Open-access Tendência das taxas de fertilidade, proporção de consultas de prénatal e cesarianas entre adolescentes brasileiras

RESUMO

Objetivo:  Analisar as tendências temporais da taxa de fertilidade, proporção de consultas de prénatal e cesarianas em adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos, entre 2000 e 2015.

Métodos:  A taxa de fertilidade, proporção de consultas de pré-natal e proporção de vias de nascimento foram calculadas com dados do DATASUS. A análise de tendência foi realizada utilizando-se o modelo de regressão de Prais-Winsten e a taxa de variação média anual.

Resultados:  Observou-se tendência de redução de 3,5% ao ano da taxa de fertilidade entre as adolescentes (p<0,05), além de tendência crescente de 6% ao ano da proporção de mais de seis consultas de pré-natal (p<0,0001) e tendência crescente de 6,8% ao ano da proporção de cesarianas (p<0,0001).

Conclusão:  Apesar da tendência decrescente da taxa de fertilidade nas adolescentes brasileiras, elas ainda permanecem elevadas. Destaca-se também a tendência crescente de cesarianas, mesmo com a melhoria do acesso ao pré-natal.

ABSTRACT

Objective:  To analyze the temporal trends in the fertility rate, proportion of antenatal consultations and caesarean sections in Brazilian adolescents aged 15 to 19, between 2000 and 2015. Methods: The fertility rate, proportion of prenatal consultations and proportion of routes of birth were calculated using data from DATASUS. The trend analysis was performed using the Prais-Winsten regression model and the annual percentage change.

Results:  There was a trend of reduction of 3.5% per year in the fertility rate among adolescents (p<0.05), in addition to an increasing trend of 6% per year in the proportion of more than six antenatal consultations (p <0.0001) and an increasing trend of 6.8% per year in the proportion of caesarean sections (p<0.0001).

Conclusion:  Despite the decreasing trend in fertility rates among Brazilian adolescents, they remain high. Also noteworthy is the growing trend for caesarean sections, even with improved access to antenatal care.

Descriptors:; Pregnancy in Adolescence; Birth Rate; Prenatal Care; Caesarean Section; Time Serie Studies

RESUMEN

Objetivo:  Analizar las tendencias temporales de la tasa de fertilidad, proporción de consultas de prenatal y cesarianas en adolescentes brasileñas de 15 a 19 años, entre 2000 y 2015.

Métodos:  La tasa de fertilidad, proporción de consultas de prenatal y proporción de vías de nacimiento fueran calculadas con datos del DATASUS. Análisis de tendencia realizada utilizándose modelo de regresión de Prais-Winsten y la tasa de variación media anual.

Resultados:  Observó tendencia de reducción de 3,5% al año de la tasa de fertilidad entre las adolescentes (p<0,05), además de tendencia creciente de 6% al año de la proporción de más de seis consultas de prenatal (p<0,0001) y tendencia creciente de 6,8% al año de la proporción de cesarianas (p<0,0001).

Conclusión:  Aunque la tendencia decreciente de la tasa de fertilidad en adolescentes brasileñas, ellas aún permanecen elevadas. Destaca también la tendencia creciente de cesarianas, mismo con la mejoría del acceso al prenatal.

Descriptores:
Embarazo en la Adolescencia; Coeficiente de Natalidad; Cuidado Prenatal; Cesárea; Estudios de Series Temporales

INTRODUÇÃO

A adolescência compreende a fase da vida entre a infância e a juventude, dos 10 aos 19 anos, divididas nas etapas de pré-adolescência (10 a 14 anos) e adolescência (15 a 19 anos), caracterizada pela busca da autonomia sobre as decisões, ações e emoções, pelo desenvolvimento de habilidades e a vivência da sexualidade1. Essa busca e experimentações podem expor os adolescentes à violência e comportamentos de risco, resultando em sua maior suscetibilidade às infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e às gestações não planejadas1.

Nesse contexto, a gravidez na adolescência é um problema mundial, sendo mais frequente nos países de baixa e média renda e comumente impulsionada pela pobreza, baixa escolaridade e falta de oportunidades de emprego2. Nesses países, estima-se um total de 23 milhões de adolescentes grávidas, sendo que 91,3% delas têm de 15 a 19 anos, e 8,7% são menores de 15 anos2-3. Na América Latina e Caribe, há uma estimativa de que, a cada ano, 15% das gestações ocorram em adolescentes com menos de 20 anos e 2 milhões de crianças nasçam de mães com idade entre 15 e 19 anos3.

