Acessibilidade / Reportar erro

Pensamento crítico na formação do enfermeiro: a avaliação na área de competência Educação na Saúde

RESUMO

Objetivo:

Analisar a constituição do pensamento crítico na formação do enfermeiro ancorada na abordagem por competência e no currículo integrado, considerando o processo de avaliação, captando seus desafios e propondo estratégias de superação.

Métodos:

Qualitativo. Na primeira fase da coleta de dados, entrevista com 24 professores, 9 preceptores e 15 estudantes para reconstrução do perfil de competência; e, na segunda fase, oficina de trabalho para validação do perfil, identificação de desafios e propostas. Utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo na análise das entrevistas e o referencial de competência holística na reconstrução do perfil.

Resultados:

Constróise o pensamento crítico com base nas experiências no mundo do trabalho, sendo a avaliação o eixo condutor das reflexões para a emancipação.

Considerações finais:

Sinaliza-se a importância da formação dos professores sobre a avaliação da aprendizagem e trabalho com a construção coletiva dos sujeitos para a superação dos desafios nas mudanças da formação.

Descritores:
Pensamento; Avaliação de Desempenho Profissional; Enfermeiros; Competência Profissional; Educação Baseada em Competências

ABSTRACT

Objective:

To analyze the constitution of critical thinking in nursing training in the approach by competence and the integrated curriculum, considering the evaluation process by capturing its challenges, and proposing overcoming strategies.

Methods:

Qualitative. In the first phase of data collection, interviews were conducted with twenty-four professors, nine preceptors, and fifteen students to reconstruct the profile of competence, and in the second phase, a workshop to validate the profile identified challenges and proposals. The Collective Subject Discourse was used to analyze the interviews and the holistic competence reference in reconstructing the profile.

Results:

The critical thinking is built based on experiences in the world of work, and evaluation is the conductor of reflections towards emancipation.

Final considerations:

It signals the importance of professor training in the learning evaluation and working with the collective construction of subjects to overcome challenges that happen in the changes of training.

Descriptors:
Thinking; Employee Performance Appraisal; Nurses; Professional Competence; Competency-Based Education

RESUMEN

Objetivo:

Analizar constitución del pensamiento crítico en la formación del enfermero ancorada en abordaje por competencia y en currículo integrado, considerando el proceso de evaluación, captando sus desafíos y proponiendo estrategias de superación.

Métodos:

Cualitativo. La primera fase de recogida de datos, entrevista con 24 profesores, 9 preceptores y 15 estudiantes para reconstrucción del perfil de competencia; y, en segunda fase, taller de trabajo para validez del perfil, identificación de desafíos y propuestas. Utilizó el Discurso del Sujeto Colectivo en análisis de las entrevistas y referencial de competencia holística en la reconstrucción del perfil.

Resultados:

Construye el pensamiento crítico basado en el mundo del trabajo, siendo la evaluación el eje conductor de las reflexiones para emancipación.

Consideraciones finales:

Destaca importancia de la formación de los profesores sobre la evaluación del aprendizaje y trabajo con la construcción colectiva de los sujetos para la superación de los desafíos en los cambios de la formación.

Descriptores:
Pensamiento; Evaluación del Rendimiento de Empleados; Enfermeros; Competencia Profesional; Educación Basada en Competencias

INTRODUÇÃO

No século passado, foram produzidas três gerações de mudanças na educação médica, as quais impactaram várias profissões, dentre elas a enfermagem. A primeira, no início do século XX, com forte influência do Relatório Flexner, organizou o currículo pautando-se na ciência; a segunda geração, ocorrida em meados do século passado, introduziu a formação orientada por problemas. Agora, a terceira geração, provocada pela melhoria e transformação dos sistemas, necessita de um conjunto de competências profissionais para atuar em contextos específicos, considerando o conhecimento global. Para que a terceira geração se desenvolva, mostra-se indispensável construir mudanças na formação a fim de que os profissionais saibam mobilizar suas capacidades. Isso envolve raciocínio crítico e conduta ética, levando-os à participação competente e responsável no sistema de saúde local, simultaneamente conectados com outras equipes e práticas globais(11 Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):1923-58. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61854-5
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61...
).

No documento “Diretrizes Estratégicas para a Enfermagem na Região das Américas” (OPAS/OMS), apresentam-se caminhos que favoreçam avanços e apoio para a presença da enfermagem nos sistemas de saúde. Dentre outras estratégias, propõe-se o fortalecimento da qualidade da educação em enfermagem no intuito de responder às exigências de acesso e cobertura universal à saúde e atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)(22 Organização Pan-Americana da Saúde; Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS). Diretriz estratégica para a Enfermagem na Região das Américas [Internet]. Washington, DC: OPAS; 2019 [cited 2019 Feb 2]. 60 p. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/50956?locale-attribute=pt
http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456...
).

Por influência do contexto nacional e internacional, as experiências de mudanças na formação em enfermagem no Brasil, apoiando-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), têm-se esforçado para superar os desafios dos modelos de formação, implementando práticas pautadas na dialogia entre professores e estudantes para construção de saberes, com processos ancorados na postura ética, crítica, reflexiva e transformadora. Busca-se a superação da prática tradicional focada somente na técnica, em cursos já instituídos, visando à formação de um ser histórico com base na dialética ação-reflexão-ação, apesar dos movimentos de resistência nas instituições(33 Mattia BJ, Kleba ME, Prado ML. Nursing training and professional practice: an integrative review of literature. Rev Bras Enferm. 2018;71(4):2039-2049. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0504
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
-44 Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

Esse processo de mudanças gera conflitos e desafios, pois invoca alterações basais nas práticas pedagógicas e em saúde, sendo permeado por novos posicionamentos organizacionais, políticos, teóricos e filosóficos das instituições, dos professores e da relação entre ensino e serviço. Dentre os desafios, reconhece-se a pouca capacidade de elaboração do pensamento crítico (PC) diante das situações vividas para a tomada de decisão, considerando o contexto, a cultura, a ética e não provocando danos(55 Ximenes Neto FRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, et al. Reflections on Brazilian Nursing Education from the regulation of the Unified Health System. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
).

