RESUMO
Objetivo:
analisar a percepção de enfermeiros e demais membros da equipe multiprofissional sobre as ações do enfermeiro no cuidado de saúde mental.
Métodos:
o estudo foi realizado com profissionais de serviços de saúde mental do interior de São Paulo. Os dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, questionário com perguntas fechadas e grupo focal foram submetidos à análise de conteúdo.
Resultados:
os participantes referiram, principalmente, os cuidados de enfermagem com o corpo e a saúde física, mas também identificaram o enfermeiro como “porta de entrada” para o cuidado, facilitador e integrador de ações e como o profissional que tem mais contato com o usuário.
Considerações finais:
embora o estereótipo da enfermagem como “cuidadora do corpo” remeta aos primórdios da enfermagem psiquiátrica, a percepção dos participantes denotou aspectos que sugerem mudança em relação ao papel tradicionalmente atribuído a esta profissão.
Descritores:
Cuidados de Enfermagem; Enfermeiro; Saúde Mental; Trabalho; Equipe Interdisciplinar de Saúde
ABSTRACT
Objective:
to analyze the perception of nurses and other members of the patient care team about nurses’ actions in mental health care.
Methods:
the study was conducted with professionals from mental health services in the interior of the state of São Paulo. The data collected through semi-structured interviews, a questionnaire with closed questions and a focus group were submitted to content analysis.
Results:
the participants referred mainly to the nursing care with the body and physical health, but also identified the nurse as a “gateway” for care, facilitator and integrator of actions and as the professional who has more contact with the user.
Final considerations:
although the stereotype of nursing as “body caregiver” refers to the beginnings of psychiatric nursing, the perception of the participants showed aspects that suggest a change in relation to the role traditionally attributed to this profession.
Descriptors:
Nursing Care; Nurses; Mental Health; Work; Patient Care Team
RESUMEN
Objetivo:
analizar la percepción de las enfermeras y otros miembros del equipo multidisciplinario sobre las acciones de las enfermeras en la atención de la salud mental.
Métodos:
el estudio se realizó con profesionales de servicios de salud mental en el interior del estado de São Paulo. Los datos recopilados a través de entrevistas semiestructuradas, un cuestionario con preguntas cerradas y un grupo focal fueron sometidos a análisis de contenido.
Resultados:
los participantes se refirieron principalmente al cuidado de enfermería con el cuerpo y la salud física, pero también identificaron a la enfermera como una “puerta de entrada” para el cuidado, facilitadora e integradora de acciones y como el profesional que tiene más contacto con el paciente.
Consideraciones finales:
aunque el estereotipo de enfermería como “cuidador del cuerpo” se refiere a los inicios de la enfermería psiquiátrica, la percepción de los participantes mostró aspectos que sugieren un cambio en relación con el papel tradicionalmente atribuido a esta profesión.
Descriptores:
Atención de Enfermería; Enfermera; Salud Mental; Trabajo; Grupo de Atención al Paciente
INTRODUÇÃO
A prática da enfermagem psiquiátrica se constituiu concomitantemente ao surgimento dos primeiros hospitais. Inicialmente, pessoas leigas, serventes e ex-internos realizavam essa função de nível médio da “enfermagem”, à época caracterizada pela vigilância e coerção dos internos.
No século XVIII, marcado pelo tratamento moral de Pinel, as ações de enfermagem estavam subordinadas ao saber psiquiátrico, ou seja, aqueles que realizavam tais ações eram responsáveis por preparar o “corpo” para ser examinado pelo médico. Além disso, deveriam manter um olhar vigilante sobre a alimentação, higienização, sono, comportamentos agressivos, encaminhamentos ao pátio e garantir a manutenção da ordem institucional(11 Muniz MP, Tavares CMM, Abrahão, AL, Souza AC. Nursing care in times of psychiatric reform. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2015 [cited 2017 Jan 8];(13):61-5. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n13/n13a08.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n13/n...
).
As iniciativas de mudança do modelo assistencial biomédico para o paradigma biopsicossocial têm, gradativamente, exigido transformações no papel da enfermagem no campo da saúde mental.
Estudos prévios investigaram as ações de enfermagem neste âmbito, destacando ações como identificação das necessidades biopsicossocioespirituais por meio da comunicação interpessoal; consideração das expressões verbais e não verbais na avaliação do usuário; demonstração de empatia; estímulo à autonomia dos sujeitos; corresponsabilização por sua produção de saúde; autorreflexão sobre sua prática; e coletivização da assistência em equipe multiprofissional e na elaboração do projeto terapêutico singular(22 Tavares CMM, Cortez EA, Muniz MP. Care in psychiatric hospital under the perspective of a nursing team. Rev RENE [Internet]. 2014 [cited 2017 Jan 22];15(2):282-90. Available from: http://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/11634/1/2014_art_cmmtavares.pdf
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3 Souza J, Luis MAV. Demands of mental health: nurses' perceptions of family health teams. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 23 Nov 2016];25(6):852-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6a05.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6...
-44 Cortes J, Barros S, Antonacci M, Chiavagatti F, Willrich J. Knowledge and practices that integrate the teaching psychiatric nursing from the perspective of faculty nurses. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2014 [cited 18 Jan 2017];(12):34-2. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n12/n12a05.pdf
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). A despeito de tais estudos, as ações do núcleo da profissão, isto é, específicas do enfermeiro na saúde mental, ainda carecem de delimitação.
Desse modo, o presente estudo está pautado na seguinte questão de pesquisa: Quais são as ações específicas do enfermeiro no âmbito da saúde mental?