No Brasil, a taxa de fertilidade de adolescentes de 15 a 19 anos está acima da média latinoamericana e caribenha3. Em 2010, os partos em mulheres menores de 20 anos representaram quase 20% do total no país, sendo mais elevado nas regiões mais carentes, como Norte e Nordeste4. Além disso, entre 2000 e 2012, as taxas de fertilidade para adolescentes de 10 a 14 anos no Brasil permaneceram altas e estáveis5.

A gravidez pode resultar em diversas repercussões negativas para as adolescentes e seus filhos, sendo as complicações da gravidez e do parto a principal causa de morte entre mulheres de 15 a 19 anos em todo o mundo, e as crianças nascidas de mães adolescentes são as que apresentam maiores riscos de prematuridade, baixo peso ao nascer e condições neonatais graves3. Estima-se que cerca de 3,9 milhões de abortos inseguros ocorrem a cada ano entre meninas de 15 a 19 anos, contribuindo para a mortalidade materna e problemas de saúde duradouros2.

A gravidez na adolescência também está associada a um menor nível educacional e pode colaborar para a perpetuação do ciclo de pobreza de uma geração para outra6. Portanto, prevenir gestações não planejadas pode trazer benefícios em longo prazo para as adolescentes, seus filhos e sociedade2. No Brasil, apesar da implantação de políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, elas ainda são inefetivas, o que contribui para o aumento da vulnerabilidade desse grupo às ISTs e às gestações não planejadas. Em 2019, a proposição de uma política que se baseia exclusivamente na promoção da abstinência sexual entre os jovens7) reforça essa fragilidade e as consequências do conservadorismo na restrição de direitos e melhores desfechos em saúde para essa população, em especial as meninas e mulheres.

Sabe-se, também, que os adolescentes frequentam pouco os serviços de saúde; e, quando os buscam, o motivo mais comum está relacionado à gravidez não planejada. Além disso, os serviços de saúde, muitas vezes, não acolhem de forma resolutiva as demandas dos adolescentes8. Para agravar a situação, muitas adolescentes grávidas procuram tardiamente os serviços de saúde por quererem esconder sua condição9, ou por não saberem o que fazer ou onde buscar atendimento8. Assim, a assistência adequada à saúde das adolescentes grávidas fica prejudicada, o que colabora para os resultados desfavoráveis.

Estudos mostram menor adequação da assistência pré-natal entre adolescentes, e isso repercute em complicações e maiores índices de morbimortalidade materna e infantil8,10. Adicionalmente, quando comparadas às mães com 20 anos ou mais, as adolescentes apresentam menor número de consultas de pré-natal e cesarianas10. Ademais, observa-se que a realização de cesariana em adolescentes pode resultar em complicações obstétricas10. Assim, dentre os benefícios da assistência pré-natal adequada, destaca-se a ação mediadora para a escolha e indicação da via de nascimento, pois, nas consultas, devem ser oferecidas orientações sobre o processo de parturição e práticas benéficas durante o trabalho de parto11, o que poderia contribuir para melhores decisões da gestante e da equipe de saúde.

A adolescência ainda constitui-se em um período do ciclo de vida negligenciado pelas políticas públicas de saúde no Brasil8, principalmente no âmbito da saúde sexual e reprodutiva. Além disso, estudos sobre a gravidez na adolescência são limitados por diversos aspectos: por exemplo, abordam a gravidez muito precoce, em meninas menores de 15 anos5, com amostras locais10 ou regionais12, evidenciando-se a necessidade de estudos nacionais que abordem a evolução temporal de indicadores de gravidez em adolescentes de 15 a 19 anos, como o acesso à assistência pré-natal e ao parto e nascimento e possíveis diferenças regionais. Acredita-se que avaliar as tendências desses indicadores em nível nacional e regional poderia elucidar cenários de maior vulnerabilidade e subsidiar planejamentos de intervenções de acordo com a realidade local.

OBJETIVO

Analisar as tendências temporais da taxa de fertilidade, proporção de consultas de pré-natal e cesarianas em adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos, entre 2000 e 2015.

