÃO

No Brasil, a ABS prioriza a ESF para concretizar as mudanças necessárias na assistência à saúde, com o objetivo de consolidar os princípios estabelecidos pelo SUS e, dessa forma, proporcionar maior cobertura e responder às necessidades de saúde da população(12).

Para tanto, é imprescindível que a ESF seja composta por equipes multiprofissionais, possuam recursos estruturais e organizacionais para o enfrentamento dos desafios, além de estar apoiada em políticas públicas que garantam a expansão da cobertura assistencial e um atendimento qualificado, além de oferecer alternativas que visem a implementação e fortalecimento de atividades promotoras da saúde(13).

Diante dos resultados sobre conhecimentos, ideias e concepções dos enfermeiros sobre a promoção da saúde foi possível observar visões distintas, sendo verificada a dificuldade dos profissionais em conceituar promoção da saúde, assim como o distanciamento dos participantes com o tema ao relacionarem a promoção da saúde com atividades diversas e generalistas, não definindo e exemplificando, como ocorre na prática.

Além disso, o conceito de promoção da saúde foi associado à prevenção de doenças, apresentando uma relação direta da saúde com a ausência de doença. Na prática cotidiana do enfermeiro, o cuidado deve se constituir como uma essência, a partir da qual deve se buscar ir além da prática de cuidado biologicista e fragmentado, objetivando uma abordagem ampliada do ser humano nas questões subjetivas e sociais(14).

Por outro lado, a promoção da saúde, ao ser relacionada aos fatores sociais, envolve as condições de moradia e trabalho, acesso à assistência à saúde, associando à integralidade, ou seja, considera a importância dos determinantes sociais no processo saúde-doença. Assim, a promoção da saúde pode ser entendida como uma estratégia promissora para enfrentar os múltiplos problemas de saúde que afetam a população humana(10).

Para o enfrentamento dos problemas que afetam a saúde dos indivíduos e da comunidade e para o fortalecimento das ações promotoras da saúde, destaca-se o papel do enfermeiro, uma vez que suas ações estão diretamente relacionadas com a educação em saúde, além de ser protagonista na execução de atividades promotoras da saúde, bem como por oferecer uma assistência mais humanizada, integral e centrada no indivíduo.

Para que a promoção da saúde não seja relacionada apenas à prevenção de agravos e de doenças, apresentando uma concepção reducionista, torna-se fundamental o investimento em ações de educação em saúde de forma horizontalizada, visando o compartilhamento de saberes, bem como o desenvolvimento de atividades efetivas de promoção da saúde. Nesse contexto, a formação do enfermeiro deve incorporar conceitos que englobem a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, a interprofissionalidade e o empoderamento e a qualidade de vida dos usuários, sendo considerados referenciais para a sustentação de uma prática direcionada para a promoção da saúde(15).

Assim, a formação crítica-reflexiva, aliada à construção de um conhecimento teórico-prático, é essencial para a formação profissional de um enfermeiro-educador enquanto agente de transformação social. Um estudo sobre a percepção de alunos do curso de licenciatura em enfermagem de uma universidade do interior de São Paulo sobre promoção da saúde mostrou que os estudantes entendem promoção da saúde como uma estratégia de superação do modelo biologicista, que objetiva romper com a visão tecnicista do cuidado, além de considerar o contexto social dos indivíduos, uma vez que é determinante sobre o processo saúde-doença(16).

Nesse contexto, cabe ressaltar o protagonismo do próprio usuário nas atividades para a promoção da própria saúde, seja buscando informações, participando das atividades relacionadas à saúde propostas pela equipe de saúde, ou até mesmo difundindo saberes em seus meios de convivência.

Para o desenvolvimento de atividades promotoras de saúde resolutivas, é imprescindível que os usuários se expressem e que os enfermeiros busquem valorizar a singularidade de cada indivíduo e assim se estabeleça a responsabilização mútua pelo cuidado produzido, de modo que a prática de cuidado integral transcenda a realização de procedimentos e técnicas, e o cuidado seja permeado pelo vínculo com a equipe de saúde e corresponsabilização do usuário com a sua saúde(14).

O conceito de promoção de saúde, portanto, apesar de apresentar dificuldades em sua definição teórica, representando uma base mais curativista do pensar em saúde, também engloba necessidades mais abrangentes, como melhorias na qualidade de vida, investimento em educação em saúde, estratégias para a criação de um serviço mais humanizado, centrado no indivíduo. O conhecimento do território e uma análise socioeconômica mais apurada do espaço desses serviços de saúde se mostram como facilitadores da implementação das atividades promotoras de saúde.

