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Paresia unilateral do terceiro nervo após uso de Metronidazol oral

Resumo

Paciente do sexo feminino, 19 anos, com queixa de diplopia, náusea e vômito de início súbito. Ao exame físico, a paciente apresentava rotação da cabeça para a esquerda e limitação da adução do olho direito, sugerindo paresia do músculo reto medial. Ausência de ptose palpebral ou paresia de outra musculatura ocular extrínseca e sem outras alterações na avaliação oftalmológica. Foi relatado pelo paciente o uso de Metronidazol, duas doses de 500 mg, no mesmo dia em que os sintomas começaram. A ressonância magnética do crânio foi solicitada. O resultado mostrou um cisto da glândula pineal, estando os outros aspectos dentro da normalidade. A paresia do músculo reto medial e diplopia persistiram por 14 dias, mesmo após a suspensão do antibiótico, optando, assim, por iniciar a corticoterapia oral, evoluindo com boa resposta clínica, melhora dos sintomas e regressão da paresia muscular.

Descritores:
Metronidazol/efeitos adversos; Metronidazol/toxicidade; Paralisia do terceiro nervo; Diplopia

Abstract

Female patient, 19 years old, with a complaint of diplopia, nausea and vomiting of sudden onset. Upon physical examination, the patient presented herself with the head position rotated to the left and limitation of adduction of the right eye, suggesting paresis of the medial rectus muscle. Absence of palpebral ptosis or paresis of other extrinsic musculature of the eye, and without other alterations in the ophthalmological evaluation. It was reported by the patient the use of Metronidazole, two doses of 500 mg, the same day the symptoms started. The magnetic resonance imaging of the skull was requested. The result showed a cyst of the pineal gland, the other aspects being within normality. The paresis of the medial rectus muscle and diplopia persisted for 14 days, even after the antibiotic was discontinued, thus opting to initiate oral corticosteroid therapy, evolving with good clinical response, improvement of symptoms and regression of muscular paresis.

Keywords:
Metronidazole/adverse effects; Metronidazole/toxicity; Third nerve palsy; Diplopia

Introdução

O metronidazol é um nitroimidazol amplamente utilizado contra bactérias anaeróbicas e determinados tipos de protozoário. São pró-fármacos que, ao serem reduzidos pela enzima nitro-redutase, liberam radicais livres citotóxicos a estrutura do ácido nucleico dos microorganismos. Ocorre uma desestabilização da estrutura helicoidal do DNA, levando a uma inibição da síntese proteica. É uma boa escolha para o tratamento de infecções gastrointestinais como amebíase ou giardíase, infecções ginecológicas, colite pseudomembranosa por Clostridium, infecção por Helicobacter pylori, preparo de cólon, entre outros.(11 Dingsdag S, Hunter N. Metronidazole: an update on metabolism, structure-cytotoxicity and resistance mechanisms. J Antimicrobial Chemother. 2017; 73(2):265-79.)

Apesar disso, podem haver efeitos adversos significativos como distúrbios gastrointestinais, psiquiátricos, neurológicos e visuais. Em casos muito raros, pode ocorrer toxicidade neuro-oftalmológica, incluindo paresia da musculatura extra-ocular e diplopia. O objetivo deste estudo é relatar um caso raro de paresia parcial do nervo oculomotor (III par craniano) após o uso de metronidazol oral.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 19 anos, melanodérmica, natural do interior do Brasil, queixa de diplopia, náusea e vômito, de início súbito. Ao exame: posição da cabeça com torção para a esquerda e limitação de adução do olho direito , sugerindo paresia do músculo reto medial (Figura 1). Pupilas isocóricas e fotorreativas em ambos os olhos. Ausência de ptose palpebral ou paresia de demais musculaturas extrínsecas do olho. Pressão intra-ocular de 16 mmHg em ambos os olhos. Refração estática plana 20/20 em ambos os olhos. Biomicroscopia: córnea transparente e cristalina, sem reação de câmara anterior em ambos os olhos. Campimetria computadorizada revelou sensibilidade foveal preservada e ausência de escotomas em ambos os olhos. Tomografia de coerência óptica com espessura e arquitetura retiniana preservada, complexo normal de retina-EPR em ambos os olhos. Retinografia: vítreo transparente, disco óptico corado com bordas agudas, mácula bem pigmentada, reflexo presente, periferia sem anormalidades em ambos os olhos. Paciente relata ter feito uso de Metronidazol, duas doses de 500 mg, no mesmo dia em que os sintomas iniciaram, para tratamento de parasitose intestinal. Solicitou-se então ressonância magnética do crânio, que demonstrou um cisto da glândula pineal, sendo os outros aspectos dentro da normalidade. Exames sorológicos para HIV, Sífilis e Toxoplasmose foram não reagentes. Hemograma e VHS sem alterações. A paresia do músculo reto medial e diplopia persistiram por 14 dias, mesmo após a suspensão do antibiótico. Sendo assim, optou-se por iniciar corticoterapia oral empírica, evoluindo com boa resposta clínica, melhora dos sintomas e regressão da paresia muscular (Figura 2).

