Open-access Pessoal de saúde, relações familiares e codependência de substâncias psicoativas: uma abordagem fenomenológica

RESUMO

Objetivos:  refletir sobre o cotidiano dos familiares codependentes de substâncias psicoativas e o papel dos profissionais de saúde na Atenção Básica.

Métodos:  investigação descritiva delineada na abordagem fenomenológica de Maffesoli, realizada em uma Unidade Básica de Saúde mineira com oito familiares codependentes de substâncias psicoativas. Foram coletados dados de caracterização sociodemográfica e entrevistas em profundidade, que foram analisadas com apoio do software NVivo Pro11®. Atenderam-se os aspectos ético-legais.

Resultados:  o profissional mais mencionado no discurso das participantes foi o médico, que assumiu uma dubiedade de papéis junto aos demais profissionais de saúde: de acolhimento (percepções positivas sobre a assistência recebida) e de descaso (percepções negativas).

Considerações Finais:  a dependência de substâncias psicoativas acarreta ônus à pessoa, aos seus familiares e aos profissionais de saúde. É indissociável o papel do estabelecimento de boas relações na tríade profissionais-usuários-familiares da Atenção Básica em prol do tratamento e preservação da saúde mental dos envolvidos.

Descritores: Codependência; Relações Familiares; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Pessoal de Saúde; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objectives:  to reflect on the daily life of family members dependent on psychoactive substances and the role of health professionals in Primary Care.

Methods:  a descriptive investigation outlined in Maffesoli’s phenomenological approach, carried out at a Basic Health Unit in Minas Gerais with eight family members dependent on psychoactive substances. Sociodemographic characterization data and in-depth interviews were collected and analyzed with support of NVivo Pro11® software. All ethical and legal aspects were met.

Results:  physicians were the professionals most mentioned in participants’ statements, who took on a dubious role with other health professionals: welcoming (positive perceptions about care received) and neglect (negative perceptions).

Final Considerations:  dependence on psychoactive substances imposes a burden on persons, their family members and health professionals. The role of establishing good relationships in the triad professionals-users-family members of primary care is inseparable in favor of treatment and preservation of their mental health.

Descriptors: Codependency; Family Relations; Substance-Related Disorders; Health Personnel; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivos:  reflexionar sobre el día a día de los familiares dependientes de sustancias psicoactivas y el papel de los profesionales sanitarios en Atención Primaria.

Métodos:  investigación descriptiva perfilada en el abordaje fenomenológico de Maffesoli, realizada en una Unidad Básica de Salud en Minas Gerais con ocho familiares dependientes de sustancias psicoactivas. Se recolectaron datos de caracterización sociodemográfica y entrevistas en profundidad, que fueron analizadas con el apoyo del software NVivo Pro11®. Se cumplieron los aspectos éticos y legales.

Resultados:  el profesional más mencionado en el discurso de los participantes fue el médico, quien asumió un rol dudoso con el resto de profesionales de la salud: acogida (percepciones positivas sobre la asistencia recibida) y desatención (percepciones negativas).

Consideraciones Finales:  la dependencia de sustancias psicoactivas supone una carga para la persona, sus familiares y los profesionales sanitarios. El papel del establecimiento de buenas relaciones en la tríada profesionales-usuarios-familiares de Atención Primaria es inseparable a favor del tratamiento y preservación de la salud mental de los implicados.

Descriptores: Codependencia; Relaciones Familiares; Trastornos Relacionados con Sustancias; Personal de Salud; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

A dependência de substâncias psicoativas (SPAs) se configura no cenário atual como um grave problema de saúde pública mundial. Este se caracteriza pela situação em que uma pessoa depende do uso contínuo de drogas como meio de fuga de situações desagradáveis em seu cotidiano, ou para se sentir aliviada de suas tenções, não possuindo controle sobre o consumo dessas SPAs, apesar de todos os transtornos pessoais e prejuízos às relações sociais e interpessoais adquiridos(1-2).

O relatório mundial sobre o uso abusivo de SPAs estima que ± 250 milhões de pessoas possuem transtornos devido ao uso de drogas, correspondendo a 5% dos adultos no mundo. Tal problemática alarmante se agrava quando 30 milhões de pessoas convivem com algum tipo de sofrimento mental decorrente do uso de SPAs. Cabe mencionar ainda os altos índices de mortalidade (52 mil mortes em 2015)(3) e o número de novos casos de infecções pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e Hepatite C, adquiridos sexualmente e/ou devido ao uso de drogas injetáveis(3-4).

Nesse contexto, é indissociável o papel dos familiares na recuperação de usuários de SPAs, porém o desgaste vivenciado cotidianamente os expõe a vulnerabilidades físicas e psicológicas. Por vários momentos, eles se sentem impotentes devido a poucas informações recebidas e/ou despreparo percebido decorrente da baixa rede de apoio recebido para o fortalecimento de suas estratégias de enfrentamento. Isso justifica o fato de o familiar se tornar um “doente” em potencial, mediante o risco de acometimento por comorbidades biopsicossociais, como a codependência(5).