OBJETIVO
Analisar a percepção de enfermeiros e demais membros da equipe multiprofissional sobre as ações do enfermeiro no cuidado de saúde mental.
MÉTODOS
Aspectos éticos
O estudo atendeu aos princípios da Resolução n.º 466 do Conselho Nacional de Saúde, de 12 de dezembro de 2012, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Tipo de estudo
Trata-se de estudo qualitativo norteado pela ferramenta COREQ, descritivo e transversal.
Cenário do estudo
O cenário do estudo foi um município de médio porte, situado no centro-oeste do estado de São Paulo, a 345 km da capital. No setor da saúde, o município encontra-se habilitado na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (Paba), segundo a Norma Operacional da Assistência à Saúde.
A coleta de dados foi realizada em todos os serviços de saúde mental do município, a saber: Ambulatório de Saúde Mental (ASM), Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS i), Centro de Atenção Psicossocial I (CAPS I) e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas Infantojuvenil III (CAPS AD i III).
Trata-se serviços de base comunitária, compostos por equipe multiprofissional que atende à população com demandas específicas de saúde mental (transtorno mental, sofrimento emocional ou problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas).
Fonte de dados
No período em que os dados foram coletados, cada serviço contava com 15 a 25 profissionais, totalizando 88 trabalhadores, dos quais 10 eram enfermeiros. Os critérios de elegibilidade foram atuar na rede de saúde do município por mais de seis meses, e os de exclusão estar afastado ou em férias no período da coleta de dados. Todos os profissionais atendiam aos critérios de elegibilidade e, portanto, foram convidados para participar do estudo durante reunião de equipe realizada em cada um desses serviços. A amostra final constituiu-se de 33 (37,5%) profissionais que aceitaram participar do estudo, seis deles enfermeiros. Tal amostra contou com, no mínimo, um representante de cada categoria profissional de nível médio e/ou superior.
Coleta e organização dos dados
Os dados foram coletados por uma enfermeira treinada para esta finalidade ao longo de um curso de 48 horas ministrado na Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto. Tal coleta efetivou-se no período de julho a setembro de 2017, nos próprios serviços de saúde, em horários previamente combinados com cada participante. Foram utilizadas três diferentes técnicas de coleta de dados, a saber: entrevista semiestruturada, questionário estruturado e grupo focal.
Etapas do trabalho
Inicialmente, as entrevistas semiestruturadas, primeira técnica de coleta de dados, foram realizadas com os enfermeiros, visando apreender a percepção específica desses profissionais em relação à sua própria prática. Utilizou-se um roteiro com as seguintes questões norteadoras: “Fale-me sobre o seu dia a dia nesse serviço”; “Qual a sua percepção sobre o papel do enfermeiro no cuidado de saúde mental?”.
Para testar o roteiro, foram realizadas duas entrevistas-piloto, por meio das quais se identificou que as respostas à segunda questão, em alguns casos, eram vagas. Por esse motivo, acrescentou-se uma pergunta adicional ao roteiro: “Como você explicaria a atuação do enfermeiro na equipe multiprofissional de saúde mental para um gestor público?”.
As entrevistas foram realizadas em local de comum acordo com os seis enfermeiros participantes e agendadas previamente, para não atrapalhar o processo de trabalho.
Na segunda técnica, aplicou-se um questionário a todos os participantes, solicitando que assinalassem a alternativa que melhor expressasse suas percepções sobre a quem competia realizar determinadas ações de saúde. Elaborou-se o questionário com base nas ações específicas de saúde mental descritas no Nursing Interventions Classification (NIC) e na Classificação Internacional de Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva (CIPESC). Além disso, foram consideradas as ações de caráter psicossocial recomendadas para o cuidado de saúde mental pelos autores Costa-Rosa (2000) e Saraceno (1999)(55 Costa-Rosa A. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: Amarante P. (Org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000 [cited 28 Jan 2017];141-68. Available from: http://books.scielo.org/id/htjgj/pdf/amarante-9788575413197-09.pdf
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-66 Saraceno, B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia/ TeCorá; 1999. 176 p.).
O questionário foi submetido à avaliação de quatro juízes de outro município, sendo um enfermeiro assistencial de CAPS, um enfermeiro especialista em saúde mental e com experiência em pesquisa, um enfermeiro pesquisador da área de enfermagem psiquiátrica e um psicólogo coordenador de um CAPS.
A versão final deste instrumento continha seis dimensões: organização do processo de trabalho, atividades técnico-administrativas e organizacionais, atividades relacionadas à participação social, cuidado individual, processo de trabalho e práticas no território. Cada uma continha, respectivamente, 20, 12, sete, 36, 15 e seis ações de saúde. As opções de resposta eram: 1) ação específica do enfermeiro; 2) ação de competência de qualquer membro da equipe multiprofissional; 3) ação de competência de profissionais de nível superior; e 4) ação de competência de outro profissional (especificar qual). Apenas as alternativas um e quatro poderiam ser assinaladas concomitantemente. Os participantes tiveram o prazo de uma semana para devolução do instrumento preenchido.
A última técnica de coleta de dados foi a realização do grupo focal, para o qual foram convidados todos os participantes. Compareceram um enfermeiro, um assistente social, dois psicólogos, um agente social, um técnico de enfermagem e um auxiliar de limpeza, representando três dos cinco serviços incluídos neste estudo.
