Resumos
As displasias intraepiteliais de córnea correspondem a lesões de baixo risco de malignidade, dentro do espectro das neoplasias intraepiteliais da superfície ocular. Essas displasias se apresentam como áreas leucoplásicas e têm como um dos principais fatores de risco o papilomavírus humano (HPV). No presente trabalho, os autores descrevem um caso de displasia intraepitelial isolada de córnea, tratada através de excisão cirúrgica, com confirmação histológica e resultado negativo de hibridização de DNA para HPV.
Carcinoma in situ; Doença da córnea; Neoplasias da conjuntiva; Infecções por papillomavirus; Relatos de casos
Cornea intraepithelial dysplasias are lesions with low risk of malignancy within the spectrum of intraepithelial neoplasia of the ocular surface. These areas are presented as dysplasias or leukoplasias and are associated with the presence of human papillomavirus (HPV), a major risk factor. In this report, the authors describe a case of a corneal intraepithelial dysplasia treated by surgical excision, with histological confirmation and negative DNA hybridization for HPV.
Carcinoma in situ; Córneal diseases; Eye neoplasms; Conjunctival neoplasms; Papillomavirus Infections; Case reports
RELATO DE CASO
Captura híbrida negativa em displasia intraepitelial isolada de córnea
Negative hybrid capture in a single intraepithelial corneal dysplasia
Luiz Fernando Taranta MartinI; Marco Antonio Bonini FilhoII; Alexandre Nakao OdashiroIII; Lizabel GemperliIV; Daniela Barbosa GemperliV; Eduardo Melani RochaVI; Jayter Silva de PaulaVII
IDoutor, Chefe do Setor de Glaucoma do Instituto da Saúde Ocular de Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil
IIPós-graduando (Doutorado) pelo Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto (SP), Brasil
IIIDoutor, Responsável pelo Setor de Patologia Ocular do Laboratório de Anatomia Patológica e Citopatologia Campo Grande (MS), Brasil
IVMédica, Diretora do Instituto de Saúde Ocular do Mato Grosso do Sul - Campo Grande (MS), Brasil
VMédica, Chefe do Setor de Córnea do Instituto da Saúde Ocular de Mato Grosso do Sul Campo Grande (MS), Brasil
VIProfessor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto (SP), Brasil
VIIProfessor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto (SP), Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Prof. Dr. Jayter Silva de Paula Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 12 º andar Campus USP Av. Bandeirantes, nº 3900 CEP 14049-900 Ribeirão Preto (SP), Brasil Tel: (16) 602-2499 Fax: (16) 602-2860 E-mail: jayterdepaula@fmrp.usp.br
RESUMO
As displasias intraepiteliais de córnea correspondem a lesões de baixo risco de malignidade, dentro do espectro das neoplasias intraepiteliais da superfície ocular. Essas displasias se apresentam como áreas leucoplásicas e têm como um dos principais fatores de risco o papilomavírus humano (HPV). No presente trabalho, os autores descrevem um caso de displasia intraepitelial isolada de córnea, tratada através de excisão cirúrgica, com confirmação histológica e resultado negativo de hibridização de DNA para HPV.
Descritores: Carcinoma in situ/cirurgia; Doença da córnea/patologia Neoplasias oculares; Neoplasias da conjuntiva; Infecções por papillomavirus/diagnóstico; Relatos de casos
ABSTRACT
Cornea intraepithelial dysplasias are lesions with low risk of malignancy within the spectrum of intraepithelial neoplasia of the ocular surface. These areas are presented as dysplasias or leukoplasias and are associated with the presence of human papillomavirus (HPV), a major risk factor. In this report, the authors describe a case of a corneal intraepithelial dysplasia treated by surgical excision, with histological confirmation and negative DNA hybridization for HPV.
Keywords: Carcinoma in situ/surgery; Córneal diseases/pathology; Eye neoplasms; Conjunctival neoplasms; Papillomavirus Infections/diagnosis; Case reports
INTRODUÇÃO
As neoplasias intraepiteliais de córnea (NIC) e conjuntiva compreendem o espectro mais benigno da neoplasia intraepitelial da superfície ocular(1-4). São lesões com baixo risco de malignidade e de lenta progressão(2,4), que têm como fatores de risco o papilomavírus humano (HPV), exposição a radiação ultravioleta e, possivelmente, infecção pelo HIV(2,5).
As lesões podem se apresentar como um tecido opaco de aspecto membranoso sobre a superfície corneana ou como leucoplasias gelatinosas, planas ou elevadas. São, geralmente, encontradas em áreas de exposição(1,5).
O sistema de captura híbrida em microplaca é um método de biologia molecular, composto por uma solução hibridizadora, que utiliza anticorpos específicos para captura de híbridos de RNA-DNA, com amplificação de sinal. Todos os testes de captura híbrida são, ao mesmo tempo, qualitativos e quantitativos. O método é capaz de detectar os tipos mais comuns de HPV, que representam 95% dos vírus que infectam o trato ano-genital(6-8).
Os autores relatam um caso de displasia intraepitelial corneana tratado exclusivamente com excisão cirúrgica da lesão, com confirmação histológica e resultado negativo de captura híbrida para HPV.
Relato de caso
Paciente do sexo masculino, caucasiano, 61 anos, procurou avaliação oftalmológica de rotina, queixando-se de baixa acuidade visual à direita, progressiva, nos últimos 6 meses. Sem outras queixas oftalmológicas. Ao exame apresentava acuidade visual corrigida de 0,3 no olho direito (OD) e 1,0 no olho esquerdo (OE). Ao exame de biomicroscopia, foram observadas duas lesões epiteliais corneanas em placa no OD, com aspecto leucoplásico acinzentado, sem vascularização e sem acometimento limbar visível (figura 1A e 1B). No OE, não se identificou alteração. O exame fundoscópico apresentava-se normal em ambos os olhos.