A codependência, dependência sentimental ou emocional, ocorre devido a situações relacionais desenvolvidas entre familiares e o dependente de SPA. Ocorre uma inabilidade em sustentar situações relacionais e manter uma linearidade de relações intrínsecas/extrínsecas, colaborando com malefícios à pessoa codependente(6). O cotidiano vivido é permeado por sofrimento psicológico e tensões, que se soma à falta de orientações profissionais percebidas como capazes de ampliarem a possibilidade de adoecimento pessoal vinculada à codependência(7).

A Atenção Primária à Saúde (APS) é a porta de entrada prioritária aos serviços de saúde para a pessoa dependente de SPAs e de seus familiares codependentes, e o enfermeiro é uma peça estratégica na linha de frente dos serviços de Atenção Básica (AB)(8-9). Destarte, fazem-se necessárias reflexões a respeito do papel deste profissional na gestão do cuidado aos familiares codependentes de SPAs, uma vez que as demandas apresentadas, em sua maioria, assumem um caráter subjetivo, que dependerá de estratégias profissionais, como escuta qualificada e sensível, visão holística, acolhimento e humanização, que visem ao estabelecimento do elo terapêutico na tríade enfermeiro-usuário-familiar. Por meio dessas necessidades, cabe ao enfermeiro planejar ações que busquem o reforço a estratégias de enfrentamento e de promoção da qualidade de vida(10).

Diante do exposto, em observância das diferentes situações cotidianas nas relações interpessoais na tríade usuário-familiar-profissional de saúde no enfrentamento da dependência de SPAs, justificou-se a realização da presente investigação. Cabe mencionar, ainda, uma aproximação do objeto investigado à chamada temática “Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental”, uma vez que os resultados deste estudo contribuem para reflexões sobre o panorama atual de sofrimento psíquico dos adictos, de seus familiares codependentes e de suas relações com os profissionais de saúde e de enfermagem no que concerne às condições de trabalho e/ou relações cotidianas estabelecidas na relações interpessoais e assistenciais relacionadas a tríade profissionais-adictos-familiares.

Sendo assim, foi elaborada a seguinte questão de investigação: qual o papel dos profissionais de saúde inseridos no contexto da AB em relação ao cotidiano dos familiares codependentes de SPAs? Portanto, o objeto delineado nesta investigação foi o cotidiano dos familiares codependentes de SPAs e o papel dos profissionais de saúde na AB.

OBJETIVOS

Refletir sobre o cotidiano dos familiares codependentes de SPAs e o papel dos profissionais de saúde na AB.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Foram atendidos todos os requisitos éticos e legais de pesquisa em seres humanos, sendo a investigação matriz aprovada em 30/01/2018. A aquiescência dos participantes externada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pós-esclarecimento de objetivos, finalidades da pesquisa e potenciais riscos/benefícios de sua participação. O anonimato foi garantido mediante o estabelecimento de codinomes (ex: Abigail).

Tipo de estudo

Trata-se de investigação qualitativa descritiva delineada na abordagem fenomenológica conforme referencial de Michel Maffesoli. Tal abordagem permite aos pesquisadores compreender os fenômenos por meio de uma lógica existencialista, que leva em consideração não apenas o momento, mas toda uma história cotidiana que se desvela a cada dia, a todo instante. Ela possibilita ao pesquisador um aprimoramento em sua forma de viver, orientando-o para uma expertise a fenômenos corriqueiros, mas nunca vistos em sua essência e singularidade(11-12). Foram atendidos os critérios do COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ).

Procedimentos metodológicos

O instrumento de coleta foi estruturado em: 1) caracterização sociodemográfica; 2) entrevista individual em profundidade com gravação de áudio; 3) diário de campo contendo os registros das observações e conteúdos relevantes, feitos imediatamente após o término de cada entrevista, conforme considerações do entrevistador durante a coleta de dados.

Cenário do estudo

Pesquisa realizada em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) da Zona da Mata Mineira, Brasil. Trata-se de uma região sanitária de saúde coberta pela Estratégia Saúde da Família (ESF) do Sistema Único de Saúde (SUS). A população estimada da área é de 6.612 pessoas com vulnerabilidades socioeconômicas e elevados índices de violência associada ao narcotráfico(13).

Fonte de dados

Foram critérios de elegibilidade ser familiar de dependente de SPAs e ter idade ≥18 anos. Foram critérios de exclusão não ser o cuidador principal da pessoa dependente de SPA, não residir com o dependente, externar desejo de interromper sua participação ou adiar o agendamento de coleta por ≥ três abordagens.