MÉTODOS

Aspectos éticos

As recomendações éticas no que se refere à condução do estudo foram seguidas de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 201213, do Conselho Nacional de Saúde, a qual dispensa aprovação em comitê de ética para estudos que utilizam dados secundários, agregados, sem identificação dos sujeitos e disponíveis em fontes públicas, como no caso do presente estudo, cujos dados foram obtidos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, de série temporal, norteado pela ferramenta Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) e baseado em dados secundários extraídos do DATASUS, do SINASC e do IBGE.

População

A população foi constituída pelas adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos e seus respectivos nascidos vivos no período de 2000 a 2015, considerando todo o Brasil e, separadamente, cada uma de suas cinco regiões.

Protocolo de estudo

Na coleta, usaram-se dados do DATASUS. No DATASUS, utilizou-se o SINASC, do qual foram extraídos os números de nascidos vivos, nascidos vivos de cesarianas, parto vaginal ou ignorado e número de consultas de pré-natal de adolescentes de 15 a 19 anos, em cada ano do período de 2000 a 2015, considerando todo o Brasil e cada uma de suas regiões. O número populacional de adolescentes de 15 a 19 anos foi extraído do IBGE, para o Brasil e regiões. Para os anos de 2000 e 2010, foram utilizados dados dos censos demográficos; para o período de 2001 a 2009, 2011 e 2012, foram aplicadas estimativas populacionais; e de 2013 a 2015, foram usadas as projeções da população, visto que as estimativas não estavam estratificadas por faixa etária e sexo. Os dados foram obtidos no mês de julho de 2017 e estão publicamente disponíveis no site do DATASUS (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php). As informações sobre fonte e metodologia utilizada pelo IBGE também podem ser consultadas em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/Ibge//popdescr.htm.

Análise dos dados e estatística

A taxa de fertilidade, a proporção de consultas de pré-natal e de vias de nascimento para adolescentes de 15 a 19 anos foram calculadas para cada ano do período de estudo, para todo o Brasil e cada uma das cinco regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste).

A taxa de fertilidade foi calculada utilizando-se o número registrado de nascidos vivos de adolescentes de 15 a 19 anos em cada ano (dados do SINASC) como numerador e o número estimado de adolescentes de 15 a 19 anos em cada ano (dados IBGE) como denominador, sendo o resultado dessa divisão multiplicado por mil. Para o cálculo da proporção das consultas de pré-natal, empregouse como numerador o número de consultas de pré-natal, por indicador (0, 1-3, 4-6 e 7 ou mais); e, como denominador, os nascidos vivos de adolescentes de 15 a 19 anos, para cada ano do período estudado, sendo o resultado multiplicado por cem. A proporção das vias de nascimento foi calculada da mesma forma, obtendo-se o percentual de uma via de nascimento específica (vaginal, cesárea ou ignorado) em relação ao total de nascimentos para a faixa etária de interesse.

Em seguida, realizou-se a análise de tendência da taxa de fertilidade, da proporção de consultas de pré-natal (maior ou igual a sete consultas) e da proporção de cesarianas entre as adolescentes. Usou-se o modelo de regressão linear generalizado de Prais-Winsten14, no módulo Time Series do programa Stata, versão 14.0. Em seguida, calculou-se a taxa de variação média anual (VMA) e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC 95%), obtidos dos coeficientes da regressão. Destaca-se que, para a taxa de fertilidade, a análise de tendência foi realizada em três períodos (2000 a 2015, 2000 a 2006 e 2007 a 2015) uma vez que foi observado um comportamento distinto nos períodos de 2000 a 2006 e de 2007 a 2015.

RESULTADOS

No período estudado, houve um total de 9.482.182 nascidos vivos de mulheres de 15 a 19 anos, o que representa 19,9% de todos os 47.715.968 nascimentos no país (dados não apresentados). A Figura 1 mostra as taxas de fertilidade em adolescentes de 15 a 19 anos para o Brasil e regiões. No Brasil, em 2000, a taxa era de 80,9 nascimentos por mil adolescentes; e, em 2015, foi de 61,8 por mil, apresentando uma redução de 23,6%. As maiores taxas foram encontradas na Região Norte do país, sendo de 111,6 nascimentos por mil adolescentes em 2000 e 90,7 por mil em 2015. As menores taxas foram encontradas na Região Sudeste, 71,4 nascimentos por mil adolescentes em 2000 e 51,9 por mil em 2015. Observa-se que, em três das cinco regiões do país, as taxas de fertilidade foram superiores à média do país, sendo elas Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Além disso, encontrouse uma diminuição evidente das taxas até 2006; e, após este ano, vê-se uma relativa manutenção das taxas de fertilidade entre as adolescentes (Figura 1).