Quanto às práticas, ações e percepções dos enfermeiros sobre a promoção da saúde neste estudo, percebe-se um predomínio de ações de caráter individual e em forma de consultas, apresentando um distanciamento das diretrizes da PNPS. As consultas de enfermagem são imprescindíveis à atuação do enfermeiro, a fim de identificar as necessidades do usuário, assim como fortalecer o vínculo com o mesmo. Porém, as atividades promotoras da saúde não devem limitar-se à assistência individual, mas enfatizar as estratégias para a realização de ações coletivas de promoção da saúde que englobem os determinantes sociais que interferem no processo saúde-doença(5).

Corroborando o presente estudo, em uma investigação realizada em 11 UBS da Grande Florianópolis, a consulta de enfermagem foi considerada o destaque entre as atividades realizadas pelas enfermeiras, sendo compreendida como uma estratégia que favorece as ações de saúde priorizadas nos programas da saúde da mulher, saúde da criança, cuidado com as doenças crônicas não-transmissíveis, reforçando o modelo biologicista(17).

De acordo com os resultados do estudo supracitado, as enfermeiras relataram que a demanda de visita domiciliar realizada por médico é maior, porém, são direcionadas a pacientes acamados e que dependem de cuidados especiais, limitando a promoção da saúde aos procedimentos e práticas curativistas(17). A visita domiciliar é uma atividade que oportuniza as equipes de saúde o contato com a ambiência e com as relações familiares, permitindo ir além dos problemas que envolvem o biológico, promovendo ações direcionadas para as reais necessidades do usuário(18).

Situação semelhante foi verificada em um estudo realizado em 7 USF do Sudoeste da Bahia, em que as autoras evidenciaram o destaque da consulta de enfermagem entre as atividades de promoção da saúde. Neste estudo, foi verificado que as enfermeiras estabelecem uma relação horizontalizada com os usuários a partir do acolhimento, do diálogo e das orientações aos indivíduos e família. Entretanto, apesar do atendimento contemplar os integrantes da família, a ênfase do cuidado está direcionada ao modelo biomédico e à realização de procedimentos, como aferição de pressão arterial, glicemia capilar, curativo e dispensação de medicamentos, impossibilitando a abrangência do cuidado sobre os aspectos socioculturais, políticos e econômicos inerentes ao âmbito familiar(14).

Por outro lado, ao considerar o contexto da ABS, deve-se enfatizar a importância da organização de grupos como forma de mostrar a produção da grupalidade, tecida pelos diálogos, ditos e não ditos no grupo e pelo sentimento de pertencimento dos participantes desse espaço pelo reconhecimento de seus saberes e de suas necessidades afetivas, sociais e de saúde fortalecem os vínculos e constituem uma nova perspectiva de produção de cuidados, possibilitando a participação ativa e responsável de cada membro do espaço grupal(19).

Os grupos realizados nas ESF apresentam avanços na assistência à saúde ao envolver o coletivo, entretanto, há necessidade de expansão em relação aos temas relacionados à saúde, uma vez que os grupos mais predominantes são direcionadas à doença e ou condição física do usuário. Ao considerar a PNPS, os grupos de uma ESF deveriam buscar abordar temas prioritários à promoção da saúde como o enfrentamento ao uso do tabaco e seus derivados, o enfrentamento do uso abusivo de álcool e outras drogas, a promoção da mobilidade segura e sustentável, a alimentação adequada e saudável, práticas corporais e atividades físicas, a promoção da cultura da paz e de direitos humanos e a promoção do desenvolvimento sustentável(5).

Em um estudo comparativo de práticas de promoção da saúde na ABS, verificou-se que, em Toronto (Canadá), as práticas de promoção da saúde são desenvolvidas individualmente e coletivamente como grupos de caminhada, orientação sobre a hepatite C, alimentação saudável, participação social, saúde do homem, saúde da mulher, prevenção de álcool e drogas, pais de crianças de zero a seis anos, saúde dos imigrantes e saúde do idoso. Por outro lado, em Florianópolis (Brasil), nos serviços de saúde da ABS, são realizados grupos de gestantes, tabagismo, hipertensos e diabéticos, alimentação saudável, idosos e puericultura(20).

No estudo supracitado, os autores referiram que, em Toronto, os usuários reconhecem que as habilidades promotoras de saúde consistem na autonomia e na relevância dos determinantes sociais, já em Florianópolis, a promoção da saúde está relacionada com a educação em saúde e participação popular. Além disso, os autores constataram que em Toronto as atividades promotoras da saúde são direcionadas para a população vulnerável. Em Florianópolis, o desenvolvimento dessas ações objetiva atender toda a população de uma área de abrangência com determinada característica(20).