Os potenciais participantes foram recrutados pelo pesquisador principal por meio de convite individual em domicílio. A amostragem por conveniência ocorreu por meio de um cadastro prévio de 20 dependentes de SPAs pertencentes à área de abrangência da UBS investigada. Foram 12 perdas justificadas por recusa destes familiares codependentes, sendo inclusos oito (N=08) participantes.

Coleta e organização dos dados

Foram realizadas por um dos pesquisadores, mestrando em enfermagem, previamente treinado, que construiu vínculos prévios com os potenciais participantes, motivado pela sua inserção em visitas domiciliares realizadas junto aos profissionais, sendo reconhecido pelos potenciais participantes como integrante da equipe da UBS. Isso lhe favoreceu a abordagem requerida pela entrevista individial em profundidade e compreensiva de Maffesoli.

Foram questões norteadoras elaboradas previamente pelos pesquisadores com base nos referenciais teórico-metodológico adotados e objetivo de investigação pretendido: como é, para você, o cotidiano na convivência com um familiar dependente químico e os cuidados direcionados a ele? Mediante essa problemática envolvendo o seu familiar dependente, como você avalia o suporte dado pelos profissionais de saúde e serviços oferecidos pela UBS? Conte-me algum fato vivenciado envolvendo você ou alguém com quem você se relaciona sobre a atuação dos profissionais de saúde da UBS no atendimento ao usuário dependente químico e aos familiares dele.

As entrevistas individuais em profundidade, em abordagem única com gravação de áudio (duração de ±60 minutos), ocorreram no período de fevereiro a julho de 2018, sendo a durabilidade de seis meses de coleta justificada pelas dificuldades de agendamento por parte dos Agentes Comunitários de Saúde. Utilizou-se Open Data Kit (ODK) 2.0 para o registro das variáveis de caracterização e dos conteúdos do diário de campo registrados imediatamente ao final da entrevista gravada. Essa estratégia reduziu vieses de transcrição de dados ou omissão de informações(14).

Análise dos dados

Os dados de caracterização foram tratados em software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 24, analisados com estatística descritiva (tendência central e dispersão). Os conteúdos das entrevistas foram consolidados e analisados através das unidades de análises sistematizadas em uma perspectiva compreensiva do cotidiano. Para a captação do fenômeno investigado, na perspectiva individual, seguiram-se as fases de “intuição” e “metáfora”, de modo que a abordagem fenomenológica ocorresse com consistência teórica, visando à compreensão do ser humano em sua integralidade existencial complexa na visão específica dos participantes, evitando-se viés ou suposições dos pesquisadores(11-12).

A análise dos conteúdos gravados, após sua transcrição na íntegra, foi realizada de modo a favorecer uma aproximação, assimilação e compreensão do cotidiano do codependente ao conviver com um familiar dependente de SPAs e suas relações com os profissionais de saúde no contexto da APS. O tratamento dos discursos dos participantes ocorreu com o apoio do software NVivo Pro11®, com o estabelecimento das categorias de análise (unidades de registro e de análise) com base nos codificadores, definição dos temas emergidos dos dados.

O adensamento teórico foi confirmado mediante a repetição e frequência com que emergiram os conteúdos e a ausência de novas informações complementares ao objeto investigado, expressando assim a saturação de dados. Esta foi confirmada mediante a sua capacidade em refletir, em quantidade e intensidade, as múltiplas dimensões do fenômeno investigado, garantindo qualidade e integração(15).

RESULTADOS

O perfil de caracterização sociodemográfica das participantes foi: oito (100%) mulheres com idade média de 56 anos (variabilidade de 33 a 72 anos); cor de pele autodeclarada - quatro (50%) negras e quatro (50%) brancas; estado civil - cinco (62,5%) eram casadas, duas (25%) eram viúvas e uma (12,5%)era solteira; escolaridade - quatro (50%) tinham ensino fundamental, duas (25%) tinham ensino médio e duas (25%) tinham superior completo; profissão - cinco (62,5%) eram do lar, duas (25%) eram aposentadas e uma (12,5%) trabalhava no comércio; religião - seis (75%) eram católicas, uma (12,5%) era evangélica e uma (12,5%) era espírita. Quanto ao grau de parentesco com o dependente de SPAs, três (37,5%) eram avós, duas (25%) eram mães, duas (25%) eram irmãs e uma (12,5%) era esposa.

No que tange à percepção dos familiares codependentes de SPAs em relação ao posicionamento/atuação dos profissionais de saúde da AB frente à problemática do enfrentamento familiar na convivência cotidiana com um adicto, evidenciou-se insatisfação em relação ao suporte profissional, considerado falho, mecanicista, superficial e não resolutivo. As participantes destacaram falhas em: acolhimento dos profissionais da AB, atendimento de saúde na UBS com descaso e ausência de humanização, busca ativa ineficaz e dificuldades de acesso aos serviços. Esses fatores corroboraram para uma visão ruim do SUS, justificando a busca por planos de saúde privados.