No âmbito internacional, a Red Iberoamericana de Investigación en Educación en Enfermería (RIIEE) propõe-se a investigar a educação em enfermagem. Para isso, elegeu o projeto multicêntrico, em todos os países membros da RIIEE, intitulado “Desarrollo del pensamiento reflexivo y crítico en los estudiantes de enfermería: situación de Iberoamérica(66 Püschel VAA, Oliveira LB. Red Iberoamericana de Investigación en Educación en Enfermería: Região Brasil. Rev Cubana Enferm [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 4];30(3). Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v30n3/enf09314.pdf
http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v30n3/enf09...
).

Sinalizam-se os desafios das instituições de ensino em formar profissionais compromissados com a transformação social e práticas em saúde. Essa transformação das práticas passa pelo resgate da formação humana enquanto direito à educação na construção da cidadania. No entanto, os projetos pedagógicos podem servir para a adaptação às necessidades do capital ou, numa outra visão, formar sujeitos ativos que possam interferir nos destinos da organização social, cumprindo papel emancipador e gerando qualidade social(77 Freitas LC. The education entrepeneurial reformists and the dispute for the control of the pedagogical process in schools. Educ Soc. 2014;35(129):1085-114. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
https://doi.org/10.1590/ES0101-733020141...
).

Nessa perspectiva, o conceito de PC é diverso. Transita por um movimento que o considera como um julgamento intencional e autorregulador, resultante de interpretação, análise, avaliação e inferência, além da explicação das considerações evidenciais, conceituais, metodológicas, criteriológicas ou contextuais nas quais esse julgamento se baseia. Esse movimento de construção do PC tem vínculos com a metacognição, como tendência voltada à motivação interna para resolver problemas e tomar decisões com uso de determinado raciocínio comparando alternativas em face da decisão a ser tomada(88 Alfaro-Lefevre R. Critical Thinking Indicators (CTis): 2016 evidence-based version [Internet] 2016[cited 2020 Feb 2]. 10 p. Available from: http://www.alfaroteachsmart.com/2016CTIsRich.pdf
http://www.alfaroteachsmart.com/2016CTIs...
-99 Ceolin S, González JS, Ruiz MCS, Heck RM. Theoretical bases of critical thinking in ibero-american nursing: integrative literature review. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e3830016. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003830016
https://doi.org/10.1590/0104-07072017003...
).

Numa segunda visão, considera-se que o PC deve superar a abordagem puramente técnica e ser compreendido na perspectiva humanista liberal, sendo contextualizado e criativo. Já na terceira visão, aborda-se o PC de forma também contextualizada, porém consideram-se os interesses, valores e normas humanos a favor da emancipação dos sujeitos. Promovem-se processos em que as pessoas atuem com autonomia para decidir sua vida, emancipando os sujeitos(1010 Kahlke R, White J. Critical thinking in health sciences education: considering "Three Waves". Creative Education. 2013;4(12A):21-29. https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100
https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100...
).

Ao assumir a dialética enquanto método na construção do PC segundo a terceira visão(1010 Kahlke R, White J. Critical thinking in health sciences education: considering "Three Waves". Creative Education. 2013;4(12A):21-29. https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100
https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100...

11 Kosik K. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra; 2007. 248 p.
-1212 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2019. 144 p.), trabalha-se com a reflexão considerando o contexto sociocultural em que a pessoa está inserida, ou seja, o sujeito se constrói e se reconstrói num movimento relacional com o mundo e seus determinantes sociais, de acordo com sua forma de ser no mundo, reconhecendo os seus desafios/problemas, suas contradições, com base em sua própria existência. Tem-se presente, assim, que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”(1212 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2019. 144 p.).

Portanto, formar é muito mais que puramente treinar a pessoa para que realize práticas com destreza e raciocínio certo, científico. Valoriza-se a responsabilização ética por parte do professor e do estudante, enquanto atitude educativa especificamente humana para a constituição da autonomia dos sujeitos na sua emancipação. O fazer compromete-se com a sua inserção social e com o outro, ou seja, a pessoa reconhece a outra presença como um “não eu” e se reconhece como a “si próprio”. No âmbito da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura e da opção, instaura-se a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. O “pensar certo” implica reflexão sobre aquilo que possua pertinência social, envolvendo a multidimensionalidade das situações e visões na relação entre as coisas e pessoas. É preciso um olhar plural, que abrigue espaço e possibilidades para a contestação e refutação, antecedendo os consensos e/ou pactos(1212 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2019. 144 p.).

Na formação profissional, na perspectiva do referencial holístico e da abordagem dialógica de competência no currículo integrado, o enfoque está voltado para a ação, o que implica direcionar a observação e análise para a pessoa e não apenas para suas condutas, capacidades e tarefas descoladas da intenção(1313 Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ. (org). Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2018. p. 25-36.).

Dito isso, percebe-se que há desafios nos processos de mudanças na formação do enfermeiro. Considera-se como pressuposto que, nesse caminho a ser construído, não se trata somente de fazer mudanças de conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem. Busca-se criar processos educacionais que ativem o PC perante problemas e necessidades sociais emergentes, impulsionando a novos desenhos curriculares e métodos de ensino e aprendizagem. Tais processos devem, sobretudo, proporcionar desempenho profissional de excelência técnica, articulado às atitudes de comprometimento com uma sociedade mais solidária, responsável pela produção de tecnologias que promovam a vida, respeitando a cultura e as necessidades.

Nesse sentido, esta pesquisa pretende colaborar para o debate e diversidade das abordagens do PC na formação do enfermeiro.