Figura 1
Evolução temporal da taxa de fertilidade entre adolescentes de 15 a 19 anos de idade, Brasil e regiões, 2000-2015

A análise de tendência mostrou que as taxas de fertilidade entre adolescentes de 15 a 19 anos apresentaram tendência de redução estatisticamente significante para o Brasil e todas as regiões, reduzindo em média 3,5% ao ano, sendo essa diminuição variável entre as regiões. A maior redução foi observada na Região Centro-Oeste (5,42%); e a menor, na Região Norte (3,06%) (Tabela 1).

Tabela 1
Tendências da taxa de fertilidade, proporção de sete ou mais consultas de pré-natal e proporção de cesarianas entre adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos, 2000-2015

Pela análise da Figura 1, vê-se maior redução até o ano de 2006, por isso optouse por realizar a análise de tendência em dois períodos: de 2000 a 2006 e de 2007 a 2015. Os resultados dessa análise confirmaram que a tendência de redução foi maior entre os anos de 2000 a 2006 para o Brasil e todas as regiões, reduzindo em média 9,6% ao ano, variando entre as regiões. Pode-se afirmar que as Regiões Sudeste (VMA = -12,7%), Sul (VMA = -12,3%) e Centro-Oeste (VMA = -12,2%) apresentaram as maiores taxas de redução quando comparadas às regiões Norte (VMA = -5,9%) e Nordeste (VMA = -6,2%). No período de 2007 a 2015, a tendência de redução estatisticamente significante se manteve para o Brasil e todas as regiões, exceto para a Região Sul (p = 0,087), que se manteve estável. Nesse período, viu-se uma redução média anual inferior àquela observada no período de 2000 a 2006 (VMA = -2,8%), o que também foi constatado nas Regiões Sudeste (VMA = -2,5%) e Centro-Oeste (VMA = -2,4%). Por outro lado, nesse intervalo, as maiores taxas de redução foram encontradas na Região Norte (-3,7%) e Nordeste (-3,5%), situação inversa ao observado para 2000 a 2006 (Tabela 1).

Em relação ao número de consultas de pré-natal realizadas pelas adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos em diferentes regiões do Brasil, verificou-se um aumento da proporção de sete ou mais consultas em todas as regiões, variando de 36,6% em 2000 a 54,9% em 2015 para todo o país (Figura 2), representando um aumento de 50%. As maiores proporções de sete ou mais consultas foram na Região Sul e Sudeste, sendo 44,9% e 45,2% em 2000 e 67,7% e 63,6% em 2015, respectivamente. As menores proporções desse indicador foram na Região Norte, sendo 21,3% em 2000 e 38,2% em 2015 (Figura 2).

Figura 2
Evolução temporal da proporção de consultas de pré-natal entre adolescentes de 15 a 19 anos, Brasil e regiões, 2000-2015

Na Região Norte, apesar do aumento da proporção de sete ou mais consultas, as maiores proporções se mantiveram no indicador de quatro a seis consultas de pré-natal, sendo 45,6% em 2000 e 40,4% em 2015 (Figura 2). Houve tendência crescente e estatisticamente significante da proporção de sete ou mais consultas de pré-natal para o Brasil e suas regiões, com média de aumento de 6% ao ano (Tabela 1). Quanto à média brasileira, a Região Centro-Oeste apresentou o menor aumento desta proporção (VMA = 3,2%), enquanto as Regiões Norte (VMA = 9,3%) e Nordeste (VMA = 9,1%) mostraram os maiores percentuais de aumento (Tabela 1). Apesar disso, essas regiões ainda evidenciaram as menores proporções de consultas de pré-natal em comparação às outras regiões brasileiras em 2015.

Também foram avaliadas as proporções das diferentes vias de nascimento das adolescentes de 15 a 19 anos no Brasil e regiões, no período de 2000 a 2015 (Figura 3). No Brasil e em suas diferentes regiões, a maior proporção da via de nascimento foi para o parto vaginal, porém houve aumento da proporção de cesarianas ao longo do período.