O profissional mais mencionado foi o médico, que assumiu, no discurso das participantes, uma dubiedade de papéis: de acolhimento (percepções positivas sobre a assistência recebida) e de descaso (percepções negativas sobre a assistência recebida) (Quadro 1). Entretanto, um profissional, que aqui recebeu o codinome de “Anjo”, foi apontado pelas participantes como médico acolhedor. É importante ressaltar que esse profissional, além de médico de família, era especialista em psiquiatria. Esse profissional foi caracterizado como sendo um “acalento” para as participantes, e se sobressaiu nos discursos como acolhedor, carinhoso, com escuta ativa e qualificada, sensível e com um olhar diferenciado para as pessoas. Algumas participantes referiram, ainda, o recebimento de suporte de serviços de saúde externos à UBS, com orientações técnicas em uma abordagem subjetiva e acolhedora.

Quadro 1
Esquema representativo da análise fenomenológica compreensiva segundo os oito familiares codependentes de substâncias psicoativas, Brasil, 2018

Em relação ao descaso relatado pelas participantes, predominou no discurso delas o não recebimento de apoio e o sentimento de falta de acolhimento. Relataram um acolhimento superficial, informaram que não gostam de “ir ao médico”, e a normativa de “renovação de receitas” se mostrou geradora de desgosto em relação ao atendimento mecanizado e padronizado no serviço de saúde. O descaso e o desamparo por parte de alguns profissionais, que, segundo elas, agiram de forma indiferente e com total desrespeito para com os usuários, justificando seus sentimentos de desconforto, a quebra de vínculo profissional-usuário e corroboraram para o agravamento do quadro de saúde, debilitando o processo de enfrentamento cotidiano. Tais situações contribuíram para o afastamento e a quebra de vínculos na tríade profissional-adcto-familiar nos serviços de AB.

No Quadro 1, foi apresentado a análise fenomenológica compreensiva resultante da entrevista individual em profundidade.

Algumas participantes, também, relataram insatisfação com o atendimento prestado devido a outros problemas enfrentados, como a longa espera por exames, às vezes por anos, e/ou não realizados, dificuldade de acesso ao atendimento em decorrência de condições frágeis de saúde, que deu margem à busca por planos privados, demandas estas que poderiam ser resolvidas na UBS.

Outras situações apontadas pelas participantes diziam respeito ao atendimento superficial, consultas orientadas pelo modelo biomédico, com enfoque biológico e prescritivo. Esses momentos foram considerados repetitivos mediante a afirmação de que elas já conheciam a rotina do atendimento, antes mesmo que ele acontecesse, o que reflete uma ideia de redução, mecanização do atendimento e uma abordagem superficial.

DISCUSSÃO

Os profissionais da APS devem atuar conforme as demandas objetivas e subjetivas que envolvem a complexidade da individualidade humana e ter como foco a dupla vertente da vida, coletiva ou individual(1,3,8-9,16). Concomitantemente, devem zelar pelo cuidado singular das pessoas em seu cotidiano e inovar em ações de cuidado presentes no contexto individual, de modo a incrementá-las no convívio social, para que as pessoas possam conhecer a si mesmas e ser reconhecidas em sua totalidade(12,16). As intervenções devem ser baseadas em uma práxis que não aborde apenas os problemas físicos, mas que seja capaz de dar sentido à vida das pessoas, acolhê-las em suas demandas, com o compromisso de impactá-las positivamente(16-17).

Salienta-se que os profissionais de saúde, em geral, especificamente os da AB, demonstram, em sua maioria, despreparo no manejo para lidar com a pessoa adicta e seus familiares, em decorrência de falhas no processo de formação desde a sua graduação. A formação predominantemente biologicista impacta de forma direta a atuação profissional enquanto modelo intimamente ligado ao tratamento da doença e dos sinais/sintomas físicos. Os profissionais tendem a executar ações simples, reducionistas, curativistas, se prendendo a questões objetivas, palpáveis e visíveis. O modelo biomédico conduz os profissionais de modo a não perceberem as subjetividades das pessoas que se colocam diante deles, passando despercebido o sofrimento subjetivo e individual(17).

Dada a complexidade dos serviços de saúde e o enraizamento desse modelo, a centralidade da figura médica e a sua imagética de poder exercido sobre as situações de vida e morte advêm com o passar do tempo e avanços da sociedade(17-18). Essa visão colocou a medicina no centro dos serviços em saúde, e isso aconteceu pois seu trabalho e suas decisões impactam e definem diretamente a forma como as pessoas devem ser conduzidas a viver, em uma estratégia biopolítica evidenciada desde a origem da medicina(10,16,18). Desse modo, a medicina detém o poder de esquadrinhar, medicalizar, separar e influenciar as pessoas, controlando tempo e espaço, bem como de atribuir níveis de valor à vida humana, afetando suas subjetividades e formas de enfrentamentos no âmbito biopisicosocial no contexto da AB(16,18).

