Open-access Laser topoguiado como tratamento de ectasia pós lasik

RESUMO

O laser in situ keratomileusis (LASIK) é o método cirúrgico refrativo mais realizado no mundo com excelentes resultados, porém tal método não é isento de riscos. A ectasia pós LASIK é uma complicação grave e se caracteriza por um aumento progressivo da curvatura e afinamento da córnea, resultando em astigmatismo irregular e diminuição da acuidade visual. Sua incidência na literatura atual é de aproximadamente 0,033%. O principal tratamento dessa complicação é o implante de anel intra-estromal com cross-linking. Neste artigo descrevemos um caso de uma mulher de 45 anos submetida a sucessivas tentativas de tratamento de ectasia pós LASIK, com implante de anel intra-estromal bilateral, sem sucesso em um dos olhos. Foi feito o uso do excimer laser topoguiado através do photorefractive keratectomy (PRK) sem o cross-linking, que optamos por não realizar pela estabilidade há anos, pelo risco alto de haze e pela ablação apenas na lamela (que era espessa).A paciente obteve melhorasignificativa da visão e da qualidade de vida. Mantemos o acompanhamento a cada seis meses desde então com a tomografia da córnea.

Descritores: Ectasia/etiologia; Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ/efeitos adversos; Cirurgia refrativa; Excimer laser; PRK topoguiado

ABSTRACT

The laser in situ keratomileusis (LASIK) is the most widely used refractory surgical method in the world with excellent results, but this method is not without risks. Post-LASIK ectasia is a serious complication and is characterized by a progressive increase in curvature and thinning of the cornea, resulting in irregular astigmatism and decreasing visual acuity. Its incidence in the current literature is approximately 0.033%. The main treatment for this complication is the implantation of an intra-stromal ring with crosslinking. In this article, we describe a case of a 45-year-old woman who underwent successive attempts to treat post-LASIK ectasia, with bilateral intra-stromal ring implantation, with no success in the eyes. Excimer laser was used, made through photorefractive keratectomy (PRK) without cross-linking and the patient obtained significant improvement in vision and in quality of life.

Keywords: Ectasia/etiology; Keratomileusis, laser in situ/adverse effects; Refractive surgery; Excimer laser; Topographic PRK

INTRODUÇÃO

O laser in situ keratomileusis (LASIK) é o método cirúrgico refrativo mais realizado no mundo com alto grau de satisfação e excelentes resultados, porém não é isento de riscos. A ectasia pós LASIK é uma complicação grave e foi descrita pela primeira vez em 1998 por Seiler et al.(1) Caracteriza-se por aumento progressivo da curvaturae afinamentoda córnea, resultando em astigmatismo irregular e diminuição da acuidade visual.(2-4)Alguns fatores de risco são associados como, por exemplo, miopia de alto grau, alterações da topografia da córnea e espessura do leito estromal inferior a 250m (micra).(5-6) A introdução de novos conceitos na avaliação de risco para ectasia como, por exemplo, o percentual de tecido alterado (PTA) descrito por Santhiago em 2015,(7) reduziu a ocorrência dessa complicação. Os primeiros estudosrelatam incidência de 0,66%,(8) bem diferente de 0,033% na literatura atual.(9)

O erro refracional causado pela ectasia pós LASIK pode ser, de início, solucionado com o uso de óculos ou lentes de contato, entretanto quando há sua progressão, terapêuticas mais invasivas devem ser consideradas. Nos últimos anos, a introdução do anel intra-estromal e uso do crosslinking ofereceram ao cirurgião possibilidades no manejo desse pacientes, evitando em muitos casos o transplante de córnea.(9-11) Uma outra forma de tratamento, o excimer laser topoguiado, vem ganhando destaque na literatura médica.(12-13)