O objetivo de tal técnica foi explorar as diferentes percepções sobre o trabalho do enfermeiro na saúde mental. A condução do grupo partiu das seguintes questões norteadoras: “Como vocês percebem o trabalho do enfermeiro na equipe de saúde mental?” “Quais ações são específicas do enfermeiro e quais dizem respeito ao trabalho multidisciplinar?”. O grupo foi conduzido pela pesquisadora principal, que também anotou suas impressões em um diário de campo ao término da sessão. O grupo foi realizado em um dos serviços de saúde mental, estrategicamente localizado próximo aos demais.
Análise dos dados
Para a análise dos dados utilizou-se a técnica de análise de conteúdo(77 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70; 2009.). As entrevistas e o grupo focal foram audiogravados e transcritos na íntegra, compondo um corpus de informações. Empreenderam-se leituras sucessivas e aprofundadas do material para identificação de unidades de significados.
A partir da codificação das informações identificou-se que o caráter interdisciplinar no cuidado em saúde mental foi o elemento central nos resultados. Fez-se o agrupamento dos códigos em categorias considerando as diferentes percepções dos participantes sobre as ações de núcleo e campo do enfermeiro no cuidado em saúde mental. Logo, as categorias geradas foram: 1) o trabalho do enfermeiro na equipe multiprofissional e 2) identidade do enfermeiro na equipe multiprofissional.
A etapa analítica foi empreendida pela pesquisadora principal, mestranda e enfermeira assistencial de um serviço de saúde mental, e por sua orientadora. A relevância da mestranda ser enfermeira, ter elaborado a proposta de pesquisa e participado tanto da coleta quanto da análise dos dados é um fator que merece ser destacado em termos de reflexividade, pois, do mesmo modo que influenciou positivamente o desenvolvimento da pesquisa, também pode ter suscitado algum viés na análise.
Nesse sentido, optou-se pela triangulação de analistas, ou seja, interpretação dos dados por mais de um analista, o que favorece a verificação dos pontos cegos de uma interpretação única e contribui para o controle de possíveis vieses(88 Amankwaa L. Creating protocols for trustworthiness in qualitative research. J Cult Divers[Internet]. 2016 [cited 2017 Feb 25];23(3):121-27. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29694754/
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-99 Korstjens I, Moser A. Series: Practical guidance to qualitative research. Part 4: trustworthiness and publishing, European J General Pract. 2018;24(1):120-124. doi: 10.1080/13814788.2017.1375092). Isto é, a análise dos dados foi processada por dois pesquisadores enfermeiros que compararam suas interpretações visando garantir precisão e confiabilidade aos resultados. Mais de 80% das interpretações geradas foram similares entre ambos os pesquisadores. As dissimilaridades também foram consideradas e debatidas em reuniões com os demais autores do trabalho, a fim de dirimir e/ou reconceitualizar os achados e articulá-los com o referencial adotado.
Cabe salientar que durante o processo de codificação, caracterização e interpretação dos dados foram consideradas as características de cada um dos participantes das falas correspondentes, a fim de averiguar possível influência ou interferência de suas especificidades pessoais e profissionais em relação à percepção expressada. No entanto, não foi evidenciada nenhuma influência neste sentido ao longo do processo analítico por nenhum dos analistas envolvidos, tampouco durante as discussões com os demais autores.
As concepções de “campo” e “núcleo” desenvolvidas por Campos (2000)(1010 Campos GWS. Public health and collective health: field and core area for knowledge and practice. Ciênc. Saúde Colet [Internet]. 2000 [cited 2016 Feb 22];5(2):219-230. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7093.pdf
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) foram utilizadas como referencial para a análise. O autor parte da noção de que a saúde coletiva se constitui em uma tentativa de superação do modelo hegemônico pautado em especialidades médicas, para outro que favoreça a coparticipação social dos sujeitos na “produção de necessidades sociais”.
Nesta lógica, entende-se que a maior parte dos campos científicos admite uma prática interdisciplinar e multiprofissional e, portanto, é possível utilizar as concepções de campo e núcleo na discussão sobre a saúde coletiva(1010 Campos GWS. Public health and collective health: field and core area for knowledge and practice. Ciênc. Saúde Colet [Internet]. 2000 [cited 2016 Feb 22];5(2):219-230. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7093.pdf
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).
Assim, concebe-se “núcleo” como o conjunto de habilidades e conhecimentos específicos de cada profissional, isto é, rol específico de competências de cada profissão. O “campo” consiste no conjunto de saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a várias especialidades1010 Campos GWS. Public health and collective health: field and core area for knowledge and practice. Ciênc. Saúde Colet [Internet]. 2000 [cited 2016 Feb 22];5(2):219-230. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7093.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v5n2/7093.p...
. Desse modo, tais conceitos foram utilizados no presente estudo para discutir as ações do enfermeiro no cuidado em saúde mental considerando sua identidade profissional e prática interdisciplinar.
Os dados dos questionários foram inseridos em uma planilha do Microsoft Excel versão 2010 e analisados por meio de estatística descritiva. Posteriormente, empreendeu-se o cruzamento dos dados dos questionários com as categorias advindas da análise de conteúdo dos demais corpus de dados.
RESULTADOS
Em relação à caracterização sociodemográfica dos participantes (Tabela 1), a maioria era do sexo feminino e possuía nível superior completo, curso de pós-graduação/especialização concluídos recentemente e atuação na área assistencial com dedicação exclusiva no serviço de saúde mental.
A Figura 1 apresenta a síntese dos resultados das categorias geradas.