OBJETIVO

Analisar a constituição do pensamento crítico na formação do enfermeiro ancorada na abordagem por competência e no currículo integrado, considerando o processo de avaliação, captando seus desafios e propondo estratégias de superação.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi submetida à apreciação e aprovada pelo Parecer 3.290.052/2019 do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (UNICAMP). Foi solicitada autorização de audiogravação dos dados e divulgação do material da sua análise.

Referencial teórico-metodológico

A pesquisa está fundamentada na Teoria das Representações Sociais (TRS). Esse referencial compreende que a formação de uma realidade social se dá quando algo “novo” ou “não familiar” para um indivíduo ou comunidade se conforma como habitual; em outras palavras, quando pode ser assimilado como um fenômeno fornecendo o referencial interpretativo para que as representações, ao serem manifestas, se formatem na qualidade de práticas sociais. As representações sociais são reveladas por meio da linguagem, atribuindo significado à realidade, objetivando a cultura, os valores e os aspectos cognitivos(1414 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes; 2007. 408p.).

Tipo de estudo

Trata-se de pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, com estratégia metodológica de estudo de caso único(1515 Lüdke M, André MEDA. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária; 2018. 128 p.), tendo como enfoque a construção do PC na perspectiva da organização curricular integrada e na abordagem dialógica de competência adotada na instituição pesquisada. A escolha metodológica teve como finalidade aprofundar a análise da constituição do PC nesse contexto de organização curricular. Vincula-se à pesquisa “Formação Profissional em Saúde: significados e desafios de uma práxis crítica e reflexiva”. Neste artigo, será apresentada a análise dos dados da área de competência Educação na Saúde. O estudo seguiu a lista de critérios incluída no Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ), que orienta a pesquisa qualitativa.

Cenário do estudo

A pesquisa foi conduzida em instituição de ensino superior pública, estadual, situada no centro-oeste do estado de São Paulo, Brasil. A formação do enfermeiro ocorre em quatro anos, com carga horária de 5.400 horas. O curso tem estrutura curricular anual, seriada, em período integral, utilizando métodos ativos de ensino-aprendizagem, currículo integrado e abordagem dialógica de competência. A organização curricular ocorre por meio da unidade educacional sistematizada (UES), unidade de prática profissional (UPP) e unidade educacional eletiva (UEE)(1616 Faculdade de Medicina de Marília. Projeto pedagógico do curso de Enfermagem [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2018[cited 2018 set 6]. Available from: http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Projeto%20Pedag%C3%B3gico%20da%20Enfermagem%202018_Final.pdf
http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/...
).

Fonte de dados

Na primeira fase da coleta de dados, trabalhou-se com amostra intencional. Realizou-se convite aos docentes, estudantes e preceptores, tendo como critérios de inclusão para professores: profissionais da UES e UPP (envolvendo também Laboratório de Prática profissional – LPP e Apoio à Prática Profissional – APP) do 1º ao 4º ano, com pelo menos seis meses de experiência; preceptores: profissionais que atuam no Hospital de Clínicas e na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que acompanham estudantes do 1º ao 4º ano, há pelo menos seis meses; estudantes: ser estudante do curso de enfermagem, estar desenvolvendo atividades nas UES e UPP, em cada um dos quatro anos do curso, no mínimo por três meses. Foram entrevistados 24 professores (51% do total contratado), 9 preceptores (23,7%) e 15 estudantes (10,3%).

Na segunda fase da coleta de dados, participaram os integrantes da primeira fase, distribuídos em três grupos compostos por docentes e estudantes de acordo com o aceite da participação, considerando a disponibilidade de data e a composição do grupo. No total, foram 13 docentes, 9 estudantes e, ainda que as preceptoras não pudessem participar durante as oficinas, por motivos institucionais, 5 delas fizeram individualmente as atividades previstas na segunda fase. As recusas, nessa fase, foram em razão das disponibilidades de datas e horários para os integrantes estarem nos grupos da oficina. Como critério de exclusão para docentes e preceptores, considerouse ter menos de seis meses de experiência em atividades educacionais com estudantes; e para os estudantes, ter menos de três meses de atividades no ano em que está cursando.

Coleta e organização dos dados

Reconstruiu-se o perfil de competência com base nos dados coletados na primeira fase adaptando-se os procedimentos da Nota Técnica para o Processo de Construção do Perfil de Competência Profissional(1717 Instituto de Ensino e Pesquisa Hospital Sírio-Libanês. Processo de construção de perfil de competência de profissionais[Internet]. 2014[cited 2018 Sep 6]. Available from: https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/Documents/LatoSensu/nota-tecnica-competencia-profissionais.pdf
https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/...
). Utilizou-se entrevista semiestruturada, em que se questionou a todos: (a) Como o processo de ensino e aprendizagem se desenvolve, considerando a perspectiva da construção do pensamento crítico, com a utilização de metodologias ativas em um currículo integrado e com a abordagem dialógica de competência? (b) Quais as capacidades necessárias a serem mobilizadas nas áreas de competência do cuidado individual/coletivo, gestão em saúde e educação na saúde para se constituir uma prática que valorize o pensamento crítico, tendo como referência a organização curricular da instituição?

Inicialmente, realizaram-se quatro entrevistas-piloto e verificou-se que o roteiro planejado não precisaria de ajustes. A coleta dos dados ocorreu no período entre 25 junho e 27 setembro de 2019, na instituição de ensino ou nas unidades de saúde da família (USF), com duração entre 9 e 53 minutos (média de 24,6 minutos). Todas as entrevistas foram efetuadas por uma pesquisadora, com experiência em pesquisa qualitativa, doutora, docente na instituição pesquisada, atuando há 33 anos no curso de graduação e há 8 anos nos programas de mestrado.