Caso clínico

Paciente de 45 anos do sexo feminino que foi submetida a implante de anel intra-estromal bilateral para tratamento de ectasia pós LASIK há aproximadamente 15 anos. Procurou nosso serviço com queixa de baixa visual intensa em olho direito (OD). Ao exame apresentava acuidade visual (AV) de 20/200 em OD que não melhorava com a refração. O olho esquerdo (OE) alcançava 20/40 com a seguinte correção: plano -3,00x90. Retiramos os anéis do OD em julho de 2017 e, dois meses depois, implantamos novos segmentos com o uso do laser de femtosegundo LDV Z8. Nessa época, não tínhamos ainda a nossa disposição um OCT de córnea para melhor planejamento. A paciente evoluiu com dor importante e infiltrados no túnel corneano, requisitando a retirada dos dois segmentos em novembro de 2017. Após insistência por nova tentativa, decidimos por um segundo reimplante. Nesse momento, tivemos acesso a uma ferramenta fundamental - as imagens fornecidas pelo OCT de córnea (Avanti Optovue) - que permitiu medir com precisão a espessura do flap (Figura 1). Ficou claro que o motivo para o desenvolvimento da ectasia foi um retalho espesso, entre 225 e 296micras (aproximadamente) quando o provável planejamento, na época, seria de 160 micras no máximo. Infelizmente não tivemos acesso aos exames antigos e nem ao microcerátomo utilizado, pois seria possível calcular o PTA do nosso caso. Planejamos para o túnel corneano ficar embaixo do flap, porém, pelo OCT pós -cirúrgico (Figura 2), observamos que um dos segmentos ficou entre o flap e o estroma residual, sem melhora da visão e com subsequente extrusão. Discutimos a indicação de transplante de córnea, a qual foi totalmente rejeitada em virtude de histórico familiar de perda visual pós-transplante em seu pai. Após discussão, optamos pela realização de um PRK topoguiado com mitomicina como alternativa à ceratoplastia. Sua refração era -5,50 -4,0x65 (graus) com AV corrigida de 20/60.

Figura 1
Mapa do Galilei pré-operatório

Figura 2
Tratamento T-CAT, EX500

O planejamento cirúrgico baseou-se nas imagens do Topolyzer Vario, que foram transportadas através de um pendrive para o excimer laser EX500 (Alcon Wavelight). O tratamento planejado (Figura 3), foi a correção das aberrações de alta ordem calculada pelo software e uma correção parcial da refração (-1,50-3,50x62), com ablação máxima de 113,86 micras, ou seja, dentro do limite do flap. A cirurgia foi realizada no dia 12 de março de 2019 e, após a fotoablação, aplicamos mitomicina por um minuto com lente de contato (LC) terapêutica ao final. Nopós-operatório, utilizamos vigadexa 6\6 hs por 8 dias, Acular LS de 8\8 e Optive de 3\3 hs. Após 8 dias, retiramos a LC e iniciamos o Flutinol em escala decrescente por aproximadamente 20 dias. Ao fim de sete meses (setembro de 2019), a paciente relatava evolução na sua qualidade visual e tinha uma refração final estável, com OD= -3,00-4,00x70 (20\30) e OE= plano-3,00x90(20\40). As imagens do Galilei pré e pós PRK (Figura 3), mostram um padrão topográfico bem melhor, apesar de ainda apresentar irregularidades significativas. Após a prescrição dos óculos, a paciente relatou uma melhor qualidade visual e um retorno às suas atividades profissionais, manifestando o desejo de utilizar LC gelatinosas posteriormente. Mantemos o acompanhamento rigoroso a cada seis meses com toda a propedêutica de córnea e o caso se mantém estável.

Figura 3
A) Mapa do Galilei pré-operatório. B) Mapa do Galilei pós-operatório.

DISCUSSÃO

O caso relatado é singular, pois após o insucesso do tratamento com o anel intraestromal em três tentativas, optamos pelo pelo tratamento com excimer laser topoguiado no flap sem realizar o cross-linking, o que para muitos cirurgiões seria mandatório. Além disso, a melhora topográfica significativa só ocorreu após um tempo prolongado de seguimento, quando já não havia mais a expectativa de evolução nem da nossa parte e nem da paciente.