Figura 1
Paresia do músculo reto medial

Figura 2
Regressão da paresia

Discussão

A fisiopatologia relativa ao efeito neurotóxico do Metronidazol ainda não está totalmente elucidada, embora existam teorias que envolvam edema citotóxico, edema vasogênico e desenergização dos axônios devido a metabólitos. Evidências indicam que não há relação entre dose ou duração do tratamento e efeitos neurotóxicos, sendo variável de indivíduo para indivíduo.(22 Kuriyama, A., Jackson, J., Doi, A. and Kamiya, T. (2011). Metronidazole-Induced Central Nervous System Toxicity. Clin Neuropharmacol. 2011; 34(6): 241-7.) O diagnóstico, nestas situações, é feito diante da correlação entre história clínica e exclusão de outras causas, embora a ressonância magnética de crânio apresente alterações na maioria dos casos de neuro-toxicidade causada pelo metronidazol. Outra peculiaridade relacionada ao caso é a presença de lesão parcial do terceiro par craniano, que pode ser de difícil visualização ao exame de imagem.

O tratamento, conforme a literatura atual, é interromper o uso do metronidazol e empregar cuidados de suporte.(33 Bouraoui R, Limaiem R, Bouladi M, Mghaieth F, El Matri L. (2016). Effets secondaires neuro-ophtalmologiques du traitement par métronidazole chez l'enfant : à propos de deux cas. Arch Pédiatrie. 2016; 23(2):167-70.) No presente caso, optou-se pela corticoterapia devido à persistência dos sintomas , diplopia e paresia do músculo reto medial, por mais de 10 dias após a suspensão do medicamento. Neste contexto, o corticóide foi administrado empiricamente, por se tratar de uma medida não preconizada na literatura, apesar de parecer haver uma relação entre a fisiopatologia da doença e seu efeito anti-inflamatório de diminuição da permeabilidade vascular.(44 Bahn Y, Kim E, Park C, Park HC. Metronidazole induced encephalopathy in a patient with brain abscess. J Korean Neurosurg Soc. 2010;48(3):301-4.,55 Kim E, Na DG, Kim EY, Kim JH, Son KR, Chang KH. MR imaging of metronidazole-induced encephalopathy: lesion distribution and diffusion-weighted imaging findings. AJNR Am J Neuroradiol. 2007;28(9):1652-8.) Destaca-se a evolução clínica importante da paciente após introdução da corticoterapia, com melhora total dos sintomas após poucos dias.

Conclusão

O presente caso mostrou paresia adquirida do músculo reto medial, diplopia e náusea, após uso de Metronidazol, situação extremamente rara, de acordo com a literatura. Não é possível definir a relação direta entre o uso do corticoide e a melhora da paciente, pois comumente há melhora espontânea da neurotoxicidade. Mais estudos são necessários para determinar a eficácia dos corticosteróides em casos de efeitos adversos refratários à suspensão do metronidazol.

Referências

  • 1
    Dingsdag S, Hunter N. Metronidazole: an update on metabolism, structure-cytotoxicity and resistance mechanisms. J Antimicrobial Chemother. 2017; 73(2):265-79.
  • 2
    Kuriyama, A., Jackson, J., Doi, A. and Kamiya, T. (2011). Metronidazole-Induced Central Nervous System Toxicity. Clin Neuropharmacol. 2011; 34(6): 241-7.
  • 3
    Bouraoui R, Limaiem R, Bouladi M, Mghaieth F, El Matri L. (2016). Effets secondaires neuro-ophtalmologiques du traitement par métronidazole chez l'enfant : à propos de deux cas. Arch Pédiatrie. 2016; 23(2):167-70.
  • 4
    Bahn Y, Kim E, Park C, Park HC. Metronidazole induced encephalopathy in a patient with brain abscess. J Korean Neurosurg Soc. 2010;48(3):301-4.
  • 5
    Kim E, Na DG, Kim EY, Kim JH, Son KR, Chang KH. MR imaging of metronidazole-induced encephalopathy: lesion distribution and diffusion-weighted imaging findings. AJNR Am J Neuroradiol. 2007;28(9):1652-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2019
  • Aceito
    11 Out 2019
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