Na segunda fase da coleta de dados, a mesma pesquisadora conduziu três oficinas de trabalho com professores e estudantes que já haviam participado da primeira fase. A oficina desenvolveu-se em três momentos: o primeiro teve como intencionalidade a validação dos desempenhos, solicitando que cada participante lesse e preenchesse o instrumento contendo as ações-chave e desempenhos do perfil de competência reelaborados e com espaço lateral para anotações, caso tivessem sugestões de mudanças; no segundo momento, identificou-se por escrito, em instrumento individual, os desafios, suas causas e propostas de superação na formação críticoreflexivo por área de competência; e, no terceiro, os participantes tiveram espaço para dialogar sobre as diversas perspectivas dos desafios, suas causas e as propostas de superação. Cada oficina teve duração de duas horas e meia, sendo realizadas no período de 30/09 a 04/10/2019.

O pesquisador desempenhou papel de coordenação das atividades propostas no primeiro e segundo momentos da oficina. No terceiro, fez a mediação da discussão, solicitou esclarecimento das opiniões para seu detalhamento e ampliação dos dados sobre os desafios, suas causas e propostas.

Análise dos dados

Na primeira fase, tendo como referência a adaptação da Nota Técnica(1717 Instituto de Ensino e Pesquisa Hospital Sírio-Libanês. Processo de construção de perfil de competência de profissionais[Internet]. 2014[cited 2018 Sep 6]. Available from: https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/Documents/LatoSensu/nota-tecnica-competencia-profissionais.pdf
https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/...
) e a abordagem dialógica de competência, fundamentada no referencial holístico de competência(1313 Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ. (org). Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2018. p. 25-36.,1818 Lima VV. Competence: different approaches and implications in the training of healthcare professionals. Interface Comunic Saúde Educ. 2005;9(17):369-79. https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200012
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200500...
), reconstruiuse o perfil de competência agrupado por área, segundo suas respectivas ações-chave e desempenhos. Utilizou-se o confronto e a complementaridade das ideias apresentadas pelos participantes, com base nas perguntas disparadoras da entrevista, utilizando-se a matriz de ações e desempenhos apresentada no Caderno de Avaliação(1919 Faculdade de Medicina de Marília. Caderno de avaliação: cursos de medicina e enfermagem [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2018. [cited 2020 Jan 6]. Available from: http://www.famema.br/institucional/avaliacao/docs/CADERNO%20DE%20AVALIACAO%202018_FINAL%20TIMBRE%20NOVO.pdf
http://www.famema.br/institucional/avali...
) e da UPP do 4º ano(2020 Faculdade de Medicina de Marília. Unidade educacional 4: unidade de prática profissional. [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2020[cited 2020 Jan 15]. Available from: http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Caderno%20de%20S%C3%A9rie%20-%204%C2%AA%20Enfermagem%202020%20-%20retificado%20FINAL.pdf
http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/...
) da instituição pesquisada. Posteriormente, o material foi retomado para triangulação(2121 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 2014. 416 p.) entre os dados das entrevistas e das fases da oficina, visando à finalização da reconstrução do perfil de competência profissional.

Além do perfil, processou-se o material de todas as entrevistas, por segmento dos participantes (docentes, estudantes e preceptores), por meio do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), fundamentado na TRS(1414 Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes; 2007. 408p.). Ele organiza o dado qualitativo agregando os discursos particulares a partir de cada disparador da entrevista, considerando as expressões-chave e ideias centrais semelhantes ou complementares, elaborando um ou diversos discursos-síntese, que é o DSC(2222 Lefevre F, Lefevre AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul (RS): Educs; 2005. 255 p.). A área de competência Educação na Saúde resultou na sistematização de 13 DSCs dos docentes, 14 dos discentes e 12 dos preceptores.

O material das oficinas sobre os desafios, suas causas e estratégias de superação foram organizados em um quadro por área de competência, considerando todos os instrumentos preenchidos pelos participantes durante as oficinas de trabalho.

O material sistematizado e analisado foi validado por outra pesquisadora com título de livre docência, tendo acompanhado todo o processo de coleta e análise dos dados.

RESULTADOS

Os estudantes têm idade entre 18 e 25 anos (média de 20,4 anos); 2 são homens e 13 são mulheres. As preceptoras são enfermeiras, com idade entre 31 e 46 anos (média de 37,9 anos), tendo entre 2 e 19 anos (média de 8,5 anos) de atuação como preceptoras; todas têm especialização; quatro têm mestrado; uma tem doutorado. Das nove participantes, cinco (55,5%) são egressas do curso de graduação da instituição pesquisada. Os docentes têm idade entre 36 e 65 anos (média de 51,4 anos); 23 mulheres e 1 homem; 20 enfermeiras, 2 médicas e 2 psicólogas; têm entre 1 e 35 anos de atividade docente (média de 19,4 anos); 21 participantes têm especialização; 2 têm residência médica; 20 têm mestrado; 12 têm doutorado e 1 participante tem pós-doutorado. Entre os docentes, 15 (62,5%) são egressos dos cursos de enfermagem e medicina da instituição pesquisada.

Área de competência Educação na Saúde: a avaliação na constituição do pensamento crítico na formação do enfermeiro

Os participantes destacaram capacidades transversais que potencializam a constituição do PC na prática dos estudantes, sendo a área de competência Educação na Saúde (Quadro 1) a que viabiliza a operacionalização das demais áreas, por constituir a “produção e sistematização de conhecimentos relativos à formação e ao desenvolvimento para a atuação em saúde, envolvendo práticas de ensino, diretrizes didáticas e orientação curricular”(2323 Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Glossário temático: gestão do trabalho e da educação na saúde[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012[cited 2020 Jan 16]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/glossario_gestao_trabalho_2ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Captou-se, também, que a avaliação nessa área de competência é um eixo estruturante na formação dos profissionais e na construção do PC, por uso de processos que levam à formação da pessoa desenvolvendo atitudes de corresponsabilização (consigo e com o outro), além de possibilitar a análise situacional para a tomada de decisão pautada em valores éticos, enquanto condição humana nas relações estabelecidas.