Figura 3
Evolução temporal da proporção de vias de parto entre adolescentes de 15 a 19 anos, Brasil e regiões, 2000-2015

No Brasil, as proporções de cesarianas foram de 26,3% em 2000 e 39,3% em 2015 entre as adolescentes, representando um aumento de 49,4%. As maiores proporções de cesarianas ocorreram na Região Centro-Oeste, sendo 31,2% em 2000 e 46,2% em 2015; e as menores, na Região Nordeste, com proporções de 18,5% em 2000 e 36,3% em 2015. O aumento da proporção de cesarianas foi estatisticamente significante para o Brasil e todas as regiões, com média de aumento de 6,8% ao ano, variando entre as regiões. Em relação à média nacional, a Região Nordeste apresentou o maior aumento de cesarianas (VMA = 11,3%); e a Região Sudeste, o menor aumento (VMA = 4%) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo indicaram que as taxas de fertilidade tiveram uma tendência de redução estatisticamente significante durante o período de 2000 a 2015, sendo essa diminuição mais acentuada no período de 2000 a 2006. Além disso, observou-se uma tendência de aumento da proporção de sete ou mais consultas de pré-natal e uma tendência crescente na proporção de cesarianas entre as adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos no período estudado, no Brasil e regiões.

Estimativas da OMS também mostram que a taxa de fertilidade global entre adolescentes de 15 a 19 anos caiu de 65 nascimentos por mil mulheres em 1990 para 46 nascimentos por mil mulheres em 20153.Estudo que analisou a tendência da gravidez na adolescência em 16 países também evidenciou redução desse indicador desde a década de 199015. Dentre os países analisados, as menores taxas de gravidez na adolescência foram observadas na Suíça (8 por mil adolescentes), Holanda, Cingapura e Eslovênia (14 por mil adolescentes), enquanto as maiores taxas foram nos países da África Subsaariana, variando entre 121 por mil na Etiópia a 187 por mil adolescentes em Burkina Faso15. Entre os países da América, destacam-se as estimativas dos Estados Unidos (57 por mil adolescentes) e México (130 por mil adolescentes), com elevadas taxas de gravidez na adolescência15. Assim, apesar de ser um problema que ocorre em países de alta, média e baixa renda, é mais frequente nos países de baixa e média renda, como o Brasil.

Nosso país mantém elevadas taxas de fertilidade entre adolescentes em comparação com a média mundial e com outras regiões do mundo, mas conseguiu avançar em relação aos países do Cone Sul (Argentina, Chile, Brasil, Paraguai e Uruguai) quanto à tendência de uma redução constante da taxa de fertilidade na adolescência na primeira década do século XXI, ao passo que, nos outros países, essas tendências foram irregulares, com leves aumentos e quedas3.

As elevadas taxas de fertilidade entre as adolescentes brasileiras estão relacionadas a fatores específicos como baixo nível socioeconômico e educacional5,16-17. A taxa de fertilidade das adolescentes foi previamente demonstrada como inversamente proporcional à condição social, renda e escolaridade10,12,17. No presente estudo, as maiores taxas de fertilidade foram entre as adolescentes que viviam em áreas menos favorecidas economicamente e com piores condições sociais e educacionais do país, além de elevada desigualdade de gênero, como as Regiões Norte e Nordeste, indicando que características do ambiente também poderiam influenciar esse desfecho, corroborando outros estudos5,12,16-18. Ademais, estudo prévio mostrou que as regiões brasileiras (Sudeste, Sul e Centro-Sul), com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), apresentaram menores taxas de nascidos vivos de mães adolescentes17.

No tocante à maior redução da taxa de fertilidade no período de 2000 a 2006, acredita-se que a regulamentação do Sistema Único de Saúde (SUS), a criação da Estratégia Saúde da Família (ESF), do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de programas e estratégias para atender às necessidades dos adolescentes, como o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), podem ter contribuído com esse resultado19. Nesse cenário, destaca-se a criação e franca expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), que aumentou o acesso da população aos serviços de saúde, incluindo o planejamento familiar e a assistência pré-natal20-21. Outras estratégias foram criadas para facilitar o acesso dos adolescentes aos serviços de saúde, tais como o Programa Saúde na Escola (PSE), no entanto observou-se despreparo dos profissionais de saúde e uma desqualificação dos serviços de saúde para o atendimento e para ações direcionadas ao público adolescente, especialmente quanto à sexualidade e reprodução9, além de dificuldades em efetivar e dar continuidade às políticas públicas voltadas a essa população específica19. Tudo isso pode ter contribuído para a redução do declínio da taxa de gravidez na adolescência e piora dos indicadores de saúde sexual e reprodutiva nessa população. Como desafio, destaca-se a necessidade de compreender a gravidez na adolescência para além dos aspectos sociais e de saúde pública, um entendimento do fenômeno enquanto experiência subjetiva e no contexto da formação da personalidade do adolescente22.