Neste estudo, foi verificado dificuldades para a implementação de atividades coletivas, destacando-se a baixa adesão da população, falta de recursos humanos, estruturais e físicos. Considera-se que o sucesso de ações coletivas de promoção da saúde também está relacionado com a motivação e envolvimento da equipe organizadora, além do sentimento de pertencimento dos participantes dos grupos e do reconhecimento dos saberes dos mesmos e de suas necessidades afetivas, sociais e de saúde(19).

Assim, os enfermeiros, ao lidarem com um contexto social amplo e desafiador, devem pensar em estratégias que propiciem uma maior motivação entre os profissionais das equipes de saúde para lidar com as adversidades. Este estudo também evidenciou que os problemas relacionais e de interação entre a equipe das ESF, seja devido às relações verticais, problemas pessoais ou ainda por mudanças na gestão, podem influenciar o engajamento da equipe no planejamento e execução de atividades grupais para a promoção da saúde.

As deficiências na organização do processo de trabalho da equipe da ESF influenciam negativamente na rotina e, consequentemente no cuidado oferecido aos usuários. Assim, a sensibilização das equipes e o envolvimento dos profissionais são importantes para o sucesso das práticas promotoras de saúde, bem como o apoio da gestão na garantia de infraestrutura adequada, além de buscar a capacitação permanente da equipe(20).

A capacitação dos profissionais qualifica as ações realizadas nas ESF. Nesse contexto, ressalta-se que este estudo evidenciou a auto-responsabilização e a auto-crítica dos participantes quanto às lacunas relacionadas às atividades de promoção de saúde, em especial a falta de capacitação e empenho de todos os membros da equipe de saúde.

As ESF devem buscar parceiras tanto no setor saúde, quanto intersetorial para ampliar o seu campo de atuação. O NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) contribui com recursos humanos, disponibilizando profissionais para matriciamento, atendimentos e composições dos grupos. As Universidades também são consideradas importantes aliadas na implementação das atividades promotoras da saúde nas ESF, uma vez que os professores e alunos realizam atividades de ensino e extensão nesses serviços.

Por fim, entende-se que um sistema fragmentado, pouco articulado e deficiente impacta diretamente na qualidade do serviço em saúde, contribuindo para que as ESF não cumpram com os seus objetivos, não atendendo às demandas de saúde e sociais, e, assim, se distancia de um dos seus princípios, que seria a promoção de saúde e bem-estar da população.

Limitações do estudo

O estudo apresentou como limitação a dificuldade na coleta de dados, ou seja, várias entrevistas foram remarcadas inúmeras vezes, tornando-se necessária a prorrogação do período da coleta de dados. Porém, ressalta-se a sobrecarga de trabalho dos enfermeiros, uma vez que desempenham funções assistenciais, educativas e gerenciais nas ESF, dificultando a participação em pesquisa.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Esta pesquisa contribui para a reflexão sobre o papel desempenhado pelos enfermeiros das ESF no que se refere ao desenvolvimento das atividades promotoras de saúde, uma vez que é considerado o principal responsável pela realização de tais ações, além de ser visto como um educador por excelência.

Ainda, esta pesquisa busca despertar os profissionais da saúde, gestão e universidade para a realidade, fazendo-lhes perceber o que os circundam, convidando a analisar o contexto social e as implicações tanto de cunho sociocultural quanto econômico, que podem vir a influenciar as maneiras como ações de promoção de saúde são pensadas e desenvolvidas, viabilizando a capacidade de autocuidado e melhora da qualidade de vida da população adstrita de uma ESF, além de auxiliar a pensar a saúde em seu contexto mais amplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do estudo revelaram que os enfermeiros apresentaram dificuldades em conceituar a promoção de saúde, sendo frequente a definição de prevenção de doenças, além de apresentarem uma definição limitada ao aspecto biologicista e fragmentado, desconsiderando o conceito ampliado de saúde.

Considera-se que apesar do elevado número de atividades coletivas de promoção de saúde, as consultas individuais são predominantes, reforçando o modelo curativista e fragmentado.

Por fim, ressalta-se o fortalecimento do trabalho interprofissional e o desenvolvimento das atividades de Educação Permanente para as equipes de saúde da família, a fim de garantir a realização de ações coletivas e efetivas de promoção da saúde.

Ainda, a partir dos resultados obtidos neste estudo, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas que busquem compreender o que os usuários dos serviços de saúde, especialmente da ESF, entendem sobre promoção da saúde.

  • FOMENTO
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Editado por

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2019
  • Aceito
    15 Nov 2019
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