Quadro 1
Perfil de competência da área Educação na Saúde, ações-chave e desempenho, Marília, São Paulo, Brasil, 2020

Nessa perspectiva, na delimitação do perfil de competência (Quadro 1), aponta-se uma abordagem avaliativa para o reconhecimento das capacidades conquistadas, potencialidades, destacando-se o auxílio para reconstrução da prática, da socialização e da atualização dos conhecimentos a fim de se constituir a transformação das práticas.

O PC é tido como capacidade a ser mobilizada nas ações vivenciadas nos cenários de prática profissional (Quadro 1). Descreve-se que a construção da prática profissional está assentada no método científico, mas na perspectiva da constituição de sujeitos, reconhecendo-se a si e ao outro com atitude ética e aberta aos diferentes pontos de vista, corresponsabilizando-se com o grupo, mas também percebendo o impacto/mobilização que as situações provocam em si mesmo.

Para os docentes, preceptores e estudantes, a avaliação é representada enquanto espaço para a expressão das vivências, análise do desempenho com foco em como o estudante opera suas capacidades na ação cotidiana no mundo do trabalho, promovendo feedback por meio da análise do desempenho nos cenários de prática, visto que a organização da formação ocorre por meio de currículo integrado e com abordagem dialógica de competência. Os docentes (Quadro 2) destacam ser possível captar os conhecimentos prévios dos estudantes, sua habilidade técnica ou capacidade cognitiva, bem como trabalhar as atitudes.

Quadro 2
Discurso do Sujeito Coletivo dos docentes sobre capacidades transversais, com enfoque na avaliação para a constituição do pensamento crítico, área de competência Educação na Saúde, Marília, São Paulo, Brasil, 2020

Os preceptores destacam a necessidade de que o docente/preceptor não utilize a avaliação em caráter punitivo (Quadro 3).

Quadro 3
Discurso do Sujeito Coletivo dos preceptores sobre a avalição, área de competência Educação na Saúde, Marília, São Paulo, Brasil, 2020

Os discentes (Quadro 4) consideram que a avaliação é uma prática complexa, sendo necessário construir um espaço em que se promovam relações seguras e de confiança entre os participantes do grupo.

Quadro 4
Discurso do Sujeito Coletivo dos discentes sobre avalição, área de competência Educação na Saúde, Marília, São Paulo, Brasil, 2020

Para tanto, a capacidade de comunicação por meio do diálogo entre as pessoas é representada no DSC dos três segmentos como atributo importante na aprendizagem ao constituir o PC, sabendo fazer e receber críticas, respeitando a visão de cada um em momentos de conflito.

Para que os desempenhos da área de competência Educação na Saúde se desenvolvam ao longo da formação, identificaram-se os desafios, suas causas e propostas de superação (Quadro 5).

Quadro 5
Descrição dos desafios na realização da avaliação, suas causas e propostas de superação, área de competência Educação na Saúde, Marília, São Paulo, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

Na abordagem dialógica de competência e no currículo integrado, a aprendizagem é construída no cenário da prática profissional(1313 Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ. (org). Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2018. p. 25-36.). Com isso, ao definir o perfil de competência, estamos dando direcionalidade ao trabalho com os conteúdos junto com os estudantes, durante a formação, delimitando-se quais ações-chave serão trabalhadas e quais capacidades serão mobilizadas, de acordo com o grau de autonomia e domínio para cada momento da formação(2424 Chirelli MQ, Nassif JV. Avaliação critério-referenciada: acompanhamento do estudante no currículo orientado por competência. Rev Pesqui Qualitativa. 2019;7:169-92. https://doi.org/10.33361/RPQ.2019.v.7.n.14.264
https://doi.org/10.33361/RPQ.2019.v.7.n....
). Cada estudante irá mobilizar as capacidades na ação a depender da forma como compreende e interpreta as situações vividas, influenciado por sua visão de mundo, pela sua linha de base das capacidades constituída ao longo de sua vida por meio das experiências.

Na descrição do desempenho, há influência dos atores que participaram de sua construção e delimitaram quais ações e desempenhos consideram importantes para a formação do profissional. Essa influência ocorre por ter correspondência com sua representação social acerca da prática profissional, seus valores, crenças e abordagens teóricas(1313 Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ. (org). Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2018. p. 25-36.).

Nos DSCs, revela-se que o movimento avaliativo promove construção do PC por meio da autoanálise, metacognição e metanálise, com base em uma atitude que acolha o estudante enquanto sujeito em sua formação. Tem a finalidade de gerar aprendizado com qualidade social. A qualidade aqui está voltada para as aprendizagens, considerando o estudante enquanto pessoa. Ele é instigado a refletir, a construir o PC sobre seu desempenho nos cenários, percebendo as próprias atitudes, com a intenção de criar laços e relações de confiança, reconhecendo-se como humano em face da situação vivida.

Considera-se que os processos educacionais estão voltados para a formação humana, sendo esta multidimensional, tendo influência da dimensão política, ética, afetiva, corporal, cognitiva, artística e cultural. Todas essas dimensões, ao estarem presentes, promovem práticas críticas e reflexivas na direção da emancipação dos sujeitos nos processos educacionais(2525 Bertagna RH. Dimensões da formação humana e qualidade social: referência para os processos avaliativos participativos. In: Sordi MRL, Varani A, Mendes GSCV. (Orgs). Qualidade(s) da escola pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando Publicações; 2017. p. 31-46.).

A reflexão está focada no processo de construção da prática profissional como prática social, inserida no mundo do trabalho. Para dar suporte a esse movimento focado no processo, apoiamo-nos na perspectiva da avaliação formativa e nos princípios da responsabilização, a qual pressupõe ação conjunta dos atores implicados assumindo direitos e deveres referenciados na qualidade social da escola pública(2626 Sordi MRL. A qualidade social da escola pública em confronto com a lógica dos reformadores empresariais. In: Sordi MRL, Varani A, Mendes GSCV. (Orgs.) Qualidade da Escola Pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. p. 83-100.-2727 Sordi MRL, Bertagna RH, Silva MM. The Participatory Institutional Evaluation and the participation of political spaces constructed, reinvented, and achieved at school. Cad CEDES. 2016;36(99):175-92. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160503
https://doi.org/10.1590/CC0101-326220161...
).