Estudo recente com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar evidenciou uma piora dos indicadores relativos à saúde sexual e reprodutiva dessa parcela da população, como redução do uso de preservativos, maior vulnerabilidade a infecções sexualmente transmissíveis e maior ocorrência de gravidez entre adolescentes de escolas públicas23. Assim, o cenário atual é preocupante, com perspectivas futuras incertas, tendo em vista o contexto político e social ultraconservador crescente no país, com movimento político de redução ao acesso ao planejamento familiar, principalmente desse grupo16.

Outro resultado exposto pelo presente estudo foi o da melhoria do acesso às consultas de prénatal entre as adolescentes. Desde a década de 1990, observa-se um aumento da cobertura da assistência pré-natal20, atingindo valores superiores a 90% em todas as regiões brasileiras e em mulheres com diferentes características sociodemográficas e reprodutivas21. Essa alta cobertura pode ser explicada pelas estratégias implantadas pelo Ministério da Saúde, como a ESF, a criação do Programa Nacional de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) e da Rede Cegonha20-21. Apesar de ter sido verificada tendência crescente da proporção de sete ou mais consultas, estudos apontam que a maior proporção de assistência pré-natal inadequada, como o início tardio e número inadequado de consultas, ocorre entre as adolescentes, principalmente as com menor escolaridade e com baixa condição socioeconômica, quando comparadas às gestantes adultas24-26. Estudo que avaliou a assistência pré-natal de grávidas adolescentes no Brasil demonstrou que 84,4% receberam cuidado inadequado durante o pré-natal, com resultados piores para aquelas de classe econômica mais baixa, pretas/pardas, de escolaridade inadequada para a idade, que viviam nas Regiões Norte e Nordeste e que eram multíparas26, corroborando as desigualdades regionais de acesso encontradas neste estudo.

Observou-se ainda a tendência crescente e alarmante na proporção de cesarianas entre as adolescentes de 15 a 19 anos no Brasil e regiões. A cesariana tem apresentado tendência crescente global, ocasionando elevação nos custos dos serviços de saúde e nos riscos de morbimortalidade materna e perinatal, sendo o Brasil o país com maior taxa de cesáreas do mundo27-28. O aumento da proporção de cesarianas também está relacionado ao padrão intervencionista da assistência obstétrica observado no país4,27, o qual, sabidamente, pode levar a maiores incidências de complicações obstétricas10. Vale destacar a relevância deste achado, uma vez que se trata de mulheres jovens, com maior probabilidade de novas cesarianas em gestações futuras. Ratificando essa afirmação, estudos apontam que, apesar das evidências científicas, no Brasil ainda se segue o preceito de que “uma vez cesárea, sempre cesárea”11.

Ainda, ressalta-se que o acesso à cesariana ultrapassa a indicação clínica e a preferência das mulheres4, sendo um procedimento influenciado pela assistência recebida no pré-natal4,10, pela fonte de pagamento do parto e por fatores socioeconômicos4. Estudos anteriores demonstraram que as adolescentes são estatisticamente menos propensas a realizarem cesáreas em comparação às mulheres adultas10,24; entretanto, neste estudo, observou-se importante aumento da proporção de cesarianas nesse grupo, paradoxalmente na mesma medida que se aumenta o acesso ao cuidado prénatal, que em síntese busca a redução dos riscos na gestação. Considerando o modelo tecnocrático, essa situação poderia ser explicada, parcialmente, pela crença de que mães adolescentes possuem um risco aumentado de parto vaginal devido a aspectos relacionados à imaturidade ginecológica, problemas anatômicos ligados ao mecanismo de parto, o que determinaria maior ocorrência de desproporção cefalopélvica29, podendo levar a uma falsa indicação de cesariana ou indicação sem evidência científica. Dentre outras causas para esse aumento de cesarianas, podem-se citar: falta de orientações sobre as possíveis consequências do procedimento, piores condições socioeconômicas, primiparidade, despreparo dos profissionais de saúde e ausência de enfermeiros obstetras para assistir o parto4,10-11,28.