O trabalho do enfermeiro na equipe multiprofissional
A maioria dos participantes (79%) enfatizou a interdisciplinaridade como elemento central do processo de trabalho dos profissionais nos serviços de saúde mental, reafirmando que todos os membros da equipe poderiam contribuir para a integração do cuidado.
Nesse sentido, os serviços de saúde mental foram descritos como pontos de atenção nos quais é possível visualizar claramente o trabalho interdisciplinar e também como espaços de aprendizagem para a consolidação deste trabalho:
Eu trabalhava na atenção básica e fui pra saúde mental, eu me apaixonei pela saúde mental. Por isso, parece que eu via a questão da interdisciplinaridade, mesmo com todas as dificuldades, porque na unidade básica era tudo muito fragmentado, era cada um fazendo só o seu específico. (Assistente Social Participante 1/grupo focal)
Trabalhar na saúde mental faz com que o enfermeiro entenda melhor o que é uma equipe inter, multidisciplinar e um trabalho interdisciplinar, porque quando a gente vem da área de pronto-socorro, unidade básica, hospitalar, a gente é mais focada, é mais centralizado em “enfermagem e médico”. (Enfermeiro 1/ entrevista)
Atividades de promoção da saúde, condução de grupos e oficinas terapêuticas, escuta ativa, estabelecimento de vínculo, observação de comportamentos e identificação dos efeitos das medicações foram as ações discriminadas como interdisciplinares, ou seja, de competência tanto do enfermeiro como de outros membros da equipe.
Os enfermeiros referiram também, como atividades de caráter interdisciplinar, triagem, acolhimento, visitas domiciliares, atividades lúdicas e de interação social (jogos, filmes, pintura, desenhos) e mediação de conflitos. Além disso, consideraram que a coordenação do serviço, preceptoria de alunos, apoio matricial, referência e contrarreferência dos usuários para outros serviços da rede, elaboração de políticas, projetos técnicos e relatórios, consulta interdisciplinar, formulação e acompanhamento do Projeto Terapêutico Singular (PTS) e atuação como profissional de referência eram ações de competência de todos os profissionais de nível superior.
O acolhimento foi outra ação considerada interdisciplinar, mas os participantes identificaram o enfermeiro como “porta de entrada” para o cuidado, por estar sempre presente durante todo o horário de funcionamento dos serviços de saúde mental e por ter mais contato com o usuário. Os próprios enfermeiros se descreveram como referência tanto para o usuário quanto para a equipe que recorria à enfermagem em situações diversas:
O paciente passa mal, eles não vão chamar o psicólogo, eles vão chamar a enfermagem ou o enfermeiro e aí vão atrás do enfermeiro. O paciente está sonolento, aí chama a enfermeira, o paciente está naquele momento, vai ter uma crise epiléptica, aí chama a enfermeira. Então toda essa parte do paciente não estar bem clinicamente, ou demonstrar que vai ter uma crise, um surto, chama a enfermeira. (Enfermeiro 4/entrevista)
Tanto no grupo focal quanto nas entrevistas foi referido que o enfermeiro agia como “facilitador” e “integrador de ações”:
O principal papel do enfermeiro eu acho que é ser o facilitador da história, porque ele vai pegar a ação médica e transformar para o paciente, ação psicológica para o paciente, ação social para o paciente e do paciente pra isso, para o médico, para o outro colega enfermeiro, para o social, para o psicológico. Eu acho que assim, é ser o facilitador da história, conseguir pegar um pouquinho de cada um. Porque tudo acaba esbarrando na enfermagem. (Técnico de Enfermagem Participante 4/grupo focal)
As discussões do grupo focal também destacaram a perspectiva integral da atuação da enfermagem:
Na consulta de enfermagem vai ver o todo, na consulta de enfermagem o que tem de diferente é que você vai analisar o contexto psicossocial dessa pessoa pra ver qual é o reflexo disso nesse corpo. (Assistente Social Participante 1/grupo focal)
Porque a enfermagem tem envolvimento também no social, nas oficinas ajudam a gente, é suporte pra gente também. (Agente Social Participante 6/grupo focal)
Os próprios enfermeiros também reconheceram sua prática sob esta perspectiva integral:
A enfermagem, ela vê o cliente, o paciente de uma forma geral, nenhum outro profissional consegue ver isso. Nenhum outro profissional consegue ver todos os lados daquele indivíduo. (Enfermeiro 5/grupo focal)
Um enfermeiro é uma pessoa muito importante, ele sabe gerenciar, ele é os olhos do administrador, porque todas as áreas ele se sai bem, tudo ele observa, se você puser um enfermeiro, ele vai ver a lavanderia, ele vai saber como funciona a cozinha, ele vai saber colocar a recepção, como é que está a recepção, como é que está o pronto-socorro. (Enfermeiro 6/entrevista)
Apesar disso, os enfermeiros citaram a dificuldade de trabalhar em equipe multiprofissional, por terem que realizar ações que não consideravam ser de sua competência e por não perceberem uma clara delimitação das atribuições de cada profissão:
Dentro de uma equipe multidisciplinar, multiprofissional, você acaba fazendo coisas que não seriam suas, mas, dentro dessa rotina, elas acabam sendo necessárias, entendeu? (Enfermeiro 6/entrevista)
Eu acho que aqui todos fazem praticamente as mesmas coisas, infelizmente, então não tem certo o que é de um, o que é de outro. (Enfermeiro 5/entrevista)
Por outro lado, outros membros da equipe multiprofissional referiram dificuldade em compreender o papel do enfermeiro na saúde mental e em diferenciar as ações de núcleo das outras profissões da equipe:
Mas eu acho que a gente sente dificuldade sim de entender o que é específico do enfermeiro [...] assim como não é todo mundo que sabe bem o que o psicólogo faz. (Psicólogo Participante 2/grupo focal)
Identidade do enfermeiro na equipe multiprofissional
Apesar da menção à interdisciplinaridade como caráter primordial do cuidado em saúde mental, noções estereotipadas sobre as atribuições de cada profissão foram citadas pelos participantes como um desafio para o trabalho em equipe:
Mas é sempre o assistente social que trabalha com pobreza, cesta básica, a psicóloga vai cuidar só do louco, o enfermeiro que entra no corpo. Então, existe os jargões profissionais. Socialmente é esperado do enfermeiro, pela construção social, formação e história, que ele cuide do corpo, só do corpo. É importantíssimo que tenham pessoas que cuidem deste corpo com qualidade. (Assistente Social Participante 1/grupo focal)
Na nossa prática, a gente ainda tem expectativas do enfermeiro que cuida só do biológico. É o estigma, né. O psicólogo que entra na cabeça das pessoas e adivinha o pensamento, né. (Psicólogo Participante 2/grupo focal)
Em relação ao trabalho do enfermeiro, foram enfatizados os cuidados com o corpo e as demandas descritas pelas equipes como “ações de cunho biológico”. Procedimentos técnicos nos quais há o contato direto com o “corpo físico”, como coleta de sangue, administração de medicação, mensuração antropométrica, verificação de sinais vitais, monitoramento dos níveis de glicose, tratamento de feridas e cuidados de primeiros socorros, foram atribuídos à equipe de enfermagem, principalmente ao enfermeiro, por mais de 85% dos participantes.
Além disso, nas entrevistas, a “saúde física” foi mencionada pelos enfermeiros como sendo uma especificidade desta categoria:
Só que essa parte da saúde física, ela é principalmente do enfermeiro, que é da nossa área mesmo, que nós conhecemos até mais do que outros profissionais de outras áreas. (Enfermeiro 2/entrevista)
Sobre a administração de medicamentos, 100% dos participantes atribuíram essa ação ao enfermeiro, embora 79% tenham incluído nesta função o auxiliar e técnico de enfermagem e 21% o médico. Quanto ao acompanhamento medicamentoso (identificação dos efeitos colaterais, sinais e sintomas de intoxicação e superdosagem), 82% referiram ser atribuição do enfermeiro; 44% incluíram o auxiliar/técnico de enfermagem; 23% o médico; e 15% profissionais de nível superior.
Desse modo, a associação entre enfermagem, cuidado físico e responsabilidade pela medicação foi claramente enfatizada pelos participantes:
As pessoas buscam no medicamento a solução dos problemas e, quando se fala no medicamento, sempre pensam na enfermagem e no médico. (Assistente Social Participante 1/grupo focal)
Eu acho que os profissionais acabam vendo o enfermeiro, o profissional de enfermagem, como simplesmente a pessoa que aplica a medicação, a pessoa que vê a prescrição médica. (Enfermeiro 2/entrevista)
Dificuldades relacionadas à formação do enfermeiro foram mencionadas por um enfermeiro, que se julgou despreparado para realizar o manejo emocional:
A graduação deixa muito a desejar e a pós-graduação que eu fiz [em saúde mental], não me senti capacitada pra fazer esse tipo de atendimento psicológico, vamos dizer assim. (Enfermeiro 3/entrevista).
Já questões relacionadas à autonomia na execução das ações, bem como à frustração em decorrência da complexidade do atendimento ao usuário em sofrimento mental e da infraestrutura deficitária, foram mencionadas pelos enfermeiros como dificuldades para o exercício profissional:
O trabalho podia ir muito mais além se a gente tivesse autonomia, se as nossas opiniões, ideias, fossem levadas mais a sério, porque, embora a gestão diga que é democrático, que todos têm voz, a gente percebe que não é muito bem assim [...] É observável que a estrutura é totalmente deficitária e não é somente a estrutura do serviço, é a estrutura do governo em si, da gestão em si. [...] Eu acredito que o maior problema do serviço é a infraestrutura. (Enfermeiro 3/entrevista)
DISCUSSÃO
Os resultados apontaram que a maioria dos participantes tinha uma percepção ampla sobre as ações desenvolvidas pela enfermagem no campo da saúde mental e no núcleo da profissão.
A interdisciplinaridade constituiu-se como conector das categorias do estudo. Nesse sentido, a finalidade das ações interdisciplinares é superar a fragmentação do cuidado e promover a integração das diferentes profissões. Tais ações são importantes tanto para o processo de trabalho conjunto que proporciona um atendimento integral ao usuário quanto para a superação do modelo tradicional de cuidado psiquiátrico(1111 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, Castanharo RCT, Oliveira FRL. Interdisciplinarity and intersectoriality in the Family Health Strategy and Nuclei of Support to Family Health: potentialities and challenges. Mundo Saúde[Internet]. 2014 [cited 2018 Feb 22];38(2):129-38. Available from: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/155562/A01.pdf
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).
As ações interdisciplinares mencionadas pelos participantes foram visitas domiciliares, participação ativa nas reuniões de equipe, acolhimento, condução de grupos, oficinas terapêuticas, bem como atuação como profissional de referência. Esses achados corroboram estudo prévio sobre o trabalho do enfermeiro na saúde mental(1212 Anjos Filho NC, Souza AMPA. The workers' perceptions about the multiprofessional teamwork at a Psychosocial Care Center in Salvador, Bahia, Brazil. Interface [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 22];21(60):63-76. doi: 10.1590/1807-57622015.0428
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).