O diagnóstico presumido foi de displasia intraepitelial corneana e o tratamento indicado foi a excisão cirúrgica completa das duas lesões, com margem de segurança de 1mm e preservação de tecido limbar. O material retirado foi submetido a estudo histopatológico e captura híbrida para HPV. Foram prescritos colírios de antibiótico de 3/3 horas e lubrificante ocular em gel, de 6/6 horas, por 7 dias. Após 6 dias, a córnea apresentava-se totalmente epitelizada, com leves irregularidades de espessura nas áreas abordadas.
As secções histológicas revelaram fragmentos de epitélio corneano apresentando proliferação das células epiteliais, com moderada atipia, evidenciada por hipercromasia nuclear e aumento da relação núcleo-citoplasma, com presença de pleomorfismos. As células atípicas acometiam cerca de 2/3 da profundidade epitelial e não havia sinais de invasão do estroma corneano (figura 2B). Um raspado da córnea foi também realizado imediatamente após a retirada da lesão. O material foi colhido com uma escova (cotonete) do kit coletor de captura híbrida e transportado no meio coletor, de acordo com as especificações do fabricante (captura híbrida em microplaca - Digene®, Gaithersburg, Maryland, EUA). A captura híbrida em microplaca para HPV teve resultado negativo em duas amostras. O seguimento do paciente foi feito com consultas oftalmológicas bimestrais durante 12 meses. Na última consulta, o paciente apresentava acuidade visual corrigida de 0,7 em OD e 1,0 em OE. À biomicroscopia, observava-se leve irregularidade de espessura corneana na região superior, com epitelização completa e ausência de sinais de recidiva.
DISCUSSÃO
O tratamento primário da neoplasia intraepitelial compreende as excisões cirúrgicas, associadas, em muitos casos, à crioterapia(3-6). Em casos de acometimento conjuntival, a técnica de Moh deve ser preferencialmente utilizada para a redução do risco de recorrência(5). Os antineoplásicos têm sido utilizados como tratamento adjunto, com o objetivo de reduzir o alto índice de recorrência(4,5,9,10-13) e de evitar sucessivas abordagens cirúrgicas, prevenindo fibrose conjuntival e insuficiência limbar(3,13).
Apesar de a excisão cirúrgica ainda ser o tratamento de escolha para a neoplasia intraepitelial, a recorrência das lesões pode chegar a 56%, dependendo da abordagem empregada(3-5). Em função disso, os agentes antineoplásicos têm sido cada vez mais utilizados como terapia adjunta(5,9,13). Entre esses, se destacam a mitomicina C (MMC)(13), o 5-fluouracil (5-FU)( 9) e o interferon 2b(4,5,9), que mostraram-se eficazes na redução das taxas de recorrência e são usados atualmente inclusive como monoterapia em alguns casos(8,10-12).
Apesar dos resultados promissores, os antineoplásicos não são isentos de efeitos colaterais. Além disso, não há consenso sobre a concentração atóxica ideal e o número de ciclos necessários para o tratamento das displasias intraepiteliais de superfície ocular(6). No caso relatado, a lesão foi removida em toda a sua extensão. As margens de segurança apresentaram-se livres de displasias no estudo histopatológico, o que evitou a necessidade de posterior ampliação para tecido limbar e conjuntival. Foi também dispensado o tratamento adjunto com antineoplásicos, uma vez que não houve indícios de acometimento limbar ao exame biomicroscópico ou de recidiva nos doze primeiros meses de seguimento.
A frequência de detecção do HPV nas displasias intraepiteliais da superfície ocular varia consideravelmente, dependendo da metodologia utilizada(7,10-12,14-18). A captura híbrida parece ser o método mais empregado, detectando os 18 principais tipos do vírus, incluindo os que causam lesão de alto grau e carcinoma(8,19,20).
A falha na detecção do HPV pela captura híbrida pode ocorrer em decorrência de alguns fatores. A lesão pode não ser causada pelo HPV, mas ser associada a outra causa, como a radiação ultravioleta; o número de partículas virais para a detecção pelo método pode ser insuficiente; e o tipo do HPV pode não ser passível de detecção pelo método.
Apesar de o método de detecção do HPV por hibridização aqui empregado ser comercialmente disponível e amplamente utilizado no meio médico, ele foi desenvolvido para raspados genitais(19). Alguns trabalhos na literatura demonstraram a presença de HPV na conjuntiva através de outros métodos de detecção, como reação em cadeia da polimerase (PCR) e a hibridização por dot blot (7). Porém, tais métodos possuem custo elevado e não são rotineiramente empregados no país, restringindo-se a uso para pesquisa.
A identificação do HPV nessas lesões pela técnica de captura híbrida é uma ferramenta de baixo custo que pode acrescentar informações importantes na condução de casos de NIC. A ausência de positividade para HPV pode correlacionar-se com menores taxas de recidiva após a exérese das lesões.
No presente relato, a ampla quantidade de material coletado e a tipicidade dos achados histológicos sugerem que o método de captura híbrida por microplaca não foi capaz de detectar o HPV, apontando para a possível presença de um tipo não-detectável do vírus.
Serão necessários, contudo, novos estudos com emprego da técnica aqui proposta, no sentido de se verificar os níveis de sensibilidade e especificidade deste teste, haja vista a importância da detecção do HPV nesse tipo de lesão da superfície ocular e o baixo custo do presente método.
Recebido para publicação em: 7/12/2009
Aceito para publicação em 1/3/2010
Instituição: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Jun 2010 -
Data do Fascículo
Abr 2010
Histórico
-
Recebido
07 Dez 2009 -
Aceito
01 Mar 2010