A avaliação, como meio para a construção do PC na visão emancipadora(1010 Kahlke R, White J. Critical thinking in health sciences education: considering "Three Waves". Creative Education. 2013;4(12A):21-29. https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100
https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100...
-1111 Kosik K. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra; 2007. 248 p.,2828 Zeichner KM. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa: Educa; 1993. 131 p.), configurase enquanto processo social, envolvendo processos intersubjetivos e constituindo-se na relação entre as pessoas, não isenta de valores, pois gera posicionamentos na elaboração e apresentação das críticas durante as análises diante do vivido, construindo sentidos, percepções e saberes. Ela envolve todos os implicados nos processos: professores, estudantes, técnicos, gestores, responsáveis pelas políticas públicas, membros da sociedade, dentre outros. Operacionaliza-se em meio a processos de comunicação com linguagens e objetivos compreensíveis, necessitando, muitas vezes, de acordos que, nem sempre, contemplam todas as dimensões desejáveis, revelando sua provisoriedade(2929 Dias Sobrinho J. Assessment: institutional and political dilemmas and conflicts. Avaliação. 2018;23(1):1-4. https://doi.org/10.1590/s1414-40772018000100001
https://doi.org/10.1590/s1414-4077201800...
-3030 Dias Sobrinho J. Educational evaluation: the production of meaning with educational value. Avaliação. 2008;13(1):193-207. https://doi.org/10.1590/S1414-40772008000100011
https://doi.org/10.1590/S1414-4077200800...
).

Portanto, a construção e implementação de um projeto comprometido com a formação humana traduz-se na elaboração coletiva, pactuada e publicizada das diretrizes do processo educacional e seus indicadores no Projeto Pedagógico de Curso (PPC)(2626 Sordi MRL. A qualidade social da escola pública em confronto com a lógica dos reformadores empresariais. In: Sordi MRL, Varani A, Mendes GSCV. (Orgs.) Qualidade da Escola Pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. p. 83-100.-2727 Sordi MRL, Bertagna RH, Silva MM. The Participatory Institutional Evaluation and the participation of political spaces constructed, reinvented, and achieved at school. Cad CEDES. 2016;36(99):175-92. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160503
https://doi.org/10.1590/CC0101-326220161...
). A formação permanente, crítica e reflexiva dos professores torna-se, assim, estratégia central nos processos de mudanças, uma vez que se destacou como desafio a dificuldade de se trabalhar com a avaliação emancipadora, focada nos processos e produtos, na análise do percurso que o estudante constrói ao longo de sua formação.

A avaliação formativa tem o papel de reconhecimento das situações, de forma que professor e estudante possam analisá-las para construir novos planos voltados para a promoção das aprendizagens dos estudantes. Reforça-se, assim, que a avaliação não se coloca à parte do processo, nem deve, o professor, se perceber como mero espectador do desempenho dos estudantes. Compete a ele a mediação rigorosamente planejada para fomentar o alcance das aprendizagens; logo ele atua para promover as aprendizagens e não para medir as aprendizagens do estudante do lado de fora(3131 Fernandes D. Towards a theory of formative assessment. Rev Port Educação[Internet]. 2006 [cited 2020 Jan 15];19(2):21-50. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v19n2a03.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v...
-3232 Fernandes D. Teaching and assessing in higher education: reflections based upon research done within the AVENA project. Cad CEDES. 2016;36(99):223-38. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160370
https://doi.org/10.1590/CC0101-326220161...
).

Na Avaliação Formativa Alternativa (AFA), o estudante e o professor constroem uma interação e comunicação para que este último possa estabelecer pontes entre o que se considera importante aprender e o mundo do estudante (suas características, os acúmulos que já produziu, como pensa, como aprende, o que e como sente). A avalição ocorre, então, por meio de feedback inteligente, tendo como intenção a ativação de análises e metanálise, auxiliando e controlando as aprendizagens, melhorando a motivação e autoestima do estudante. Deve ser frequente, focada nas proposições de aprendizagens e no desempenho do estudante, que é quem constrói responsabilização progressiva pela aprendizagem com maior profundidade e estabelece compromisso com as ações que realiza, desenvolvendo complexidade de pensamento. Isso o ajuda a regular e orientar o próprio trabalho(3131 Fernandes D. Towards a theory of formative assessment. Rev Port Educação[Internet]. 2006 [cited 2020 Jan 15];19(2):21-50. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v19n2a03.pdf
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v...
-3232 Fernandes D. Teaching and assessing in higher education: reflections based upon research done within the AVENA project. Cad CEDES. 2016;36(99):223-38. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160370
https://doi.org/10.1590/CC0101-326220161...
).

Ao se discutir sobre o trabalho na escola, o processo educacional, envolvendo a avaliação, é constituído de uma rede de relações multilaterais; e, para que se possa ter um trabalho colaborativo entre os seus participantes, necessita-se estabelecer a confiança relacional, em contraposição à atividade de concorrência expressa na promoção de premiações ou na punição e correção dos desvios em relação à meta. O conceito de confiança relacional estabelece quatro fatores essenciais na constituição de sua dinâmica: respeito, consideração para com os outros, competência e integridade. Quando ocorre falha ou ausência em um deles, compromete-se toda a relação construída(77 Freitas LC. The education entrepeneurial reformists and the dispute for the control of the pedagogical process in schools. Educ Soc. 2014;35(129):1085-114. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
https://doi.org/10.1590/ES0101-733020141...
,3333 Bryk AS, Schneider B. Trust in schools: a core resource for improvement. Educ Leadership. [Internet]. 2003 [cited 2020 Jan 15];60(6):40-5. Available from: http://www.ascd.org/publications/educational-leadership/mar03/vol60/num06/Trust-in-Schools@-A-Core-Resource-for-School-Reform.aspx
http://www.ascd.org/publications/educati...
).