Também foi evidenciado que a interdisciplinaridade era considerada norteadora das ações nos serviços, embora alguns enfermeiros tenham referido que, sob tal norte, tendiam a executar tarefas que não eram de sua competência.
Cabe ressaltar que as atividades de assistência integral e em equipe multiprofissional estão previstas na Lei do Exercício Profissional e no Código de Ética da Enfermagem(1313 Presidência da República (BR). Lei n. 7.498 de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasilia (1986 jun. 26).-1414 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Aprova a reformulação do Código de Ética dos profissionais de enfermagem. Resolução COFEN n.º 311, de 8 de fevereiro de 2007. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. 2007.), mas no âmbito da saúde mental esta questão ainda carece de debates mais amplos para aprofundar o entendimento dos conceitos de integralidade e interdisciplinaridade. Trata-se de uma discussão que também poderia nortear mais efetivamente o exercício profissional nesse campo e delimitar mais claramente as competências do núcleo da profissão no âmbito da saúde mental.
Vale destacar que a percepção de alguns enfermeiros de que “todos fazem as mesmas coisas”, além de denotar possível dificuldade de delimitar as especificidades profissionais, sugere uma concepção deturpada de interdisciplinaridade.
Interdisciplinaridade não corresponde, necessariamente, a uma situação em que todos os profissionais executam as mesmas ações, pois a contribuição específica e diversa de cada núcleo de profissão nas ações é o elemento que confirmará o caráter interdisciplinar do trabalho no campo da saúde mental. Isso ressalta a importância de cada membro da equipe ter clareza das competências do seu núcleo profissional(1111 Ferro LF, Silva EC, Zimmermann AB, Castanharo RCT, Oliveira FRL. Interdisciplinarity and intersectoriality in the Family Health Strategy and Nuclei of Support to Family Health: potentialities and challenges. Mundo Saúde[Internet]. 2014 [cited 2018 Feb 22];38(2):129-38. Available from: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/155562/A01.pdf
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-1212 Anjos Filho NC, Souza AMPA. The workers' perceptions about the multiprofessional teamwork at a Psychosocial Care Center in Salvador, Bahia, Brazil. Interface [Internet]. 2017 [cited 2018 Feb 22];21(60):63-76. doi: 10.1590/1807-57622015.0428
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.04...
).
No bojo desta discussão, o Coren/SP instituiu, em dezembro de 2015, um grupo técnico para discutir o cuidado de enfermagem no âmbito da saúde mental. Uma das propostas oriunda de tais discussões foi a flexibilização para que a SAE pudesse ser inserida no PTS, de modo que o prontuário também siga a lógica interdisciplinar, já que a avaliação e a prescrição de cuidados da enfermagem fariam parte da avaliação dos outros profissionais(1515 Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo. Relatório do Evento do GT de Saúde Mental para as boas práticas de Enfermagem: Sistematização da Assistência de Enfermagem [Internet]. São Paulo: COREN/SP, 2016 [cited 20 de nov 2018]. Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/relatorio%20do%20evento%20sae%2001%2004%20%281%29.pdf
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-1616 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Norma técnica para atuação da equipe de enfermagem em saúde mental e psiquiatria. Anexo da resolução COFEN Nº 0599, de 19 de dezembro de 2018.).
A consolidação das recomendações propostas por esse grupo de trabalho favoreceria a interlocução das ações de enfermagem no trabalho interdisciplinar, contribuindo para que as ações técnicas advindas do modelo curativo fossem reorganizadas, ressignificadas e operacionalizadas sob a égide da atenção psicossocial.
A dificuldade dos enfermeiros reconhecerem sua identidade profissional especificamente no âmbito da saúde mental corrobora a legislação vigente, uma vez que são escassas as atribuições privativas delimitadas pelo Coren/SP ao enfermeiro se comparadas às atribuições deste profissional como integrante da equipe de saúde(1313 Presidência da República (BR). Lei n. 7.498 de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasilia (1986 jun. 26).).
Outra contribuição importante em relação à prática da enfermagem na saúde mental no âmbito corrente diz respeito à Resolução 599/2018 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), que delimita as competências da equipe de enfermagem, em um sinal de avanços desta profissão em sua apropriação prática e teórica na referida área. A Resolução destaca a competência gerencial, assistencial do enfermeiro, com foco em práticas sob a égide da atenção psicossocial, além de valorizá-lo como integrante ativo da equipe multiprofissional(1616 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Norma técnica para atuação da equipe de enfermagem em saúde mental e psiquiatria. Anexo da resolução COFEN Nº 0599, de 19 de dezembro de 2018.).
Apesar disso e corroborando os resultados do presente estudo, tal Resolução não deixa evidente que algumas práticas deveriam ser discriminadas como atribuições específicas desse profissional(1616 Conselho Federal de Enfermagem (BR). Norma técnica para atuação da equipe de enfermagem em saúde mental e psiquiatria. Anexo da resolução COFEN Nº 0599, de 19 de dezembro de 2018.). Isto é, entende-se que, mesmo diante de um rol de atividades interdisciplinares, há ações específicas que o enfermeiro necessita realizar para que tais atividades se concretizem. Nesse sentido, a consulta de enfermagem assume papel relevante, por propiciar a realização de práticas essenciais para a integração dos aspectos relacionados à saúde física e psicossocial.