Romper com o modelo hegemônico/milenar é requer dos profissionais/serviços de saúde esforços conjuntos e interdisciplinares que superem uma visão reduzida, enraizada no biologicismo. Faz-se necessário valorizar o não dito/percebido e enaltecer a singularidade do outro, desprendendo-se de preconceitos, bem como aproximar profissionais/usuários, favorecendo um atendimento humanizado, criando vínculos, confiança e (com)partilhamentos de forma que ambos se aprimorem e desenvolvam as relações interpessoais. Os impactos diretos na vida de ambos envolvem o feeling profissional para a dimensão subjetiva, com aptidão para acolher o sofrimento alheio(19-20).

Essas características descrevem uma inclinação para a intuição de determinadas situações, de forma que os profissionais sejam convidados a assumir uma postura empática e solidária diante do outro. Espera-se que esta se dê por meio de uma relação horizontal, que permita que os envolvidos tomem conhecimento da vida do outro, captem elementos e essências e acolham de forma respeitosa e sensível a subjetividade do outro e sua vivência, compreendida por meio dele próprio(11-12). Assim, são estabelecidas linhas de cuidado em prol da valorização da vida(16).

A AB requer competências, habilidades e qualidades profissionais para atender às demandas objetivas, porém são imprescindíveis competências subjetivas, como a empatia, para acolher integralmente os usuários dos serviços de saúde(8-9,13,16-17). No despreparo profissional, ao acolherem demandas que envolvem a complexa e densa subjetividade do outro, apresentam-se falhas de interação, acolhimento e entendimento do que levou o outro até o serviço de saúde(16-17,19-20).

O profissional dotado de capacidade de acolher o outro de forma integral e multidimensional consegue realizar tal ação mediante o conhecimento de si e de seu processo de trabalho. Quando o profissional tem a noção do sentido do seu trabalho, ou seja, a sua práxis, e reconhece sua essência, identidade profissional, limitações e potencialidades, torna-se capaz de se sensibilizar e se colocar no lugar do outro, oferecendo um atendimento digno em saúde, com escuta qualificada e solidária(19).

Na AB, o profissional deve ser capaz de correlacionar o cuidado atrelado a uma escuta ativa, integral e de acordo com os princípios do SUS, de modo a direcionar suas ações para uma lógica inclusiva que seja capaz de rebuscar a essência das pessoas(8-9,20). Ressalta-se que o profissional que não é capaz de lançar sobre o outro um olhar diferenciado, em uma lógica interacionista e emancipatória, irá executar ações mecanicistas, vazias, sem troca e sem desenvolvimento humano(16-18,20).

A interação na tríade profissional-usuário-familiar ocorre com sucesso quando a interação é satisfatória para todos, vivenciada por meio de atendimento e acolhimento sustentados pelo respeito mútuo, por solidariedade genuína, em que se dão a oportunidade de compartilhar momento juntos(2,5-6,21). Mais do que uma interação profissional, é um momento de criação de vínculo, de conhecimento e reconhecimento do outro como um ser com potencialidades e limitações capazes de estabelecer uma relação horizontal que beneficie e colabore para o crescimento e desenvolvimento humano(5,19-21).

Quando as pessoas se percebem vistas de forma integral e única pelos profissionais, sentem-se alegres, satisfeitas e importantes, o que propicia uma relação de segurança e confiança, permeada por comprometimento dessas pessoas ao se sentirem completamente acolhidas e amparadas pelo serviço de saúde(2,8-9,16-17,20). Por outro lado, o manejo clínico em uma esfera objetiva, centrada no modelo biomédico, corrobora para que os profissionais atuem segregando o sofrimento psíquico do corpo biológico(9,16,20). Isso invalida as abordagens multidimensionais e reduz os usuários à sua patogenia, resultando em comportamentos hostis nas relações de cuidados(16,18,20).

Uma possível falta de comprometimento com o cuidado profissional, associada à inaptidão para o acolhimento subjetivo, que requer ações que perpassem a clínica ampliada, contribui para uma percepção negativa por parte do usuário, sua família e comunidade a respeito dos profissionais de saúde e do serviço de saúde, colocando em risco a imagem de seriedade e comprometimento dos profissionais que atuam em prol da garantia do acesso à saúde da população(17,21-22).

Essa falta de comprometimento profissional pode fragilizar a Rede de Atenção em Saúde (RAS). Ela objetiva realinhar o SUS de forma que as linhas de atenção em saúde conversem entre si e deem conta das demandas cotidianas enfrentadas pelo sistema, propondo medidas eficazes capazes de oferecer um atendimento em saúde que se aproxime do idealizado. Sendo assim, ela conclama alterações drásticas no modelo existente, direcionando as ações para o suprimento das demandas da população nos diferentes níveis de saúde(23).