Limitações do estudo

No artigo, abordou-se a constituição do PC na área de competência Educação na Saúde. Necessita-se, ainda, desvendar como trabalhar essa área de competência em combinação com as demais áreas do Cuidado às Necessidades Individuais e Coletivas em Saúde e Gestão para o Cuidado em Saúde. Busca-se compreender como o perfil de competência da área Educação na Saúde, em especial a avaliação, auxilia na constituição do PC em cada uma das demais áreas.

Contribuições para a Área

A adoção do PC, utilizando o método dialético para construção dos processos, conecta-se à análise e compreensão do mundo em que os indivíduos atuam como sujeitos históricos, envolvidos com a humanização e compromissados com a justiça social, tendo influência das dimensões política, ética, afetiva, corporal, cognitiva, artística e cultural. Todas essas dimensões, ao estarem presentes, promovem práticas críticas e reflexivas na direção da emancipação dos sujeitos nos processos educacionais. Considera-se que a educação pode promover a valorização e emancipação dos professores, estudantes, das pessoas/família/comunidade a serem cuidadas. Portanto, o referencial de educação e as práticas de avaliação precisam ser debatidos coletivamente, pois se vinculam à decisão institucional de como organizar o currículo para a formação do enfermeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção do perfil de competência está inserida em um contexto de constante mudança. As ideias e as propostas transitam pelo imaginário coletivo, mudando na interação com as ações realizadas pelos gestores ao se operacionalizar o PPC, manifestando as crenças e valores dos sujeitos que atuam no projeto, de acordo com as bases teórico-filosóficas defendidas e que sustentam as práticas realizadas, vinculadas a projetos de emancipação e formação humana ou destinadas à reprodução de práticas hegemônicas.

Na reconstrução do perfil de competência, a avaliação mostrou-se como eixo estruturante e transversal na formação do enfermeiro, por ser ferramenta fundamental para a constituição do PC na direção da formação humana e por apresentar qualidade social para a transformação das práticas. A prática transformadora passa pelo resgate da formação enquanto direito à educação na construção da cidadania, assim como sua qualidade é expressa ao se formarem sujeitos ativos que possam interferir nos destinos da organização social cumprindo um papel emancipador e gerando qualidade social. Esse movimento, que necessita ser pactuado no coletivo da instituição, estar expresso no PPC e construído no cotidiano, tem elementos essenciais e processos que se constituem para a formação do profissional como pessoa no mundo, tendo atitudes de corresponsabilização consigo e com o outro, além de permitir a esse indivíduo a análise situacional para a tomada de decisão, pautada em valores da ética enquanto condição humana nas relações estabelecidas.

Percebe-se que, no cenário estudado, há uma lacuna na formação e acompanhamento da prática avaliativa dos professores e estudantes. Esse desafio é fundamental para quem se propõe a fazer mudanças, uma vez que os professores são os sujeitos que potencializam ou desagregam valor nas práticas cotidianas com os estudantes e profissionais dos serviços, pois são eles, os docentes, que possibilitam o “currículo em ação”. Portanto, propõe-se que a educação permanente seja a estratégia para a reflexão crítica e reconstrução da prática pedagógica, abordando as capacidades para a constituição da avaliação emancipadora.