São exemplos de práticas consideradas essenciais: contextualizar o planejamento dos cuidados e de reinserção social à condição sociofinanceira, identificar a rede de apoio para a reabilitação, certificar-se do entendimento do paciente sobre o uso dos psicofármacos e manejo dos possíveis efeitos colaterais, acompanhar eventuais variações de peso e dos sinais vitais decorrentes do uso dessas medicações, identificar problemas relacionados à libido no intercurso da doença e do tratamento medicamentoso.
Além disso, integram o rol de atribuições privativas passíveis de serem realizadas durante a consulta de enfermagem: orientar sobre as informações essenciais a serem fornecidas pelo usuário nas consultas com os demais profissionais e discutir possibilidades de adequação do estilo de vida às limitações impostas pelo transtorno ou pelo tratamento medicamentoso.
Ademais, observações de enfermagem nos diferentes contextos do setting clínico (oficinas, grupos, refeições, atividades de higiene e autocuidado e durante o sono/repouso), inclusive no domicílio e território, também são atribuições privativas essenciais para manter a integridade psicossocial, a saúde física e a reabilitação dos usuários.
Em relação ao despreparo para o manejo emocional dos pacientes, expresso por um dos participantes, pode sinalizar a necessidade de maior valorização das habilidades relacionais durante a formação de enfermeiros, tanto nas disciplinas que abordam a saúde mental na graduação quanto na formação de enfermeiros especialistas em saúde mental. Estudos prévios também têm apontado que muitos profissionais, mesmo tendo especialização na área, manifestam sentimentos semelhantes(33 Souza J, Luis MAV. Demands of mental health: nurses' perceptions of family health teams. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 23 Nov 2016];25(6):852-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6a05.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6...
-44 Cortes J, Barros S, Antonacci M, Chiavagatti F, Willrich J. Knowledge and practices that integrate the teaching psychiatric nursing from the perspective of faculty nurses. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2014 [cited 18 Jan 2017];(12):34-2. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n12/n12a05.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n12/n...
,1717 Souza MC, Afonso MLM. Knowledge and practices of nurses in mental health: challenges in face of the Psychiatric Reform. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015 [cited 2018 Feb 20];8(2):332-47. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8n2/v8n2a04.pdf
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-1818 Spagnuolo RS, Juliani CMCM, Spiri WC, Bocchi SCM, Martins STF. O enfermeiro e a estratégia saúde da família: desafios em coordenar a equipe multiprofissional. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2012 [cited 25 Feb 2018];11(2):226-34. Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/10445
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.p...
).
Sob tal premissa, entende-se que são necessários estudos adicionais para analisar as possíveis causas dessa lacuna entre teoria e prática que tem permeado as ações dos enfermeiros da área; certamente, questões relacionadas não apenas aos conteúdos, mas também às estratégias de ensino, têm contribuído para tal.
Por outro lado, a despeito das dificuldades de operacionalização do conceito de interdisciplinaridade e da frágil delimitação entre as ações de núcleo e de campo identificadas no presente estudo, os enfermeiros foram mencionados como facilitadores do cuidado interdisciplinar, mediadores de conflitos na equipe e das situações de cunho emocional, físico, familiar e coletivo em relação aos usuários, além de responsáveis por executar atividades de gestão/burocracia. Tais atividades ressaltam a importância desse profissional no cuidado psicossocial e sugerem a transcendência de seu papel outrora percebido como estritamente relacionado à saúde física(1717 Souza MC, Afonso MLM. Knowledge and practices of nurses in mental health: challenges in face of the Psychiatric Reform. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015 [cited 2018 Feb 20];8(2):332-47. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8n2/v8n2a04.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v8n...
).
O enfermeiro também foi citado como o profissional mais requisitado pelos usuários e pela equipe, o que corrobora inúmeros estudos prévios que o destacam como aquele mais próximo do paciente(1818 Spagnuolo RS, Juliani CMCM, Spiri WC, Bocchi SCM, Martins STF. O enfermeiro e a estratégia saúde da família: desafios em coordenar a equipe multiprofissional. Cienc Cuid Saude [Internet]. 2012 [cited 25 Feb 2018];11(2):226-34. Available from: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/10445
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19 Fracolli LA, Castro DFA. Nursing competence in the Primary Care: a focus on the humanization of the work process. Mundo Saúde [Internet]. 2012 [cited 2018 Dec 15];36(3):427-32. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/mundo_saude/competencia_enfermeiro_atencao_basica_foco.pdf
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20 Soares MI, Camelo SHH, Resck ZMR, Terra FS. Nurses' managerial knowledge in the hospital setting. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [cited 2018 Aug 16];69(4):676-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v69n4/0034-7167-reben-69-04-0676.pdf
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-2121 Fernandes MC, Silva LMS, Silva MRF, Torres RAM, Dias MSA, Moreira TMMM. Identity of primary health care nurses: perception of "doing everything". Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Mar 10];71(1):154-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71n1/pt_0034-7167-reben-71-01-0142.pdf
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).
A maior proximidade do enfermeiro com os usuários, tanto pelas atribuições relacionadas à saúde física quanto pelas ações do campo da saúde mental aludidas, merece destaque e denota a posição de centralidade que ele parece ocupar no cuidado do usuário. Nesse sentido, foi ressaltada sua habilidade em relação ao manejo das informações dos usuários que circulam entre os diferentes profissionais. Tal centralidade assume papel relevante para a elaboração do PTS e favorece a integração e resolutividade das ações da equipe.