A nossa primeira opção de tratamento foi o uso de anel intra-estromal por se se mostrar um bom método na literatura, promovendo o aplanamento central da córnea e permitindo postergar ou até evitar o transplante corneano.(12,14) Porém, algumas complicações são associadas ao implante dos anéis e entre as mais comuns temos: a extrusão (13,8%), posicionamento assimétrico (5%), migração (5%), conjuntivite (2,7%), ceratite bacteriana (2,7%) e hidropsia (2,7%).(12,14) É válido ressaltar que essas complicações na maioria das vezes são benignas e reversíveis após a retirada da órtese. No caso relatado não houve melhora da visão com essa medida terapêutica mesmo após três tentativas, e antes de indicarmos o transplante (que era uma opção inaceitável para a paciente), optamos pelo PRK topoguiado, com a concordância de que a ceratoplastia seria o próximo passo em caso de fracasso.

O PRK topoguiado como objetivo regularizar a córnea,suavizando a superfície anterior e reduzindo as aberrações ópticas de alta ordem. Essa tecnologia é capaz de fazer planejamentos personalizados com base em exames de topografia ou tomografia de córnea.(15) A maioria dos pesquisadores prefere a combinação do PRK topoguiado com o cross-linking, como no protocolo de Atenas para ceratocone descrito por Kanellopoulos(16) e o protocolo de Creta descrito por Kymionis et al.(17) O cross-linking é um procedimento pelo qual a sensibilização da riboflavina com a radiação ultravioleta A (UV-A) induz a formação de reticulações no estroma corneano. Isso altera a biomecânica da córnea, causa um aumento de sua rigidez e reforça a força tectônica corneana, que interrompe o afinamento progressivo, o aumento da curvatura e a consequente deterioração da visã.(18) Em nosso caso, julgamos desnecessário a aplicação do cross-linking, pois não havia mais uma progressão da ectasia; Pode ser questionado que uma nova ablação com excimer laser poderia induzir à piora do quadro, porém lembramos que o local de aplicação do laser foi o retalho corneano, que já não influencia as propriedades biomecânicas da córnea, além de que poderia induzir uma cicatrização excessiva (haze) e baixa visual. Foi uma decisão que pode ser questionada, mas o caso era dramático, que caminhava para um transplante; sabemos que o cross linking simultâneo ao excimer pode resultar em efeitos pouco previsíveis na curvatura da córnea, além de uma possível alteração na transparência. Como a ectasia já estava estabilizada há anos (cross linking natural) e o estroma residual não seria atingido, deixamos essa opção para um segundo tempo, caso seja necessário.

A propedêutica apropriada foi fundamental na análise do caso e na decisão terapêutica. Através do OCT foi possível mensurar de modo confiável a espessura do flap, que permitiu manter a ablação dentro do limite do retalho. Analisando retrospectivamente, poderíamos ter feito um PTK para a desepitelização e desse modo usar o epitélio como "máscara". O OCT fornece o mapeamento epitelial e seria possível calcular a espessura do epitélio e programar o PTK na espessura desejada, o que poderia regularizar ainda mais a superfície corneana. Infelizmente não nos ocorreu isso na época, mas fica como sugestão para futuros casos.

Importante também ressaltar a melhora das imagens da tomografia da córnea entre 3 e 6 meses com melhora também da acuidade visual e da satisfação relatada. Na verdade, não esperávamos essa evolução o que nos levou a um artigo de 2019,(19) onde os autores relatam uma melhora significativa da acuidade visual em pacientes submetidos a ablação topoguiada pelo método Contoura (Wavelight EX 500, Alcon) para tratamento de miopia e astigmatismo em olhos virgens. Na publicação, a incidência de olhos com acuidade visual sem correção de 20/10 passa de 7,0% para 16% entre 3 e 12 meses de seguimento. A provável explicação é o remodelamento epitelial e a neuroadaptação as mudanças nas aberrações de alta ordem ao longo do tempo. Estamos atentos, portanto, a uma ainda possível mudança favorável em nosso caso. O risco de uma evolução da ectasia também fica mais remoto depois que observamos essa melhora com o passar do tempo.

Nosso relato apresenta algumas deficiências pois a documentação pré e pós poderia ser mais detalhada e não tivemos acesso aos dados clínicos antigos da paciente. Além das dificuldades de colaboração da paciente em algumas situações, optamos por enfatizar o que julgamos mais significativo, almejando chamar a atenção para a opção terapêutica escolhida, bem menos invasiva que um transplante de córnea em casos semelhantes e ainda sem a utilização do cross linking.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2020
  • Aceito
    15 Set 2020
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