Contudo, vale destacar que a RAS e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) são linhas de cuidado interdependentes que visam a um atendimento digno às pessoas em sofrimento mental, e são políticas públicas de saúde para a garantia do atendimento integral e humanizado a essas pessoas. As ações incluem a capacitação profissional, educação permanente em saúde, visando reduzir falhas de comunicação e resistências profissionais numa lógica que fuja aos padrões biomédicos(23-24).

Inúmeros desafios são enfrentados para a garantia da saúde universal, igualitária e equitativa, sendo que esses entraves se configuram nos âmbitos político, social e econômico. É inegável que, para o funcionamento eficaz dos serviços, é necessário interesse político por parte dos governantes. De forma direta, quando a AB não consta como prioridade política, ocorre uma reação em cascata de fragilização local da RAS enquanto serviço público e gratuito, uma vez que, sem investimentos e com estrutura precária, a AB não consegue garantir um atendimento satisfatório dentro do preconizado(25).

O realinhamento na qualidade dos serviços e atendimentos prestados à população, bem como melhores condições de trabalho, minimização da sobrecarga de trabalho, capacitação constante para lidar com demandas diversificadas, obtenção de suporte intersetorial para a tomada de decisão, melhorias nos mecanismos de referência e contrarreferência, precisa ser priorizado. O enfoque deve envolver ações de promoção de saúde e prevenção de doenças como um desafio a ser enfrentado pela AB, que requer dos profissionais medidas inovadoras e assertivas, apesar do déficit em condições de trabalho, recursos materiais/insumos e número insuficiente de profissionais capacitados(19-20,25).

A falta de profissionais aptos para o trabalho na AB, que é “básica” apenas no nome, revela falhas no ensino em todos os cursos em saúde, com currículos engessados, disciplinas desintegradas e ainda com enfoque voltado às doenças, distanciado da realidade cotidiana de experiências e vivências em loco. Isso faz com que o profissional desconheça a realidade e, por vezes, não associe criticamente teoria e realidade de forma problematizada, de modo que o atendimento em saúde pudesse ocorrer com seguridade, resolubilidade e parcimônia(25-26).

Contudo, ressalta-se que um dos maiores desafios é a articulação efetiva entre AB, pessoa, família e comunidade. O não entrosamento entre estes propicia o surgimento de iniquidades e desigualdades em saúde, a exemplo da busca ativa, que, na ESF, objetiva um atendimento autônomo protagonizado pela pessoa assistida(9,16,27). Porém, isso só é efetivo quando o profissional dispõe de comprometimento, reconhecimento de sua identidade profissional e satisfação no trabalho, quesitos que facilitam a superação de desafios inerentes à AB. Assim, torna-se um agente ativo mediador das ações de promoção de saúde e prevenção de doenças(7,17,23,27).

Cabe mencionar que, visando diminuir iniquidades em saúde e demora no atendimento, bem como ampliar serviços, foi criado o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Essa é uma iniciativa para elaborar propostas que contribuam positivamente para a AB, sendo um direcionador dos serviços de saúde em nível primário(9).

Nos serviços de saúde, os usuários anseiam por um bom atendimento da equipe profissional, que seja positivo e resolva de fato o seu problema(8-9,28). De forma sócio-histórico-filosófica, as relações em saúde ocorreram baseadas na lógica de uma compaixão piedosa, que enfatiza e fortalece o poder profissional sobre o usuário por meio de uma relação que segrega e alimenta a dependência da pessoa fragilizada em relação ao profissional(29). Propõe-se uma relação profissional-usuário de forma solidária, que valorize a essência do ser humano e seja capaz de gerar trocas e compartilhamentos, com uma postura empática e desprovida de interesses(10,17,20,29).

Em busca dessa lógica solidária, os profissionais da AB deveriam reconhecer o acolhimento como um momento único, não sendo entendido como quantidade de atendimentos, direcionamentos, solicitação de exames ou medicalização. Há de se ponderar que a AB possui diferentes entraves no cuidar, descritos anteriormente e que são geradores de barreiras no acesso aos serviços de saúde. Isso corrobora para uma visão negativada dos usuários sobre os profissionais e serviços, uma vez que eles não se sentem realizados/satisfeitos, e suas demandas, por vezes, não são resolvidas ou são resolvidas parcialmente, e, quando atendidas integralmente, demandaram muito tempo e persistência(30).

Faz-se necessária uma abordagem de forma holística, capaz de gerar uma recaracterização das pessoas, em um processo de subjetivação, afirmação da identidade e potencialidades do outro, mediador para que a pessoa cuidada seja protagonista de sua história, autônoma e capaz de decidir por si mesma(28). Uma estratégica que poderia ir na contramão do sistema esquadrinhador e segregacionista que outorga valores à vida e à condição humana é o conhecimento e o trabalho por meio da perspectiva da clínica ampliada e solidária que objetiva trabalhar as pessoas como elas são, garantindo seu processo de subjetivação e a valorização da pessoa como única e capaz de se responsabilizar por sua própria vida, sendo agente transformadora da realidade(16-17,20).