Vale destacar que, ao contrário do modelo psiquiátrico tradicional, no qual a enfermagem era responsável pelas chaves dos hospitais e asilos(2222 Aranha e Silva AL, Fonseca RMGS. Work process in mental health and the psycosocial area. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2005 [cited 2016 Nov 22];13(3):441 49 Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v13n3/v13n3a20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v13n3/v13n...
), o enfermeiro foi descrito pelos participantes como “porta de entrada” e “referência” importante para o usuário no serviço.
Nota-se que a mudança da percepção do trabalho do enfermeiro acompanha a transição dos paradigmas da atenção biomédica para atenção psicossocial. No entanto, é importante ressaltar que que a política de saúde mental vem sofrendo fortes retrocessos, conforme oficializado na Resolução n° 32/2017 da Comissão Intergestores Tripartite e na Nota técnica n°11/2019 do Ministério da Saúde(2323 Ministério da Saúde. Nota Técnica nº 11/2019. Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Diário Oficial da União 2019.-2424 Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Resolução nº 32, de 14 de dezembro de 2017. Estabeleceu as Diretrizes para o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Diário Oficial da União 2017; 22 dez.). Tais normativas enfatizam o modelo ambulatorial de cuidado, centrado na medicalização e controle dos sintomas, em detrimento da reinserção social do usuário ou do cuidado holístico de suas necessidades, o que se contrapõe à perspectiva interdisciplinar e pode prejudicar o desempenho das ações de enfermagem nos serviços de saúde mental.
Salienta-se que a coleta de dados foi realizada anteriormente a essas normativas, logo os apontamentos dos participantes devem ser compreendidos considerando esta situação. No entanto, o fato de já terem referido pouca autonomia para execução de seu trabalho suscita uma reflexão importante e que continua sendo um ponto nevrálgico na discussão da atuação desse profissional nos diferentes contextos de cuidado, inclusive na saúde mental.
Nesse sentido, a campanha internacional Nursing Now, criada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional de Enfermeiros (CIE), tem como um de seus objetivos a sensibilização dos governantes para que estes valorizem o enfermeiro, tendo em vista a participação crucial deste profissional no alcance de metas globais de saúde(2525 Cassiani SHB, Lira Neto JCG. Nursing Perspectives and the "Nursing Now" Campaign. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2019 Mar 28];71(5):2351-52. doi:10.1590/0034-7167.2018710501
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201871...
).
A campanha vigente em mais de 30 países, apoiada atualmente pelo Conselho Federal de Enfermagem, estabeleceu como metas nacionais o aumento da visibilidade da profissão, o desenvolvimento da liderança, a busca de melhorias nas condições de trabalho para a classe e de maiores investimentos na formação dos profissionais. Dessa forma, tal campanha advoga por causas legítimas e pertinentes ao contexto político do país e espera-se que promova resultados positivos que certamente se refletirão também no trabalho em saúde mental(2626 Arcêncio RA. Nursing as the profession of the future and the foundation of universal health systems. Rev Latino-Am Enfermagem [Internet]. 2018 [cited 2019 Mar 28];26:e3063. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v26/pt_0104-1169-rlae-26-e3063.pdf
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).
Limitações do estudo
Quanto às limitações do estudo, cabe apontar o fato da amostra ser constituída apenas por profissionais. Entende-se que a inclusão de diferentes grupos de interesse propiciaria discussões mais aprofundadas sobre o fenômeno estudado. A despeito de tal limitação, foram utilizadas três diferentes técnicas de coletas de dados visando apreender a percepção dos participantes de distintas formas.
Contribuições para área da enfermagem
O presente estudo evidencia os desafios da autonomia profissional e destaca a importância da discussão sobre algumas ações imprescindíveis para o cuidado de enfermagem no campo da saúde mental. Além disso, revela que as consultas de enfermagem e a observação nos diferentes settings de cuidado representam momentos cruciais para a consolidação de tais ações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação às ações específicas do enfermeiro, identificou-se que, pelo fato da saúde mental ser uma área na qual são requeridas, prioritariamente, ações interdisciplinares sob a égide psicossocial, persistia entre os participantes certa dificuldade na delimitação das ações dos núcleos profissionais no âmbito da saúde mental.
Do conjunto de ações específicas do enfermeiro, os participantes referiram, principalmente, os cuidados com o corpo e com a saúde física, questões que historicamente remetem aos primórdios da enfermagem psiquiátrica. No entanto, este profissional também foi mencionado como “porta de entrada” para o cuidado, facilitador e integrador de ações e como aquele que tem mais contato com o usuário, o que denota uma provável mudança de percepção em relação ao papel tradicionalmente atribuído a esta profissão.
Em termos de reflexividade, destaca-se o fato do estudo ter sido desenvolvido por enfermeiras. Isto, por um lado, enriqueceu o bojo das discussões ampliando questões previamente apontadas por outros estudos e contribuindo para o avanço da prática, mas, por outro, pode ter culminado em vieses decorrentes da vivência destas pesquisadoras em relação às questões discutidas.
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4Cortes J, Barros S, Antonacci M, Chiavagatti F, Willrich J. Knowledge and practices that integrate the teaching psychiatric nursing from the perspective of faculty nurses. Rev Port Enferm Saúde Mental [Internet]. 2014 [cited 18 Jan 2017];(12):34-2. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpesm/n12/n12a05.pdf
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jul 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
06 Set 2019 -
Aceito
27 Abr 2020