Assim, apesar da melhoria da cobertura pré-natal, o cuidado adequado com a oferta dos procedimentos mínimos preconizados pelo Ministério da Saúde ainda não ocorre uniformemente no país21,25, sobretudo em populações mais vulneráveis, como a das adolescentes. Uma falha recorrente tem sido a falta de informações adequadas sobre as vias de nascimento4,27, ou a informação insatisfatória11. Independentemente da fonte de pagamento do parto e da paridade, a preferência das mulheres pelo parto vaginal não tem sido apoiada ou incentivada pelos profissionais de saúde, e as gestantes são submetidas a um modelo de atenção que torna o parto vaginal uma experiência dolorosa11. Assim, esse contexto intervencionista de assistência ao ciclo gravídico puerperal no Brasil, somado às questões inerentes à própria adolescência, que as tornam mais vulneráveis em um processo decisório, poderia explicar a tendência crescente e alarmante de cesarianas nesse grupo populacional.

Por fim, este estudo evidenciou resultados importantes sobre a tendência da gravidez na adolescência no Brasil, bem como lacunas da assistência prestada às adolescentes no ciclo gravídico puerperal. Destacam-se as repercussões desse fenômeno em suas vidas, uma vez que a gravidez nessa faixa etária pode manter ou perpetuar os ciclos intergeracionais de pobreza, exclusão e marginalização, pois muitas das adolescentes que engravidam já abandonaram a escola ou são levadas à evasão, o que impacta consideravelmente suas oportunidades de educação e trabalho em longo prazo4,24,30.

Outro fator preocupante nesse contexto é que mundialmente tem-se observado que a falta de educação sexual formal e estruturada pelas escolas e pais estão implicadas no processo. O Brasil tem enfrentado uma onda de conservadorismo importante, a qual tem afastado essas agendas das escolas e criado espaços para retrocessos, como o cerceamento desses temas por motivos religiosos ou preconceitos de gênero. Recentemente foi lançada uma campanha no país com o lema “adolescência primeiro, gravidez depois”7, a fim de conscientizar os adolescentes e seus pais dos riscos e consequências das gestações na adolescência; contudo, uma das principais recomendações da campanha é atrasar o início das relações sexuais, abordagem que é considerada ineficaz quando ocorre isoladamente7.

Limitações do estudo

Destaca-se como limitação deste estudo o fato de que foram analisadas e apresentadas as taxas de fertilidade e não a taxa de gravidez entre adolescentes. Assim, as taxas poderiam ser um pouco maiores do que as apresentadas, pois não foram incluídas as gravidezes que terminaram em aborto ou natimorto, visto que o SINASC exclui essas gestações. Os resultados encontrados quanto às proporções de consultas de pré-natal e cesarianas podem estar subestimadas pelo mesmo motivo. Cabe ainda ressaltar que outro fator limitante são as estimativas populacionais utilizadas nos denominadores para o cálculo da taxa de fertilidade. Muitos desses quantitativos populacionais são estimativas baseadas nos censos populacionais de 2000 e 2010 o que poderia subestimar ou superestimar os valores encontrados. No entanto, essas limitações não afetariam os resultados da análise de tendência.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Analisar a tendência da taxa de fertilidade, consultas de pré-natal e tipos de parto em adolescentes de 15 a 19 anos permitiu identificar lacunas importantes em relação aos serviços de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, bem como subsidiar a implementação de políticas públicas voltadas para a redução da gravidez na adolescência.

CONCLUSÃO

Apesar da tendência decrescente das taxas de fertilidade nas adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos, a diminuição é lenta, e as taxas ainda são muito elevadas, com desigualdades regionais importantes. Ademais, nossos achados evidenciaram a necessidade de avaliar e melhorar a qualidade da assistência ao pré-natal ofertada a esse grupo, pois, mesmo com o aumento da proporção de sete ou mais consultas de pré-natal, observa-se tendência crescente de cesáreas. Diante do cenário encontrado, destaca-se a necessidade de maior visibilidade ao problema da gravidez na adolescência, incluindo os aspectos da qualidade da assistência, tendo em vista o número crescente das cesarianas, e principalmente estratégias e políticas efetivas para prevenir esse desfecho e garantir os direitos sexuais e reprodutivos de toda essa população.

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2020
  • Aceito
    11 Nov 2020
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