O conceito de clínica ampliada deve ser executado por meio de um exercício diário, pois, diante da complexidade e densidade do encontro com o outro, é preciso ser capaz de oferecer respostas inovadoras, resolutivas e abrangentes às necessidade deste de forma redirecionadas através do diálogo na tríade profissional-usuário-familiar(16,25,30).

Os profissionais de saúde no atendimento de pessoas em sofrimento psíquico ou com alguma demanda subjetiva, por vezes, não conseguem ir além da dimensão física do ser assistido. Apresentam profunda angústia por não saberem lidar com a complexidade da subjetividade do outro, se veem limitados por sobrecarga de trabalho, escuta qualificada prejudicada e dificuldades no manejo de sentimentos e problemas extrafísicos que acometem os usuários. Eles utilizam, no acolhimento, tecnologias consideradas duras para dar conta do que é subjetivo, a exemplo da medicalização(31).

O atendimento ligado à AB em saúde mental deve promover saúde e garantir assistência integral às pessoas, sem estigmatizar, hostilizar, segregar ou tratar com superficialidade, pois tais posturas impactam negativa e diretamente as pessoas com demandas de cuidados ligados à saúde mental, e, no caso de uso de SPA, envolve situações mais complexas, como a não compreensão disso como uma doença. A adicção é assimilada como ociosidade, falta de interesse pelo trabalho e improdutividade. As pessoas dependentes e seus familiares são frequentemente marginalizados pela sociedade como se fossem os responsáveis por estarem e quererem ficar naquela situação e, portanto, necessitam da intervenção de diversos setores da sociedade(24,31).

Em relação ao usuário de SPA e seus familiares, os profissionais de saúde necessitam mostrar posição empática, de interesse e compreensão, com uma escuta qualificada, que vise à troca de informações e objetive a garantia de ferramentas, para que os mesmos sejam capazes de atuar no cotidiano. Dessa forma, o profissional se coloca, até se esgotarem todas as possibilidades de tratamento, como mediador e uma referência de orientação para a família e comunidade(17,31).

A falta de informações oriundas das relações profissionais frente a uma problemática corrobora para o sentimento de impotência dos familiares codependentes, e os impede de atuar de forma ágil e assertiva, ficando desorientados e estagnados por não saberem como agir. A falta de informações relacionadas à adicção por parte dos profissionais, usuário, família e comunidade contribui para a expansão do quadro de drogadição. Nesse contexto, espera-se do profissional de saúde o enfrentamento da adicção, juntamente com os familiares do usuário, portando habilidades, como empatia, acolhimento, solidariedade, conhecimentos sobre o tratamento por meio da clínica ampliada e atitudes resolutivas e articuladas aos demais serviços especializados(19,32).

Um acolhimento eficaz é aquele capaz de gerar sentimento de satisfação e alívio no usuário em relação à demanda que o levou a buscar o atendimento, bem como de abranger outros aspectos e dimensões que surpreenderam o usuário. O usuário se sente confortável em se abrir com o profissional, pois o reconhece não como superior, mas como solidário ao seu problema central e disposto a acolher a sua subjetividade e garantir sua autenticidade e potencialidade, com respeito mútuo e igualdade. O profissional deve mediar a autonomia do sujeito, concedendo-lhe conhecimento e informação para sua liberdade cidadã(31), em conformidade com a Política Nacional de Humanização (PNH)(33), respeitando os princípios e diretrizes do SUS, com vistas à minimização das iniquidades em saúde(8-9,24) por meio do equilíbrio entre as diferentes tecnologias do cuidado (leves, leve-duras e duras)(9,31).

Nesse contexto, a atuação da equipe interdisciplinar é fundamental, com destaque para o enfermeiro, por possuir competências integrais para a prestação de cuidados a todas as pessoas junto à equipe interdisciplinar nos diferentes níveis de complexidade e perfis de adoecimentos. A enfermagem desempenha, na APS, o papel de liderança frente à comunidade e UBS, ocupando, na maioria das vezes, o cargo de gerência do serviço. Faz-se necessário que o enfermeiro execute o processo de trabalho de forma sistematizada, que supere as demandas burocráticas, posicione-se como responsável pelo cuidado de forma eficiente, embasado legalmente, e que propicie o protagonismo do cuidado à pessoa assistida(34).

Entre os motivos que levam à insatisfação dos usuários da AB, cabe menção a: longas esperas no atendimento, dificuldade na marcação de consultas, limitação de atendimento por demanda espontânea e situações que envolvem os profissionais (falta de empatia, inaptidão no acolhimento, atendimento superficial, uso de tecnologias duras medicalizadoras, ausência de toque terapêutico)(35).