REFERENCES

  • 1
    Frenk J, Chen L, Bhutta ZA, Cohen J, Crisp N, Evans T, et al. Health professionals for a new century: transforming education to strengthen health systems in an interdependent world. Lancet. 2010;376(9756):1923-58. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61854-5
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(10)61854-5
  • 2
    Organização Pan-Americana da Saúde; Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS). Diretriz estratégica para a Enfermagem na Região das Américas [Internet]. Washington, DC: OPAS; 2019 [cited 2019 Feb 2]. 60 p. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/50956?locale-attribute=pt
    » http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/50956?locale-attribute=pt
  • 3
    Mattia BJ, Kleba ME, Prado ML. Nursing training and professional practice: an integrative review of literature. Rev Bras Enferm. 2018;71(4):2039-2049. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0504
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0504
  • 4
    Frota MA, Wermelinger MCMW, Vieira LJES, Ximenes Neto FRG, Queiroz RSM, Amorim RF. Mapping nursing training in Brazil: challenges for actions in complex and globalized scenarios. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):25-35. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27672019
  • 5
    Ximenes Neto FRG, Lopes Neto D, Cunha ICKO, Ribeiro MA, Freire NP, Kalinowski CE, et al. Reflections on Brazilian Nursing Education from the regulation of the Unified Health System. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(1):37-46. https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232020251.27702019
  • 6
    Püschel VAA, Oliveira LB. Red Iberoamericana de Investigación en Educación en Enfermería: Região Brasil. Rev Cubana Enferm [Internet]. 2015 [cited 2019 Feb 4];30(3). Available from: http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v30n3/enf09314.pdf
    » http://scielo.sld.cu/pdf/enf/v30n3/enf09314.pdf
  • 7
    Freitas LC. The education entrepeneurial reformists and the dispute for the control of the pedagogical process in schools. Educ Soc. 2014;35(129):1085-114. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
    » https://doi.org/10.1590/ES0101-73302014143817
  • 8
    Alfaro-Lefevre R. Critical Thinking Indicators (CTis): 2016 evidence-based version [Internet] 2016[cited 2020 Feb 2]. 10 p. Available from: http://www.alfaroteachsmart.com/2016CTIsRich.pdf
    » http://www.alfaroteachsmart.com/2016CTIsRich.pdf
  • 9
    Ceolin S, González JS, Ruiz MCS, Heck RM. Theoretical bases of critical thinking in ibero-american nursing: integrative literature review. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e3830016. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003830016
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017003830016
  • 10
    Kahlke R, White J. Critical thinking in health sciences education: considering "Three Waves". Creative Education. 2013;4(12A):21-29. https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100
    » https://doi.org/10.4236/ce.2013.412A100
  • 11
    Kosik K. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e Terra; 2007. 248 p.
  • 12
    Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2019. 144 p.
  • 13
    Ribeiro ECO, Lima VV, Padilha RQ. Formação orientada por competência. In: Lima VV, Padilha RQ. (org). Reflexões e inovações na educação de profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2018. p. 25-36.
  • 14
    Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes; 2007. 408p.
  • 15
    Lüdke M, André MEDA. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária; 2018. 128 p.
  • 16
    Faculdade de Medicina de Marília. Projeto pedagógico do curso de Enfermagem [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2018[cited 2018 set 6]. Available from: http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Projeto%20Pedag%C3%B3gico%20da%20Enfermagem%202018_Final.pdf
    » http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Projeto%20Pedag%C3%B3gico%20da%20Enfermagem%202018_Final.pdf
  • 17
    Instituto de Ensino e Pesquisa Hospital Sírio-Libanês. Processo de construção de perfil de competência de profissionais[Internet]. 2014[cited 2018 Sep 6]. Available from: https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/Documents/LatoSensu/nota-tecnica-competencia-profissionais.pdf
    » https://iep.hospitalsiriolibanes.org.br/Documents/LatoSensu/nota-tecnica-competencia-profissionais.pdf
  • 18
    Lima VV. Competence: different approaches and implications in the training of healthcare professionals. Interface Comunic Saúde Educ. 2005;9(17):369-79. https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200012
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200012
  • 19
    Faculdade de Medicina de Marília. Caderno de avaliação: cursos de medicina e enfermagem [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2018. [cited 2020 Jan 6]. Available from: http://www.famema.br/institucional/avaliacao/docs/CADERNO%20DE%20AVALIACAO%202018_FINAL%20TIMBRE%20NOVO.pdf
    » http://www.famema.br/institucional/avaliacao/docs/CADERNO%20DE%20AVALIACAO%202018_FINAL%20TIMBRE%20NOVO.pdf
  • 20
    Faculdade de Medicina de Marília. Unidade educacional 4: unidade de prática profissional. [Internet]. Faculdade de Medicina de Marília. Marília, 2020[cited 2020 Jan 15]. Available from: http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Caderno%20de%20S%C3%A9rie%20-%204%C2%AA%20Enfermagem%202020%20-%20retificado%20FINAL.pdf
    » http://www.famema.br/ensino/cursos/docs/Caderno%20de%20S%C3%A9rie%20-%204%C2%AA%20Enfermagem%202020%20-%20retificado%20FINAL.pdf
  • 21
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo (SP): Hucitec; 2014. 416 p.
  • 22
    Lefevre F, Lefevre AMC. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul (RS): Educs; 2005. 255 p.
  • 23
    Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Glossário temático: gestão do trabalho e da educação na saúde[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2012[cited 2020 Jan 16]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/glossario_gestao_trabalho_2ed.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/glossario_gestao_trabalho_2ed.pdf
  • 24
    Chirelli MQ, Nassif JV. Avaliação critério-referenciada: acompanhamento do estudante no currículo orientado por competência. Rev Pesqui Qualitativa. 2019;7:169-92. https://doi.org/10.33361/RPQ.2019.v.7.n.14.264
    » https://doi.org/10.33361/RPQ.2019.v.7.n.14.264
  • 25
    Bertagna RH. Dimensões da formação humana e qualidade social: referência para os processos avaliativos participativos. In: Sordi MRL, Varani A, Mendes GSCV. (Orgs). Qualidade(s) da escola pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando Publicações; 2017. p. 31-46.
  • 26
    Sordi MRL. A qualidade social da escola pública em confronto com a lógica dos reformadores empresariais. In: Sordi MRL, Varani A, Mendes GSCV. (Orgs.) Qualidade da Escola Pública: reinventando a avaliação como resistência. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. p. 83-100.
  • 27
    Sordi MRL, Bertagna RH, Silva MM. The Participatory Institutional Evaluation and the participation of political spaces constructed, reinvented, and achieved at school. Cad CEDES. 2016;36(99):175-92. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160503
    » https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160503
  • 28
    Zeichner KM. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa: Educa; 1993. 131 p.
  • 29
    Dias Sobrinho J. Assessment: institutional and political dilemmas and conflicts. Avaliação. 2018;23(1):1-4. https://doi.org/10.1590/s1414-40772018000100001
    » https://doi.org/10.1590/s1414-40772018000100001
  • 30
    Dias Sobrinho J. Educational evaluation: the production of meaning with educational value. Avaliação. 2008;13(1):193-207. https://doi.org/10.1590/S1414-40772008000100011
    » https://doi.org/10.1590/S1414-40772008000100011
  • 31
    Fernandes D. Towards a theory of formative assessment. Rev Port Educação[Internet]. 2006 [cited 2020 Jan 15];19(2):21-50. Available from: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v19n2a03.pdf
    » http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v19n2a03.pdf
  • 32
    Fernandes D. Teaching and assessing in higher education: reflections based upon research done within the AVENA project. Cad CEDES. 2016;36(99):223-38. https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160370
    » https://doi.org/10.1590/CC0101-32622016160370
  • 33
    Bryk AS, Schneider B. Trust in schools: a core resource for improvement. Educ Leadership. [Internet]. 2003 [cited 2020 Jan 15];60(6):40-5. Available from: http://www.ascd.org/publications/educational-leadership/mar03/vol60/num06/Trust-in-Schools@-A-Core-Resource-for-School-Reform.aspx
    » http://www.ascd.org/publications/educational-leadership/mar03/vol60/num06/Trust-in-Schools@-A-Core-Resource-for-School-Reform.aspx

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2020
  • Aceito
    11 Dez 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br