Os usuários apontam o despreparo profissional e a falta de motivação para realização do acolhimento como complicadores e barreiras no acesso aos serviços de saúde. Pela percepção negativa sobre o acolhimento, os usuários tendem a não se sentir satisfeitos, e, pelo fato de haver uma relação de poder subentendido, os mesmos tendem a se silenciar e criar obstáculos para atendimentos futuros em decorrência das situações negativas vivenciadas(30-31,35).

Em contrapartida, um atendimento humanizado colabora para uma percepção positiva por parte dos usuários em relação aos profissionais e ao serviço prestado, sendo relatadas qualidades, como respeito, empolgação e motivação do profissional, interesse em sua demanda, contato visual, atenção profissional ao que está sendo falado, expressão corporal acolhedora, toque terapêutico, tempo de atendimento e eficiência(30-31,33). Essa postura deveria ocorrer do início ao fim do atendimento, incluindo a busca ativa, uma vez que os usuários se sentem satisfeitos, importantes, acolhidos pela equipe, avaliam os resultados como afetivos e geradores de bem-estar(32).

Nessa perspectiva, as ações em saúde se voltam mais ao subjetivo, promovem uma estabilidade no atendimento de forma que se complementam as ferramentas/tecnologias utilizadas no cuidado, efetivam o acolhimento, permitem a criação de vínculo, facilitando a gestão estratégica participativa e a cogestão do cuidado entre os envolvidos(32-33), mediada por um acolhimento humanizado que potencializa a autonomia dos usuários em relação à sua própria saúde e território, aproximando-se do atendimento integral idealizado pelo SUS e a PNH(23,33).

O entrosamento entre os diferentes atores sociais propicia a valorização e a fortificação de ações no nível da AB, estabelecendo uma parceria em forma de grupos acolhedores e iniciativas de pequenos grupos por meio de oficinas(8-9). A UBS adquire uma sintonia com a comunidade e estabelece vínculos de confiabilidade e fidelidade, nos quais se relaciona de maneira interdependente, consolidando os princípios do SUS e a importância social na produção de saúde(30-32).

Cabe enfatizar as peculiaridades em relação ao atendimento dos dependentes de SPAs e seus codependentes. Os profissionais não se sentem preparados para acolher essa demanda, por ser complexa e envolver outras questões que fogem ao campo da saúde e adentram a área de segurança pública, envolvendo o narcotráfico e casos de homicídio no território. Tal problema corrobora para posturas superficiais/pontuais profissionais, como o não aprofundamento na temática e a não averiguação da possibilidade de essa ser a origem de outras comorbidades. Em sua maioria, os profissionais nem tocam no assunto, adotando medidas rápidas de medicalização(16-17,32).

O despreparo do profissional em acolher familiares de adictos corrobora para o adoecimento destes acentua as iniquidades em saúde, viola os direitos humanos e limita o acesso desses indivíduos à saúde(32,34). Denota-se que a articulação entre equipes especializadas e a AB precisa se alinhar para um atendimento eficaz, integral, de forma digna, humanizada, amenizando a situação vivida por essas pessoas e reduzindo as vulnerabilidades socioeconômicas e biopsicossociais preexistentes(9,23-24,34).

Limitação do estudo

Pode-se citar a dificuldade de transposição desses resultados para outra realidade, que se justifica pelo delineamento metodológico qualitativo adotado e pelo reduzido número de participantes, apesar da abordagem da população total elegível no cenário investigado.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O cotidiano dos familiares codependentes de SPAs e o papel dos profissionais de saúde na AB apresentados proporcionam reflexões sobre novas propostas de abordagens profissionais e investigativas estratégicas. Essas devem ser capazes de reduzir a avaliação negativa das relações estabelecidas na tríade profissionais-usuário-familiar de modo a qualificar e facilitar o cuidado profissional, ocasionando melhorias no enfrentamento da doença de forma acolhedora, humanizada, integral e multidimensional, com respeito às diferentes singularidades individuais e familiares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cotidiano da convivência com a dependência a SPAs acarreta ônus à pessoa usuária, a seus familiares codependentes, bem como aos profissionais envolvidos. Eles são multidimensionais, podendo comprometer as vertentes biopsicossocioespirituais e as relações interpessoais e familiares.

O estabelecimento de relações terapêuticas na tríade profissionais-usuários-familiares no contexto da AB em prol do tratamento e da preservação da saúde mental dos envolvidos foi percebido de modo dúbio com percepções positivas e negativas como uma demanda necessária e indissociável de estratégias que versem sobre a humanização, o acolhimento e a inclusão dos adictos e de seus familiares destes como protagonistas em seu cuidado. Cabe ressaltar que a posição de omissão, adotada por alguns profissionais, no enfrentamento ao uso de SPAs, contribui para o adoecimento conjunto do adicto e do familiar codependente e comunidade.

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Editado por

  • EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
  • EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2020
  • Aceito
    13 Set 2020
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